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Processo n.º 52/2010. Recurso jurisdicional em matéria penal.
Recorrentes: B, D, C, e E.
Recorrido: Ministério Público.
Assunto: Recurso em processo penal para o Tribunal de Última Instância. Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Objecto do processo. Contradição insanável da fundamentação. Erro notório na apreciação da prova. Atenuação especial da pena. Idade inferior a 18 anos. Medida da pena.
Data do Acórdão: 24 de Novembro de 2010.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.
SUMÁRIO:
I – Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a matéria de facto provada se apresente insuficiente para a decisão de direito adequada, o que se verifica quando o tribunal não apurou matéria de facto necessária para uma boa decisão da causa, matéria essa que lhe cabia investigar, dentro do objecto do processo, tal como está circunscrito pela acusação e defesa, sem prejuízo do disposto nos arts. 339.º e 340.º do Código de Processo Penal.
II - A contradição insanável da fundamentação é um vício intrínseco da decisão, que consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto, bem como entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada.
III - Existe erro notório na apreciação da prova quando se retira de um facto uma conclusão inaceitável, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou quando se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores.
IV – A existência de um dos vícios mencionados no n.º 2 do artigo 400.º do Código de Processo Penal só conduz ao reenvio do processo para novo julgamento se o mesmo for relevante em termos de não ser possível decidir a causa.
V - A acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção constitui o pressuposto material de atenuação especial da pena, pelo que a idade inferior a 18 anos, ao tempo do facto, não constitui fundamento, por si só, para tal atenuação.
VI - Ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima


  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
  I – Relatório
  O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 17 de Julho de 2009:
  a) Condenou o 1.º arguido A, pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de detenção ilícita de substâncias proibidas para consumo pessoal previsto e punível pelo artigo 23.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 5/91/M de 28 de Janeiro, na pena de 2 (dois) meses de prisão;
  b) Condenou o 2.º arguido B e o 4.º arguido C, pela prática em autoria material, na forma consumada e em concurso, de:
   - um crime de detenção ilícita de substâncias proibidas para consumo pessoal previsto e punível pelo artigo 23.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 5/91/M, na pena de 2 (dois) meses de prisão cada;
   - um crime de tráfico de quantidades diminutas previsto e punível pelo artigo 9.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão cada, e multa de MOP 5.000 (cinco mil patacas) conversível em pena de prisão de 30 (trinta) dias, e
   - um crime de violação previsto e punível pelo artigo 157.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão cada.
   - Em cúmulo jurídico, cada arguido foi condenado na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, e multa de MOP 5.000 (cinco mil patacas), conversível em 30 (trinta) dias de prisão.
  c) Condenou o 3.º arguido D e o 5.º arguido E, pela prática em autoria material, na forma consumada e em concurso, de:
   - um crime de detenção ilícita de substâncias proibidas para consumo pessoal previsto e punível pelo artigo 23.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 5/91/M, na pena de 2 (dois) meses de prisão cada; e
   - um crime de violação p.p. pelo artigo 157.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão cada.
  - Em cúmulo jurídico, cada arguido foi condenado na pena de 5 (cinco) anos e 1 (um) mês de prisão.
  Em recursos interpostos pelos 2.º, 3.º, 4.º e 5.º arguidos o Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 3 de Junho de 2010, julgou improcedentes todos os recursos.
  Ainda inconformados, recorrem os mesmos arguidos para este Tribunal de Última Instância (TUI), terminando com as seguintes conclusões:
  Recurso dos 2.º, 4.º e 5.º arguidos:
  A - Os factos dados como provados são incompatíveis entre si e não permitem a Decisão encontrada pelo Douto Tribunal – cfr. arts. 400.º, n.º 2 alínea b), 355.º, ex vi do art. 360.º e 418.º do C.P.P.;
  B - Os factos dados como provados e a matéria probatória que postula a Decisão, também, são incompatíveis entre si, não permitindo a solução de Direito encontrada – cfr. arts. 400.º, n.º2 alínea b), 355.º ex vi do art. 360.º e 418.° do C.P.P.;
  C - Estamos, claramente, perante o vício de contradição insanável da fundamentação, cuja procedência redundará na absolvição do recorrente por esse Douto Tribunal ou, por mera cautela de patrocínio, originará o reenvio dos autos para novo julgamento;
  D - O Douto Tribunal ad quo não apreciou correctamente a prova, excedendo a vinculação a que está obrigado, em clara violação da legis artis, como concluiria, de acordo com todo o exposto nesta motivação de recurso, qualquer homem médio, com o que, sendo este vício sanável com recurso à Decisão recorrida e aos elementos constantes dos autos, deverão ser absolvidos os arguidos ou, perante a existência de vício considerado insanável, deverão V. Exas. ordenar a realização de novas perícias ou solicitar esclarecimento aos peritos autores das perícias realizadas, ou em alternativa os autos ser reenviados para novo julgamento - cfr. arts. 400.º, n.º 2 alínea c), 355.°, ex vi do art. 360.° e 418.° do C.P.P. ;
  E - Existe Erro de Direito, pois atentos os factos dados como provados e a inexistência de qualquer prognose desfavorável à personalidade e conduta dos arguidos B e C, ora recorrentes, ou circunstâncias agravantes que militem a seu desfavor, bem pelo contrário, sempre teriam de beneficiar da atenuação especial do art. 66.° n.º 2.°, alínea f), do C.P.
  G - O Tribunal a quo violou de forma gritante o princípio in dubio pro reo, pois devia ter absolvido os recorrentes ou condenado os mesmos pelo crime p. e p. p. art. 166.°, n.º 1, ou pelo crime p. e p. p. art. 168.° , todos do C.P.
  H - A Decisão recorrida, interpretada de per se, com a experiência comum e com os elementos nela constantes, encontra-se inquinada dos apontados vícios e duma errónea aplicação de regras de Direito inderrogáveis, melhor especificadas supra, nestas conclusões, bem como em todo o alegado nesta motivação de Recurso.
  
