ACÓRDÃO DO RECURSO CÍVEL/LABORAL
【民事/勞動案上訴裁判書】
*
PROCESSO DO RECURSO nº : 1002/2009
【Nº do processo da 1ª Instância: CV3-08-0093-LAC】
ESPÉCIE: Recurso laboral
DATA: 10-DEZEMBRO-2009
ASSUNTOS:
- Gorjetas e salário
SUMÁRIO:
1. O contrato celebrado entre um particular e a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A., para aquele trabalhar nos casinos desta última, sob direcção efectiva, fiscalização e retribuição por parte da mesma, deve ser qualificado juridicamente como um contrato de trabalho remunerado por conta alheia.
2. Considerando o carácter de “regularidade” e de controlabilidade/disponibilidade pela Ré das “gorjetas”, cuja natureza se altera desta forma, devem elas ser consideradas como parte integrante do salário dos trabalhadores que prestavam serviços nas condições referidas no nº 1.
O Relator
Fong Man Chong
PROCESSO DO RECURSO nº 1002/2009
【Nº do processo da 1ª Instância: CV2-08-0093-LAC】
ESPÉCIE: Recurso laboral
DATA: 10-DEZEMBRO-2009
* * *
* RECORRENTE:
Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L. (澳門旅遊娛樂有限公司)
* RECORRIDO:
A (XXX)
* OBJECTO DO RECURSO:
- Sentença final (fls. 167 a 174).
* * *
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL
DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I - RELATÓRIO:
A (XXX), melhor identificado nos autos, patrocinado pelo MP, propôs contra a Ré, “Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM)”, com sede na Avenida do Hotel Lisboa, 9° andar, Macau, acção para efectivação do direito ao pagamento da compensação pelo dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios, por si não gozados, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia MOP$145,132.51, e ainda no pagamento de juros vencidos e vincendos sobre tal quantia desde a data da cessação da relação laboral (fls. 2 a 12).
* * *
Prosseguidos os autos e feito o julgamento, foi posteriormente proferida a respectiva sentença, que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$144,592.15, acrescida de juros legais à taxa legal, desde o trânsito em julgado da sentença até efectivo e integral pagamento.
* * *
Inconformada com esta decisão, a Ré veio a recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (fls. 178 a 201).
* * *
A este recurso respondeu o Autor (fls. 212 a 214).
* * *
Feito o exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre decidir agora.
* * *
II – FUNDAMENTAÇÃO:
A) - Dos Factos:
Ao abrigo do disposto no artigo 631º/6 do CPCM, remete-se a descrição da matéria de facto provada para a decisão recorrida (fls. 165 a 166).
* * *
- Do “Recurso da sentença”:
Da decisão final recorreu a STDM, Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L., tendo oferecido as seguintes conclusões:
1) - A Sentença de que ora se recorre é nula por erro na subsunção da matéria de facto dada como provada à solução de direito.
2) - Recorde-se aqui se estamos em sede de responsabilidade civil, pelo que o(a) Recorrido(a) apenas terá direito de ser indemnizado(a) caso prove que a Recorrente praticou um acto ilícito.
3) - E, de acordo com os artigos 20°, 17°, 6, b), e 24° do RJRT, apenas haverá comportamento ilícito por parte do empregador, - e consequentemente direito a indemnização - quando o trabalhador seja obrigado a trabalhar em dia de descanso semanal, anual e ou em dia de feriado obrigatório e o empregador não o remunere nos termos da lei.
4) - Ora nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descanso pelo(a) A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título - relembre-se que ficou provado que o(a) A. precisava da autorização da R. para ser dispensado dos serviços.
5) - Porque assim é, carece de fundamento legal a condenação da ora Recorrente por falta de prova de um dos elementos essenciais do direito de indemnização do(a) A., ora Recorrido(a), i.e., a ilicitude do comportamento da Ré, ora Recorrente. Caso assim não se entenda, e salvo mais douto entendimento, sempre deve aplicar-se, para o cálculo de qualquer compensação pelo trabalho alegadamente prestado em dias de descanso, o regime prevista para o salário diário.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
6) - O(A) A., ora Recorrido(a), não estava dispensado(a) do ónus da prova quanto ao não gozo de dias de descanso e devia, em audiência, por meio de testemunhas ou por meio de prova documental, ter provado que dias alegadamente não gozou.
