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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
N.º 28 / 2010

Recorrente: A
Recorrida: Secretária para a Administração e Justiça








   1. Relatório
   A interpôs recurso contencioso, perante o Tribunal de Segunda Instância, contra o despacho da Secretária para a Administração e Justiça que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão.
   Por acórdão proferido no processo n.º 246/2007, o Tribunal de Segunda Instância anulou o acto impugnado por considerar prescrito o procedimento disciplinar.
   Deste acórdão recorreu a Secretária para a Administração e Justiça para o Tribunal de Última Instância. Por seu acórdão proferido no processo n.º 30/2008, foi julgado parcialmente procedente o recurso jurisdicional e revogado o acórdão de segunda instância na parte em que considerou o procedimento disciplinar contra A ligado aos dois assuntos prescrito por aplicação do art.º 289.º do ETAPM, e determinada a baixa do processo ao Tribunal de Segunda Instância para conhecer dos restantes fundamentos do recurso contencioso relacionados com os referidos assuntos, se para tal nada obsta.
   Em cumprimento da decisão do Tribunal de Última Instância, o Tribunal de Segunda Instância voltou a apreciar o caso e proferiu novo acórdão que negou provimento ao recurso contencioso.
   Vem agora A interpor recurso jurisdicional deste último acórdão perante o Tribunal de Última Instância, constando das suas alegações as seguintes conclusões úteis:
   - A responsabilidade disciplinar não pode deixar de assentar apenas e só em ocorrências concretas da vida real, apesar de poder existir, relativamente às mesmas, sentença criminal condenatória transitada em julgado;
   - O caso julgado de sentença condenatória vincula apenas, no âmbito disciplinar, em termos de tomar indiscutíveis os factos aí dados como provados, quer do ponto de vista da sua verificação quer da sua autoria, mas já não a apreciação e a valoração jurídicas aí efectuadas;
   - O acórdão recorrido enferma de erro de julgamento na parte em que considera que o despacho punitivo identifica de forma suficiente quais foram as infracções por que o recorrente foi punido;
   - Tendo em conta o texto da decisão punitiva e do relatório fica-se sem saber, objectivamente, quais foram, em concreto, as infracções que foram tidas em conta na punição e se elas estavam prescritas;
   - A medida de demissão foi aplicada ao recorrente sem que se tivessem verificado, em concreto, os factos ou as situações de que o legislador faz depender a aplicação dessa pena disciplinar;
   - A verificação de uma das hipóteses do n.º 2 do art.º 315.º, não faz operar automaticamente a cláusula geral da inviabilização da situação jurídico-funcional do n.º 1 do mesmo artigo, mas antes exige que se verifique, em concreto, tal situação;
   - A entidade recorrida não fez a mínima ponderação das circunstâncias do caso concreto, com vista a poder dizer que o recorrente, com a sua actuação, revelou indignidade e falta de idoneidade moral para o exercício das funções de técnico superior assessor;
   - Era necessário evidenciar com é que essa indignidade e inidoneidade moral, resultante de factos praticados, no âmbito das suas funções de Vereador a tempo inteiro, impunha a inviabilidade da manutenção da relação funcional do recorrente, enquanto técnico superior assessor;
   - As afirmações constantes do despacho punitivo e do relatório são contraditadas pelo comportamento adoptado pela entidade recorrida e pelo IACM;
   - As mais altas classificações atribuídas ao arguido, desde 2002, principalmente no ano de 2006, numa altura há cerca de um ano tinha trânsito em julgado a sentença criminal condenatória, contradizem o conteúdo das afirmações constantes do despacho punitivo e do relatório;
   - O acórdão recorrido viola as normas do art.º 282.º do ETAPM, lá onde considerou não serem atendíveis as circunstâncias atenuantes invocadas pelo recorrente;
   - Existe uma tendencial coincidência entre o bem jurídico tutelado pelo crime de abuso de poder e o interesse ou interesses presentes no âmbito do processo disciplinar aqui em causa;
   - Apesar da autonomia e independência de processo criminal e do processo disciplinar podem existir situações em que a condenação criminal se sobrepõe ou tendencialmente coincida com o domínio de tutela do direito disciplinar, deixando de existir interesses disciplinares autónomos carecidos de tutela;
   - No caso dos autos, efectivada a responsabilidade criminal do recorrente, não existe conteúdo particular de ilícito disciplinar que justifica materialmente a aplicação da medida de demissão que venha acrescer à pena criminal;
   - O acórdão recorrida, ao ter decidido como decidiu, violou nomeadamente, as normas dos art.ºs 280.º, n.º 1, 281.º, e, por aplicação analógica, dos art.ºs 298.º, n.º 1, 332.º, n.º 1 e 338.º, n.º 3 e ainda dos art.ºs 282.º, 315.º, n.ºs 1 e 2, al. o) e 314.º, n.º 4, al. b), todos do ETAPM e ainda do princípio da proporcionalidade, na sua dimensão de proibição de excesso, consagrado, nomeadamente, no art.º 5.º, n.º 2 do CPA.
   Pedindo que seja dado provimento ao recurso, revogado o acórdão recorrido e anulado o despacho impugnado.
   
