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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
N.º 48 / 2010

Recorrente: Secretário para a Segurança
Recorridos: A
     B
     C







   1. Relatório
   A, B e C interpuseram perante o Tribunal de Segunda Instância recurso contencioso contra o despacho do Secretário para a Segurança de 17 de Julho de 2007 em que declarou caducada a autorização de residência dos menores B e C.
   Por acórdão de 11 de Março de 2010 proferido no processo n.º 528/2007, o Tribunal de Segunda Instância concedeu provimento ao recurso contencioso e anulou o acto recorrido.
   Inconformado com esta decisão, o Secretário para a Segurança vem recorrer para este Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões úteis nas suas alegações:
   - No âmbito de um mesmo acto, D foi notificado para a audiência nos termos dos art.ºs 93.º e ss. do CPA em relação à intenção de declaração da caducidade da autorização de residência dos menores, audiência que efectivamente apresentou, por escrito, na qual exerce o seu poder de representação na defesa dos interesses dos seus representados.
   - A, 1.º recorrente, não é interessado no recurso contencioso, não é o representante legal dos interessados, menores, não os representa, a qualquer título, nem em juízo nem fora dele, e por isso não tinha que ser ouvido em audiência no processo administrativo, tanto mais que os interessados o foram e exerceram efectivamente o seu direito.
   - Quando se não entenda nos termos das conclusões anteriores, sempre haverá que admitir-se que os interessados também exerceram o direito de audiência através do 1.º recorrente (seu avô) que interveio no procedimento, por escrito e no prazo.
   - Não tendo o 1.º recorrente, naquele escrito, aludido à intenção de declaração de caducidade da autorização dos menores, não pode, no entanto, invocar a preterição do direito de audiência uma vez que interveio efectivamente na fase de audiência, revelando perfeito conhecimento do teor da notificação remetida ao pai, representante legal dos interessados, o que implica a dispensa deste acto nos termos do art.º 97.º, a) do CPA.
   - Pelo que vem dito é forçoso concluir-se pela não preterição do direito de audiência dos interessados, menores, quem quer que se considere representá-los, uma vez que, por duas vias, foram chamados à audiência e exerceram-na efectivamente.
   - O douto acórdão recorrido violou ou aplicou erradamente os preceitos e princípios constantes dos art.ºs 3.º, 10.º, 58.º, 93.º, 97.º e 124.º do CPA e as competentes normas do Código Civil para que remete o art.º 54.º, n.º 2, também do CPA.
   
   Os recorridos não apresentaram alegações.
   
