Processo n.º 65/2010. Recurso jurisdicional em matéria penal.
Recorrentes: A e B.
Recorrido: Ministério Público.
Assunto: Recurso para o Tribunal de Última Instância. Medida da pena.
Data do Acórdão: 15 de Dezembro de 2010.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.
SUMÁRIO:
Ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada.
O Relator
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 21 de Outubro de 2010, julgou improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos (1.º) A e (2.º) B, da decisão do Tribunal Colectivo do Tribunal Criminal que os condenou nas penas, respectivamente, de 7 (sete) anos e 11 (onze) meses de prisão e 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente, previsto e punível pelos artigos 8.º, n.º 1 e 10.º, n.º 8 da Lei n.º17/2009.
Porém, o TSI convolou o crime praticado para o de tráfico de estupefaciente, previsto e punível pelos artigos 8.º, n.º 1 da Lei n.º17/2009 e 68.º-A do Código Penal.
Inconformados, interpõem recurso para este Tribunal de Última Instância, formulando as seguintes conclusões:
A:
1) Relativamente à determinação de medida da pena, o tribunal a quo condenou o recorrente pela prática dum crime de tráfico ilícito agravado de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas na pena de prisão de 7 anos e 11 meses.
2) O recorrente considera manifestamente excessiva esta pena.
3) Constata-se no acórdão do Tribunal de Última Instância proferido no âmbito dum processo semelhante – processo de recurso criminal n.º 1/2010 -, que ao arguido que cometera também o n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 17/2009, o tribunal da primeira instância apenas determinou uma pena de 5 anos e 6 meses de prisão.
4) O recorrente compreende que cada caso tem que ser apreciado e julgado conforme as circunstâncias concretas. Porém, após a comparação dos dois casos, e tendo em conta as quantidades de estupefacientes envolvidas, verifica-se facilmente que a medida concreta de pena determinada na presente causa é manifestamente excessiva.
5) Assim, atendendo ao disposto no artigo 65.º do CPM, deve ser aplicada uma pena mais leve ao recorrente.
B:
1) Relativamente à determinação de medida da pena, o tribunal a quo condenou o recorrente pela prática dum crime de tráfico ilícito agravado de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas na pena de prisão de 7 anos e 6 meses.
2) O recorrente considera manifestamente excessiva esta pena.
3) Constata-se no acórdão do Tribunal de Última Instância proferido no âmbito dum processo semelhante – processo de recurso criminal n.º 1/2010 -, que ao arguido que cometera também o n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 17/2009, o tribunal da primeira instância apenas determinou uma pena de 5 anos e 6 meses de prisão.
4) O recorrente compreende que cada caso tem que ser apreciado e julgado conforme as circunstâncias concretas. Porém, após a comparação dos dois casos, e tendo em conta as quantidades de estupefacientes envolvidas, verifica-se facilmente que a medida concreta de pena determinada na presente causa é manifestamente excessiva.
5) Por outro lado, deve ainda ser considerado o facto de o recorrente ser delinquente primário. Assim, atendendo ao disposto no artigo 65.º do CPM, deve ser aplicada uma pena mais leve ao recorrente.
Na resposta à motivação do recurso o Ex.mo Magistrado do Ministério Público defendeu a rejeição dos recursos, sendo que no seu parecer, manteve a posição já assumida.
II – Os factos
As instâncias consideraram provados e não provados os seguintes factos:
1. Pelo menos a partir do dia 27 de Fevereiro de 2009, o 1.º arguido A várias vezes solicitou ao menor C (nascido em 27 de Outubro de 1993), e ao 2.º arguido B para adquirir drogas em Zhuhai, e trazer para ele consumir em Macau e, vender e fornecer a outros.
2. Em 27 de Abril de 2009, pelas 19h00, para o menor C e o 2.º arguido B adquirirem drogas por si em Zhuhai, o 1.º arguido A entregou RMB 1170 ao menor C na casa de câmbio, e entregou mais 60 patacas ao menor C e o 2.º arguido B.
3. No mesmo dia, às 19h21, o menor C e o 2.º arguido B deslocaram-se de Macau para Zhuhai.
4. Após a chegada a Zhuhai, o 2.º arguido B telefonou o fornecedor da droga, e mais tarde o 2.º arguido B e o menor C adquiriram na loja ao pé do [Hotel (1)], Gongbei, Zhuhai, a um vendedor não identificado 10 comprimidos de “five chai” e 2 saquinhos de pós de Ketamina, pelo preço de 1100 yuans. Depois, o 2.º arguido B entregou as drogas ao menor C para ele esconder na cueca e transportar para Macau.
5. Às 20h43 do mesmo dia, o 2.º arguido B e o menor C regressaram a Macau. E foram interceptados pelos agentes do CPSP ao passar pela paragem de taxi da Praça das Portas de Cerco às 21h05.
