打印全文
Tribunal Judicial de Base da Região Administrativa Especial de Macau
Juízo Laboral
Acção de Processo Comum do Trabalho n.º LB1-11-0014-LAC



Sentença
I. Relatório:
A, de nacionalidade Chinesa, com residência na [Endereço 1], em Macau, instaurou contra Venetian Macau, S.A., a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia total de MOP$954.800,00, acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento.
A Ré contestou, no essencial, impugnando os factos afirmados pelo Autor.
Foi elaborado despacho saneador em que se afirmou a validade e regularidade da instância, e onde se seleccionou a matéria de facto relevante para a decisão da causa.
A audiência de julgamento decorreu com observância do formalismo legal, tendo o Tribunal, a final, respondido à matéria controvertida por despacho que não foi objecto de qualquer reclamação pelas partes.
Esta audiência de discussão e julgamento ocorreu após o reenvio, por parte do Venerando Tribunal de Segunda Instância, dos presentes autos, a fim de ser apurada matéria de facto considerada pertinente – “mesmo de importância decisiva a respeito da revelação da impossibilidade de manutenção da relação laboral”, como se pode ler da sua douta fundamentação – para a boa decisão da causa, tendo, no mais, mantido toda a factualidade que se mostrava apurada aquando do primeiro julgamento realizado.
*
  Questões a decidir:
  Se o despedimento imediato do Autor se revelou ser fruto de uma justa causa ou se, pelo contrário, se revestiu de arbitrariedade e, assim, ilícito, cabendo, caso se conclua ser este o caso, determinar se são correctos os montantes indemnizatórios por si peticionados.
*
  II. Fundamentação de facto:
  1) O A. foi admitido na empresa R. em 16/02/2004, com a categoria de fiscal (controller) do sector de produtos alimentares (Food & Beverage), auferindo um salário mensal de MOP27,500.00 (vinte e sete mil e quinhentas patacas). (A)
  2) Com efeitos a partir de 1 de Setembro de 2006, foi promovido a gerente regional do sector de compras, nível C1 (Regional Procurement Manager of Regional Procurement Department, Job Grade Cl), com um vencimento mensal de MOP40,000.00 (quarenta mil patacas), conforme o teor da cópia da carta da empresa R. enviada ao A. em 11 de Setembro de 2006 cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (doc. 1) (B)
  3) O A. foi elevado à categoria de gerente superior regional do sector de compras (Senior Regional Procurement Manager of Regional Procurement Department), com um vencimento mensal de MOP48,000.00 (quarenta e oito mil patacas), conforme o teor da cópia da carta da empresa R. enviada ao A. em 20 de Junho de 2007 cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (doc. 2) (C)
  4) Com efeitos a partir de 1 de Março de 2009, foi o A. promovido a director associado do sector de compras e abastecimentos, nível C 1 (Associate Director of Procurement and Supply Chain, Job Grade C1), com um salário mensal de MOP61,600.00 (sessenta e uma mil e seiscentas patacas), conforme o teor da cópia da carta da empresa R. enviada ao A. em 19 de Março de 2009 cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (doc. 3) (D)
  5) O A. sempre foi um funcionário cujo desempenho profissional a empresa R. tinha em alta consideração. (E)
  6) O qual é classificado de EXCEPCIONAL (outstanding), conforme o teor da cópia do respectivo formulário da empresa R. cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (doc. 5) (F)
  7) Pelo convite que lhe foi endereçado, em meados de Junho de 2007, pela empresa R., para integrar um programa especial de incentivo profissional, equivalente a 6 meses de salário correspondente ao vencimento que auferisse em 30 de Junho de 2010, pagável em Julho de 2010, conforme o teor da cópia da carta da empresa R. enviada ao A. em 16 de Junho de 2007. (G)
  8) Por carta datada de 11 de Julho de 2009, a empresa R. decidiu terminar o contrato de trabalho com o A., a Ré comunicou ao Autor, que o despedia porque utilizou repetidamente um cartão que lhe não pertencia, assim utilizando o parque de estacionamento do público durante as horas de serviço e usando um esquema para fugir ao pagamento do custo de estacionamento, bem sabendo que esta conduta violava os regulamentos da empresa e que não tinha direito a estacionar no parque de estacionamento do público, conforme o teor da cópia da carta de despedimento da empresa R. enviada ao A. em 11 de Julho de 2009. (3º e 35º)
