Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau
Recurso penal
N.º 49 / 2010
Recorrente: A
1. Relatório
A e outros arguidos foram julgados no Tribunal Judicial de Base, no âmbito do processo comum colectivo n.º CR4-09-0079-PCC. A final, A foi condenado pela prática dos seguintes crimes:
- um crime de tráfico de drogas agravado previsto e punido pelos art.ºs 8.°, n.° 1 e 10.°, al. b) do Decreto-Lei n.° 5/91/M na pena de 10 anos de prisão e multa de 50.000,00 patacas, convertível em 5 meses de prisão;
- um crime de tráfico de quantidades diminutas agravado previsto e punido pelos art.ºs 9.° e 10.°, al. b) do Decreto-Lei n.° 5/91/M na pena de 1 ano e 9 meses de prisão e multa de 10.000,00 patacas, convertível em 1 mês de prisão;
- três crimes de detenção de drogas para consumo previsto e punido pelo art.° 23.°, al. a) do Decreto-Lei n.° 5/91/M na pena de 45 dias de prisão de cada;
- três crimes de detenção de indevida de utensilagem previsto e punido pelo art.° 12.° do Decreto-Lei n.° 5/91/M na pena de 1 mês de prisão de cada;
- um crime de falsas declarações sobre a identidade previsto e punido pelo art.° 19.° da Lei n.° 6/2004 na pena de 9 meses de prisão;
- um crime de falsidade de declaração previsto e punido pelo art.° 323.°, n.° 2 do Código Penal na pena de 1 ano de prisão;
- um crime de violação da proibição de entrada previsto e punido pelo art.° 21.° da Lei 6/2004 na pena de 4 meses de prisão.
Em cúmulo, foi condenado na pena única de 11 anos de prisão e multa de 60.000,00 patacas, convertível em 6 meses de prisão.
Desta decisão o arguido B recorreu para o Tribunal de Segunda Instância. Por seu acórdão de 22 de Julho de 2010 proferido no processo n.º 235/2010, o recurso foi julgado procedente, absolvendo o arguido do crime de tráfico de quantidades diminutas previsto no art.º 9.° do Decreto-Lei n.° 5/91/M e passando a condenar o arguido pela prática de um crime de tráfico ilícito de drogas agravado previsto e punido pelos art.°s 8.° e 10.°, al. 9) da Lei n.° 17/2009, em conjugação com o art.° 22.° da Lei n.° 6/2004, na pena de 7 anos e 6 meses de prisão. Com a manutenção da condenação dos restantes crimes, foi fixado novamente a pena única em 8 anos e 9 meses de prisão.
O mesmo arguido interpôs recurso deste acórdão ao Tribunal de Última Instância.
Na resposta, o Ministério Público suscitou a questão prévia de extemporaneidade do recurso nos seguintes termos:
“O acórdão recorrido foi proferido, em audiência, com a presença do defensor oficioso do recorrente, no dia 22 do passado mês de Julho, tendo o recorrente sido pessoalmente notificado do mesmo, no subsequente dia 27, no Estabelecimento Prisional de Macau.
A motivação do recurso, entretanto, só veio a ser apresentada no dia 6 de Agosto seguinte.
O que equivale a afirmar que tal apresentação ocorreu para além do prazo legal de 10 dias (que expirava no dia 2 desse mês de Agosto).
Ora, como é sabido, o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto, salvo no caso de justo impedimento (cfr. art.º 97.º, n.º 2, do C. P. Penal).
E esse justo impedimento não se vislumbra, não tendo, sequer, sido invocado.
Não se divisa, por outro lado, qualquer facto susceptível de suspender ou interromper o prazo em apreço.
A substituição do defensor, nomeadamente, ocorreu para além desse prazo.
Pode entender-se, todavia, que o referido prazo de 10 dias se deve contar da notificação pessoal do recorrente (e não da prolação da decisão).
Propendemos, decididamente, pela negativa (na esteira, igualmente, da generalidade da Jurisprudência portuguesa).
O Defensor nomeado a fls. 597, na verdade, esteve presente nas audiências realizadas na Segunda Instância, designadamente naquela em que se procedeu à leitura do acórdão (cfr. fls. 949 e 972).
Não pode deixar de presumir-se, por isso, que deu conhecimento ao recorrente do resultado do julgamento.
Essa presunção decorre, naturalmente, dos deveres funcionais e deontológicos que sobre o mesmo impendiam.
E o certo é que nada foi alegado a esse respeito.
O presente recurso é, pois, extemporâneo.
Não deve, pois, ser conhecido.”
No caso de não ser acolhida esta posição, o Ministério Público entende, quanto ao fundo da causa, que o recurso deve ser rejeitado por manifesta improcedência.
Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição assumida na resposta.
Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
2. Fundamentos
2.1 Matéria de factos
Consideramos provados, segundo os elementos dos autos, os seguintes factos relevantes para apreciar a questão prévia de extemporaneidade do recurso:
- O acórdão recorrido foi lido em audiência de 22 de Julho de 2010 em que estava presente o defensor do arguido, Dr.° B.
- O arguido recebeu a notificação do acórdão no dia 27 seguinte através dos serviços do Estabelecimento Prisional de Macau.
- Por carta datada do dia 5 de Agosto de 2010 e recebido no mesmo dia pelo Tribunal de Última Instância, o arguido manifestou a intenção de recorrer e pediu a nomeação de patrono para o representar a fim de interpor recurso.