6. O menor C entregou imediata e voluntariamente a caixa de cigarro da marca “Double Happies”, de cor vermelha e ouro que tinha na posse dele, e que continha 10 comprimidos de cor laranja clara e com letras Erimin 5, e 2 saquinhos de pós brancos. Além disso, os agentes do CPSP apreenderam 60 patacas na sua posse; e um telemóvel na posse do 2.º arguido B..
7. Após o exame laboratorial, foram provados que os aludidos comprimidos de cor laranja clara continham Nimetazepam substância abrangida pela Tabela IV anexa ao DL n.º 5/91/M, com peso líquido de 1,842g; 2 referidos saquinhos de pós brancos continham Ketamina, substância abrangida pela Tabela II-C anexa ao mesmo DL, um tem peso líquido de 2,681g (através da análise quantitativa, corresponde a 84,77% no peso de 2,273g) e outro tem peso líquido de 24,173g (através da análise quantitativa, corresponde a 83,68% no peso de 20,228g).
8. As referidas drogas foram adquiridas pelo 2.º arguido B e o menor C, a pedido do 1.º arguido A com objectivo de as trazer para o arguido 1.º A consumir em Macau, vender e propiciar a outrem.
9. De seguida, os agentes policiais deslocaram-se à moradia do 2.º arguido B que se localiza na [Endereço (1)] e verificaram na estante em cima da mesa de computador do quarto do arguido B 1 bastão telescópico extensível metálico preto, e dentro da gaveta da mesa de computador 5 palhinhas plásticas, em cima do estante 1 saco de pós brancos, no chão ao pé do canto 1 saco de pós brancos, e em baixo do colchão da cama 1 saco de pós brancos.
10. Após o exame laboratorial, o bastão telescópico tem comprimento de 23 cm, e tem comprimento de 62 cm, depois de ser estendido (vide fls. 24 do auto de exame e avaliação dos autos).
11. O referido bastão telescópico metálico foi adquirido pelo 2.º arguido B na data não apurada, e guardado na sua moradia.
12. Após o exame laboratorial, os 3 sacos de pós brancos continham Ketamina, substância abrangida pela Tabela II-C anexa ao mesmo DL, um com peso líquido de 0,668g (através da análise quantitativa, corresponde a 84,46% no peso de 0,564g) e os outros dois respectivamente com peso líquido de 0,011g e 0,265g (através da análise quantitativa, corresponde a 84,98% no peso de 0,225g)
13. As referidas drogas foram adquiridas pelo 2.º arguido B junto do 1.º arguido A, para consumo pessoal.
14. A referida palhinha plástica foi utensílio utilizado pelo 2.º arguido B no consumo de drogas.
15. O referido telemóvel apreendido do 2.º arguido B é instrumento de comunicação utilizado pelo menor C e o 1.º arguido A a transportar drogas; a referida 60 patacas foi recompensa dada pelo 1.º arguido A ao 2.º arguido B e o menor C pelo transporte das drogas.
16. De seguida, os agentes do CPSP interceptaram o 1.º arguido A no centro de diversões electrónicas localizado na Rua de Serenidade, que estava a preparar para a recepção de drogas.
17. Os agentes do CPSP apreenderam na posse do 1.º arguido A 2 telemóveis, 1 cartão de abastecimento de gasolina de Nam Kwong, e dinheiro de 3980 patacas.
18. Após o exame laboratorial, comprovou-se que o referido cartão de abastecimento de gasolina manchou-se da Ketamina, substância abrangida pela Tabela II-C anexa ao DL n.º 5/91/M.
19. O referido cartão de abastecimento de gasolina foi utensílio utilizado pelo arguido A no consumo de drogas e para separar as drogas no tráfico.
20. Os dois telemóveis foram adquiridos no tráfico e eram instrumento de comunicação no tráfico.
21. O 1.º arguido A e o 2.º arguido B agiram livre, voluntária e dolosamente.
22. O 1.º arguido A e o 2.º arguido B conheciam bem as características e a natureza das referidas drogas.
23. O 2.º arguido B comprou, adquiriu, transportou e deteve as referidas drogas, com o objectivo de servir para consumo pessoal ou do terceiro.
24. O 1.º arguido A e o 2.º arguido B sabiam bem que C não atingiu a idade de 16 anos, apesar disso o primeiro mandou e o segundo lhe entregou as referidas drogas para trazer a Macau.
25. O 2.º arguido B sabia bem que não devia deter a referida palhinha plástica como o utensílio utilizado no consumo de drogas.
26. O 1.º arguido A sabia bem que não devia deter o referido cartão de abastecimento de gasolina como utensílio para consumo e separação de drogas.
27. O 2.º arguido B conhecia bem a natureza e a característica do referido bastão telescópico extensível, que se trata de instrumento usado pela força policial como arma de agressão; sem justa causa, deteve e guardou aquela arma sabendo bem que não pode fazê-lo.