   A recorrida Secretária para a Administração e Justiça apresentou alegações com as seguintes conclusões úteis:
   - Sendo um facto a existência de uma decisão penal condenatória, demonstrativa da gravidade dos factos praticados pelo recorrente, porquanto atingidos bens e valores jurídicos protegidos pelo direito penal, a entidade recorrida no prosseguimento do interesse público que tem a seu cargo não deixou de a considerar na decisão que o puniu com pena de demissão;
   - A entidade recorrida e o Tribunal a quo estavam assim vinculados aos factos dados por provados na decisão penal condenatória;
   - Esses factos foram dados a conhecer ao recorrente quando notificado da acusação do processo disciplinar que lhe foi dirigida pela senhora instrutora, em XX.X.XXXX;
   - A Administração nunca teve a intenção de deixar de exercer o poder disciplinar contra as irregularidades detectadas, como demonstrado pelo desenvolvimento de todo o processo disciplinar;
   - Em todo o processo disciplinar a entidade recorrida não deixou de cingir-se aos meios que a lei lhe oferece, em face do princípio da legalidade, aplicando somente a pena expulsiva após a conclusão do mesmo;
   - Na decisão punitiva foram ponderadas todas as circunstâncias atenuantes possíveis, não merecendo a pena aplicada qualquer censura dado o seu enquadramento nas circunstâncias de tempo, modo e lugar em que as infracções se inseriram;
   - Não foi posto em causa o princípio da proporcionalidade da pena atenta à gravidade das infracções cometidas que levariam sempre à aplicação da pena de demissão;
   - Os factos foram suporte de condenação criminal, o previsto na parte final da al. o) do n.º 2 do art.º 315.º do ETAPM é o específico pressuposto da responsabilidade disciplinar do recorrente, referenciada ao dano causado à imagem e prestígio da instituição pública em que este exercia funções.
   Entendendo que deve ser negado provimento ao recurso e mantido o acórdão recorrido.
   
   O Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
   “Tanto quanto ousamos sintetizar, imputa o recorrente ao douto acórdão recorrido erro de julgamento, por não ter dado como verificados vícios de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, quer por não identificação, no despacho punitivo, das infracções por que foi punido, quer por falta de devida integração e qualificação jurídica das mesmas, quer por violação das normas dos n.ºs 1 e 2 do art.º 315.º, ETAPM, por aplicação da pena de demissão fora das situações a que a lei liga a aplicação dessa pena, esgrimindo ainda com a afronta do art.º 282.º daquele diploma, por não atendimento de circunstâncias atenuantes relevantes e alegadas e do art.º 5.º, n.º 2 CPA, por atropelo do princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição do excesso.
   Mas, cremos, sem qualquer razão.
   Entende o recorrente que não deveriam estar em causa os crimes por que o mesmo foi condenado, mas sim os factos concretos dados como provados na sentença condenatória, pretendendo discutir a sua responsabilidade (ou a falta dela) em face das infracções assacadas.
   Ora, aquele foi punido com base na al. o) do n.º 2 do art.º 315.º EATM, norma através da qual se colhe ser susceptível de inviabilizar a manutenção da relação funcional o facto de o funcionário, por qualquer forma, revelar indignidade ou falta de idoneidade para o exercício das suas funções, revelando, pois, que o mesmo foi condenado disciplinarmente pela prática de crimes que se entendeu terem prejudicado de forma grave o funcionamento do serviço.
   Tendo sido condenado criminalmente, com trânsito em julgado, tal decisão vincula a decisão disciplinar no que respeita à existência material dos factos e seus autores, sem prejuízo da valoração e enquadramento jurídico próprios para efeitos disciplinares, razão por que os factos objecto do processo disciplinar, designadamente a pretendida discussão sobre as adjudicações em questão, o parecer do Gabinete Jurídico e do Notariado e demais factos contestados não poderiam e não poderão mais ser colocados em questão nesta sede, encontrando-se, quer a entidade recorrida, quer o tribunal “a quo” vinculados aos factos dados como provados na decisão penal condenatória do recorrente – cfr, entre outros, art.ºs 8.º, n.º 2 da Lei 9/1999, 7.º, n.º 4, CC, 449.º, n.º 1, CPP e 576.º CPC – sendo certo que, de todo o modo, tais factos não deixaram de ser dados a conhecer ao recorrente aquando da notificação da acusação disciplinar, ao que acresce que no relatório a que anuiu a entidade sancionadora não só se faz expressa referência à sentença condenatória do recorrente, conhecendo este, pois, os factos de que era acusado, como não se deixa, no mesmo, de proceder à qualificação jurídica do comportamento que lhe é imputado, considerando-se explicitamente o mesmo como inviabilizador da manutenção da relação funcional, por se ter quebrado irremediavelmente a relação de confiança e demonstrado a falta de idoneidade moral para o exercício das funções públicas de que estava investido, anunciando-se o propósito de aplicação da pena expulsiva e citando-se as disposições legais aplicáveis.
   Como doutamente se exarou no acórdão em crise “Tal integração foi expressa na acusação deduzida e consta do despacho punitivo, não tendo deixado o arguido de se defender em todas as frentes das acusações que em diferentes instâncias lhe foram dirigidas.
   Os deveres violados são exactamente aqueles cuja ofensa integra o preenchimento típico da sanção proposta e aplicada: falta de dignidade e falta de idoneidade moral para o exercício de funções”.
   Refira-se, nesta matéria, que, não tendo o recorrente sido demitido por incompetência profissional, as avaliações de desempenho que obteve terão valor diminuto, sendo certo que as atenuantes atendíveis não o deixaram de ser. Só que, conforme frisado, “face ao desvalor da infracção verificada elas não deixaram de ser contrabalanceadas com as agravantes registadas e ponderadas em função do desvalor da acção sob apreciação disciplinar”.
   Finalmente, no que tange à adequação, justeza e proporcionalidade da medida disciplinar concretamente aplicada, reitera-se o já sublinhado no nosso parecer constante de fls. 113 e sgs, que, na íntegra, se mantém.
   Tudo razões por que, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, somos a pugnar pela manutenção do decidido, não merecendo, consequentemente, provimento o presente recurso.”
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Matéria de facto
   Foram considerados provados os seguintes factos pelo Tribunal de Segunda Instância:
   “É do seguinte teor o despacho punitivo proferido:
   “Dada a particular espécie de responsabilização disciplinar que está em causa no presente processo – a qual se funda na revelação de indignidade e falta de idoneidade moral para o exercício das funções, conforme a previsão da segunda parte da al. o) do n.º 2 do art. 315º do ETAPM – considero irrelevantes as circunstâncias agravantes indicadas pela Sra. Instrutora.
   Em tudo o mais, porém, concordo com os pressupostos e fundamentos de facto e de direito expostos no Relatório final.
   Nestes termos, após o trânsito em julgado da sentença criminal condenatória, no ano transacto, e depois de concluídas todas as formalidades processuais disciplinares, concluo que, efectivamente, não existem condições para manter uma relação funcional com o ora arguido, porque este revelou ser pessoa indigna de confiança e não possuir a honestidade que é condição fundamental para o exercício de funções públicas.
   Em consequência – e tendo em conta que o arguido não reúne condições legais para que lhe possa ser aplicada a pena de aposentação compulsiva – decido aplicar ao Eng. A do IACM, a pena disciplinar de demissão.
   Secretária para a Administração e Justiça
   Florinda Chan
   XX/X/XXXX”
   