  Recurso do 3.º arguido:
  1 - Afigura-se contraditória a descrição pormenorizada feita pela ofendida da prática de actos sexuais com os arguidos, encontrando-se a mesma no estado psíquico que relata nos autos;
  2 - Em face dos elementos objectivos constantes do processo, existem fundadas dúvidas e inúmeras contradições que importava esclarecer a fim de apurar a existência de factos relevantes à decisão da causa, pelo que essa omissão leva à existência na decisão recorrida do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na al. a) do nº 2 do art. 400° do CPP.
  3- Provou-se que os arguidos consumiram o resto da Ketamina e depois que o 4º arguido entrou no quarto (da ofendida) e acordou-a, bem assim enrolou ketamina em pó com papel de cor branca para que a ofendida inalasse.
  4 - É patente a contradição existente entre os dois factos provados porquanto se os arguidos tinham consumido o resto da Ketamina, quer dizer que já tinha acabado a Ketamina e portanto, não era possível que a ofendida a inalasse.
  5 - Verifica-se, deste modo, o vício do erro notório na apreciação da prova, quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, referido no art. 400°., n. 2 , al. c) do CPP.
  6 - As circunstâncias supra descritas permitem a absolvição do recorrente fazendo-se um apelo ao princípio in dubio pro reo. Caso assim se não entenda, os apontados Vícios, a serem julgados procedentes, face ao disposto no art. 418°, nº 1 do CPP, devem levar ao reenvio do processo para novo julgamento.
  7 - O relatório pericial constante nos autos a fls. 27 a 30 não atesta a ocorrência de relações sexuais mantidas pela ofendida nas 24 horas que precederam a realização do exame.
  8 - Não obstante o douto Tribunal deu como provadas as relações sexuais não consentidas entre a arguida (devia querer dizer ofendida) e os arguidos recorrentes.
  9 - Nos termos do disposto no art 149° 1 e 2 do CPP o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador. Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos deve aquele fundamentar a divergência.
  10 - Não vislumbramos nos autos, em face da divergência relativa ao relatório pericial constante nos autos a fls. 27 a 30, a fundamentação exigida no referido preceito legal, pelo que a violação da supra aludida disposição legal constitui questão de direito de que pudesse conhecer a decisão recorrida e fundamento do recurso, nos termos do disposto no art. 400°., 1 do CPP, devendo levar à absolvição do recorrente ou ao reenvio do processo para novo julgamento.
  11- A determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das necessidades de prevenção geral devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que deponham a seu favor.
  12 - Não se absolvendo o recorrente e não sendo julgada procedente a arguição dos vícios de insuficiência e erro acima aduzidos, além da alegada violação do disposto no art. 149.°, 1 e 2 do CPP, sempre a pena a aplicar deverá ter em consideração o facto de o recorrente ser muito jovem e ter trabalho certo e que se fixasse pelo mínimo legal de 3 anos de prisão, permitindo-se, assim, a suspensão da sua execução como estatui o Código Penal no seu artigo 48.°.
  13 - Consideram-se violadas as seguintes normas jurídicas: o disposto nos art. 149°., 1 e 2 e art. 400°, 1 e 2 als. a) e c) do CPP e nos art. 48°. e 65°, 1 e 2 do CP.
  14 - No entender do recorrente, as normas violadas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas de acordo com as conclusões 1 a 12.
  O Ex.mo Procurador-Adjunto, na resposta à motivação, pronuncia-se pela improcedência do recurso.
  No seu parecer, o Ex.mo Procurador-Adjunto manteve a posição já assumida na resposta à motivação.
  