   O Ministério Público entende, no seu parecer, que deve ser mantido o acórdão recorrido.
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Factos provados:
   Foram considerados provados os seguintes factos pelo Tribunal de Segunda Instância:
   “1. Em 27 de Maio de 2002, o 1.º recorrente requereu junto à entidade recorrida a autorização da residência do 2.º recorrente.
   2. Em 26 de Agosto de 2002, o 1.º recorrente, com o aviso escrito da autoridade, veio a conhecer que o 2.º recorrente foi autorizado a residir em Macau através o despacho de 5 de Julho de 2002, proferido pela entidade recorrida.
   3. Pela razão de que os pais do filho, dado o problema de trabalho, não conseguiram tomar conta bem o filho, que foi portanto confiado ao seu avô e à tia, cabendo aos pais os alimentos. Na maioria do tempo, o filho era tido conta pelos familiares de Macau, mas sempre visitado pelos seus pais. (vide documento 9, que se dá por integralmente reproduzido).
   4. Em X de X de XXXX, o 2.º recorrente obteve o Bilhete de Identidade de Residente não Permanente n.º XXXXXXX(X), que foi consequentemente renovado em 29 de Agosto de 2005.
   5. Nos anos XXXX, XXXX e XXXX, o 2.º recorrente tem frequentado o jardim infantil, tendo acabado o curso e preparado para o 1.º ano do ensino da escola primária.
   6. Em X de X de XXXX, o 3.º recorrente nasceu em Macau.
   7. Em 2 de Maio de 2005, o 1.º recorrente requereu à entidade recorrida a autorização da residência do 3.º recorrente em Macau.
   8. Para estabilizar a vida dos 2.º e 3.º recorrentes, o 1.º recorrente e a sua mulher, mãe destes, em 24 de Junho de 2005, adquiriram conjuntamente uma fracção autónoma em Macau.
   9. Em 29 de Agosto de 2005, o recorrente foi notificado, por escrita, pela autoridade de que o seu pedido foi deferido pela entidade recorrida mediante 20 de Julho de 2005, sendo o 3.º recorrente autorizado a residir em Macau.
   10. Pela razão de que os pais do filho, dado o problema de trabalho, não conseguiram tomar conta bem o filho, que foi portanto confiado ao seu avô e à tia, cabendo os pais os alimentos. Tendo em conta que a criança seria bem cuidada pelo seu avô em Macau, ... (vide documento 35, que se dá por integralmente reproduzido).
   11. Em X de X de XXXX, o 3.º recorrente obteve o Bilhete de Identidade de Residente não Permanente n.º XXXXXXX(X), que foi consequentemente renovado em 21 de Agosto de 2006.
   12. Em X de X de XXXX, o 3.º recorrente foi admitido pelo jardim infantil, tendo pago as propinas.
   13. A entidade recorrida deferiu o pedido de residência dos 2.º e 3.º recorrentes, atendendo ao facto de que os seus pais, por motivo profissional, de domicílio, e dos seus estatutos de ser não residente, não conseguiram tomar conta bem das crianças. A decisão final era tomada em prol dos interesses dos dois recorrentes.
   14. Em 26 de Fevereiro de 2007, o pai dos 2.º e 3.º recorrentes D requereu à entidade recorrida para autorizar a sua residência em Macau.
   15. Em 7 de Agosto de 2007, D foi avisado, por escrita, pela autoridade de que o seu pedido de residência foi indeferido pela entidade recorrida através do despacho de 17 de Julho de 2007 (vide documentos 7 e 8. O teor do documento aqui se dá por integralmente reproduzido).
   16. Além do mais, a entidade recorrida, no mesmo despacho, declarou a caducidade da autorização da residência que tinha sido concedida aos 2.º e 3.º recorrentes por deixar de reunir os pressupostos ou requisitos para concessão da autorização da residência.
   17. Dada a caducidade da autorização da residência, a autoridade retirou os bilhetes de identidade do que os 2.º e 3.º recorrentes eram titulares.
   18. Os pais dos 2.º e 3.º recorrentes continuam a viver separadamente no Interior da China e em Hong Kong.
   19. O pai dos 2.º e 3.º recorrentes, D é comerciante, raramente esteve em Macau.
   20. A mãe dos 2.º e 3.º recorrentes, E, é funcionária pública de Hong Kong, veio a Macau sempre nos fins de semanas.
   21. Os 2° e 3° recorrentes tem vivido em Macau certo tempo, tendo respectivamente subido para a escola primária e frequentado o jardim infantil.”
   
   
   2.2 Legitimidade activa do primeiro recorrente no recurso contencioso
   O recorrente continua a entender que A, ora primeiro recorrido, carece de legitimidade para intervir no presente processo, porque os representantes dos menores recorridos, em que inclui o 1º recorrido, não intervêm em nome próprio, mas no interesse dos menores, e ao 1º recorrido é vedado exercer o poder de representação dos menores por se encontrarem estes representados pelos seus pais.
   
   Os pedidos de fixação ou autorização de residência dos dois menores recorridos foram apresentados por 1º recorrido A, avô dos menores, e assim admitidos pelo Corpo de Polícia de Segurança Pública. Os pais dos menores apresentaram, sempre com os pedidos, declarações em que delegam poderes para A tratar das formalidades de pedido de autorização de residência.
   Enquanto representante dos menores, A tem sempre legitimidade para promover o presente processo. É certo que os menores já estão representados pelos seus pais no presente processo, o que tornaria inútil a intervenção de A no processo. Mas como foi este o requerente dos respectivos pedidos de autorização de residência dos menores aqui em causa, é admissível a sua legitimidade activa no presente processo.
   