   E é do seguinte teor o relatório para onde se remete:
“Relatório
   1. Por despacho do Sr. Presidente do Conselho de Administração do IACM, Eng. o Lau Si Io, datado de 22 de Janeiro de 2007, fui incumbida de proceder à continuação da instrução de processo disciplinar por factos imputados ao arguido, A, IACM.
   2. O arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado em 23 de Fevereiro de 2006, pela prática de cinco crimes de abuso de poderes.
   3. Após analisados os documentos que constituem o processo disciplinar em causa, designadamente o relatório apresentado pelo Dr. B e as sentenças proferidas pelo Tribunal de Base e pelo Tribunal de Segunda Instância, foi deduzida, em 31 de Janeiro de 2007, uma nova acusação (vide as págs. 866 a 869) ao arguido, A.
   4. Na defesa do arguido (vide as págs. 881 a 910), foi dito:
   - que a referida acusação padecia do vício de nulidade, por falta de indicação de preceitos legais que o arguido violou;
   - que a responsabilidade disciplinar do arguido já prescreveu;
   - que não era aplicável ao arguido o regime disciplinar previsto no ETAPM à data da prática dos factos que lhe são imputados;
   - que o Conselho de Administração do IACM e o seu presidente não têm competência para a instauração de processo disciplinar contra o arguido;
   - que não se justifica a impossibilidade de se manter a relação funcional com o arguido; e
   - que não deverá ser aplicada a pena de demissão por beneficiar o arguido de atenuantes e circunstâncias relevantes para a sua não aplicabilidade.
   5. Na acusação, datada de 31 de Janeiro de 2007, foi indicado o seguinte: “... vai o arguido A acusado de: 1. Ter praticado actos criminosos de abuso de poder, consoante o descrito na sentença anexa à presente acusação, 2. factos esses que tais condutas prejudicaram, de modo grave, a dignidade e o prestígio da função e da Administração 3. e revelam, de forma objectiva e manifesta, indignidade e falta de idoneidade moral para o exercício das funções em que está provido, inviabilizando a manutenção da situação jurídico-funcional, 4. pelo que, em consequência, lhe deve ser aplicada a pena de demissão, conforme a previsão da alínea o) do n.° 2 do artigo 315° do ETAPM.”
   6. Os factos ilícitos que o arguido tinha praticado são claramente indicados na sentença anexa à acusação e da qual faz parte.
   7. Foi salientado, na acusação, o pressuposto que implica a aplicação da pena de demissão, ou seja, alínea o) do n.º 2 do artigo 315°. Igualmente nela foram descritos os elementos que preencham esse pressuposto e, finalmente, indicada a sua consequência, a qual também se encontra prevista na alínea o) do n.º 2 do artigo 315°.
   8. Neste contexto, a acusação não padecia de qualquer vício de nulidade, nem se prejudica o direito da defesa do arguido.
   9. Quanto à questão relativa à prescrição de responsabilidade disciplinar levantada pelo arguido, parece que improcede essa alegação, por razões a indicar no seguinte:
   9.1 Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 289° do ETAPM, o prazo de prescrição do procedimento disciplinar contra o Eng.° A é de 5 anos.1
   9.2 Por deliberação do Conselho de Administração do IACM, de XX/X/XXXX, foi levantado um processo de averiguações sobre os factos eventualmente constitutivos de infracção em que são suspeitos o Eng.º A e o Eng.º C. O instrutor-averiguante deu início ao processo em 18/06/2002, formulando, posteriormente, pedido sucessivo de prorrogações do prazo legal de conclusão do processo, mas nunca apresentou relatório final. Em 02/07/2003, foi decidida, por despacho do Presidente do CA, a suspensão do processo até à conclusão do processo de inquérito pelas autoridades judiciárias.
   9.3 Nos termos dos n.º 3 do artigo 289° do ETAPM, se antes do decurso do respectivo prazo prescricional for praticado relativamente à infracção qualquer acto instrutório com efectiva incidência na marcha do processo, a prescrição conta-se desde o dia em que tiver sido praticado o último acto. Isto é, há lugar à interrupção da prescrição.2
   9.4 O início do processo de averiguação em 18/06/2002 é um acto instrutório com efectiva incidência na marcha do processo, sendo também o último acto praticado nesse processo, uma vez que após o início do processo, o instrutor só formulou vários pedidos de prorrogações, não fazendo qualquer outro acto que contribuiu para o andamento do processo.
   9.5 Neste sentido, houve interrupção da prescrição no dia 18/06/2002, após a qual começando a correr novo prazo de prescrição de 5 anos.