  II – Os factos
  As instâncias consideraram provados e não provados os seguintes factos:
  -- Em Outubro de 2006, a ofendida F conheceu, pela internet, o 1.º arguido A, e depois os dois tornaram-se namorados.
  -- Em 22 de Fevereiro de 2007, cerca das 22h00, a ofendida deslocou-se à residência do 1.º arguido, situada na [Endereço (1)] , e pernoitou na mesma.
  -- No dia seguinte (23 de Fevereiro de 2007), cerca das 7h00, da manhã, a ofendida deslocou-se com o 1.º arguido ao [Café (1)], situado perto da estação de autocarro do Bairro Fai Chi Kei, para se divertirem, onde encontraram os quatro amigos do 1.º arguido, B (2.º arguido), D (3.º arguido), C (4.º arguido) e E (5.º arguido).
   -- Na altura, após negociação, os cinco arguidos decidiram em juntar trezentos e cinquenta dólares de Hong Kong (HKD 350,00) para comprarem ketamina (conhecido por K chai) para consumirem.
   -- Pouco depois, o 1.º arguido e a ofendida saíram do local e voltaram a casa para descansarem.
  -- Depois, o 2.º arguido B entrou em contacto com um indivíduo de sexo masculino chamado G e adquiriu junto deste, por trezentos e cinquenta dólares de Hong Kong (HKD 350,00), um grama de ketamina em pó.
  -- De seguida, os 2.º, 3.º 4.º e 5.º arguidos deslocaram-se à residência do 1.º arguido, levando consigo a referida ketamina.
  -- No caminho para a residência do 1.º arguido, o 4.º arguido C referiu ao 2.º arguido B, 3.º arguido D e 5.º arguido E que achava a ofendida boa (no sentido de ser bonita), bem assim sugeriu cederem a maior parte da ketamina ao 1.º arguido e à ofendida para consumirem, para que os dois entrassem em estados de excitação e de inconsciência, aproveitando assim para violarem a ofendida, e o 4.º arguido C referiu ainda que ele teria que ser o primeiro a violar a ofendida, não permitindo que os outros fossem primeiro.
  -- No mesmo dia (23 de Fevereiro de 2007), cerca das 10h00 de manhã, os 2.º, 3.º, 4.º e 5.º arguidos chegaram à residência do 1.º arguido, situada no [Endereço (1)]. Na altura, o 1.º arguido, a ofendida, H, irmã mais nova do 1.º arguido, e I, amiga desta, encontravam-se na referida residência.
  -- De seguida, o 4.º arguido retirou de um bolso das calças um pacote de ketamina em pó e deitou uma parte de ketamina em cima da mesa que se encontrava na sala, bem assim separou-a em algumas linhas com um cartão para os cinco arguidos consumirem.
  -- Pouco depois, os cinco arguidos voltaram a consumir pela mesma forma, por duas vezes, o resto da ketamina e, quando os arguidos entraram em estado de excitação, puseram música a tocar e começaram a dançar na sala.
  -- Nesse momento, o 1.º arguido entrou no quarto e entregou à ofendida uma garrafa de chá verde e uma palhinha para ela beber. Após consumir um quarto dessa bebida, a ofendida começou a sentir falta de força e adormeceu.
  -- Durante o sono profundo da ofendida, o 4.º arguido entrou no quarto e acordou-a, bem assim enrolou ketamina em pó com papel de cor branca para que a ofendida inalasse. Uma vez que a ofendida já tinha perdido o auto-controlo, ela consumiu a referida ketamina inconscientemente. Depois, a ofendida sentiu falta de força pelo corpo todo e entrou em estado de excitação, bem como, começou a ter alucinações, tendo começado a perder aos poucos a consciência.
  -- Durante a inconsciência, a ofendida ouviu o 2.º arguido B chamá-la uma vez. Depois, o 2.º arguido tirou todas as suas roupas e sentou-se ao lado da ofendida, bem assim apalpou o corpo da ofendida, nomeadamente, os seios e a vagina. De seguida, tirou as roupas da ofendida, pedindo que lhe fizesse sexo oral.
  -- No início, a ofendida estava deitada de costas na cama e o 2.º arguido encontrava-se por cima e de cara virada para ela, bem assim pôs o seu pénis dentro da boca da ofendida para lhe fazer sexo oral. Depois, o 2.º arguido deitou-se de costas na cama e colocou a ofendida por cima das suas pernas, bem assim pressionou a cabeça da ofendida para baixo e disse-lhe para voltar a fazer-lhe sexo oral. Após ejacular dentro da boca da ofendida, o 2.º arguido ainda continuou a pressionar a cabeça desta e obrigou-a a continuar a fazer-lhe sexo oral.
  -- Pouco depois, o 2.º arguido retirou o seu pénis da boca da ofendida e empurrou-a para a cama, bem assim deitou-se por cima dela e introduziu o seu pénis dentro da vagina da ofendida sem utilizar preservativo, tendo, de seguida, feito movimentos de vai e vem continuamente. Entretanto, o 2.º arguido mudou, por diversas vezes, a posição do corpo da ofendida, nomeadamente, curvou as pernas da ofendida, fazendo-a ficar de joelhos como o tronco deitado na cama e por de trás, o 2.º arguido sentou-se na cama e colocou a ofendida por cima das suas pernas, introduzindo o seu pénis na vagina da ofendida, o 2.º arguido retirou o seu pénis para fora da vagina da mesa.
  -- De seguida, a ofendida perdeu a consciência.
  -- Quando a ofendida recuperou a consciência, ouviu o 3.º arguido D dizer: chegou a minha vez! Nessa altura, a ofendida já se encontrava nua deitada na cama.
  -- De seguida, o 3.º arguido tirou as suas calças de ganga e as cuecas e sentou-se por cima da ofendida, pressionada a cabeça desta e pediu que lhe fizesse sexo. Na altura, os 4.º e 5.º arguidos estavam sentados nas cadeiras dentro do quatro a observar.
  -- Após uns instantes de sexo oral, o 3.º arguido retirou da boca da ofendida o seu pénis e introduziu-o dentro da vagina da ofendida sem utilizar preservativo, tendo, de seguida, feito movimentos de vai e vem continuamente. Pouco depois, o 3.º arguido retirou o seu pénis da vagina e ejaculou na barriga da ofendida.
  -- De seguida, a ofendida voltou a perder a consciência.
  -- Quando a ofendida voltou a recuperar a consciência, verificou que ainda estava completamente nua deitada na cama. Nessa altura, o 4.º arguido C estava de cara virada para ela e encontrava-se por cima da mesma, bem assim introduziu o seu pénis dentro da vagina da ofendida, tendo mantido relação sexual com ela sem utilizar preservativo.
  -- Dado que a ofendida sentiu tonturas, ela voltou a perder a consciência pouco depois.
  -- Quando a ofendida voltou a recuperar a consciência, o 5.º arguido E estava de cara virada para ela e encontrava-se por cima da mesma, bem assim introduziu o seu pénis dentro da vagina da ofendida, tendo mantido relação sexual com ela sem utilizar preservativo.
  -- Da mesma forma, uma vez que a ofendida sentiu tonturas, pouco depois voltou a perder a consciência.
  -- Mais tarde, o 2.º arguido B ordenou à ofendida que entrasse no quarto de banho e colocou-a na banheira. Nessa altura, os 4.º e 5.º arguidos seguiram por de trás e entraram também no quarto de banho.
  -- De seguida, o 2.º arguido deu banho à ofendida com água e colocou o(s) seu(s) dedo(s) na vagina da ofendida para lhe limpar.