  9) Sendo que o regulamento de que o A. tem conhecimento versar sobre tal matéria, datado de 1 de Março de 2008, é o que consta da cópia cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (doc. 7 junto com a petição inicial). (5º)
  10) Que consagra o direito que os funcionários da R têm de estacionar as suas viaturas nas instalações da R, regulamente esse que se aplica aos trabalhadores da R cujo nível (Job Grade) das funções desempenhadas ao serviço da R., esteja compreendido entre "A" e "D2". (6º)
  11) Sendo que, desde 1 de Setembro de 2006, o nível atribuído ao ora A. é "C1"., nível esse que lhe confere o direito a usar o parque de estacionamento que a R. disponibiliza aos seus trabalhadores. (7º)
  12) Nos termos da cláusula 9. do contrato de trabalho celebrado entre as partes: o presente Contrato pode ser resolvido por qualquer das partes desde que, para o efeito, a resolução seja comunicada por escrito com uma antecedência mínima de 1 (mês) ou, em sua substituição, fazendo-se o pagamento equivalente a 1 (um) mês de vencimento. (10º)
  13) O A., que era bem considerado no meio da empresa. (14º)
  14) Respeitado por superiores, colegas e subordinados. (15º)
  15) O despedimento provocou ao A. um forte abalo psicológico. (17º)
  16) Atenta a, sua categoria (C1 desde 1 de Setembro de 2006), o Autor não tinha direito a usar gratuitamente o parque estacionamento público da Ré. (19º)
  17) O superior hierárquico do Autor, B, tinha direito a estacionar no parque de estacionamento do público, porque detinha a categoria B1. (20º)
  18) Foi a B atribuído o cartão nºXXXX, ao qual foi associado o veículo com a matrícula MK-XX-XX. (21.º)
  19) Na sequência da investigação foram apurados os seguintes factos:
  No dia 8 de Junho de 2009:
  12:00 um Toyota bronze com a matrícula MK-XX-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº XXXX normalmente;
  19:07 um BMW ciano com a matrícula MN-XX-XX saiu do parque de estacionamento com o cartão n° XXXX, tendo o condutor entregue posteriormente o cartão a um terceiro;
  19:10 um Mazda preto com a matrícula MM-XX-XX saiu do parque de estacionamento com o cartão nº XXXX;
  19:45 o Toyota bronze com a matrícula MK-XX-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão n° XXXX normalmente. (22.º)
  20) No dia 9 de Junho de 2009:
  08:31 Um Toyota bronze com a matrícula MK-XX-XX entrou no parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão n° XXXX normalmente;
  08:37 um Toyota bronze com a matrícula MK-XX-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão n° XXXX normalmente;
  12:44 um Toyota bronze com a matrícula MK-XX-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão n° XXXX normalmente;
  17:31 um BMW ciano com a matrícula MN-XX-XX saiu do parque de estacionamento. Um terceiro apareceu, abriu a porta com o cartão n° XXXX e foi-se embora;
  19:06 um Nissan branco com a matrícula MM-XX-XX saiu do parque de estacionamento. Um terceiro apareceu, abriu a porta com o cartão n° XXXX e foi-se embora;
  19:40 um Mazda preto com a matricula MM-XX-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº XXXX;
  20:44 um Toyota bronze com a matrícula MK-XX-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº XXXX normalmente. (23.º)
  21) No dia 10 de Junho de 2009:
  08:14 um Toyota bronze com a matrícula MK-XX-XX entrou no parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº XXXX normalmente;
  08:19 um Toyota bronze com a matrícula MK-XX-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº XXXX normalmente;
  12:58 um BMW ciano comia matrícula MN-XX-XX saiu do parque de estacionamento usando o cartão n° XXXX. De seguida, deixou o cartão que foi usado pelo condutor do carro seguinte;
  12:58 um Toyota bronze com a matrícula MK-XX-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão n° XXXX que lhe foi deixado pelo condutor anterior;
  18:14 um Nissan branco com a matrícula MM-XX-XX saiu do parque de estacionamento. Um terceiro apareceu, abriu a porta com cartão n° XXXX e foi-se embora;
  22:15 um Toyota bronze com a matrícula MK-XX-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão n° XXXX, entregando-o depois a um terceiro. (24.º)
  22) No dia 11 de Junho de 2009:
  00:31 um Mazda preto com a matrícula MM-XX-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº XXXX;
  08:37 um Toyota bronze com a matrícula MK-XX-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº XXXX normalmente;