   9.6 O artigo 277º do ETAPM estipula: “Aplicam-se supletivamente ao regime disciplinar as normas de Direito Penal em vigor no Território, com as devidas adaptações.”
   9.7 O n.º 3 do artigo 113º do Código Penal prevê: “A prescrição do procedimento penal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade; ...”
   9.8 Por isso, mesmo que haja interrupção da prescrição, o procedimento disciplinar em causa prescreve-se quando, descontado o tempo de suspensão, tiverem decorrido 7 anos e meio contados a partir da data do cometimento da infracção.
   9.9 O Eng.º A cometeram 5 infracções, duas das quais foram praticadas em XX/XX/1999 e XX/XX/1999, por isso, o procedimento disciplinar ainda não se prescreve, de acordo com o referido artigo.
   9.10 Fazem-se as contas (desde a prática de infracção de XX/XX/1999) :
   - XX/XX/1999 até XX/XX/2002.............3 anos e 2 meses e 18 dias
   - XX/XX/2002 até XX/XX/2006.............4 anos e 2 meses e 28 dias
   Assim, decorreram 7 anos e 5 meses e 16 dias.
   9.11 Fazem-se as contas (desde a prática de infracção de XX/XX/1999):
   - XX/XX/1999 até XX/XX/2002.............3 anos e 2 meses e 6 dias
   - XX/XX/2002 até XX/XX/2006.............4 anos e 2 meses e 26 dias
   Assim, decorreram 7 anos e 5 meses e 4 dias.
   10. Quanto à inaplicabilidade do regime disciplinar previsto no ETAPM ao arguido, parece que também improcede essa alegação.
   11. Não obstante o facto de ser cargo político que o arguido assumiu na altura em que praticou os factos ilícitos, a sua qualidade de funcionário mantinha-se, nos termos do n.º 2 do artigo 2º do ETAPM3, uma vez que ele tinha vinculação funcional com o então Leal Senado (e posteriormente o IACM) na situação de supranumerário.(vide o registo biográfico do arguido – pág. 918)
   12. Como era funcionário, o arguido devia observar todos os deveres (gerais e especiais) previstos no ETAPM, e, em caso de violação de qualquer um desses deveres, devia assumir a respectiva responsabilidade disciplinar.
   13. Quando o arguido deixou o cargo político de vereador da câmara municipal e foi condenado, em 3 de Dezembro de 2004, pelo Tribunal de Base pela prática de crimes de abuso de poderes durante o exercício de funções de vereador e, ao mesmo tempo, durante o período em que se mantinham a vinculação funcional com o então Leal Senado e a qualidade de funcionário, o Presidente do Conselho de Administração tinha toda a competência de mandar instaurar o processo disciplinar contra o arguido nos termos da alínea 3) do artigo 12º do Regulamento Administrativo n.º 32/2001 e a Proposta de Deliberação n.º XX/PDCA/02, uma vez que o arguido violou o seu dever de funcionário, revelando indignidade e falta de idoneidade moral para continuar a exercer as funções no IACM.
   14. Desde a publicação do teor da sentença do Tribunal de Base nos jornais locais, verificam-se sempre comentários e opiniões públicas que duvidaram da continuação de exercício de funções do arguido no IACM (vide pags. 857 a 864). Por outro lado, o IACM nunca decidiu o arquivamento do processo disciplinar contra o arguido, o que monstra que o IACM sentia, e continua a sentir, a impossibilidade de manter relações funcionais com um trabalhador que, enquanto tinha vinculação funcional com a Administração, violou gravemente o seu dever de funcionário, revelando indignidade e falta de idoneidade moral para o exercício das suas funções.
   15. Não obstante o facto de que o arguido tem prestado quase 20 anos de serviço classificados de “Muito Bom”, verifica-se, no entanto, a existência de várias circunstâncias agravantes, a dizer “a produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço público ou ao interesse geral, nos casos em que o funcionário pudesse prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta”, “o conluio com outros indivíduos para a prática da infracção” e “a acumulação de infracções”.
   16. Pelo exposto, a pena aplicável deve manter-se inalterada, isto é, a pena de demissão nos termos da alínea o) do n.º 2 do artigo 315º e artigo 316º do ETAPM.
   17. Nos termos do artigo 322° do ETAPM, da Ordem Executiva n.º 11/2000 e da Ordem Executiva n.º 6/2005, a aplicação da pena de demissão é da competência da Senhora Secretária para a Administração e Justiça,
   Com esta proposta, remetem-se os autos ao Exmº Sr. Presidente do Conselho de Administração do IACM, Substº.
   Macau, aos 5 de Março de 2007.
   A Instrutora
   D”
   