7) - Assim sendo, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo errou na aplicação do direito, pelo que o douto Tribunal de Segunda Instância deverá anular a decisão e absolver a Recorrente dos pedidos deduzidos pelo A., aqui ora Recorrido.
8) - Nos termos do nº 1 do artigo 335° do Código Civil (adiante CC), “Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.”
9) - Por isso, e ainda em conexão com os quesitos 8º a 19º e 21º, da base instrutória, cabia ao A., ora Recorrido, provar que a Recorrente obstou ou negou o gozo de dias de descanso.
10) - Ora nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pelo A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito à indemnização que pede, a esse título.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
11) - O nº1 do artigo 5° do RJRT dispõe que o diploma não será aplicável perante condições de trabalho mais favoráveis que sejam observadas e praticadas entre empregador e trabalhador, esclarecendo o artigo 6° deste diploma legal que os regimes convencionais prevalecerão sempre sobre o regime legal, se daqui resultarem condições de trabalho mais favoráveis aos trabalhadores.
12) - O facto de o A. ter beneficiado de um generoso esquema de distribuição de gorjetas que lhe permitiu, ao longo de vários anos, auferir rendimentos que numa situação normal nunca auferiria, justifica, de per si, a possibilidade de derrogação do dispositivo que impõe ao empregador o dever de pagar um salário justo, pois caso o ora Recorrido auferisse apenas um salário justo - da total responsabilidade da Recorrente e pago na íntegra por esta - certamente que esse salário seria inferior ao rendimento total que o ora Recorrido, a final, auferia durante os vários anos em que foi empregado da Recorrente.
13) - Não concluindo - e nem sequer se debruçando sobre esta questão - pelo tratamento mais favorável ao trabalhador resultante do acordado entre as partes - consubstanciado, sobretudo, nos altos rendimentos que o A. auferia - incorreu o Tribunal a quo em erro de direito, o que constitui causa de anulabilidade da sentença ora em crise.
Assim não se entendendo e ainda concluindo:
14) - A aceitação do trabalhador de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração teria, forçosamente, de ser considerada como válida.
15) - Os artigos 24° e seguintes da Lei Básica consagram um conjunto de direitos fundamentais, assim como os artigos 67° e seguintes do Código Civil consagram um conjunto de direitos de personalidade e, do seu elenco não constam os alegados direitos violados (dias de descanso anual e feriados obrigatórios).
16) - Não tendo o legislador consagrado a irrenunciabilidade dos direitos em questão, devem os mesmos ser considerados livremente renunciáveis e, bem, assim, considerada eficaz qualquer limitação voluntária dos mesmos, seja essa limitação voluntária efectuada ab initio, superveniente ou ocasionalmente.
17) - Donde, deveria o Tribunal ter considerado eficaz a renúncia ao gozo efectivo de tais direitos, absolvendo a aqui Recorrente do pedido.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
18) - Ao trabalhar voluntariamente - e realce-se, não ficou em nenhuma sede provado que esse trabalho não foi prestado de forma voluntária, muito pelo contrário - em dias de descanso (sejam eles anual, semanal ou resultantes de feriados), o ora Recorrido optou por ganhar mais, tendo direito à correspondente retribuição em singelo.
19) - E, não tendo o Recorrido, sido impedido de gozar quaisquer dias de descanso anual, de descanso semanal ou quaisquer feriados obrigatórios, forçoso é concluir pela inexistência do dever de indemnização da STDM ora Recorrente.
Ainda sem conceder, e ainda concluindo:
20) - Por outro lado, jamais pode a ora Recorrente concordar com a fundamentação do Mmo. Juiz a quo quando considera que o A., ora Recorrido, era remunerado com base num salário mensal, sendo que toda a factualidade dada como assente indica o sentido inverso, ou seja, do salário diário.
21) - Em primeiro lugar, porque a proposta contratual oferecida pela ora Recorrente aos trabalhadores dos casinos, como o aqui Recorrido era a mesma há cerca de 40 anos: auferiam um salário diário fixo de MOP$4.10/dia, HKD$10,00/dia ou HKD$15.00, ou seja, um salário de acordo com o período de trabalho efectivamente prestado.