  -- Após o banho, o 2.º arguido pegou ao colo a ofendida e levou-a para dentro do quarto e ajudou-lhe a vestir, bem assim ordenou-lhe que pusesse as suas meias de seda. Depois, a ofendida voltou a perder a consciência.
  -- Conforme o parecer do médico legal, após exame ginecológico, foi confirmado que o hímen da ofendida apresenta-se completo e em forma de arco. Apesar disso, hímen é um tecido phoroplast e a sua forma e elasticidade apresentam grandes diferenças de pessoa para pessoa. A penetração de um objecto contundente na vagina ou a primeira relação sexual, não provoca forçosamente o rompimento do hímen. Segundo dados de medicina, há registo de mulher com hímen completo após parto, pelo que, mesmo que uma mulher já tenha tido várias relações sexuais, não se deve colocar de lado a possibilidade de que o seu hímen ainda possa se manter completo.
  -- Após reconhecimento, a ofendida identificou o 2.º arguido como sendo a pessoa que lhe tinha abusado sexualmente, pedido para lhe fazer sexo oral e ajudado a tomar banho naquele dia; o 3.º arguido como sendo a pessoa que lhe tinha abusado sexualmente e pedido para fazer sexo oral naquele dia; o 4.º arguido como sendo a pessoa que lhe tinha entregue ketamina para consumir e abusado sexualmente naquele dia; e o 5.º arguido como sendo a pessoa que lhe tinha também abusado sexualmente naquele dia.
  -- Os cinco arguidos detiveram substância para seu próprio consumo, bem sabendo tratar-se de substância proibida pela legislação de Macau.
  -- Por outro lado, os 2.º, 3.º, 4.º e 5.º arguidos entregaram à ofendida a referida substância proibida pela legislação de Macau para seu consumo, tendo-lhe posto na impossibilidade de resistir, e, posteriormente, tiveram relações sexuais sucessivamente, à força, com a ofendida, agindo contra a liberdade sexual da mesma.
   -- Os cinco arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, ao porem em prática as acima referidas condutas, bem sabendo que as suas condutas era proibidas e punidas por lei.
  Mais se provou:
  -- De acordo com o CRC, o 1.º arguido A não é delinquente primário.
  -- Em 18 de Setembro de 2008, o arguido, pela prática de 4 crimes de roubo qualificado, foi condenado pelo 1.º juízo criminal, na pena de 3 anos e 3 meses cada um no processo n.º CR1-07-0281-PCC, e pela prática de um crime de roubo, na pena de 1 ano e 1 mês de prisão efectiva, em concurso de crimes, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão efectiva. O arguido cometeu o crime acima referido em 25 de Julho de 2007. Houve recurso de sentença para o Tribunal de Segunda Instância, e o TSI decidiu, em 21 de Janeiro de 2009, negar provimento ao recurso, decisão essa que transitou em julgado em 9 de Fevereiro de 2009. Ora o arguido está a cumprir pena de prisão no EPM.
  -- O arguido tinha 18 anos ao tempo da prática do crime.
  -- O arguido alegou ser técnico da luz antes de ser aprisionado, mediante o salário mensal de MOP 13.000,00, do qual MOP 4.000,00 era dada à mãe dele como alimentos. O pai do arguido é trabalhador de construção civil, a mãe sofreu ligeiro problema mental. O arguido tem ainda uma irmã mais nova. O arguido tem como habilitação literária o 1.º ano do ensino secundário.
  -- De acordo com o CRC, o 2.º arguido B é delinquente primário.
  -- O arguido tinha apenas 17 anos ao tempo da conduta.
  -- O arguido é agente das relações públicas do casino mediante o salário não determinado, variante entre alguns mil patacas e trinta mil patacas, dando a mãe mensalmente três mil patacas como alimentos. O pai do arguido é trabalhador de fábrica do tecido de malha e a mãe é trabalhadora da limpeza de tigelas de restaurante. O arguido tem três irmãos ou irmãs uterinos. O arguido tem como habilitação literária 3.º ano do ensino secundário.
  -- Consoante o CRC, o 3.º arguido D não é delinquente primário.
  -- Em 16 de Maio de 2008, o arguido, pela prática de um crime de roubo no processo CR2-06-0136-PCC, foi condenado pelo 2.º juízo criminal na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, com suspensão da execução da pena por 2 anos no regime de prova. O arguido cometeu o crime acima referido em 22 de Outubro de 2005.
  -- Em 6 de Novembro de 2008, o arguido foi condenado pelo 3.º juízo criminal no processo n.º CR3-08-0131-PCC, pela prática de 1 crime de tráfico de estupefacientes de quantidades diminutas na pena de 1 ano e 1 mês de prisão e na multa de MOP 5.000,00 ou em alternativa, 33 dias de prisão. A decisão transitou em julgado no dia 17 de Novembro de 2008. O arguido cometeu o crime acima referido em 27 de Agosto de 2007.
  -- Dado que o período da prisão preventiva ultrapassou o prazo de pena que lhe foi aplicada, a referida pena encontrou-se cumprida.
  -- O arguido tinha apenas 18 anos ao tempo da prática do crime.
  -- O arguido é caixeiro no cybercafé mediante o salário mensal de MOP 5.000,00, e paga todos os meses alimentos à sua mãe. O pai do arguido faleceu, enquanto a sua mãe trabalha na fábrica de lavagem.
  -- Ainda tem um irmão mais velho desempregado. O arguido tem como habilitação académica o 4.º ano do curso do ensino primário.
  -- Conforme o CRC, o 4.º arguido C é delinquente primário.
  -- O arguido tinha apenas 16 anos ao tempo da prática do crime.
  -- O arguido alegou ser mágico no parque temático, da cidade Guangzhou, mediante o salário mensal de RMB 2.000,00. Os pais do arguido divorciaram-se no ano 2000, daí em diante, o arguido vivia separado dos pais. A mãe dele é dono duma empresa de promoção predial. O arguido tem um irmão mais velho que acabou de fazer o curso de licenciatura. O arguido tem como habilitação académica o 3.º ano do ensino secundário.
  -- De acordo com o CRC, o 5.º arguido E não é delinquente primário.
  -- Em 23 de Janeiro de 2009, o arguido foi condenado, pelo 3.º juízo criminal n.º CR3-09-0020-PSM, pela prática de um crime de detenção ilícita de estupefacientes para consumo pessoal, na pena de 1 mês de prisão, com suspensão da execução da pena por 1 ano sujeito ao regime de prova. A decisão transitou em julgado em 9 de Fevereiro de 2009. - O arguido cometeu o crime acima referido em 23 de Janeiro de 2009.
  - O arguido tinha apenas 16 anos de idade ao tempo da conduta.
  - O arguido alegou estar desempregado, vivendo da poupança e de vez em quando pedindo aos seus pais as mesadas. Os seus pais trabalhavam no canteiro, nos últimos anos, ficavam desempregado e passaram a viver da poupança. O arguido tem uma irmã mais velha e três irmãos mais novos, dois dos quais ficam sem emprego. Outros dois estudam na escola. O arguido tem como habilitação literário o 1.º ano do ensino secundário.
  Factos não provados:
  -- Outros factos relevantes constantes da acusação e não conformes aos factos provados.
  