  08:50 um Toyota bronze com a matrícula MK-XX-XX entrou no parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão n° XXXX normalmente;
  19:04 um Nissan branco com a matrícula MM-XX-XX saiu do parque de estacionamento usando o cartão n° XXXX, tendo depois entregue o mesmo a um terceiro;
  19:14 um BMW ciano com a matrícula MN-XX-XX saiu do parque de estacionamento. Um terceiro usou o cartão n° XXXX para que ele pudesse sair e foi-se embora;
  19:39 um Mazda preto com a matrícula MM-XX-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão n° XXXX;
  19:58 um Toyota bronze com a matrícula MKXX-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão n" XXXX normalmente. (25.°)
  23) No dia 12 de Junho de 2009:
  08:26 um Toyota bronze com a matrícula MK-XX-XX entrou no parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão n° XXXX normalmente;
  08:31 um Toyota bronze com a matrícula MK-XX-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão n° XXXX normalmente;
  12:28 um Mazda preto com a matrícula MM-XX-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão n" XXXX; de seguida deixou o cartão para que o próximo condutor o pudesse usar;
  12:28 um Toyota bronze com a matrícula MK-XX-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº XXXX que lhe foi deixado pelo anterior condutor;
  13:23 um Toyota bronze com a matrícula MK-XX-XX entrou no parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº XXXX normalmente;
  18:17 um Toyota bronze com a matrícula MK-XX-XX saiu do parque, de estacionamento, tendo o condutor deixado o cartão n° XXXX para que o próximo condutor o pudesse usar;
  18:17 um Mazda preto com a matrícula MM-XX-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão n° XXXX deixado pelo anterior condutor. (26.°)
  24) No dia 15 de Junho de 2009:
  08:27 um Toyota bronze com a matrícula MK-XX-XX entrou no parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº XXXX normalmente;
  08:34 um Toyota bronze com a matrícula MK-XX-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão n° XXXX normalmente;
  12:03 um Mazda preto com a matrícula MM-XX-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão n° XXXX que entregou depois a um terceiro;
  13:14 um Toyota bronze com a matrícula MK-XX-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº XXXX normalmente;
  17:25 um BMW ciano com a matrícula MN-XX-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão n° XXXX que entregou a um terceiro. (27.º)
  25) O veículo com a matrícula MK-XX-XX estava registado em nome de Chio Uuok Hong, e era usado por B. (28.º)
  26) O veículo MN-XX-XX era usado por A, ora Autor; o veículo MM-XX-XX era usado por C, "Procurement Manager"; o veículo MM-XX-XX era usado por D, "procurement Officer". (29.º)
  27) O Autor, C e D eram todos subordinados de B. (30.º)
  28) Nos termos do ''Team Member Parking at the Venetian Macao Resort-Hotel", documento junto pelo Autor à p.i. com o n.º 7: "Para não afectar os espaços de estacionamento, disponíveis para os hóspedes, os membros da equipa sem direito a estacionamento não podem estacionar no Estacionamento dos hóspedes Sena o estiverem em serviços. (31.º)
  29) O acesso ao parque de estacionamento do público, pelos funcionários que a ele tenham direito, é feito através do uso de um cartão. (32.º)
  30) A avaliação da alínea F) foi feita por B, superior hierárquico do Autor. (33.º)
  III. Fundamentação jurídica:
  Em face da matéria de facto que se mostra provada e do direito que lhe é aplicável, cumpre dar resposta às questões a decidir que supra se deixaram enunciadas.
O Autor fundamenta a sua pretensão na existência de um contrato de trabalho celebrado com a Ré.
A matéria de facto que resultou provada é inequívoca quanto ao enquadramento a fazer desta relação jurídica, atenta a noção legal dada pelo artigo 1079.º, n.º 1 do Código Civil vigente (cuja redacção é a mesma do CC de 1966), segundo o qual “contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob autoridade e direcção desta”, ao qual será aplicável a Lei das Relações de Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2008, 18 de Agosto de 2008, por força do disposto no seu artigo 93.º.
De acordo com o facto dado como assente em 1) esta relação de trabalho iniciou-se em 16 de Setembro de 2004, data em que o Autor foi contratado pela Ré para exercer funções de fiscal do sector de produtos alimentares, mediante uma contrapartida salarial mensal de MOP$27.500.