22) - Acresce que o “esquema” do salário diário nunca foi contestada pelos trabalhadores na pendência da relação contratual.
23) - Trata-se de uma disposição contratual válida e eficaz de acordo com o RJRT, que prevê, expressamente, a possibilidade das partes acordarem no regime salarial mensal ou diário, no âmbito da liberdade contratual prevista no artigo 1° do RJRT.
24) - Ora, na ausência de um critério legal ou requisitos definidos para aferir a existência de remuneração em função do trabalho efectivamente prestado, ao estabelecer que o A., ora Recorrido, era remunerado com um salário mensal, a sentença recorrida desconsidera toda a factualidade dada como assente e, de igual forma, as condições contratuais acordadas entre as partes.
25) - Salvo o devido respeito por entendimento diverso, a R. entende que, nessa parte, a decisão em crise não está devidamente fundamentada ao tentar estabelecer como imperativo (i.e., o regime de salário mensal em contratos de trabalho típicos) o que a lei define como dispositivo (i. e., as partes poderem livremente optar pelo regime de salário mensal ou diário em contratos de trabalho típicos).
26) - E, é importante salientar, esse entendimento por parte do Mmo. Juíz a quo, teve uma enorme influência na decisão final da presente lide e, em última instância, no cálculo do quantum indemnizatório, pelo que deve ser reapreciada por V. Exas, no sentido de fixar o salário auferido pelo A, ora Recorrido, como salário diário, o que expressamente se requer. Por outro lado,
27) - O trabalho prestado pelo ora Recorrido em dias de descanso foi sempre remunerado em singelo.
28) - A remuneração já paga pela Recorrente ao ora Recorrido por esses dias deve ser subtraída nas compensações devidas pelos dias de descanso a que o A. tinha direito, nos termos do RJRT.
29) - Maxime, o trabalho prestado em dia de descanso semanal, para os trabalhadores que auferem salário diário, deve ser remunerado como um dia normal de trabalho (cfr. al. a) e b) do nº 6 do artigo 17º do RJRT, tendo o Tribunal a quo descurado essa questão.
30) - Ora, nos termos do nº 2 do artigo 26° do RJRT, o salário diário inclui a remuneração devida pelo gozo de dias de descanso e, nos termos da alínea b) do nº 6/-b) do artigo 17°, os trabalhadores que auferem salário diário verão o trabalho prestado em dia de descanso semanal, remunerados nos termos do que for acordado com o empregador.
31) - No presente caso, não havendo acordo expresso, deverá considerar-se que a remuneração acordada é a correspondente a um dia de trabalho.
32) - A decisão Recorrida enferma assim de ilegalidade, por errada aplicação da alínea b) do nº 6/-b) do artigo 17° e do artigo 26° do RJRT, o que importa a revogação da parte da sentença que condenou a ora Recorrente ao pagamento relativo às compensações pelo não gozo dos dias de descanso, o que, expressamente, se requer.
Ainda, concluindo:
33) - As gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do salário, e bem assim as gorjetas auferidas pelos trabalhadores da STDM.
34) - Neste sentido a corrente Jurisprudencial dominante, em que se destacam os Acórdãos do Tribunal da Última Instância proferidos no âmbito dos Processos nº 28/2007, nº 29/2007 e nº 58/2007, datados de 21 de Setembro de 2007, 22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008, respectivamente.
35) - Também neste sentido se tem pronunciado a Doutrina de forma unânime.
36) - O ponto essencial para a qualificação das prestações pecuniárias enquanto prestações retributivas é quem realiza a prestação. A prestação será retribuição quando se trate de uma obrigação a cargo do empregador.
37) - Nas gratificações há um animus donandi, ao passo que a retribuição consubstancia uma obrigatoriedade.
38) - A propósito da incidência do Imposto Profissional: “O Imposto Profissional incide sobre os rendimentos do trabalho, em dinheiro ou em espécie, de natureza contratual ou não, fixos ou variáveis, seja qual for a sua proveniência ou local, moeda e forma estipulada para o seu cálculo e pagamento”. É a própria norma que distingue, expressamente, gorjetas de salário.