  III - O Direito
  1. As questões a resolver
  As questões a apreciar são as atinentes aos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova, bem como às questões de direito que se referem à violação do disposto no artigo 149.º do Código de Processo Penal, à qualificação do tipo legal de crime, à atenuação especial da pena e à medida da pena.
  
  2. Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Objecto do processo. Recurso do 3.º arguido.
  Nos acórdãos de 20 de Março de 2002, no Processo n.º 3/2002 e de 9 de Outubro de 2002, no Processo n.º 10/2002, entre muitos, este Tribunal entendeu que ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, “quando a matéria de facto provada, se apresente insuficiente para a decisão de direito adequada, o que se verifica quando o tribunal não apurou matéria de facto necessária para uma boa decisão da causa, matéria essa que lhe cabia investigar, dentro do objecto do processo, tal como está circunscrito pela acusação e defesa, sem prejuízo do disposto nos arts. 339.º e 340.º do Código de Processo Penal.” E que, portanto “não se verifica o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada relativamente a factos não constantes da acusação ou da pronúncia, nem suscitados pela defesa, e de que não resultou fundada suspeita da sua verificação do decurso da audiência, nos termos do disposto nos arts. 339.º e 340.º do Código de Processo Penal”.
  O 3.º arguido, D, refere contradições nos factos provados – o que manifestamente, não integra o vício em apreciação, mas o constante da alínea b) do n.º 2 do artigo 400.º do Código de Processo Penal – e termina por alegar que importa apurar o que realmente se passou naquela casa na manhã do dia 23 de Fevereiro de 2007.
  Mas o que realmente se passou, no local e na ocasião em que ocorreram os factos narrados nos autos, já foi apurado. Se o recorrente entendia que havia facto constante da acusação ou da defesa que não foi apurado deveria concretizá-lo, o que não faz.
  Improcede o vício suscitado.
  