   O Comissariado contra a Corrupção, através do seu ofício n.º XXXX/DSPJ/2001, de XX de Julho (fls. 306), mais tarde desenvolvido pelo ofício n.º XXX/DSCC/2002, de XX de Abril (fls. 311), e após prévias investigações, deu conta à entidade competente (a extinta Câmara Municipal de Macau Provisória e o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, respectivamente) de que três funcionários seus – E, A e C – eram suspeitos de, durante os anos de 1998 e primeiros meses de 1999, e no exercício das suas funções, haverem cometido irregularidades em adjudicações de bens e serviços à firma, eventualmente susceptíveis de merecerem tratamento disciplinar.
   Concretamente, em síntese, imputavam-se aos referenciados funcionários os seguintes factos:
   1º caso – Proposta de aquisição de 15 projectores de encastrar, tipo “X1”, marca “X1” à firma, em Abril de 1998, pelo valor de 144.000,00 Mop, sendo certo que, os mesmos “não tinham as melhores características ... e o seu preço era o mais elevado”, tendo o arguido E submetido o processo “directamente à apreciação do arguido A, embora não soubesse se o produto proposto, cujo preço era mais alto, tinha ou não boa qualidade”, não tendo esse mesmo processo passado “por Lao Si Io, Subdirector Municipal e superior hierárquico de E, na fase de apreciação técnica”, proposta essa que o A autorizou por despacho de XX.XX.1998;
   2º caso – Proposta de aquisição de 30 bancos de jardim, tipo “X2”, modelo “X2” à mesma firma, em Maio de 1998, no montante de 196.200,00 Mop, tendo sido o arguido E o responsável pela escolha dos fornecedores a consultar e, “não cumprindo o circuito normal, apresentou o processo directamente a C, não deixando passar pelo seu superior hierárquico imediato, Lau Si Io, na fase de apreciação técnica”, sendo que o arguido A “também participou neste processo, mas a autorização foi feita por C só porque o valor da adjudicação ultrapassou o limite de realização de despesa que lhe tinha sido fixado pela Câmara Municipal”;
   3º caso – Proposta de aquisição de carrinhos eléctricos para o parque infantil, à referenciada firma, em Junho de 1998, no valor de 65.692,00 Mop, tendo a consulta aos fornecedores sido feita igualmente pelo arguido R, que, não observando do mesmo modo “o circuito normal, apresentou o processo directamente a A não o deixando passar pelo seu superior hierárquico imediato, Lao Si Io, na fase de apreciação técnica”, adjudicação que foi autorizada pelo arguido A em 12.06.1998;
   4º caso – Proposta de concessão dos serviços de gestão e manutenção do Parque Infantil, em Dezembro de 1998, mas com efeitos retroactivos a 1 de Agosto do mesmo ano, no valor de MOP149.000, ainda à firma, sendo certo que esta “não tinha qualquer experiência na respectiva área” e que embora o assunto fosse “da competência de A”, a proposta de adjudicação partiu do arguido E tendo sido o arguido C quem ratificou, já “que era titular do cargo de Chefe dos Serviços de Ambiente e Zonas Verdes, cargo esse que se encontrava suspenso pelo exercício do cargo de Vice-Presidente da Câmara Municipal”, hierarquia essa que o arguido E não respeitou;
   5º caso – Proposta de instalação de uma pista de carrinhos eléctricos no Jardim e de concessão dos serviços de gestão, limpeza, manutenção e segurança do mesmo Jardim, em Dezembro de 1998, e igualmente à identificada firma, no valor de 329.280,00 Mop, na qual interveio o arguido E, que, ignorando “a oposição dos Serviços de Ambiente e Zonas Verdes e o facto de que a firma podia não ser habilitada para fazer obras”, deixou “passar o processo para A”, o qual, dado o montante das obras, levou o assunto à sessão camarária, “não aguardando a emissão de parecer do Gabinete Jurídico a pedido do Director Municipal Lao Si Io sobre a legalidade do processo” e propôs a adjudicação àquela firma, sendo certo que o arguido C “também participou na dita sessão camarária”;
   6º caso – Concurso público para aquisição de serviços de limpeza de sanitários públicos fixos, aberto por deliberação da então Câmara Municipal de 15.01.99 onde o arguido A, que não fazia parte da Comissão de Avaliação de Propostas e que era presidida pelo arguido E, escreveu na 3 respectiva Acta lia ordem dos candidatos e escolheu, através duma seta, a firma, uma companhia que só declarou o início da actividade de serviços de saneamento e limpeza junto da Direcção dos Serviços de Finanças em 22.01.99, ou seja, uma empresa, no máximo, com menos de 2 meses de experiência nesta área, tendo participado na sessão camarária que aprovou a adjudicação (12.03.99) o Presidente, F, o Vice-Presidente, C e o arguido A, enquanto vereador a tempo inteiro.
   Perante tal factualidade, o Comissariado Contra a Corrupção concluiu que “nos 6 casos acima expostos, em que o então Leal Senado adjudicou obras e fornecimentos de bens e serviços à “firma”, A (nos 6 casos), E (n.ºs 1° a 5° casos) e C (nos 2°, 4° a 6º casos) abusaram dos seus poderes e violaram intencionalmente deveres inerentes às suas funções, designadamente os de justiça, de isenção e zelo, com vista a beneficiar a “firma” ilegitimamente, e mais grave ainda, não se tendo A declarado impedido em tais processos, facto que eventualmente preenche o tipo penal de abuso de poder, previsto e punido pelo art. 347° do Código Penal de Macau” (Cfr. fls. 315).
   
