Processo n.º 69/2010. Recurso extraordinário para fixação de jurisprudência em processo penal.
Recorrente: A.
Recorrido: Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo.
Assunto: Recurso extraordinário para fixação de jurisprudência em processo penal. Oposição de acórdãos. Responsabilidade civil extracontratual. Mora do devedor. Liquidez da obrigação.
Data da Sessão: 15 de dezembro de 2010’.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.
SUMÁRIO:
I - Quando, em processo penal, no domínio da mesma legislação, o Tribunal de Segunda Instância proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, o Ministério Público, o arguido, o assistente ou a parte civil podem recorrer, para uniformização de jurisprudência, do acórdão proferido em último lugar.
II - As decisões devem ter sido proferidas no domínio da mesma legislação; o acórdão fundamento deve ser anterior ao acórdão recorrido e ter transitado em julgado; o acórdão recorrido não deve admitir recurso ordinário; o recurso para uniformização de jurisprudência tem de ser interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.
III – Para que se possa considerar haver oposição de acórdãos sobre a mesma questão de direito é necessário que:
- A oposição entre as decisões seja expressa e não meramente implícita;
- A questão decidida pelos dois acórdãos seja idêntica e não apenas análoga. Os factos fundamentais sobre os quais assentam as decisões, ou seja, os factos nucleares e necessários à resolução do problema jurídico, devem ser idênticos;
- A questão sobre a qual se verifica a oposição deve ser fundamental. Ou seja, a questão de direito deve ter sido determinante para a decisão do caso concreto.
IV - Há oposição de acórdãos sobre a mesma questão de direito se um decide que na responsabilidade civil extracontratual só há mora do devedor quando a obrigação se torna líquida (excepto quando a falta de liquidez for imputável ao devedor), sendo que isso acontece na data da decisão de 1.ª instância e o outro acórdão decide que isso acontece com a data do trânsito em julgado da decisão final.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I - Relatório.
A interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, para o Tribunal de Última Instância, do Acórdão de 29 de Julho de 2010, do Tribunal de Segunda Instância (TSI), no Processo n.º 598/2009, alegando que este Acórdão está em oposição, sobre a mesma questão de direito, com o Acórdão do mesmo Tribunal, de 26 de Maio de 2005, no Processo n.º 43/2005.
De acordo com a recorrente, a questão sobre a qual há divergência jurídica é a seguinte:
O acórdão recorrido decidiu que:
- Os juros de mora na responsabilidade civil extracontratual devem ser calculados a partir da data da decisão de 1.ª instância.
Por sua vez, no Acórdão de 26 de Maio de 2005 (acórdão fundamento), do Tribunal de Segunda Instância, decidiu-se que:
- Os juros de mora na responsabilidade civil extracontratual devem ser calculados a partir da data do trânsito em julgado da decisão final.
A parte contrária não respondeu.
Neste Tribunal, o Ex. mo Procurador-Adjunto entende que se mostram verificados os pressupostos formais e substanciais do recurso.
II - Fundamentos
1. Os requisitos do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, em processo penal.
Cabe proferir a decisão a que se refere o n.º 1 do art. 423.º, do Código de Processo Penal, isto é, decidir se o recurso deve prosseguir ou se deve ser rejeitado, por ocorrer motivo de inadmissibilidade ou por não existir oposição de julgados.
Dispõe o art. 419.º do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pelo art. 73.º da Lei n.º 9/1999, de 20.12:
“Artigo 419 º
Fundamento do recurso
1. Quando, no domínio da mesma legislação, o Tribunal de Última Instância proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, o Ministério Público, o arguido, o assistente ou a parte civil podem recorrer, para uniformização de jurisprudência, do acórdão proferido em último lugar.
2. É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando o Tribunal de Segunda Instância proferir acórdão que esteja em oposição com outro do mesmo tribunal ou do Tribunal de Última Instância, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Tribunal de Última Instância.
3. Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
4. Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado”.
Trata-se de saber:
- Se foram proferidos dois acórdãos que, relativamente, à mesma questão de direito, assentam em soluções opostas;
- Se as decisões foram proferidas no domínio da mesma legislação;
- Se o acórdão fundamento é anterior ao acórdão recorrido e se transitou em julgado;
- Se do acórdão recorrido não era admissível recurso ordinário;
- Se o recurso foi interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (n.º 1 do art. 420.º do Código de Processo Penal).
2. Existência de dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas
Relativamente ao pressuposto em questão – existência de dois acórdãos que, relativamente, à mesma questão de direito, assentam em soluções opostas - tem-se considerado que:
As decisões devem ser diversas, opostas, não necessariamente contraditórias.
A oposição entre as decisões deve ser expressa e não meramente implícita. Não basta que numa das decisões possa ver-se aceitação tácita de doutrina contrária a outra decisão.
A questão decidida pelos dois acórdãos deve ser idêntica e não apenas análoga. A este respeito tem-se entendido que os factos fundamentais sobre os quais assentam as decisões, ou seja, os factos nucleares e necessários à resolução do problema jurídico, devem ser idênticos.
A questão sobre a qual se verifica a oposição deve ser fundamental. Ou seja, a questão de direito deve ter sido determinante para a decisão do caso concreto.
A questão sobre a qual há oposição tem de ser uma questão de direito. Não pode ser uma questão de facto, até porque o Tribunal de Última Instância não aprecia, normalmente, matéria de facto.
3. O caso dos autos
Estamos em condições de decidir se se verifica a existência de dois acórdãos que, relativamente, à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas.
O acórdão recorrido decidiu que na responsabilidade civil extracontratual só há mora do devedor quando a obrigação se torna líquida (excepto quando a falta de liquidez for imputável ao devedor), sendo que isso acontece na data da decisão de 1.ª instância.
Já o Acórdão de 26 de Maio de 2005 (acórdão fundamento), do Tribunal de Segunda Instância, decidiu que na responsabilidade civil extracontratual só há mora do devedor quando a obrigação se torna líquida (excepto quando a falta de liquidez for imputável ao devedor), sendo que isso acontece com a data do trânsito em julgado da decisão final.
Há, portanto, manifesta oposição quanto à questão de saber quando é que a obrigação de indemnização, na responsabilidade civil extracontratual, se torna líquida, quando a falta de liquidez não for imputável ao devedor.
Verificam-se, por outro lado os restantes pressupostos, de carácter formal, para a uniformização de jurisprudência:
- As decisões foram proferidas no domínio da mesma legislação;
- O acórdão fundamento é anterior ao acórdão recorrido e transitou em julgado;
- Do acórdão recorrido não era admissível recurso ordinário;
- O recurso foi interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (n.º 1 do art. 420.º do Código de Processo Penal).
III - Decisão
Face ao expendido, determina-se o prosseguimento do recurso.
Notifique para alegações, nos termos do artigo 424.º, n. os 1 e 2 do Código de Processo Penal.
Macau, 15 de Dezembro de 2010.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
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