  3. Contradição insanável da fundamentação. Recurso dos 2.º, 4.º e 5.º arguidos.
  O vício da contradição insanável da fundamentação, previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, é um vício intrínseco da decisão, que consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto, bem como entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada.
  A tese dos recorrentes é a de que há contradição ter-se dado como provado que “... os cinco arguidos voltaram a consumir pela mesma forma, por duas vezes, o resto da ketamina...” e, mais tarde que “Durante o sono profundo da ofendida, o 4.º arguido entrou no quarto e acordou-a, bem assim enrolou ketamina em pó com papel de cor branca para que a ofendida inalasse. Uma vez que a ofendida já tinha perdido o auto-controlo, ela consumiu a referida ketamina inconscientemente”.
  Pois bem, é certo que se deu como provado que os 5 arguidos compraram um grama de ketamina para consumirem na residência do 1.º arguido, o que aconteceu posteriormente. Mas como reconhecem os recorrentes, não está excluído que o 4.º arguido tivesse uma pequena quantidade – que não fizesse parte do grama adquirido pouco antes - que tivesse dado à vítima para inalar.
  Mas ainda que assim não fosse, é evidente que a aludida contradição sempre seria facilmente resolvida e, portanto, não conduziria ao reenvio para apuramento da matéria de facto.
  Na verdade, é indiscutível que os arguidos ora recorrentes planearam dar ketamina ao 1.º arguido – namorado da vítima – e a esta, a fim de que ambos ficassem inconscientes e aqueles pudessem violar a vítima.
  Não sofre dúvida que a vítima inalou ketamina, que a fez perder o total controlo de si mesma.
  Estes são os factos relevantes, que estão perfeitamente assentes, e em cuja motivação da decisão o Tribunal é peremptório.
  Por conseguinte, a haver alguma contradição, ela seria de eliminar, concluindo-se que os 5 arguidos não tinham consumido toda a ketamina, tendo a vítima ingerido, ainda, alguma parte deste produto, posteriormente.
  
  4. Ainda segundo os arguidos é contraditório ter-se dado como provado que “Durante o sono profundo da ofendida, o 4.º arguido entrou no quarto e acordou-a, bem assim enrolou ketamina em pó com papel de cor branca para que a ofendida inalasse. Uma vez que a ofendida já tinha perdido o auto-controlo, ela consumiu a referida ketamina inconscientemente. Depois, a ofendida sentiu falta de força pelo corpo todo e entrou em estado de excitação, bem como, começou a ter alucinações, tendo começado a perder aos poucos a consciência”.
  Não há aqui nenhuma contradição. Depois de ter bebido o líquido ela já não se controlava totalmente, mais ainda não perdido a consciência, o que aconteceu quando inalou a ketamina.
  
  5. Segundo os arguidos é contraditório ter-se dado como provada a violação da vítima com a descrição pormenorizada dos factos por parte da vítima.
  Não se vislumbra nenhuma contradição à luz da definição que atrás demos do vício.
  
  6. Erro notório na apreciação da prova. Recurso dos 2.º, 4.º e 5.º arguidos.
Verifica-se o vício do erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, quando se retira de um facto uma conclusão inaceitável, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou quando se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores.
  Sob a alegação da existência do mencionado vício, os 2.º, 4.º e 5.º arguidos reproduziram os vícios invocados sob a designação do vício da contradição insanável da fundamentação, já examinado, revelando talvez alguma dúvida na qualificação jurídica das questões suscitadas.
  As alegações correspondente às primeira e segunda situações do vício da contradição insanável da fundamentação, estavam bem qualificadas em tal alegação, pelo que é descabido falar-se aqui em erro notório na apreciação da prova.
  Já a terceira alegação, parece configurar-se como correcta a qualificação de erro notório na apreciação da prova. Atente-se que estamos apenas a qualificar a alegação dos arguidos como bem enquadrada juridicamente. Não estamos, ainda, a formular um juízo quanto à existência do vício.
  Ora, não parece haver erro notório na apreciação da prova em o Tribunal ter dado credibilidade à narração da vítima - que foi decisiva no apuramento dos factos – com o facto de ela ter estado inconsciente e com alucinações.
  Repara-se que os factos duraram mais de uma hora. A vítima começou aos poucos a perder a consciência e a ter alucinações, mas não se diz em lado algum que ela ficou completamente inconsciente.
  Por outro lado, a vítima podia ter alucinações e mesmo assim, recordar-se, posteriormente, dos factos, tal como eles ocorreram.
  Por fim, os efeitos da ketamina, não são incompatíveis com o facto de o consumidor se recordar dos factos ocorridos durante a permanência dos efeitos deste estupefaciente.
  Improcedem as questões suscitadas.
  
