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(TRADUÇÃO)

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
   
   
   Recurso relativo ao direito de reunião e manifestação
   Processo n.º 75/2010
   
Recorrente: Chao Teng Hei (representante da Associação de Macau Novo)
   Recorrido: Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública
   
   
   1. Relatório
   CHAO TENG HEI, na qualidade de representante da Associação de Novo Macau, vem interpor recurso contra o acto do Comandante Substituto do Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau (CPSP), que alterou em 13 de Dezembro de 2010 o trajecto de manifestação programado pela associação no dia 20 do corrente mês.
   O recorrente formulou as conclusões seguintes:
   - A lei só permite que a Polícia pode mandar “alterar os trajectos programados de desfiles ou cortejos ou determinar que os mesmos façam só por uma das faixas de rodagem”, se “se revelar indispensável ao bom ordenamento do trânsito de pessoas e de veículos nas vias públicas”.
   - Por qualquer via da cidade que o desfile passe, não é possível que não esteja completamente afectado “o bom ordenamento do trânsito de pessoas e de veículos nas vias públicas”;
   - A fim de manter “o bom ordenamento do trânsito de pessoas de veículos nas vias públicas”,basta “determinar que os mesmos façam só por uma das faixas de rodagem”, já se pode atingir a finalidade, sendo desnecessária a ordem da Polícia de “alterar os trajectos programados de desfiles ou cortejos”;
   - Ao determinar o trajecto, esta associação determina, quanto possível, um trajecto mais curto, a fim de minimizar a perturbação causada aos residentes e até aos utentes da via. Evidentemente, o trajecto alterado é mais longo que o anterior, causando mais perturbação ao trânsito;
   - Na parte da Avenida de Horta e Costa entre o Mercado Municipal Almirante e a Estrada de Coelho do Amaral o trânsito é proibido por causa das obras ali realizadas, fazendo com que o trânsito dessa zona esteja dependente da Avenida do Ouvidor Arriaga e da Avenida do Coronel Mesquita. Por isso, ao determinar o trajecto, decidimo-nos a passar pela Rua de Francisco Xavier Pereira e depois de chegar à Avenida de Horta e Costa, virar à esquerda dirigindo-se à Avenida de Sidónio Pais, no sentido de evitar, tanto quanto possível, a perturbação causada ao trânsito na Avenida do Ouvidor Arriaga e na Avenida do Coronel Mesquita. No entanto, a alteração do trajecto feita pela Polícia deixará bloqueada toda a Avenida do Coronel Mesquita na passagem do desfile, ficando nessa zona apenas a Avenida do Ouvidor Arriaga que está aberto o trânsito a leste. É evidente que a alteração do trajecto feita pela Polícia trará mais perturbação ao trânsito;
   - Pelo exposto o despacho recorrido não tem fundamento jurídico e carece de fundamentação; e
   - Desrespeita o exercício dos direitos fundamentais por parte dos residentes e viola o princípio de proporcionalidade.
   Pedindo que seja julgado procedente o recurso e anulado o despacho ora impugnado.
   