   Na sequência do ofício n.º XXXX/DSPJ/2001, de XX de X, do Comissariado Contra a Corrupção (que se reportava apenas ao 4º caso antes mencionado - proposta de concessão de serviços de gestão e manutenção do Parque Infantil – a ex-Câmara Municipal de Macau Provisória, através da deliberação n.º XX/2001, de XX.XX.01 (Ponto 23 da respectiva ACTA), decidiu mandar instaurar um processo de inquérito para apuramento dos factos, que envolviam o arguido E, processo que teve o seu início em 28.11.2001 (fls. 190).
   
   Corridos os respectivos termos (Proc.º Inq.º n.º X/2001/PRES), o Instrutor, em Relatório Final, com data de XX.XX.02 (fls. 566) propôs que o processo fosse arquivado, por, em seu juízo, dele não resultar indicação de o visado haver praticado qualquer infracção disciplinar.
   
   Submetida a proposta ao veredicto do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (de ora em diante designado por IACM), o seu Conselho de Administração, em sessão de XX.XX.02, e consoante reza a correspondente ACTA (Ponto n.º 2), deliberou como se segue (fls. 586):
   “1. - Abster-se de apreciar o processo relativamente ao Eng.º E, porquanto é o Governo da RAEM que dispõe, no caso, do poder disciplinar sobre aquele dirigente, por via do contrato individual de trabalho com ele celebrado;
   2. - Remeter o citado Relatório juntamente com o processo de inquérito à Tutela, tendo em vista o referido na alínea anterior, a fim de que esta aprecie o respectivo teor e decida dos trâmites ulteriores”.
   
   Levados os autos ao âmbito da Secretaria para a Administração e Justiça, Sua Excelência a Senhora Secretária, por despacho de XX.XX.02, decidiu deste modo (fls. 857):
   “Dado que, do Relatório, resulta não existirem indícios da prática de infracção disciplinar pelo Eng.º E, abstenho-me, para já, de instaurar procedimento disciplinar e decido sobrestar o processo, até à conclusão do processo de inquérito pelas autoridades judiciárias, tendo em vista o que dispõem o n.º 3 do art. 287°, art. 288º e o n.º 2 do art. 289°, todos os ETAPM”.
   
   E no que tange ao oficio n.º XXX/DSCC/2002, de XX de Abril, do aludido Comissariado Contra a Corrupção (que referenciava 6 situações de eventuais irregularidades detectadas no ex-Leal Senado durante os anos de 1998 e 1999, incluindo a já mencionada no oficio n.º XXXX/DSPJ/2001 e antes apreciada), o já então Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, reunindo em sessão de XX.XX.02 (acta n.º 30/02, Ponto 3 – fls. 566), deliberou instaurar um processo de averiguações relativamente às denunciadas irregularidades que envolviam os ora arguidos A e C, processo esse (Proc. Av. n.º X/2002/PRES) que se arrastou em diligências várias até XX.XX.2003 (data do último documento encontrado no respectivo processo), sem que dele conste qualquer Relatório Final.
   
