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Processo n.º 458/2010
(Recurso Penal)
Data: 8/Julho/2010
Recorrente: A
Objecto do Recurso: Acórdão condenatório da 1ª Instância

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
A recorrente A, tendo sido condenada pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo art.º 8º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, de 9 de Setembro, na pena de 8 anos de prisão efectiva, vem interpor recurso, tendo concluído as suas alegações da forma seguinte:
    A recorrente A considerou que a pena de 8 anos de prisão efectiva aplicada pelo Tribunal Colectivo, pelo cometimento de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, era excessivamente pesada.
    A recorrente considerou que o Tribunal Colectivo, ao proferir a decisão, violou os dispostos no art.º 40º, n.º 2 e art.º 65º do Código Penal, a pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
    A Lei n.º 17/2009, ora “Proibição da produção, do tráfico e do consumo ilícitos de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, entrou em vigor em 10 de Setembro de 2009. Embora os factos do presente caso tenham ocorrido antes da vigência da lei nova, nos termos do art.º 2º, n.º 4 do Código Penal, “quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, salvo se já tiver havido condenação transitada em julgado”.
    O crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo art.º 8º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, é punido com pena de prisão de 3 a 15 anos.
    Tendo em conta a quantidade de drogas e o modo de execução dos factos ilícitos, bem como a arguida manifestou arrependimento no tribunal e é primária, a recorrente A concluiu que era mais adequado condená-la, por crime previsto e punido pelo art.º 8º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, numa pena inferior a 8 anos.
    
    Pelo acima exposto, a recorrente A conclui que era mais adequado condená-la, por crime previsto e punido pelo art.º 8º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, numa pena inferior a 8 anos ou numa pena relativamente mais leve.

Responde o Digno Magistrado do MP, pronunciando-se por um abaixamento da pena para sete anos de prisão.
    