39) - Qualifica Monteiro Fernandes expressamente as gorjetas dos trabalhadores da STDM como “rendimentos do trabalho”, esclarecendo que os mesmos são devidos por causa e por ocasião da prestação de trabalho, mas não em função ou como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho.
40) - Na verdade, a reunião e contabilização das gorjetas são realizadas nas instalações dos casinos da STDM, mas com a colaboração e intervenção dos empregados de casino, funcionários da tesouraria e de funcionários do governo que são chamados para supervisionar a contabilização das gorjetas.
41) - Salvo o devido respeito opinião contrária, a posição de sustentar a integração das gorjetas no conceito jurídico de salário, com base no conceito abstracto e subjectivo de “salário justo”, não tem qualquer fundamento legal, nem pode ter aplicação no caso concreto.
42) - Em primeiro lugar, porque o que determina se certo montante integra ou não o conceito de salário, são critérios objectivos, que, analisados detalhadamente, indicam o contrário, se não vejamos: as gorjetas são montantes: (i) entregues por terceiros; (ii) variáveis; (iii) não garantidos pela STDM, aquando da contratação; (iv) reunidas e contabilizadas pelos respectivos empregados do casino, juntamente com funcionários da tesouraria e do governo de Macau.
43) - E, fortalece a nossa tese, a posição do governo de Macau que nunca considerou necessário a definição de um montante mínimo salarial que pudesse servir de bitola para a apreciação - menos discricionária - do que é um salário justo.
44) - Dessa forma, o cálculo de uma eventual indemnização, que não se concede, só poderia levar em linha de conta o salário diário, excluindo-se as gorjetas.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, que V. Exas. Doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a decisão Recorrida em conformidade, fazendo V. Exas a habitual Justiça.” (cfr., fls. 178 a 201 ).
* * *
De realçar que as questões discutidas neste tipo de processos já têm sido objecto de decisões de vários processos, quer na 1ª Instância, quer na 2ª Instância, estando mais ou menos estandardizado o entendimento, à excepção de uns ou outros aspectos.
Feita esta nota introdutória, passemos a analisar, de imediato, as questões levantadas neste recurso que se nos incumbe resolver nesta sede própria.
(1) - Retribuição: composição e tipo de salário:
Ora, ficou provado que, entre as partes, existia um contrato de trabalho e sabendo que uma componente essencial em que este se analisa é a retribuição, importará agora abordar outra das questões controvertidas entre as partes: qual a composição da retribuição devida pela Ré ao Autor.
Tal questão prende-se com a circunstância de os trabalhadores da Ré auferirem, como contrapartida do seu trabalho, uma quantia fixa e uma quantia variável constituída por aquilo a que, vulgarmente, se chama de gorjetas.
Neste particular, continuamos a entender que, de acordo, aliás, com as decisões defendidas na 1ª Instância e também pela jurisprudência uniforme do Tribunal de Segunda Instância, a retribuição ou salário do Autor é integrada pelas quantias fixas e pelas gorjetas.
Conhecemos o tratamento jurisprudencial da questão feito pelo Tribunal de Última Instância (TUI) através do douto Acórdão de 21 de Setembro de 2007, Processo 28/2007, entre outros que foram proferidos posteriormente, que, essencialmente, apontam no sentido de que as gorjetas não integram o salário.
Porém, e apesar de todo o respeito que o entendimento sufragado pelo mais Alto Tribunal da Região nos merece, continuamos a considerar que, face aos dados legislativos do ordenamento jurídico da RAEM, devemos manter o sentido das nossas anteriores decisões.
Vejamos, de forma breve, porquê.
O artigo 25º/1 do DL nº 24/89/M, de 3 de Abril, estabelece que: “pela prestação dos seus serviços ou actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo”, aliás, já era assim no âmbito do DL 101/84/M, de 25 de Agosto, conforme resultava do respectivo artigo 27º/1.