   Perante tal situação, o Presidente do Conselho de Administração do IACM, tendo em conta - que o expediente não tinha entretanto conhecido quaisquer desenvolvimentos e que o averiguante já não prestava funções no Instituto, em XX.XX.2003 proferiu despacho com este sentido (fls. 370):
   “... abstenho-me, para já, de instaurar processo disciplinar e decido sobrestar o processo, até à conclusão do processo de inquérito pelas autoridades judiciais, tendo em vista o que dispõem o n.º 3 do art. 287º, o art. 288º e o n.º 2 do art. 289º, todos do ETAPM”.
   
   Entretanto, pelas competentes autoridades Judiciárias, correu termos um processo-crime contra os três mencionados arguidos (E, A e C), processo esse que redundou em julgamento, tendo sido condenados (decisão de 03.12.04 - fls. 210 a 230) os dois primeiros arguidos pela prática, respectivamente, de 5 crimes e 6 crimes de abuso de poder, p. e p. pelo art. 347° do Código Penal, nas penas, em cúmulo jurídico, de 2 anos e 5 meses de prisão (o 1°) e 2 anos e 10 meses, também de prisão (o 2°), ambas suspensas na sua execução por um período de 3 anos e 6 meses, sob a condição de indemnizarem a RAEM, e no prazo de 2 meses, em 100.000 Mop cada um, bem como nas indemnizações, a título de danos patrimoniais, que vierem a ser liquidadas em execução de sentença.
   O arguido C saiu absolvido.
   
   Reconhecendo embora não ter havido ainda trânsito da decisão judicial, uma vez que dela houvera recursos interpostos pelos arguidos condenados (cfr. fls. 209), o certo é que o IACM, por intermédio do seu Presidente do Conselho de Administração, despachou assim em 13.12.04 (fls. 187):
   “Determino a instauração de processo disciplinar contra os funcionários E, A e C, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do art. 318º do ETAPM, conjugado com o disposto na al. 3) do art. 12º do Regulamento Administrativo n.º 32/2001, de 18 de Dezembro, e no uso dos poderes que me foram delegados em sessão ordinária do Conselho de Administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, realizada a 4 de Abril de 2002, pela Proposta de Deliberação n.º XX/PDCA/02, publicada no BORAEM n.º XX, II Série, de X de X de 2002”.
   
   Levado este despacho ao Gabinete respectivo, Sua Excelência a Senhora Secretária para a Administração e Justiça, por despacho de XX.XX.04, e sob proposta do Senhor Presidente do IACM, foi nomeado o Exmo Senhor Dr. G instrutor do processo disciplinar em causa (fls. 187) que veio a pronunciar-se a final pela prescrição do procedimento.
   Por despacho de XX de X de 2006, exarado na informação-proposta n.º XXX/GJN/2006, da mesma data, o Senhor Presidente do Conselho de Administração do IACM determinou “o arquivamento do procedimento disciplinar contra os arguidos E e C” e decidiu que relativamente “ao arguido A, deve o procedimento disciplinar prosseguir, com urgência” – cfr. pág. 608 do processo disciplinar n.º X/DSAJ/RS/2006.
   Na mesma data, o Ex.mo Senhor Chefe do Executivo, interino, nomeou o Exmo Senhor Dr. B como instrutor do presente processo disciplinar, “devendo este apresentar com toda a urgência o relatório referido no ponto 8 da (...) informação”, n.º XXX/GJN/2006.
   O arguido foi ouvido pela última vez no processo em XX de X de 2005.
   Em 17 de Outubro de 2006, foi elaborada acusação imputando ao arguido as infracções disciplinares consideradas relevantes e concedendo o prazo necessário para a apresentação da defesa escrita – cfr. págs. 760 a 764 do processo disciplinar.
   O arguido apresentou a sua defesa escrita tempestivamente, em 6 de Novembro de 2006 e, a final, o Exmo Instrutor pronunciou-se pelo arquivamento, em face da inaplicabilidade do ETAPM ao processo em recurso.
   Apresentada escusa por parte daquele Senhor Instrutor foi nomeada nova instrutora a Exma Sra. Dra. D para deduzir acusação contra o arguido, após despacho da Exma. Senhora Secretária para a Administração e Justiça de XX/XX/2006, que concordou com a informação prestada nos autos – cfr. fls. 855 e segs. –, o que ocorreu em 31 de Janeiro de 2007
   O arguido veio a ser condenado com trânsito em julgado, por acórdão deste TSI, de 23/2/2006, por 5 crimes de abuso de poder, p. e p. no art. 347º do CP, na pena de dez meses de prisão cada e, em cúmulo, na pena de dois anos e nove meses de prisão, com pena suspensa por três anos e seis meses.”
   
   
   2.2 Fundamento da responsabilidade disciplinar
   O recorrente sustenta que a responsabilidade disciplinar deve fundar em factos e não em sentença condenatória, e o acórdão recorrido enferma de erro de julgamento quando considerou que o despacho punitivo identificou suficientemente quais foram as infracções por que o recorrente foi punido.
   
   Na verdade, foram consideradas, no relatório, as infracções ocorridas em 12 e 24 de Março de 1999, tendo por base os factos ilícitos indicados na sentença penal. Entendendo a instrutora no relatório que as outras infracções já se prescreveram, não há sinais de que foram tomadas em conta as infracções prescritas para fundamentar a pena disciplinar aplicada ao recorrente.
   Assim, através dos factos considerados provados no respectivo processo penal, devidamente delimitado segundo a conclusão quanto à questão de prescrição do procedimento disciplinar, é possível conhecer o fundamento fáctico da decisão punitiva ora impugnada.
   
