Processo nº 23/2010
Data do Acórdão: 15JUL2010
Assuntos:
contrato de trabalho
irrenunciabilidade do direito
descansos semanais
descansos anuais
feriados obrigatórios
compensações do trabalho prestado em dias de descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios
gorjetas
salário justo
salário diário
salário mensal
SUMÁRIO
1. São elementos essenciais de uma relação de trabalho a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.
2. mesmo que houvesse acordo entre o trabalhador e a entidade patronal, nos termos do qual aquele renunciou o direito de gozo a aos descansos e feriados obrigatórios, o certo é que, por força da natureza imperativa das normas que confere ao trabalhador direito a compensações e nos termos do disposto no artº 6º da Lei nº 101/84/M e no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, a um tal acordo da natureza convencional nunca poderia ser reconhecida qualquer validade legal, dado que resulta nitidamente um regime menos favorável para o trabalhador.
3. Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 23/2010
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I
A, devidamente identificado nos autos, representado pelo Ministério Público, instaurou no Tribunal Judicial de Base acção de processo comum do trabalho, contra a SOCIEDADE DE TURISMO E DIVERSÕES DE MACAU, devidamente identificada nos autos, doravante abreviadamente designada STDM.
Citada a Ré, contestou pugnando pela improcedência da acção.
A final a acção foi julgada parcialmente procedente e condenada a Ré a pagar ao Autor A a quantia de MOP$59.033,70, acrescida de juros vencidos e vincendos, a contar do trânsito em julgado da sentença até integral pagamento.
Inconformada, recorreu a Ré e concluiu as suas alegações afirmando que:
A. A Sentença de que ora se recorre é nula por erro na subsunção da matéria de facto dada como provada relativamente ao impedimento, por parte da Ré, do gozo de dias de descanso semanal, anual e nos feriados obrigatórios remunerados, por parte da Autora, e bem assim, relativamente ao tipo de salário auferido pelo ora Recorrido, ao condenar a Ré, ora Recorrente, ao pagamento de uma indemnização com base no regime do salário mensal e abrangendo realidades distintas que são o salário diário recebido da Recorrente e as gratificações ou gorjetas recebidas de terceiros, liberalidades dos clientes frequentadores dos casinos.
B. Com base nos factos constitutivos dos direitos alegados pelo A., ora Recorrido, relembre-se aqui que estamos em sede de responsabilidade civil, pelo que, esta apenas terá o dever de indemnização caso prove que a Recorrente praticou um acto ilícito, culposo e punível.
C. E, de acordo com os artigos 17°, 20° e 24°, todos do RJRT de 1989, qualquer dos diplomas, aqui, aplicáveis, apenas haverá comportamento ilícito por parte da entidade empregadora ou do empregador, – e consequentemente um direito a indemnização ou a uma compensação – quando, o trabalhador ou o empregado seja obrigado a trabalhar em dia de descanso semanal, anual e ou em dia de feriado obrigatório e aquela entidade empregadora não o remunere nos termos da lei.
D. Pelo que, por omissão de pronúncia, a Sentença é desde logo nula, devendo ser revogada, sem prejuízo do que abaixo e adiante se irá ainda concluir e expor.
E. Não devendo, portanto, procederem os montantes e valores decididos nas tabelas apresentadas a fls. 165v a 166v da douta Sentença recorrida, porque, deveria terem-se descontado os montantes recebidos pelo aqui Recorrido em singelo, nas pretensas quantias a eventualmente apurar, o que igualmente o Mmo Tribunal recorrido não fez, ao arrepio do mais alto entendimento do Mmo TUI.
F. Nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita, ou sequer culposo, logo, não punível) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pelo A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título – relembre-se que ficou provado que o A. precisava da autorização da R. para ser dispensada ao serviço.
G. Porque assim é, carece de fundamento legal a condenação da R. e ora Recorrente por falta de prova de um dos elementos essenciais à prova do direito de indemnização do A., ora Recorrido, i. e., a ilicitude e a culpa do comportamento da R., ora Recorrente.
H. Caso assim não se entenda sempre deve aplicar-se, para o cálculo de qualquer compensação pelo trabalho alegadamente prestado em dias de descanso, o regime previsto para o salário diário – em função do trabalho efectivamente prestado (de acordo com os artigos 26° e 27° do RJRT de 1989).