Por outro lado, ainda nos termos do mesmo diploma legal “entende-se por salário toda e qualquer prestação, susceptível de avaliação em dinheiro, seja qual for a sua designação ou forma de cálculo, devida em função da prestação de trabalho e fixada ou por acordo entre empregador e trabalhador, ou por regulamento ou norma convencional ou por norma legal” - artigo 25º/2 do DL nº 24/89/M, de 3 de Abril, e artigo 27º/2 do DL nº 101/84/M, de 25 de Agosto.
Ora, no caso vertente, ficou provado, a este propósito, o seguinte:
- O Autor começou a trabalhar para a Ré em 01 de Dezembro de 1989.
- E essa relação laboral cessou em 01 de Setembro de 1993.
- Como contrapartida da sua actividade laboral, como empregado de casino (庄荷、服務員), desde o início da relação laboral até à data da sua cessação, o Autor recebia da Ré uma quantia fixa diária e outra parte variável, em função do dinheiro recebido dos clientes de casinos vulgarmente designado por «gorjetas».
- A quantia salarial fixa do Autor era de MOP$10.00 por dia, desde do seu início do trabalho até à data da cessação de funções.
É de ver que o Autor recebeu uma parte, variável, das gorjetas entregues pelos clientes da Ré a todos os trabalhadores desta, as quais eram distribuídas pela entidade patronal segundo um critério por esta fixado.
Tais gorjetas eram distribuídas por todos os trabalhadores da Ré e não apenas pelos que tinham contacto directo com os clientes nas salas de jogo e nessa distribuição interna das gorjetas, os trabalhadores recebiam quantitativo diferente consoante a respectiva categoria, tempo de serviço e departamento em que trabalhavam.
Deste modo, perante tal factualidade, é de concluir que o salário do Autor, era composto por uma componente fixa e por uma componente variável, as chamadas gorjetas, pois que todas as quantias auferidas pelo Autor ao longo dos anos serviam para retribuir a sua prestação de trabalho.
Afigura-se-nos irrelevante que as gorjetas sejam o produto de uma liberalidade dos clientes.
Pois, esse primitivo carácter de liberalidade diluiu-se no momento e na medida em que as gorjetas dadas pelos clientes não revertiam directamente para os trabalhadores mas, ao invés, eram reunidas, contabilizadas e distribuídas pela Ré segundo um critério por ela fixado.
Ou seja, após a liberalidade dos clientes, a Ré dispunha do dinheiro resultante das gorjetas da forma que queria e como bem entendia, nomeadamente distribuindo-as pelos seus trabalhadores de forma a retribuir a prestação de trabalho a que estes se encontravam vinculados.
A Ré não era uma mera intermediária entre os clientes e trabalhadores com missão exclusiva de gestão do dinheiro proveniente das gorjetas. Bem ao contrário, a Ré comportava-se, em relação a tais montantes, como verdadeira proprietária dos mesmos utilizando-os para solver as suas obrigações para com os trabalhadores.
* * *
Determinado que está que o quantitativo variável proveniente originariamente das gorjetas integra o salário do Autor, importa agora definir se tal salário era um salário mensal ou um salário em função do resultado ou do período de trabalho efectivamente prestado, no caso concreto, um salário diário.
A distinção é importante e releva, sobretudo, da diferenciação de tratamento que se consagra no art. 17º nº 6 do DL 24/89/M em relação à remuneração do trabalho prestado em dias de descanso semanal.
Ora, considerando o modo como nasceu e se desenvolveu a relação jurídico-laboral entre o Autor e a Ré, é de concluir que o trabalhador aufere salário mensal e não salário determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado.
Com efeito, como se refere no douto Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 22 de Junho de 2006, proferido no Processo 76/2006 (argumentação que é utilizada, igualmente, por exemplo, nos Acs. TSI 8 de Junho de 2006, Processo 169/2006 e de 29 de Junho de 2006, Processo 264/2006) “se fosse um salário diário ou salário fixado em função do período de trabalho efectivamente prestado, a laboração contínua e permanente daquela sociedade comercial (STDM) como exploradora de jogos, por decorrência da legislação especial aplicável a essa sua actividade, poderia sair comprometida, bastando que algum trabalhador não viesse comparecer nos casinos daquela em cumprimento dos rigorosos turnos diários por esta fixados em relação a cada um dos seus empregados, ou viessem a trabalhar dia sim dia não como bem entendessem, já que a retribuição do trabalho seria, de qualquer maneira, igualmente calculada em função dos dias de trabalho efectivamente prestado. Tudo isto aponta claramente para uma situação de trabalho remunerado com salário mensal, ainda que em quantia variável”.