   
   2.3 A inviabilização da manutenção da situação jurídico-funcional do recorrente
   Para o recorrente, não se verificaram factores comprovativos da inviabilização da manutenção da situação jurídico-funcional dele, que justificaria a aplicação da medida disciplinar gravosa de demissão, nem foi feita a mínima ponderação das circunstâncias do caso concreto para chegar a esta conclusão.
   
   Como tem sido reiterado em vários acórdãos4 do Tribunal de Última Instância, o preenchimento da cláusula geral da inviabilização da situação jurídico-funcional, constante do n.° 1 do art.° 315.° do ETAPM, cabe à Administração, a concretizar através de juízos de prognose produzidos com grande margem de liberdade administrativa, sem deixar de se vincular aos princípios fundamentais do Direito Administrativo, nomeadamente os da justiça e da proporcionalidade.
   
   São os actos de abuso de poder constante da sentença criminal que a entidade recorrida considera prejudicados, de modo grave, a dignidade e o prestígio das funções e da Administração Pública, para concluir a inviabilidade da manutenção da situação jurídico-funcional do recorrente.
   Não se verifica que sejam violados manifestamente os limites da proporcionalidade e da justiça. E o protelamento dos trâmites tendentes ao exercício do poder disciplinar não pode justificar a atenuação ou até o desaparecimento dessa inviabilização.
   
   
   2.4 Circunstâncias atenuantes
   O recorrente considera que a entidade recorrida não ponderou, nomeadamente, o facto de o recorrente não ter antecedentes disciplinares, ter decorrido muito tempo sobre a prática dos factos e sempre tem as mais altas classificações de serviço, e não se vislumbra como é que as circunstâncias atenuantes foram contrabalançadas com as agravantes.
   
   Ora, as circunstâncias atenuantes foram efectivamente ponderadas pela entidade recorrida, através da remissão ao relatório, em que se referiu especialmente as classificações de muito bom atribuídos ao recorrente.
   Tais circunstâncias são de pouca relevância em comparação com os ilícitos praticadas e as agravantes, tais como a produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço público ou ao interesse geral, o concluio com outros indivíduos para a prática da infracção e a acumulação de infracções.
   
   
   2.5 Violação do princípio da proporcionalidade
   O recorrente entende que existe uma manifesta desproporção entre a sanção aplicada e a falta cometida. E uma vez efectuada a responsabilidade criminal do recorrente, não se vislumbra nenhum particular conteúdo de ilícito disciplinar que justifica a pena disciplinar tão gravosa.
   
   A verificação da indignidade ou falta de idoneidade moral para o exercício das funções corresponde às penas de aposentação compulsiva ou de demissão, nos termos do art.° 315.° do ETAPM, pois são as penas que o legislador estabelece para estas situações graves que inviabilizem a manutenção da situação jurídico-funcional do funcionário.
   A escolha do tipo da pena obedece integralmente à previsão legal, pelo que não há qualquer violação do princípio da proporcionalidade.
   
   Por outro lado, os processos criminal e disciplinar são independentes, cada um deles prossegue interesses jurídicos diferentes. O facto de já ter sido julgado em processo criminal e sujeito às respectivas sanções, mais ou menos pesadas ou diversificadas, não isenta o agente da eventual responsabilidade disciplinar.
   Admite-se que os interesses prosseguidos nos dois tipos de processos são semelhantes, mas isso não apaga as características e os fundamentos de actuação de cada tipo de processos, a que correspondem sanções diferentes conforme o estatuto funcional do funcionário a que está sujeito.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso jurisdicional.
   Custas pelo recorrente com a taxa de justiça fixada em 4 UC.
   
   
   Aos 15 de Dezembro de 2010










Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Victor Manuel Carvalho Coelho


1 Nos termos dos artigos 347º e 110º do Código Penal, o crime de abuso de poder é punido com pena de prisão até 3 anos, pelo que o prazo de prescrição é de 5 anos.
2 Na prática judicial em Macau, defende-se que nessa norma a interrupção da prescrição é contemplada. (vide o acórdão do Tribunal de Segunda Instância, datada de 26/1/2006 - Processo n.º 140/2005)
3 O n.º 2 do artigo 2º do ETAPM diz: O provimento por nomeação definitiva ou em comissão de serviço confere a qualidade de funcionário, a qual é mantida ainda que na situação de supranumerário.
4 Acórdãos do TUI de 15 de Outubro de 2003 do processo n.° 26/2003, publicado em Acórdãos do Tribunal de Última Instância da RAEM, 2003, p. 602; de 28 de Julho de 2004 do processo n.° 22/2004, Acórdãos do Tribunal de Última Instância da RAEM, 2004, p. 865; e de 29 de Junho de 2005 do processo n.° 15/2005, Acórdãos do Tribunal de Última Instância da RAEM, 2005, p. 654.
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Processo n.º 28 / 2010 27