O Exmo Senhor Procurador Adjunto, neste Tribunal, emite o seguinte douto parecer:
    Pretende a recorrente a redução da pena que lhe foi imposta no douto acórdão.
    E o nosso Exmº Colega pronuncia-se, também, em sentido convergente.
    Vejamos.
    A Lei n.º 17/2009, no que tange à pena aplicável ao tipo-padrão do tráfico de estupefacientes, face ao Dec.-Lei na. 5/91/M, reduziu sensivelmente o seu limite mínimo e elevou em menor proporção o seu limite máximo.
    E, com essa nova amplitude, permite, naturalmente, uma melhor individualização das respectivas medidas concretas.
    Em benefício da arguida, "in casu", nada se apurou.
    Em termos agravativos, por seu turno, há que destacar a quantidade de droga apreendida, bem como a grande intensidade de dolo que presidiu à sua actuação.
    Quanto aos fins das penas, são muito elevadas, como é sabido, as exigências de prevenção geral.
    Em sede de prevenção positiva, há que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada, através do "restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada..." (cfr. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, pg. 106).
    E, a nível de prevenção geral negativa, não pode perder-se de vista o efeito intimidatório subjacente a esta finalidade da punição.
    Não pode olvidar-se, a propósito, o contributo decisivo dos “correios” para a proliferação do tráfico da droga.
    E a situação da R.A.E.M., nesse âmbito, suscita preocupações crescentes.
    Tudo ponderado, enfim, a pena aplicada não pode deixar de ter-se como justa e equilibrada (cfr., como referência, ac. do TUI, de 23/9/2009, proc. n.º 28/2009 - nomeadamente situação do aí 5° arguido).
    Deve, pelo exposto, o recurso ser julgado improcedente - ou até, mesmo, manifestamente improcedente (com a sua consequente rejeição, nos termos dos artigos 407°, n° 3-c, 409°, n° 2-a e 410°, do C. P. Penal).
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Com pertinência, respiga-se do acórdão condenatório o seguinte:
    “(...)
    Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
    No dia 30 de Março de 2009, pelas 12 horas e tal, de acordo com informações fornecidas pelas entidades alfandegárias da China continental, agentes da Polícia Judiciária deslocaram-se ao quarto nº405 da Pensão Fu Tou, situada no Beco do Paralelo, nas proximidades da Avenida de Almeida Ribeiro, local onde residia a arguida A, a fim de efectuarem investigações. Na altura, a arguida A estava no interior do referido quarto.
    Os agentes da Polícia Judiciária encontraram no referido quarto uma mala de mão de cor castanha e uma mala de mão de cor preta.
    Após exame, foram encontradas duas embalagens com substâncias em pó de cor de iogurte por trás do forro da parte lateral da mala de mão de cor castanha e outras duas embalagens com substâncias em pó de cor de iogurte por trás do forro da parte lateral da mala de mão de cor preta. Além disso, na mala de mão de cor preta, foram encontrados um recibo emitido pelo estabelecimento de câmbios “XX Kuok Chai Chi Un (Ou Mun) Toi Wun Iao Han Kong Si” referente à troca cambial de $200,00 dólares americanos por $1540,00 patacas; um cartão da Pensão Fu Tou; cinco papéis onde estavam anotados números de telefone e um conjunto de bilhetes de avião electrónicos onde constava que a titular era A.
    Além disso, os agentes da Polícia Judiciária encontraram na posse da arguida A um telemóvel e númerário, nomeadamente $400,00 dólares americanos e $1000,00 patacas.
    Após exame laboratorial, apurou-se que as substâncias em pó de cor de iogurte, contidas nas duas embalagens que se encontravam no interior da referida mala de mão de cor castanha, tinham componentes de heroína, com peso total líquido de 435,97 gramas, produto abrangido pela tabela I-A da lista anexa ao Decreto-Lei no. 5/91/M (depois da análise quantitativa, apurou-se que continha uma percentagem de 72,47% de heroína, com peso de 315,95 gramas); as substâncias em pó de cor de iogurte, contidas nas duas embalagens que se encontravam no interior da referida mala de mão de cor preta, também tinham componentes de heroína, com peso total líquido de 502,79 gramas, produto abrangido pela tabela I-A da lista anexa ao mencionado decreto-lei (depois da análise quantitativa, apurou-se que continha uma percentagem de 40,96% de heroína, com peso de 205,94 gramas).
    No dia 29 de Março de 2009, pelas 14h10m, a arguida A, levando consigo os referidos produtos estupefacientes, chegou a Macau, vindo de Vietnam, no voo ZG156 da companhia aérea “Viva Macau”.
    A arguida A obteve de indivíduo(s) de identidade desconhecida os referidos produtos estupefacientes e trouxe-os a Macau para entregar a pessoa(s) de identidade desconhecida, a fim de ganhar remuneração pecuniária.
    O telemóvel, os papéis onde estavam anotados números de telefone e o(s) bilhete(s) de avião electrónico(s) eram respectivamente instrumento de contacto, elementos e bilhete(s) utilizados pela arguida A aquando do tráfico de estupefacientes, e as referidas quantias pecuniárias tinham sido entregues por indivíduo(s) de identidade desconhecida à arguida para pagamento das despesas relacionadas com o tráfico de estupefacientes.
    A arguida A agiu livre, voluntária, consciente e deliberadamente, quando teve a referida conduta.
    A arguida conhecia perfeitamente as qualidades e as características dos referidos produtos estupefacientes e estava ciente de que as duas malas de mão continham os referidos produtos estupefacientes.
    A arguida, quando teve a referida conduta, não estava legalmente autorizada para assim proceder.
    A arguida tinha perfeito conhecimento que a sua conduta era proibida e punida por lei.
    -
    Mais se provou:
     É empregada doméstica.
    Tem como habilitações académicas a 6ª classe primária e não tem ninguém a seu cargo.
    Conforme o CRC, a arguida é primária.
    -
    Factos não provados:
    Os restantes factos relevantes da acusação, nomeadamente:
    No dia 28 de Março de 2009, em Vietnam, um indivíduo de identidade desconhecida entregara os referidos produtos estupefacientes à arguida A, a fim de esta trazê-los a Macau e entregá-los à pessoa que iria levantá-los.
    -
    Convicção do Tribunal :
    A convicção do Tribunal fundamenta-se na apreciação crítica e comparativa de todos os meios de prova produzidos em audiência de discussão e julgamento valorados na sua globalidade.
    Nomeadamente, nas declarações das testemunhas, que depuseram com isenção e imparcialidade e com conhecimento dos factos e ainda no exame dos documentos, nomeadamente os relatórios dos exames laboratoriais às substâncias apreendidas e dos objectos apreendidos juntos aos autos, realizado na audiência de julgamento.
    (...)”
    III - FUNDAMENTOS
    1. Fundamentalmente a questão que vem colocada tem que ver com a discordância da recorrente em relação a uma inadequada medida concreta da pena.
    
    2. Afigura-se que a arguido não tem razão.
    É certo que é primário, confessou os factos, mas nada disso contrabalança a culpa e a ilicitude expressivas do caso concreto.
    Como está bem de ver a confissão não se mostra aqui muito relevante.
    A ilicitude é expressiva, a culpa do agente é exponenciada pela potencialidade de disseminação do produto estupefaciente e pelo denodo e artimanha da conduta criminosa, não olhando a meios e a riscos para transportar tão significativa quantidade de droga.
    
    3. Mas analisemos com maior detalhe a escolha da medida concreta.
    A pena concreta deve reflectir os critérios plasmados nos artigos 40º e 65º do C. Penal.
    
    A lei aponta quais as finalidades das penas no artigo 40º do C. Penal:
    “1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.”