   Na resposta, o Comandante do CPSP formulou principalmente os seguintes:
   - A associação requerente declarou que iam participar na manifestação cerca de 5000 pessoas, tendo o desfile uma extensão de mais ou menos 1km, contando com 4 a 6 pessoas em cada fila. No trajecto planeado, o percurso localizado nas Avenida de Venceslau de Morais – Rua de Francisco Xavier Pereira – Avenida de Horta e Costa, causará simultaneamente a que o trânsito na Avenida do Ouvidor Arriaga e na Avenida do Coronel Mesquita encontre-se paralisado por um longo tempo;
   - Por causa das obras realizadas na Avenida de Horta e Costa, o trânsito do Centro e do Norte dirige-se à Avenida do Ouvidor Arriaga e à Avenida do Coronel Mesquita, aumentando a intensidade do trânsito nestas zonas. A paralisação do trânsito acima referida causará pressão grave às vias adjacentes e afectará as tarefas urgentes e ambulatórias.
   - Pelo exposto, tendo em conta o bom ordenamento do trânsito de pessoas e de veículos nas vias públicas e a segurança, nos termos do art.º 8.º, n.º 2 da Lei 2/93/M, é necessária a alteração do trajecto originalmente planeado;
   - O trajecto indicado pelo CPSP pode assegurar todos os interesses e bens envolvidos;
   - Mesmo que o trajecto indicado seja um pouco mais longo, não é tão longo que cause inconveniência ou demora notária, nem que prejudique a viabilidade da manifestação ou a repercussão de informações trazida ao público;
   - Além disso, tendo em consideração três manifestações de mesma natureza a serem realizadas simultaneamente nesta mesma data e hora, o CPSP também já indicou o mesmo trajecto aos respectivos promotores. Pelo que, a descentralização das manifestações iria não só agravar o engarrafamento, como também exigir à autoridade policial que envie mais pessoal para manter a ordem.
   Enfim, entende-se que o despacho recorrido não tem qualquer violação da lei nem inadequação, devendo o recurso ser rejeitado.
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   2. Fundamentos
   1. Matéria de facto
   De acordo com os documentos anexos ao processo, foram dados por provados os factos seguintes:
   - No dia 3 de Dezembro de 2010, a Associação de Novo Macau previamente comunicou por escrito ao Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM) a realização da reunião e manifestação abaixo indicada:
   “Nos termos do art.º 5.º da Lei n.º 2/93/M, venho por este meio avisar o Presidente do Conselho de Administração do IACM da realização de reunião e manifestação seguinte:
   São os dados da reunião pública os seguintes:
   Assunto: Anti-corrupção, luta por democracia, garantia do bem-estar do povo
   Data e hora: 20 de Dezembro, da 1h00 às 18h00
   Local de reunião: Jardim de Iao Hon e Praça do Lago Nam Van
   Trajecto: Partindo do Jardim de Iao Hon, o desfile passa pelas Rua do Mercado de Iao Hon, Rua Um do Bairro Iao Hon, Estrada da Areia Preta, Avenida de Venceslau de Morais, Rua de Francisco Xavier Pereira, Avenida de Horta e Costa, Avenida de Sidónio Pais, Praça do Tap Seac, Rua de Ferreira do Amaral, Rua do Campo, Avenida de D. João IV, Avenida do Infante D. Henrique, Avenida da Praia Grande, e após a entrega de cartas na Sede do Governo, caminhando pela Avenida da Praia Grande até à praça junto do Centro Náutico da Praia Grande e se dispersa depois da reunião na praça.”
   - O Comandante do CPSP proferiu, em 13 de Dezembro de 2010, o despacho seguinte:
   “Nos termos da Lei Básica e do regime geral da efectuação do direito de reunião e manifestação (Lei n.º 2/93/M, de 17 de Maio), todos os residentes de Macau gozam do direito de reunião e do direito de manifestação.
   No entanto, com o objectivo de que o exercício dos supracitados direitos não afecte o direito sobre os assuntos quotidianos que gozam outros residentes na sociedade, e em vista de manter a ordem pública, é necessário assegurar o bom ordenamento do trânsito de pessoas e de veículos nas vias públicas, pelo que, nos termos do disposto no art.º 8.º, n.º 2 e 3 da supracitada lei, são aplicadas obrigatoriamente as disposições seguintes:
   - O trajecto da manifestação tem que observar o trajecto (azul) conforme indicado no desenho anexo ao despacho.
   (Ponto de partida: Jardim de Iao Hon – Rua do Mercado de Iao Hon – Rua da Saúde – Estrada Marginal do Hipódromo – Estrada do Arco – Avenida do Almirante Lacerda – Avenida do Coronel Mesquita – Rotunda de S. João Bosco – Avenida de Sidónio Pais – Rua de Ferreira do Amaral – Rua do Campo – Avenida de D. João IV – Avenida Doutor Mário Soares – Praça de Jorge Álvares – Avenida Panorâmica do Lago Nam Van – Zona de Lazer do Lago Nam Van – Fim: junta-se no Centro Náutico da Praia Grande)
   Nesta data, notifica-se o promotor da reunião de que o uso do local tem que observar as regras e disposições dadas pelos órgãos competentes.
   O Comandante Subst.º do CPSP
   Lai Kam Kun
   O Superintendente”
   
   - Na mesma data, Chao Teng Hei, Ao Kam San e Cheang Meng Hin assinaram no CPSP a declaração seguinte:
   “Assunto: Reunião e manifestação promovida pela Associação de Novo Macau em 20/12/2010 (os participantes juntam-se no Jardim de Iao Hon às 13h00)
   Referência: Fax emitido pelo IACM, em 9/12/2010
   De acordo com o despacho e o trajecto feito pelo representante do CPSP, bem como as explicações sobre o trajecto da manifestação, o promotor declarou:
   Tomei conhecimento do teor do despacho e do trajecto.
   Não concordo com a alteração do trajecto de manifestação proposta pelo CPSP, exigindo à autoridade policial que considere de novo o trajecto programado pelo promotor, a fim de assegurar a realização da manifestação sem dificuldade nem problema.
   Fornecendo as informações seguintes:
   Hora da reunião: 14h00;
   Hora da partida: 15h00;
   Número dos participantes: Cerca de 5000.”
   
