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  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
  I – Relatório
  O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 6 de Maio de 2010, julgou deserto o recurso interposto por A - requerente de procedimento cautelar que intentou contra B - do Acórdão daquele Tribunal.
  Entendeu o TSI que o prazo para alegações do recurso corria em férias judiciais, nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 94.º e do n.º 1 do artigo 327.º do Código de Processo Civil, pelo que decidiu que as alegações da recorrente foram apresentadas quando o prazo para tal já se havia esgotado.
  Inconformada, recorre a requerente A, para o Tribunal de Última Instância (TUI) formulando as seguintes conclusões úteis:
  - Fundamentalmente, considerou o Venerando Juiz Relator, e o seu entendimento foi reiterado pelo douto Acórdão ora em crise, que os procedimentos cautelares tem sempre carácter urgente, e que os respectivos prazos processuais correm sempre nas férias judiciais, invocando para o efeito o disposto nos arts. 327º, n° 1 e 94°, n° 1 do Código de Processo Civil;
  - Considera a ora Recorrente que a decisão tomada com base em tal entendimento padece de erro na aplicação do direito, por incorrecta interpretação dos comandos legais constantes nos mencionados arts. 327°, n° 1 e 94°, n° 1 do Código de Processo Civil, e que não pode ser sufragada, devendo ser proferido douto Acórdão por esse Venerando Tribunal de Última Instância sobre esta matéria, no qual se deixe consignada a posição segundo a qual os prazos de apresentação das alegações de recurso nos procedimentos cautelares não correm em férias judiciais, conduzindo à admissão do recurso anteriormente interposto pela aqui Recorrente, e à análise das questões de direito aí suscitadas, como é de Justiça;
  - Tendo em conta a natureza dos procedimentos cautelares, e por confronto e análise dos preceitos legais aplicáveis ao vertente caso, é entendimento da aqui Recorrente que o carácter urgente dos procedimentos cautelares termina com a prolação da decisão em primeira instância, onde o Mmo. Juiz fez a sua summaria cognitio a respeito da necessidade ou não do decretamento da providência, cessando então o pressuposto do periculum in mora inerente aos procedimentos cautelares, já que o próprio recurso que impenda sobre tal decisão não suspende a providência, a não ser que seja prestada caução pela parte requerida;
  - O legislador estabelece prazos previstos para a decisão dos procedimentos cautelares na primeira instância, mas já não para a segunda instância, conforme se alcança do regime consagrado no art. 327°, n° 2 do Código de Processo Civil, sendo certo que, caso pretendesse que na fase do recurso se mantivesse a natureza urgente, o teria dito e esclareceria mesmo quais os prazos razoáveis a estabelecer para a decisão, consentâneos com a relevância dos interesses em causa;
  - A prática de actos processuais, ou a não suspensão de prazos, durante o período de férias judiciais, são uma excepção à regra geral do art. 94° do Código de Processo Civil, insusceptível de interpretação extensiva a outros actos que se prolonguem para além da decisão proferida em primeira instância - cfr. n° 2 do art. 327º do Código de Processo Civil;
  - Não correndo por isso em férias judiciais, durante as quais se suspende, o prazo para apresentar alegações de recurso em processo de procedimento cautelar, porque o mesmo só é urgente apenas até à sua decisão em primeira instância;

  II – O Direito
  1. A questão a resolver
  A questão a resolver é a de saber se os procedimentos cautelares só devem revestir carácter urgente até à decisão de 1.ª instância ou se, mesmo na fase de recurso, revestem tal carácter, designadamente para efeitos de continuidade dos prazos processuais nas férias judiciais.
  