   
   2.3 Audiência dos interessados
   O recorrente considera que não existe qualquer preterição do direito de audiência dos interessados, uma vez que o 1º recorrido A e o pai dos menores foram notificados para o exercer e ambos apresentaram requerimento escritos em que argumentaram designadamente em relação à intenção de declaração de caducidade da residência dos menores.
   
   Para examinar se foi dada oportunidade para exercer o direito de audiência, é de atender o teor da notificação para audiência escrita, de n.º MIG.XXX/2007/P.X.XXX/E, efectuada pelos Serviços de Migração do Corpo de Polícia de Segurança Pública a D, pai dos menores, constante das fls. 10 e 11 do respectivo processo administrativo (vol. 3 dos apensos):
   “Nos termos dos art.ºs 93.º e 94.º do Código do Procedimento Administrativo, é notificada a V. Ex. a intenção da Administração de indeferir o seu requerimento em causa, com base nos seguintes fundamentos concretos:
   ...
   7. Por outro lado, como vem demonstrado nos autos, o requerente era residente do Interior da China e a sua mulher e dois filhos menores residentes permanentes de Hong Kong. A autorização de residência foi deferida por causa de os cônjuges não terem tempo para cuidar das suas crianças e estas ficarem a cuidado do seu avô. Mas o pressuposto da autorização é: “... a autorização de residência dos menores não pode servir de fundamento para sustentar no futuro o pedido de reunião de agregado familiar. Quando os seus pais reunirem condições para o(s) cuidar, eles devem voltar ao cuidado dos seus pais, que será mais favorável ao desenvolvimento saudável físico e psíquico dos menores.” (referido no n.º 5); Neste momento, o requerente já é residente de Hong Kong, a sua mulher trabalha na função pública em Hong Kong. Estes cônjuges devem ter condições para reassumir o cuidado dos seus filhos. Por isso, propomos, nos termos do art.º 24.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003: declarar a caducidade da autorização de residência dos dois filhos menores do requerente, B e C.
   
   A V. Ex. pode manifestar a sua posição por escrito no prazo de dez dias a contar do dia seguinte ao da recepção da presente notificação. Ao mesmo tempo, pode consultar os autos neste serviço na hora de expediente.”
   
   Embora o convite para a pronúncia escrita foi formulado em consequência do requerimento de autorização de residência do próprio pai dos menores, parece-nos claro que o pai dos menores foi notificado para pronunciar simultaneamente sobre a proposta declaração de caducidade da autorização de residência dos menores.
   Uma vez que o pai dos menores já interveio no processo, a intervenção do avô dos menores no procedimento é dispensada.
   
   Pode-se argumentar que formalmente não foi dado conhecimento do começo do procedimento administrativo destinado à referida declaração de caducidade, não se configura, em consequência, uma audiência para defesa.
   Independentemente de existência de outros vícios, o convite para audiência dos interessados não deixa de ser efectuado mesmo que formalmente não foi dado conhecimento do início do procedimento administrativo.
   No entanto, a iniciativa da Administração de proceder à referida declaração nasceu precisamente com a proposta de indeferimento do requerimento de autorização de residência do pai dos menores. Ao responder ao convite de pronúncia, o pai dos menores bem podia requerer diligências complementares e juntar documentos, nos termos do n.º 3 do art.º 94.º do CPA. Assim, é irrelevante a falta de comunicação do começo do procedimento administrativo no presente caso.
   
   Concluímos que foi cumprida a formalidade de audiência prévia, procede assim o presente recurso.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar procedente o recurso jurisdicional, revogando o acórdão recorrido, e determinar a baixa do processo ao Tribunal de Segunda Instância para apreciar os restantes fundamentos do recurso contencioso, se para tal nada impede.
   Custas pelos recorridos com as taxas de justiça individuais fixadas em 2UC.
   
   Aos 15 de Dezembro de 2010






Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Victor Manuel Carvalho Coelho

Processo n.º 48 / 2010 10