28. O 1.º arguido A e o 2.º arguido B sabiam bem que os actos foram legalmente proibidos e sancionados.
De acordo com o CRC, o 2.º arguido é delinquente primário.
De acordo com o CRC, o 1.º arguido não é delinquente primário. ① foi verificado que o 1.º arguido deteve drogas de quantidade diminuta em 25 de Abril de 2008. Tal conduta foi qualificada como crime de detenção de substância proibida para consumo pessoal na sentença datada de 25 de Abril de 2008, no processo CR3-08-0103-PSM. E o arguido foi condenado na pena de MOP8000,00, em alternativa, 57 dias de prisão. A pena se encontrou cumprida. ② foi verificado que o 1.º arguido deteve drogas de quantidade diminuta em 27 de Setembro de 2008. Tal conduta foi qualificada como crime de detenção de substância proibida para consumo pessoal na sentença datada de 29 de Setembro de 2008, no processo CR1-08-0235-PSM. E o arguido foi condenado na pena de 2 meses de prisão, com suspensão da execução da pena por 18 meses. Foi neste período de suspensão que o arguido chegou a praticar o crime neste processo.
O 1.º arguido alegou que era trabalhador na cozinha antes de ser preso, auferia mensalmente MOP7.000,00 patacas, sem encargo económico; tem como habilitação académica 5.º ano do curso do ensino primário.
O 2.º arguido alegou ser trabalhador a tempo parcial na cozinha antes de ser preso, auferia MOP4.000,00, sem encargo económico, tem como habilitação académica 1.º ano do curso do ensino secundário.”
No Acórdão recorrido (e em sede de factos não provados), consignou-se também que não se provaram “outros factos constantes da acusação não provados e desconforme com factos provados, nomeadamente:
- a quantia de MOP3980,00 apreendida do 1.º arguido foi adquirida através da venda de droga.
- o 1.º arguido A, juntamente com o 2.º arguido B e o menor C, compararam e adquiriram drogas para consumo pessoal, e vender e propiciar a terceiro.”
III - O Direito
Os recorrentes foram punidos, respectivamente, com as penas de 7 (sete) anos e 11 (onze) meses de prisão e 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente, previsto e punível pelos artigos 8.º, n.º 1 da Lei n.º17/2009 e 68.º-A do Código Penal.
Os recorrentes pretendem que o TUI baixe estas penas por as considerarem excessivas. Dizem, ainda, que num processo semelhante, o n.º 1/2010, em que o arguido terá sido condenado pela prática de um crime previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º17/2009, foi aplicada uma pena de 5 anos e 6 meses de prisão.
Tem este Tribunal entendido que não lhe compete sindicar a fixação concreta da pena, a não ser que tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, ou quando a medida da pena fixada se revele completamente desproporcionada.
Os arguidos não alegam nenhuma destas circunstâncias, limitando-se a fazer comparações com pena aplicada noutro processo.
Contudo, para além de não serem directamente comparáveis situações diversas, com graus de ilicitude e culpa diferentes, em que também não são as mesmas as condições pessoais e económicas dos agentes, há que ponderar duas questões em que os arguidos não atentaram:
- Em 1.º lugar, no caso julgado no Processo n.º1/2010, a penalidade que cabia ao crime era diversa da dos autos. Naquele era de 3 a 15 anos de prisão. No nosso caso é de 4 a 20 anos de prisão;
- Em 2.º lugar, ainda mais importante que a nota anterior, no Processo n.º1/2010 foi o Tribunal de Base que fixou a pena de 5 anos e 6 meses de prisão e o TSI rejeitou o recurso interposto pela arguida. Deste Acórdão só recorreu a arguida, que pretendia uma pena inferior, e o TUI limitou-se a rejeitar o recurso, tendo aliás, acrescentado que a pena aplicada pela 1.ª instância o tinha sido com benevolência. Mas não fixou a pena. Limitou-se a rejeitar o recurso porque entendeu não ser caso de fixar pena inferior. Como é evidente, o TUI não tinha poderes para fixar pena superior.
Não se verificando que tenham sido violadas vinculações legais ou regras da experiência na fixação das penas, nem nos parecendo que as mesmas sejam completamente desproporcionadas, impõe-se a rejeição dos recursos por manifesta improcedência.
IV – Decisão
Face ao expendido, rejeitam os recursos.
Custas pelos recorrentes, fixando a taxa de justiça em 4 UC. Nos termos do art. 410.º n.º 4 do Código de Processo Penal, pagarão 3 UC pela rejeição do recurso.
Fixam em mil patacas os honorários devidos ao Ex. mo Defensor Oficioso, por cada um dos arguidos.
Macau, 15 de Dezembro de 2010.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
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Processo n.º 65/2010
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Processo n.º 65/2010