Nesta conformidade, é da convicção do Tribunal e assim decide:
- As gorjetas fazem parte integrante do salário do Autor;
- O mesmo aufere um salário mensal.
* * *
Continuemos.
(2) - Erro de Direito:
Entende a Ré/Recorrente que a Mmaº Juiz “a quo” incorreu em “erro de direito”.
Como se disse, em largas dezenas de acórdãos por esta Instância proferidos em idênticos recursos, foram já tais questões apreciadas; (cfr., v.g., para se citar alguns, o Ac. de 26.01.2006, Proc. nº 255/2005; de 23.02.2006, Proc. nº 296 e 297/2005; de 02.03.2006, Proc. nº 234/2005; de 09.03.2006, Proc. nº 257/2005; de 16.03.2006, Proc. nº 328/2005 e Proc. nº 18, 19, 26 e 27/2006; e, mais recentemente, de 14.12.2006, Proc. nº 361, 382, 514, 515, 575, 576, 578 e 591/2006 e de 01.02.2007, Proc. nº 597/2006).
Acolhemos este entendimento e dá-se também aqui o mesmo como reproduzido - passa-se a decidir.
Considera a Ré, ora recorrente, que:
1) - A Sentença de que ora se recorre é nula por erro na subsunção da matéria de facto dada como provada à solução de direito.
2) - Recorde-se aqui se estamos em sede de responsabilidade civil, pelo que o(a) Recorrido(a) apenas terá direito de ser indemnizado(a) caso prove que a Recorrente praticou um acto ilícito.
3) - E, de acordo com os artigos 20°, 17°, 4, b), e 24° do RJRT, apenas haverá comportamento ilícito por parte do empregador, - e consequentemente direito a indemnização - quando o trabalhador seja obrigado a trabalhar em dia de descanso semanal, anual e ou em dia de feriado obrigatório e o empregador não o remunere nos termos da lei.
4) - Ora nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descanso pelo(a) A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título - relembre-se que ficou provado que o(a) A. precisava da autorização da R. para ser dispensado dos serviços.
Quid Juris? Perante os argumentos produzidos!
Ora, cremos que a Ré/Recorrente posicionou, nesta parte, mal a questão, porque a causa de pedir invocada pelo Autor é a violação das cláusulas imperativamente fixadas pelo legislador para os contratos de trabalho e não os factos ilícitos que dão origem à responsabilidade extra-contratual.
Por outro lado, como se consignou no Ac. deste T.S.I. de 08.06.2006 (Proc. nº 169/2006), “mesmo que o trabalhador se dispossibilize a não gozar os dias de descanso semanal e/ou anual e/ou feriados obrigatórios a fim de trabalhar voluntáriamente para o seu empregador, a lei laboral sempre o protegerá da situação de prestação de trabalho nesses dias, desde que o trabalhador o reclame”.
Este entendimento continua a merecer o nosso apoio e assim resolvemos a questão em apreço.
* * *
(3) - Indemnizações pelo não gozo de descanso anual, semanal e em feriados obrigatórios:
Prosseguindo para o conhecimento das restantes questões colocadas no presente recurso.
Nestes termos, o Tribunal “a quo” dá como provados os seguintes factos:
- O Autor sempre prestou serviços nos seus descansos semanais.
- E não foi compensado com outro dia de descanso pela Ré por cada dia de descanso semanal não gozado.
- O Autor prestou também serviços nos restantes feriados obrigatórios de 1 de Maio e 1 de Outubro do ano 1990, 1 de Janeiro, 3 dias do ano novo chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro dos anos 1991 e 1992, bem como 1 de Janeiro e 3 dias do ano novo chinês e 1 de Maio do ano 1993.
- O Autor prestou também serviços nos restantes feriados obrigatórios de 1 dia de Cheng Meng, 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao e 1 dia de Chong Yeong dos anos de 1990, 1991 e 1992, bem como 1 dia de Cheng Meng do ano 1993.