    Daqui se colhe a interpretação sintetizada na afirmação de Roxin1, delimitando o sentido e limites do direito penal, como “protecção subsidiária de bens jurídicos e prestação de serviços estatais, mediante prevenção geral e especial que salvaguarde a personalidade no quadro traçado pela medida de culpa individual.”
    
    Sentido tanto mais reforçado quanto ganha foros programáticos logo no preâmbulo do Dec.-Lei 58/95/M de 14/Nov. ao proclamar-se que o Código Penal assenta as “suas prescrições na liberdade individual e na correspondente responsabilização de cada um de acordo com o princípio da culpa”, enaltecendo-se o “sentido pedagógico e ressocializador do sistema penal, respeitando os direitos e a personalidade dos condenados” enquanto “repare a violação dos bens jurídicos protegidos e sirva de referência tranquilizadora para a comunidade.”
    
    Por outro lado, os critérios legais para a determinação da pena concreta, são os previstos no art. 65º, n.º 1 do C. Penal, onde se enfatizam as razões já proclamadas relativas aos fins das penas, “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”.

4. Perante estas linhas orientadoras, descendo ao concreto, a recorrente, é uma mulher na força da vida e da sua maturidade, enquanto pessoa, não podendo ignorar o mal terríveis da sua actuação.
Não podia ignorar que a quantidade de produto estupefaciente era muito expressiva, importando não esquecer o número de pessoas que podiam ser abrangidos por esse malefício.
O modus operandi é altamente reprovável, denunciando uma actuação denodada, vista o transporte da droga desde o Vietname.
Não vem comprovado o arrependimento.
    A Jurisprudência do TUI não deixa de ser uma referência indicativa para situações deste género, nomeadamente o caso 28/2009, de 23 de Set.2
    Fortíssimas razões de prevenção geral se impõem na presente situação, vista a abertura da RAEM ao exterior e daí a sua vulnerabilidade, começando a ser usuais estes correios de droga em Macau, com origem ou passagem por outros locais, neste caso o Vietname, servindo esses correios os fins criminosos das mafias internacionais da droga. Basta atentar no número de casos destes “correios de droga” que têm chegado aos Tribunais, para já não falar nas situações que poderão não ser detectadas.
E ainda que dizendo-se vítimas, nos dias de hoje, ninguém pode ignorar esses malefícios e consequências, em particular aqueles que se dispõem a colaborar com tais organizações sabem bem àquilo a que se sujeitam, enfrentando por causa disso penas pesadíssimas, nalguns ordenamentos, com a própria vida.
Pelo que urge estar atento e não comtemporizar com essa chaga social.
Aquelas razões de prevenção geral ganham assim uma dimensão incontornável e devem sobrelevar para desincentivar quem quer que tenha alguma veleidade em fazer algum dinheiro por essa via, pese embora o drama pessoal dos correios que desgraçadamente se aprestam a fazer esse trabalho sujo.
Não pode haver situação de dificuldades económicas ou até de pobreza que justifiquem os malefícios de tal conduta.
5. A pena encontrada, no quadro fáctico encontrado e na conjuntura concreta, não se mostra desajustada e se o fosse seria por defeito.
    Não assiste, pois, razão ao recorrente na argumentação deduzida.
    
    6. Posto isto, importa, no entanto, face à entrada em vigor da Lei 17/2009, de 10 de Agosto, e ao disposto no n.º 4 do artigo 2º do C. Penal, indagar qual o regime mais favorável para o arguido.
O Tribunal a quo entendeu ser a aplicável o regime desta última lei, fixando a pena em 8 anos de prisão.
Se lhe aplicasse a lei o DL 5/91/M, de 28 de Jan., dentro dos critérios adoptados e que aqui não postergam, a pena, deveria situar-se ao nível do meio da moldura penal abstracta e assim sempre acima dos nove anos de prisão e multa.
Ora, tendo aplicado o Tribunal a nova lei, a pena situa-se abaixo daqueles valores, donde improceder a pretensão da recorrente.

   7. Entende-se assim que o recurso se mostra manifestamente improcedente, devendo, consequentemente, ser rejeitado nos termos dos artigos 407º, n.º 3 - c), 409º, n.º 2 - a) e 410º, do C. P. Penal.
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em rejeitar o recurso por manifestamente improcedente.
    Custas pela recorrente, fixando em 7 UCs a taxa de justiça, devendo pagar ainda o montante de 3 UCs, a título de sanção, ao abrigo do disposto no artigo 410º, n.º 4 do CPP.
    Fixam-se os honorários dos Exmo Defensor em MOP 1000,00, a adiantar pelo GABPTUI.
Macau, 8 de Julho de 2010,

Dr. João A. G. Gil de Oliveira
Dra. Tam Hio Wa
Dr. Lai Kin Hong
1 Ob. cit. pág. 43.
2 - Cfr. Acs. Do TUI 26 e 28/09, de 23/Set.; 25/10, de 10/6; 26/10, de 15/6; 27/10, de 9/6.
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