  Sabemos igualmente que esta relação cessou no dia 11 de Julho de 2009, data em que a Ré despediu o Autor, alegando que o Autor utilizou repetidamente um cartão que lhe não pertencia, utilizando o parque de estacionamento do público durante as horas de serviço e usando um esquema para fugir ao pagamento do custo do estacionamento, bem sabendo que esta conduta violava os regulamentos da empresa e que não tinha direito a estacionar no parque de estacionamento do público (cf. facto provado em 8).
Resulta ainda provado, atenta a alusão feita pela Ré na comunicação que fez ao Autor e supra ficou citada, que o regulamento de que o Autor tem conhecimento é o de 1 de Março de 2008, e consta dos autos como documento 7. junto com a petição inicial e consagra o direito que os funcionários da Ré têm de estacionar as suas viaturas nas instalações da Ré e se aplicam aos trabalhadores da Ré com os níveis A a D 2, sendo o Autor do nível C1, o que lhe confere o direito a usar o parque de estacionamento que a Ré disponibiliza aos seus trabalhadores (cf. factos provados 9) a 11).
Atenta esta última factualidade provada cumpre ainda ter em consideração o que resulta no ponto 4 do documento constante de fls. 30 e ss. dos autos (o referido doc. 7 junto com a petição inicial).
Compulsada a matéria de facto temos descrita factualmente uma actividade praticada pelo Autor – e outros trabalhadores da Ré –, nomeadamente nos factos provados de 19) a 24), cuja intrínseca carga axiológica negativa não resulta minimamente comprovada (nem, sequer, após o reconhecido esforço pretendido pelo aresto prolatado pelo Venerando Tribunal da Segunda Instância, dado que resultou como não provada a factualidade que determinou fosse acrescentada à matéria de facto controvertida). E esta ausência de carga valorativa negativa permite, desde logo, infirmar o que consta da carta elaborada pela Ré para “justificar” o despedimento imediato do Autor (cf. documento de fls. 29 dos autos), no que diz respeito ao significado da conduta do Autor, ao estacionar, em sintonia com o seu superior hierárquico, no espaço destinado ao público; com efeito nenhum facto resultou provado relativamente a quaisquer consequências negativas para a Ré do comportamento do Autor. Cumpre aqui colocar em destaque a prova de sinal contrário que foi produzida na última audiência de discussão e julgamento e resulta da respectiva convicção da matéria de facto e para a qual remetemos, resultando da prova produzida que tal comportamento do Autor era enquadrável pela necessidade de se ter de deslocar para reuniões em local longe do seu posto de trabalho e portanto longe do parque de estacionamento reservado aos funcionários.
O território de Macau é muito pequeno e portanto o local onde o Autor trabalhava é conhecido do público em geral, sendo que o pagamento pelo público do parque de estacionamento acontece somente quando no centro comercial não são feitas compras ou não é feita uma singela refeição, para não falar, claro está, na ida para o casino.
Não resultou provado qualquer facto que permita concluir ter sido a conduta do Autor motivada por uma qualquer razão que fosse, quer censurável em si mesma, quer contrária à sua produtividade enquanto trabalhador; não resulta provado que o Autor com o estacionamento que fazia perdesse tempo e assim prejudicasse a sua produtividade; não resulta provado que o Autor, com a sua conduta, ocupasse lugares de estacionamento que não permitisse ao público estacionar e assim tivesse que sair do local (e caso isso tivesse acontecido seria naturalmente muito fácil à Ré, atenta a vídeo vigilância que utilizou neste caso, comprová-lo), o que poderia então permitir presumir uma qualquer consequência e económica negativa para a Ré. Por último, não resulta provada qualquer consequência negativa relativamente à imagem ou autoridade da Ré perante os seus funcionários perante a conduta do Autor.
Por outro lado, não resulta provado que a Ré, antes de tomar a sua decisão drástica de despedir o Autor, tenha tomado uma qualquer medida que permitisse ao Autor adequar a sua conduta a essa regra que por ele era desrespeitada, e que podia passar por um simples aviso. A Ré decidiu liminar e drasticamente. Será que a sua atitude se pode considerar justificada?
O que se constata simplesmente nos presentes autos é que o Autor não cumpriu uma orientação dada pela Ré; mas perguntou esta alguma vez ao Autor por que motivo o fazia? Ou uma ordem seja ela qualquer for deve ser cumprida sem excepção e cegamente, sem cuidar de saber das razões para o seu não cumprimento?