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
I. O Autor, ora Recorrido, não estava dispensado do ónus da prova, quanto ao não gozo de dias de descanso e devia, em Audiência de Discussão e Julgamento, por meio de testemunhas ou através de meio de prova documental, ter de facto, provado que dias, alegadamente, não gozou.
J. Assim sendo, o Tribunal a quo errou na aplicação do direito, pelo que o douto Tribunal de Segunda Instância deverá anular a decisão e absolver a Recorrente dos pedidos deduzidos pelo A., aqui Recorrido.
K. Nos termos do número 1 do artigo 342° do Código Civil de 1966 e do artigo 335° do Código Civil de 1999, “Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.”;
L. Por isso, e ainda em conexão com os quesitos da base instrutória, cabia ao A., ora Recorrido, provar que a Recorrente obstou, proibiu, impediu ou negou o gozo de dias de descanso (sejam semanais, anuais ou feriados).
M. Ora nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita, culposa ou punível) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pelo A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título.
N. Sendo, assim, a douta Sentença nula, devendo ser revogada e substituída por outra decisão da parte do Mmo Tribunal ad quem.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
O. O número 1 do artigo 5 do RJRT de 1989, dispõe que este diploma não será aplicável perante condições de trabalho mais favoráveis que sejam observadas e praticadas entre empregador e trabalhador, esclarecendo o artigo 6º do mesmo diploma laboral que, os regimes convencionais prevalecerão sempre sobre o regime legal, se daqui resultarem condições de trabalho mais favoráveis aos trabalhadores.
P. O facto de o A., ora Recorrido, ter beneficiado de um generoso e vantajoso esquema de distribuição de gratificações ou de gorjetas dos Clientes dos casinos que a Ré explorou entre 1962 e 2002, e que lhe permitiu, ao longo de vários anos, auferir mensalmente rendimentos que numa situação normal nunca auferiria, justifica, de per si, a possibilidade de derrogação do dispositivo que impõe à entidade empregadora o dever de pagar um salário justo.
Q. É que, pois, caso o ora Recorrido auferisse apenas um “salário justo” – da total responsabilidade da Recorrente, e pago na íntegra por esta – certamente que, esse salário seria inferior ao rendimento total que o ora Recorrido, a final, auferia durante os vários anos em que foi empregado ou funcionário da ora Recorrente.
R. Não concluindo – e nem sequer se tendo debruçando sobre esta questão – pelo tratamento mais favorável ao trabalhador resultante do acordado entre as partes – consubstanciado, sobretudo, nos altos rendimentos que o A. auferia – incorreu o Tribunal a quo em erro de direito, o que constitui causa de anulabilidade da douta sentença ora em crise, devendo ser a mesma revogada ou alterada quanto a esta questão.
Assim não se entendendo e ainda concluindo:
S. A aceitação do ex-funcionário, ora Autor e aqui Recorrido, de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração teria, forçosamente, de ser considerada como válida.
T. Os artigos 24º e seguintes da Lei Básica de Macau, consagram um conjunto de direitos fundamentais, assim como os artigos 70° e seguintes do Código Civil de 1966 e dos artigos 67º e seguintes do Código Civil de 1999, consagram um conjunto de direitos de personalidade e, do seu elenco não constam os alegados direitos violados (dias de descanso anual e semanal e os feriados obrigatórios).
U. Não tendo o legislador consagrado a irrenunciabilidade dos direitos em questão, devem os mesmos ser considerados livremente renunciáveis e, bem, assim, considerada eficaz qualquer limitação voluntária dos mesmos, seja essa limitação voluntária efectuada ab initio, superveniente ou ocasionalmente.
V. Destarte, deveria o Mmo Tribunal recorrido ter considerado eficaz a renúncia ao gozo efectivo de tais direitos, assim absolvendo a aqui Recorrente do pedido.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
W. Ao trabalhar voluntariamente – e realce-se, não ficou, em nenhuma sede, provado que esse trabalho não foi prestado de forma voluntária, muito pelo contrário - em dias de descanso (sejam eles anual, semanal ou resultantes de feriados), o ora Recorrido optou por ganhar mais, tendo direito à correspondente retribuição em singelo.
X. E, não tendo o Recorrido, sido impedido ou proibido de gozar quaisquer dias de descanso anual, de descanso semanal ou quaisquer feriados obrigatórios, é forçoso é concluir pela inexistência do dever de indemnização da Ré/Recorrente ao A./Recorrido.