- Ainda no mesmo dia, em cumprimento do despacho do relator do Tribunal de Segunda Instância, foi enviada cópia da referida carta do arguido por meio de fax ao sue defensor.
- No dia seguinte, foi aberta conclusão com a informação de que o Dr.° B estava ausente da Região.
- Por despacho do juiz de turno do Tribunal de Segunda Instância, foi nomeado Dr.° C ao arguido como seu novo defensor para formalizar o recurso.
- A motivação do recurso deu entrada no Tribunal de Última Instância ainda no mesmo dia 6 de Agosto.
- O arguido tem estado sob prisão preventiva.
2.2 Tempestividade do recurso
O Ministério Público suscitou a questão prévia de extemporaneidade do recurso, entendendo que o prazo para recorrer deve ser contado a partir da notificação do acórdão recorrido ao defensor do recorrente, presente na leitura do acórdão, e a motivação do recurso foi apresentada fora do prazo legal sem que tenha sido invocado justo impedimento ou a falta de comunicação do resultado do julgamento ao recorrente pelo defensor. Por outro lado, a substituição do defensor também ocorreu fora do referido prazo.
Sobre o prazo de interposição do recurso prescreve o art.º 401.°, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP):
“1. O prazo para interposição do recurso é de 10 dias e conta-se a partir da notificação da decisão ou do depósito da sentença na secretaria, ou, tratando-se de decisão oral reproduzida em acta, da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente.”
A questão ora em apreço consiste em saber se o prazo para interposição do recurso de acórdão do Tribunal de Segunda Instância se conta a partir da notificação da decisão ao defensor, quando for realizada antes da notificação ao próprio arguido.
Entendemos que a resposta deve ser positiva.
Nos termos do art.° 53.°, n.° 1, al. e) do Código de Processo Penal (CPP), é obrigatória a assistência do defensor nos recursos.
Se o recurso for julgado em audiência, o defensor é sempre convocado para estar presente, o que não sucede com o próprio arguido recorrente (art.° 411.°, n.° 2 do CPP). Então, o acórdão será lido com a presença do defensor, sem que o arguido recorrente convocado para o efeito.
Pesa embora que o art.° 100.°, n.° 7 do CPP impõe que a sentença seja notificada ao próprio arguido, é com a notificação da decisão ao defensor na leitura de acórdão que começa a contar o prazo para interposição do recurso. Na realidade, não se pode sustentar que não há notificação da decisão depois da leitura de acórdão neste quadro de situação, para os efeitos do art.° 401.°, n.° 1 do CPP.
É verdade que nos processos penais devem ser sempre asseguradas as garantidas de defesa do arguido e essas garantias só serão plenamente adquiridas quando lhe for dado conhecimento integral da decisão a ele respeita. Esse cabal conhecimento do arguido será atingido, sem violar as garantias de defesa, quando o seu defensor seja notificado da mesma decisão. Pois os deveres funcionais e deontológicos do defensor o obriga a transmitir o resultado do julgamento realizado nos tribunais superiores ao recorrente patrocinado, de modo a criar condições para ambos ponderarem e decidirem conjuntamente sobre a conveniência de interpor recurso à instância superior.
Como as funções do defensor consistem em exercer os direitos que a lei reconhece ao arguido, salvo os que ela reservar pessoalmente a este (art.° 52.°, n.° 1 do CPP), e é obrigatória a intervenção do defensor nos recursos, a notificação da decisão ao defensor satisfaz o requisito legal para activar a contagem do prazo para a interposição do recurso, tal como vem prescrito no art.º 401.º, n.º 1 do CPP.
No presente caso, o defensor do recorrente foi notificado do acórdão recorrido no dia 22 de Julho de 2010, então o prazo para interposição do recurso deste acórdão começou a contar a partir dessa notificação e terminou em 2 de Agosto de 2010, data até a qual nada foi ainda requerido.
No dia 5 seguinte, foi recebida uma carta do recorrente em que se manifestou a intenção de recorrer do acórdão de segunda instância e pediu a nomeação de um defensor para o efeito.
Ora, dispõe assim o art.° 97.°, n.° 2 e 3 do CPP:
“2. Os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento.
3. O requerimento referido no número anterior é apresentado no prazo de 3 dias, contado do termo do prazo legalmente fixado ou da cessação do impedimento.”
Para que seja possível praticar o acto processual fora do prazo legal, é necessário alegar em 3 dias o justo impedimento, o que não aconteceu.
Não se deixa de reafirmar que uma carta do arguido em que se manifesta meramente a intenção de recorrer não pode ser considerado como interposição formal do recurso1, pois o requerimento de interposição do recurso deve ser sempre motivado e com a assistência do defensor (art.º 401.°, n.° 2 do CPP).
Assim, o presente recurso não pode ser admitido por ser interposto fora do prazo legal.
3. Decisão
Face ao exposto, acordam em não admitir o recurso.
Custas pelo recorrente com a taxa de justiça fixada em 1 UC e os honorários de 1200 patacas ao seu defensor nomeado.
Aos 15 de Dezembro de 2010
Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
1 Entendimento reiterado já em vários acórdãos do TUI, como ultimamente no acórdão de 20 de Maio de 2010, proferido no processo n.° 19/2010.
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Processo n.º 49 / 2010 1