Cumpre, nos termos da lei aplicável ao caso concreto, saber em que circunstâncias é justificável o despedimento por justa causa no ordenamento jurídico de Macau de modo a podermos avaliar se se pode considerar lícita a atitude da Ré ao despedir o Autor.
A Lei das Relações de Trabalho (designada infra de LRT) prevê várias formas de cessação do contrato de trabalho, seja por iniciativa do empregador, seja por vontade do trabalhador.
Para o caso dos autos importa analisar a rescisão com alegação de justa causa por iniciativa do empregador, tal como previsto nos artigos 68.º e 69.º da LRT.
Do art. 68.º, n.º 2 da LRT decorre que constitui, em geral, justa causa para a resolução do contrato qualquer facto ou circunstância grave que torne praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Desta norma resulta evidente, desde logo, que não basta o trabalhador incumpra uma qualquer regra imposta pelo empregador; esse incumprimento tem de ser de tal modo grave que torne praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
O art. 69.º, n.º 2 da LRT enumera, a título exemplificativo, diversas circunstâncias que podem revestir a justa causa para o despedimento por justa causa, as quais têm de ser avaliadas naturalmente em conjugação com a cláusula geral constante do citado art. 68.º, n.º 2.
Assim, são requisitos de justa causa de despedimento:
- um elemento subjectivo – traduzido num comportamento culposo do trabalhador, por acção ou omissão, necessariamente consubstanciador de violação grave dos seus deveres profissionais;
- um elemento objectivo – traduzido na imediata impossibilidade prática da subsistência do vínculo laboral com a entidade empregadora;
- um nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.
O sujeito da infracção disciplinar laboral é, pois, necessariamente, um trabalhador. O facto traduz-se numa actuação, conduzida pelo agente, que integre a competente previsão disciplinar, podendo consistir tanto na violação de deveres tipificados na lei, como na inobservância de deveres genéricos, numa acção ou numa omissão. A culpabilidade implica a presença, no trabalhador, dum juízo de censura reportado à sua actuação; qualquer das modalidades de culpa, dolo ou negligência, é apta a dar lugar à imputação disciplinar. A ilicitude corresponde à inobservância de deveres jurídicos, seja ignorando imposições, seja atentando contra proibições, sendo que os deveres atingidos podem ser contratuais, convencionais ou legais; o juízo de ilicitude pressupõe, assim, a prévia determinação da conduta exigível, em concreto, ao trabalhador. Por último, a cessação do contrato de trabalho imputada a falta disciplinar só é legítima quando a situação disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória.
No caso em análise nos presentes autos será razoável concluir que o comportamento do Autor se possa reputar de ilícito e culposo e, simultaneamente, assuma uma tal gravidade objectiva, em si e nos seus efeitos, que tornasse inexigível à Ré a manutenção da relação laboral.
A gravidade do comportamento do trabalhador e a inexigibilidade da subsistência do vínculo devem ser apreciados na perspectiva de um “bom pai de família”, ou seja, de um empregador normal, norteado por critérios de objectividade e razoabilidade, devendo o tribunal atender ao quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre os trabalhadores e os seus colegas e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
A conduta do Autor de estacionar no parque de estacionamento reservado ao público, por si só, revela a circunstância de o Autor assim estacionar em local diferente daquele a que tinha direito por força das suas funções (cf. facto 16) e, por essa via, desrespeitar nessa medida, uma orientação da empresa. A matéria de facto permite afirmar que esse desrespeito foi de tal modo grave que tornasse praticamente insustentável a sua relação profissional?
Resulta provado que o Autor foi sucessivamente desempenhando cargos para a Ré de maior relevo, com melhor remuneração, levando a que tenha sido classificado mesmo de excepcional (cf. factos provados 1 a 6), sendo de realçar que poucos meses antes de ser liminarmente despedido havia sido promovido (cf. facto 4); e os factos provados permitem perceber a razão para este percurso profissional ascende do Autor, pois a Ré tinha em alta consideração o seu desempenho profissional (cf. facto 5), classificou-o do modo já referido, sendo além do mais bem considerado no meio da empresa (cf. facto 13), respeitado por superiores, colegas e subordinados (cf. facto 14). Porém, não respeitou a regra relativa ao lugar de estacionamento e é por essa exclusiva razão despedido. Como é evidente, a reacção da Ré surge a todos os títulos, em face dos factos provados e das normas legais aplicáveis, excessiva, despropositada, arbitrária, portanto, sem qualquer razoabilidade, em completa oposição à consideração que o Autor lhe parecia merecer ao longo da sua carreira profissional, de que não resulta provado um único erro, uma única infracção, um único reparo, pelo contrário, como vimos, só elogios.