  7. Erro notório na apreciação da prova. Recurso dos 2.º, 4.º e 5.º arguidos. Continuação.
  Os recorrente referem não se ter detectado qualquer vestígio de sémen na vagina ou na boca da ofendida, nas toalhas que usou para se limpar e nas roupas da cama. E que o exame ginecológico não concluiu que ela tinha tido relações sexuais nas 24 horas anteriores. Bem como não ser crível que ela possa ter sido violada por 5 pessoas em 1 hora.
  Antes de mais, a vítima foi violada por 4 e não por 5 indivíduos.
  Em segundo lugar, em nenhum local se deu como provado que os factos só tiveram a duração de uma hora.
  Em terceiro lugar, em nenhum local se deu como provado que a vítima se limpou a toalhas que foram examinadas.
  Em quarto lugar, não é obrigatório que em lençóis de cama onde se desenrolam actos sexuais fiquem vestígios de sémen.
  Em quinto lugar, os recorrentes procuram ignorar que a vítima foi examinada apenas no dia seguinte, sendo que os factos ocorreram às 10 horas do dia anterior. Não se percebe muito bem como poderia ela ter ainda vestígios de sémen na boca. Quanto aos vestígios de sémen na vagina, deu-se como provado que o 2.º arguido lavou a vagina da vítima após os actos sexuais e não está excluído que ela tenha repetido tais lavagens nesse dia ou no seguinte, antes de ser examinada.
  Não se vislumbra aqui nenhum erro notório na apreciação da prova.
  
  8. Erro notório na apreciação da prova. Recurso dos 2.º, 4.º e 5.º arguidos.
  Os arguidos consideram haver erro notório na apreciação da prova na medida em que o Tribunal deu como provado que “... o 1.º arguido entrou no quarto e entregou à ofendida uma garrafa de chá verde e uma palhinha para ela beber. Após consumir um quarto dessa bebida, a ofendida começou a sentir falta de força e adormeceu” tendo por base o depoimento da vítima, “ quando o exame laboratorial de fls. 219 a 229 dos autos, dão como não provada a existência de qualquer produto estupefaciente na bebida ingerida pela ofendida e pelo seu namorado, o 1.º arguido”.
  Embora não seja o exame laboratorial de fls. 219 a 229 dos autos que se refere ao exame do conteúdo da garrafa de chá verde, mas antes o de fls. 211 a 216, e embora não tenhamos explicação para (i) o facto de o Tribunal de 1.ª instância ter dado como provado que a vítima, após consumir chá verde, começou a sentir falta de força e adormeceu - sendo que a bebida conteria cafeína, que é antes um estimulante – e (ii) ainda ter dado como provado que a vítima já tinha perdido o auto-controlo e que ela consumiu a ketamina inconscientemente (porquê?), estes dois factos não assumem absoluta relevância, no sentido de que ainda que não provados, não obstam à integração dos restantes factos no tipo legal pelo qual os arguidos foram condenados.
  Na verdade, provou-se que os 4 arguidos recorrentes acordaram dar ketamina à vítima para que ela entrasse em estado de excitação e inconsciência, para então aproveitarem para ter relações sexuais com ela.
  E provou-se ainda que lhe deram efectivamente ketamina, que a levou a sentir falta de força pelo corpo todo e entrou em estado de excitação, bem como, começou a ter alucinações, tendo começado a perder aos poucos a consciência.
  E após estes factos tiveram então os recorrentes relações sexuais com ela.
  Ora, quem tiver cópula com mulher depois de, para realizar a cópula, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir pratica o crime de violação, punido com pena de prisão de 3 a 12 anos, nos termos do artigo 157.º do Código Penal.
  Logo, independentemente dos factos relacionados com a ingestão do líquido contido na garrafa de chá verde e mesmos que estes não tivessem ocorrido ou que os recorrentes tivessem dado simplesmente chá verde à vítima, sem qualquer resultado nas faculdades intelectuais, mentais, emotivas ou outras da mesma vítima, o certo é que os restantes factos provados e atrás descritos são suficientes para alicerçarem uma condenação pelo crime de violação.
  Deste modo, os factos relativamente aos quais os recorrentes imputam erro notório são irrelevantes para a decisão final e, portanto, não sustentam o reenvio para novo julgamento, já que, de acordo com o disposto no artigo 418.º do Código de Processo Penal, só quando o vício da matéria de facto não permite decidir a causa é que ocorre o reenvio para novo julgamento.
  Improcede, portanto, a questão suscitada.
  
  9. Erro notório na apreciação da prova. Recurso do 3.º arguido.
  A este propósito, o recorrente invoca os vícios suscitados pelos restantes recorrentes e já apreciados sob os n.º os 3 e 8, pelo que também improcedem as questões suscitadas.
  
  10. Violação do disposto no artigo 149.º do Código de Processo Penal. Recursos de todos os recorrentes.
  Os recorrentes imputam ao Acórdão da 1.ª Instância (e ao Acórdão recorrido na medida em que não revogou aquele) violação do disposto no artigo 149.º do Código de Processo Penal. Dispõe este artigo:
“Artigo 149.º
(Valor da prova pericial)
  1. O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador.
  2. Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência”.
  