  2. Urgência dos procedimentos cautelares na fase de recurso
  A questão que se debate nos autos está há muito identificada e tratada pela doutrina e pela jurisprudência.
  O TUI ainda não se pronunciou sobre a questão.
  O TSI tem entendido uniformemente que os prazos processuais não se suspendem na fase de recurso das providências cautelares1.
  A doutrina conhecida de Macau vai no mesmo sentido2.
  A doutrina portuguesa é largamente maioritária nesta posição3 e o Supremo Tribunal de Justiça português emitiu recentemente um Acórdão uniformizador de jurisprudência no mesmo sentido.4
  Afigura-se-nos que esta é a boa doutrina.
  A lei determina que o prazo processual se suspende nas férias judiciais, excepto para os prazos superiores a 6 meses ou em processos que a lei considere urgentes (artigo 94.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
   “Os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente, precedendo os respectivos actos qualquer outro serviço judicial não urgente” (n.º 1 do artigo 327.º do mesmo diploma legal).
  Por isso, os prazos processuais não se suspendem nas férias dos tribunais nos procedimentos cautelares.
  Mas haverá razões para entender que a urgência do procedimento se limita à tramitação processual em 1.ª instância até à decisão do juiz?
  Não há, de facto.
  Na vigência do Código de Processo Civil de 1961 não havia preceito expresso semelhante ao actual n.º 1 do artigo 327.º dizendo que os procedimentos cautelares são considerados urgentes. Não obstante, era esse o entendimento maioritário. Contudo, também maioritariamente se entendia que a urgência do procedimento se limitava à fase que decorria até à decisão em 1.ª instância, não abrangendo, portanto, a fase subsequente de embargos em 1.ª instância e a fase de recurso.5
  A letra da lei do Código actual, ao dizer que “Os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente...”6 parece apontar no sentido de que, não só todos os procedimentos cauelares são urgentes, como também que a urgência se mantém em todas as fases do processo.
Por outro lado, explica A. ANSELMO DE CASTRO7 “... um dos grandes princípios processuais é o de que a inevitável demora do processo, ou ainda a necessidade de recorrer a ele, não deve ocasionar dano à parte que tem razão: a realização jurisdicional do direito deve proporcionar ao autor satisfação idêntica de interesses à que ele obteria através da realização pacífica e pontual do seu direito. A isto tendem os procedimentos cautelares, de per si ou em conjugação com a autodefesa.”
  Os procedimentos cautelares são, assim, medidas destinadas a prevenir os perigos da natural demora do julgamento ou do curso da acção8, por meio de uma decisão provisória e de cognição sumária, que mantém o estado das coisas, para que ele não se altere durante a pendência da acção principal em condições tais que não seja susceptível de reintegração ou que antecipa a realização do direito que venha, eventualmente, a ser reconhecido, dada a urgência na sua efectivação.
  Por isso, a lei procura assegurar, por vários meios, que estes procedimentos sejam céleres e urgentes.
  Ora, na fase de recurso, mantém-se a necessidade de celeridade e urgência.
  Se a providência é indeferida o requerente tem evidente interesse na rápida apreciação do recurso para que a providência possa ser decretada.
  Mas se a providência é decretada, também o requerido tem interesse em que o recurso seja celeremente apreciado para que a decisão, tomada de forma expedita, possa ser revertida. Como escreve A. ABRANTES GERALDES9 “Tanta protecção merece a posição do requerente que, com invocação e prova sumária dos requisitos legais, obtém um providência com efeitos imediatos, como o requerido que, discordando dos fundamentos de facto ou de direito em que se baseou a decisão, procura afastar os prejuízos que a execução imediata causa na sua esfera de interesses...”.
  O argumento de que a lei fixa prazos para conclusão do procedimento em 1.ª instância e não na fase de recurso (artigo 327.º, n.º 2 do Código de Processo Civil), para fundamentar a tese da não urgência na fase de recurso, não convence. Porventura, ter-se-á concluído que, na vigência do Código anterior, por vezes, o processado se arrastava interminavelmente até se atingir uma decisão em 1.ª instância e ter-se-á procurado evitar tais situações.
  Conclui-se, assim, que o carácter urgente dos procedimentos cautelares se mantém na fase de recurso.
  
III – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.

Macau, 29 de Setembro de 2010.
   
   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin

1 Acórdãos de 6 de Novembro de 2003 e de 23 de Julho de 2009, respectivamente, nos Processos n.º 61/2003 e n.º 333/2009.
2 Cfr. VIRIATO LIMA, Manual de Direito Processual Civil, Macau, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2005, p. 604 e CÂNDIDA PIRES e VIRIATO LIMA, Código de Processo Civil de Macau Anotado e Comentado, Faculdade de Direito da Universidade de Macau, Vol. II, 2008, p. 315.
3 J. LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO E RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2008, p. 14 e 15, C. LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, Coimbra, Almedina, 2004, p. 347 e 348 e A. ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, Coimbra, Almedina, volume III, 3.ª edição, 2004, p. 140 a 142.
4 Acórdão de 31 de Março de 2009, Diário da República, I Série, de 19 de Maio de 2009.
5 Neste sentido, J. LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO E RUI PINTO, Código ..., Volume 2.º, p. 14.
6 O sublinhado é nosso.
7 A. ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, Coimbra, Almedina, 1981, Volume I, p. 130.
8 A. ANSELMO DE CASTRO, Direito..., Vol. III, p. 131.
9 A. ABRANTES GERALDES, Temas..., volume III, p. 141.
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1
Processo n.º 46/2010