Por outras palavras, a factualidade provada não permite minimamente afirmar que, com a sua conduta, o Autor afectou de forma intensa a confiança indispensável ao normal desenvolvimento da relação laboral e, como tal, tornasse justificável o seu despedimento, pelo que a Ré não logrou demonstrar a justa causa de rescisão do contrato de trabalho.
Nos termos do disposto no art. 69.º, n.º 4 da LRT considera-se cessação da relação de trabalho sem justa causa a falta de fundamento na justa causa invocada, tendo o trabalhador o direito a receber o dobro da indemnização prevista no art. 70.º, no caso, equivalente a quinze dias de remuneração de base por cada ano, atendendo ao seu tempo de trabalho (cf. n.º 1, do art. 70.º, ponderando que o Autor trabalhou para a Ré entre 16 de Fevereiro de 2004 e 11 de Julho de 2009, cerca de 5 anos e 5 meses).
  À data do despedimento, o Autor auferia MOP61.600 mensais, pelo que teria direito a receber a quantia resultante da seguinte fórmula:
  ½ 61.600 (portanto, 30.800,00) x 5 anos e 5 meses x 2, num total de MOP 333.666; porém, o legislador impõe um limite para o cálculo da indemnização e que consiste em considerar a remuneração mensal de MOP 14.000, o que diminui substancialmente, no presente caso, a indemnização a pagar, isto é, a quantia global de MOP75.600,00.
  Como vimos não se confirmou ter sido o despedimento do Autor feito com justa causa, pelo que a forma imediata como o despedimento foi feito (e nos termos do contrato celebrado entre as partes ele só poderia ser feito imediatamente, nos termos da sua última cláusula, cf. fls. 22 dos autos) não respeitou o prazo de aviso prévio previsto na lei, pelo que tem o Autor a receber a esse título o equivalente aos quinze dias de aviso prévio que não foram respeitados (cf. art. 72.º, n.º 3, 1) e 4), o que dá a quantia de MOP30.800,00; porém, o seu contrato de trabalho prevê que, nesta situação, caso não haja aviso prévio deverá ser pago na quantia equivalente ao seu salário, o que dá a quantia de MOP 61.600,00 (cf. facto 12), o que lhe é mais favorável.
  O Autor peticiona uma quantia a título de danos morais, com base em diversa factualidade, de que somente veio a ficar provada a que resulta em 15), isto é, o Autor sofreu com o despedimento um forte abalo psicológico, o que aliás parece perfeitamente compreensível, em face do que havia sido o seu trajecto profissional – que podemos, em face dos factos provados, adjectivar de exemplar e a que já nos referimos supra – e a actuação da Ré para consigo. A este título e ponderando os critérios para a fixação dos danos morais que se podem encontrar no art. 489.º do Código Civil de Macau, entendemos por equitativo atribuir ao Autor uma quantia equivalente a 2 meses do seu ordenado à data do seu despedimento, ou seja, a quantia de MOP123.200.
  Peticiona o Autor ainda o pagamento da quantia que lhe seria paga em Julho de 2010, nos termos que resultam provados em 7). O pagamento desta quantia, que só ocorreria um ano após o seu despedimento, supunha a manutenção do contrato de trabalho, que entretanto cessou, pelo que se traduzia a esta data numa mera expectativa jurídica, sem que se possa considerar como um direito consolidado; este só existiria se, à data prevista, mantivesse a sua relação laboral, o que, como vimos, não ocorreu.
  A todas as quantias supra mencionadas acrescerão juros a contar da data do trânsito em julgado desta sentença1, atento o que dispõe o artigo 794.º, n.º 4 do CC, dado que por estarmos na presença de um crédito ilíquido, os juros moratórios, só se vencem a contar da data em que seja proferida a decisão que procede à liquidação do quantum indemnizatório.
  IV. Decisão:
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP260.400, acrescida juros moratórios à taxa legal a contar do trânsito em julgado da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório, absolvendo-se no mais do pedido formulado.
  As custas serão a cargo da Ré e do Autor na proporção do decaimento.
  Registe e notifique.
  
  Macau, 10 de Dezembro de 2013
  Juiz
  Mário Pedro Martins da Assunção Seixas Meireles
   (Elaborei e revi integralmente)