  A tese dos arguidos é a de que o relatório ginecológico, a que a vítima foi submetida, não confirma que tenha ocorrido violação ou sequer que ela tenha mantido relações sexuais nas 24 horas que antecederam o exame. Não obstante, o Tribunal deu como provado as relações sexuais não consentidas entre os recorrentes e a vítima, o que configuraria violação do referido preceito.
  Mas sem razão.
  Antes de mais, aos recorrentes não é imputada a violência na prática das relações sexuais com a vítima. O crime de violação, no caso, reside no facto de os arguidos terem tornado inconsciente a vítima ou na impossibilidade de resistir aos actos sexuais (artigo 157.º do Código Penal).
  Assim, o exame não poderia detectar violência nos actos sexuais, porque ninguém acusa os arguidos de violência.
  Pois bem, o exame foi realizado no dia seguinte. Não afirma que a vítima teve relações sexuais nas 24 horas anteriores, mas também não nega tal possibilidade.
  Logo, o Tribunal ao dar como provadas tais relações, em nada afronta o juízo científico que está na base do exame.
  Improcede a questão suscitada.
  
  11. O tipo legal de violação
  Face aos factos provados, não sofre dúvida a integração dos mesmos na previsão do artigo 157.º do Código Penal, como atrás mencionámos.
  O artigo 166.º do Código Penal sempre seria inaplicável visto que a vítima já tinha 14 anos de idade.
  A previsão do artigo 168.º do Código Penal não se verifica, já que a cópula não foi obtida por abuso da inexperiência da vítima, mas antes depois de a terem tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir.
  
  12. Atenuação especial das penas
  Os 2.º e 4.º arguidos não tinham ainda 18 anos ao tempo dos factos. Pretendem, invocando o disposto no artigo 66.º, n.º 2, alínea f) do Código Penal, a atenuação especial das penas.
Relativamente à possibilidade de atenuação por o arguido ter idade inferior a 18 anos, já este Tribunal teve a oportunidade de se pronunciar por várias vezes, tendo-se entendido no Acórdão de 29 de Setembro de 2000, Processo n.º 13/2000, que:
“De acordo com o disposto no n.º 1, do art. 66.º do Código Penal, «o tribunal atenua especialmente a pena, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena».
E acrescenta no n.º 2 do mesmo artigo que, «para efeitos do disposto no número anterior são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:».
E entre tais circunstâncias, enumera-se na alínea f):
«Ter o agente menos de 18 anos ao tempo do facto».
A jurisprudência do TRIBUNAL SUPERIOR DE JUSTIÇA sempre considerou que as circunstâncias previstas neste n.º 2, e designadamente a desta alínea f), não são de funcionamento automático1.
Como explica J. FIGUEIREDO DIAS2«a acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção constitui o autêntico pressuposto processual material da atenuação especial da pena».
E acrescenta o mesmo autor «A diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo3»”.
E no Acórdão de 20 de Novembro de 2002, no Processo n.º 15/2002, este Tribunal decidiu que “A acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção constitui o pressuposto material de atenuação especial da pena, pelo que a idade inferior a 18 anos, ao tempo do facto, não constitui fundamento, por si só, para tal atenuação”.
  Esta doutrina foi reafirmada nos Acórdãos de 9 de Julho de 2003, 8 de Outubro de 2003, 21 de Março de 2007 e 21 de Janeiro de 2009, respectivamente nos Processos n. os 11/2003, 22/2003 e 1/2007 e 56/2008 e é de manter.
  Os arguidos não confessaram os factos, nem têm a seu favor nenhuma circunstância favorável.
  Não é, pois, de atenuar especialmente as penas.
  
  13. Medida das penas.
  Vem ainda a questão da medida da pena.
Relativamente à pretensão de redução das penas entre os seus limites mínimo e máximo, tem este Tribunal considerado que “Ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada” (Acórdãos de 19 de Setembro de 2008 e 23 de Janeiro de 2008, respectivamente, nos Processos n. os 29/2008 e 57/2007).
  As penas do crime de violação não são desproporcionadas, visto que a penalidade aplicável varia entre 3 e 12 anos de prisão.
  Os recorrentes actuaram em grupo, de acordo com um plano conjunto, havendo, portanto, vários elementos que apontam no sentido da prática, por cada um, de 4 crimes de violação, em comparticipação, pelo que tendo sido condenados - cada um - apenas pela prática de um crime, nem sequer se podem queixar da severidade da Justiça.
  Improcedem todos os recursos.
  
  IV – Decisão
  Face ao expendido, nega-se provimento aos recursos.
  Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça fixada em 3 UC.
  Ao defensor do 3.º arguido fixam-se honorários no montante de MOP$1.000,00 (mil patacas).
  Macau, 24 de Novembro de 2010.
   
   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
1 Cfr. o Acórdão de 11.6.98, Processo n.º 851, Jurisprudência, 1998, Tomo I, p. 485.
2 J. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, p. 306.
3 Autor , obra e local citados.
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1
Processo n.º 52/2010