   2. Indicação do trajecto de manifestação
   Está em causa saber se a alteração feita pelo Comandante Substituto do CPSP nos termos do art.º 8.º, n.º 2 da Lei n.º 2/93/M, ao trajecto programado pela associação requerente, viola o disposto na norma acima referida.
   A controvérsia do trajecto reside em que a associação requerente planeia que o desfile, proveniente da Avenida de Venceslau de Morais, entre na rua de Francisco Xavier Pereira e vire para a Avenida de Horta e Costa dirigindo-se à Avenida de Sidónio Pais, enquanto o comandante, porém, exige que o desfile, proveniente da Avenida do Almirante Lacerda, entre na Avenida do Coronel Mesquita e depois virando para a Avenida de Sidónio Pais.
   A Lei n.º 2/93/M, que regula o direito de reunião e de manifestação, dispõe no seu art.º 8.º, n.º 2 que: “Se tal se revelar indispensável ao bom ordenamento do trânsito de pessoas de veículos nas vias públicas, o comandante da Polícia de Segurança Pública pode, até 24 horas antes do seu início e através da forma prevista no artigo 6.º, alterar os trajectos programados de desfiles ou cortejos ou determinar que os mesmos façam só por uma das faixas de rodagem.”
   Nos termos do artigo referido, a fim de manter o bom ordenamento do trânsito de pessoas e de veículos nas vias públicas, o comandante do CPSP pode, quando for necessário, alterar os trajectos programados de desfiles ou cortejos ou determinar que os mesmos façam só por uma das faixas de rodagem.
   Isto é o poder discricionário, atribuído pelo legislador ao órgão administrativo, o qual lhe permite tomar a decisão mais adequada no âmbito da lei segundo as circunstâncias concretas.
   Apesar da natureza de pleno poder jurisdicional1 do recurso previsto no art.º 12.º da Lei n.º 2/93/M, deve-se observar, neste tipo de recurso, o princípio geral no âmbito de julgamento do processo administrativo contencioso, ou seja, o núcleo da função administrativa – poder discricionário. Em princípio, o tribunal não pode julgar no contencioso administrativo se é adequado o exercício do poder discricionário. Só pode declarar a ilegalidade do respectivo acto administrativo e anulá-lo no caso de verificar o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no seu exercício por parte da Administração.2
   In casu, o órgão administrativo já ponderou que o trajecto programado pela associação requerente passaria pela Rua Francisco Xavier Pereira e pela Avenida de Horta e Costa, e que estava prevista a participação de cerca de 5000 pessoas no desfile com uma extensão de 1 km que poderá causar à Avenida do Ouvidor Arriaga e à Avenida do Coronel Mesquita paralisação de trânsito por um longo tempo, aumentando eventualmente a intensidade do trânsito nestas zonas. A paralisação do trânsito acima referida causará pressão grave às vias adjacentes e afectará as tarefas urgentes e ambulatórias. Pelo que considerou haver necessidade da alteração do trajecto originalmente planeado, passando o desfile a caminhar pela Avenida do Coronel Mesquita e depois virando para a Avenida de Sidónio Pais.
   Na realidade, o desfile normalmente vai estender-se até um determinado comprimento, e quando o desfile de 1km de extensão passar pela Rua de Francisco Xavier Pereira, certamente vai interromper por algum tempo o trânsito na Avenida do Coronel Mesquita e na Avenida do Ouvidor Arriaga. Devido à realização das obras de esgoto na Avenida de Horta e Costa, o trânsito das zonas adjacentes dirige-se à Avenida do Ouvidor Arriaga e à Avenida do Coronel Mesquita, e da interrupção acima referida resultará simultaneamente paralisação de trânsito nessas duas vias e na Avenida de Horta e Costa durante a manifestação, o que influenciará gravemente o trânsito entre a Avenida do Almirante Lacerda e a Avenida de Sidónio Pais.
   Além disso, o percurso da Avenida de Horta e Costa entre a Rua de Francisco Xavier Pereira e a Avenida de Sidónio Pais também é um troço com a maior intensidade de tráfico.
   O trajecto alterado pela Avenida do Coronel Mesquita, em vez do pela Rua de Francisco Xavier Pereira ou Avenida de Horta e Costa, não se provoca dano irrazoável ao efeito de divulgação ao público.
   Por isso, o despacho ora impugnado não viola o princípio do exercício do poder discricionário, nem revela erro manifesto ou total desrazoabilidade.
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso, mantendo o despacho que alterou o trajecto programado pela Associação de Novo Macau no dia 20 neste mês.
   Custas pelo recorrente com a taxa de justiça fixada em 3UC.
   
   
   Aos 17 de Dezembro de 2010

    Os juízes:Chu Kin
    Sam Hou Fai
    Lai Kin Hong
1 O Tribunal de Última Instância já revelou a sua posição nos acórdãos proferidos nos processos n.º 16/2010 e 21/2010 em 29/04/2010 e 04/05/2010.
2 O princípio previsto no art.º 21.º, n.º 1, al. d) do Código do Processo Administrativo Contencioso.
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Processo n.º 75/2010 9