- Ao Autor nunca tinha sido pago qualquer compensação salarial dos serviços prestados quer nos feriados obrigatórios remunerados, quer não remunerados.
- O Autor prestou serviços à Ré nos seus descansos anuais.
- O Autor nunca gozou descansos anuais, respeitantes ao período compreendido entre 01 de Dezembro de 1989 a 01 de Setembro de 1993.
Está provado que o Autor não gozou os referidos “descansos”, e inexistem motivos para se dar por inexistente o “dever de indemnização” da recorrente S.T.D.M.. Com o que passemos a apreciar se correctos estão os montantes a que chegou o Tribunal “a quo”.
Na sentença recorrida consigna-se o seguinte:
“Do trabalho prestado em dia de descanso semanal:
Em relação ao período compreendido entre 01 de Dezembro de 1989 e 01 de Setembro de 1993 (cfr. art°17°, n°6, al. a) do Decreto-Lei nº24/89/M, de 3 de Abril):”
Ano
Salário/dia
Dias
Cálculo
Montante
01/12/1989
-31/12/1989
$5,015.00/31=$161.77
4
$161.77*4*2
$1,294.16
1990
$77,804.00/12/30=$216.12
52
$216.12*52*2
$22,476.48
1991
$96,116.00/12/30=$266.99
52
$266.99*52*2
$27,766.96
1992
$120,850.00/12/30=$335.69
52
$335.69*52*2
$34,911.76
01/01/1993
-01/09/1993
$89,602.70/244=$367.22
34
$367.22*34*2
$24,970.96
Sub-Total: $111,420.32
Em relação aos feriados obrigatórios remunerados e referente ao período compreendido entre 01 de Dezembro de 1989 e 01 de Setembro de 1993 (cfr. art°19° e 20° do Decreto-Lei nº24/89/M, de 3 de Abril):
Ano
Salário/dia
Dias
Cálculo
Montante
01/12/1989
-31/12/1989
$5,015.00/31=$161.77
0
$161.77*0*3
$0.00
1990
$77,804.00/12/30=$216.12
6
$216.12*6*3
$3,890.16
1991
$96,116.00/12/30=$266.99
6
$266.99*6*3
$4,805.82
1992
$120,850.00/12/30=$335.69
6
$335.69*6*3
$6,042.42
1993:
01/01;
3 dias do ano novo chinês;
01/05
$89,602.70/244=$367.22
5
$367.22*5*3
$5,508.30
Sub-Total: $20,246.70
* * *
(4) - Quanto à compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso anual:
Em relação ao período compreendido entre 01 de Dezembro de 1989 e 01 de Setembro de 1993, (cfr. Decreto-Lei nº24/89/M, de 3 de Abril):
Ano
Salário/dia
Dias
Cálculo
Montante
01/12/1989
-31/12/1989
$5,015.00/31=$161.77
0.5
$161.77*0.5*2
$161.77
1990
$77,804.00/12/30=$216.12
6
$216.12*6*2
$2,593.44
1991
$96,116.00/12/30=$266.99
6
$266.99*6*2
$3,203.88
1992
$120,850.00/12/30=$335.69
6
$335.69*6*2
$4,028.28
01/01/1993
-01/09/1993
$89,602.70/244=$367.22
4
$367.22*4*2
$2,937.76
Sub-Total: $12,925.13
Somados os valores de sub-totais (MOP$111,420.32 + MOP$20,246.70 + MOP$ 12,925.13), o valor total é de MOP$144,592.15.
Nesta parte, a decisão não merece reparo.
* * *
III - DECISÃO:
Nos termos expostos e em conferência, acorda este T.S.I. em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
【據上論結,經評議後,本院裁定上訴理由不成立,維持原判。】
* * *
Custas pela Ré.
【上訴訴訟費用由被告支付。】
* * *
Notifique nos termos legais.
【依法作出通知。】
* * *
Macau, aos 10 de Dezembro de 2009.
____________________
Fong Man Chong
(Relator)
____________________
Tam Hio Wa
(Primeiro Juiz-Adjunto)
____________________
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
1002/2009-STDM
1002/2009-STDM 26