Ainda sem conceder, e ainda concluindo:
Y. Por outro lado, jamais pode a ora Recorrente concordar com a fundamentação do Mmo. Juiz a quo quando considera que o A., ora Recorrido, era retribuído com base num salário mensal, sendo que toda a factualidade dada como assente indica o sentido inverso, ou seja, do salário diário em função do trabalho efectivamente prestado.
Z. Em primeiro lugar, porque a proposta contratual oferecida pela ora Recorrente aos trabalhadores dos casinos, como ao aqui Recorrido é a mesma há cerca de 40 anos: auferiam um salário diário de, neste caso, HKD$ 15,00, ou seja, de acordo com um salário ligado ao período de trabalho efectivamente prestado e à sua comparência ao serviço.
AA. Acresce que a modalidade de salário diário nunca foi contestada pelos trabalhadores na pendência da relação contratual e, ademais, nunca os trabalhadores impugnaram expressamente a alegação desse facto nas instâncias judiciais nos processos pendentes.
BB. Trata-se de uma disposição contratual válida e eficaz de acordo com o RJRT de 1989 e que vigorou na R. A. E. M. entre 3 de Abril de 1989 e 31 de Dezembro de 2008 e, que previa, expressamente, a possibilidade das partes acordarem no regime salarial mensal ou diário, no âmbito da Autonomia da Vontade (vertente da liberdade contratual), prevista no artigo 1° daquele mesmo diploma laboral.
CC. Ora, na ausência de um critério legal ou requisitos definidos para aferir a existência de remuneração em função do trabalho efectivamente prestado, ao estabelecer que o A., ora Recorrido, era retribuído de acordo com um salário mensal, a douta Sentença recorrida desconsidera toda a factualidade dada como assente e, de igual forma, as condições contratuais acordadas entre as partes.
DD. O salário do Recorrido nunca foi nem é mensal, mas diário e as gratificações eram prestadas de dez em dez dias – artigos 43° a 47° e 52° da Contestação.
EE. Salvo o devido respeito por mais douto entendimento diverso, a R. e ora Recorrente, entende que, nessa parte, a decisão em crise não está devidamente fundamentada e é errada, ao tentar estabelecer como imperativo (ou seja, o regime de salário mensal em contratos de trabalho típicos) o que a lei define como sendo dispositivo (i. e., as partes poderem livremente optar pelo regime de salário mensal ou diário em contratos de trabalho típicos).
FF. E, é importante salientar, esse entendimento por parte do Mmo. Juiz a quo, teve uma enorme influência na decisão final da presente lide e, em última instância, no cálculo do quantum indemnizatório, pelo que deve ser reapreciada por V. Exas, no sentido de fixar o salário auferido pelo A, ora Recorrido, como salário diário, o que expressamente se requer.
Por outro lado,
GG. O trabalho prestado pelo ora Recorrido em dias de descanso foi sempre retribuído em singelo.
HH. A retribuição já paga pela R./Recorrente ao ora Autor/Recorrido por esses dias, deve ser subtraída nas compensações devidas pelos dias de descanso a que o A./Recorrido tinha direito, nos termos do Decreto-Lei n.° 24/89/M, de 3 de Abril, que aprovou o então RJRT de 1989, e, ainda finalmente, nos termos do Decreto-Lei n.° 32/90/M, de 9 de Julho de 1990 (que alterou este último RJRT pela primeira vez), aplicando-se aqui ambos os diplomas legais laborais.
II. Tal como é entendido, hoje em dia, desde 2007, pela mais Alta Instância Jurisdicional em Macau, o Mmo TUI, em pelo menos três doutos arestos sobre esta precisão questão que envolveu – igualmente -, a ora Recorrente.
JJ. Assim, entre 21 de Janeiro de 1998 e 20 de Novembro de 1999, valiam inteiramente os regimes convencionais, o princípio da autonomia privada, na vertente, em especial, da Liberdade contratual, e os Usos e Costumes do sector.
KK. Que, hoje em dia, valem como lei e estão ressalvados pela Lei Laboral de Macau.
LL. O trabalho prestado em dia de descanso semanal, para os trabalhadores que auferem salário diário, deve ser remunerado como um dia normal de trabalho (cfr. as alíneas a) e b) do número 6 do artigo 17° do RJRT de 1989), tendo o Tribunal a quo descurado em absoluto essa questão, ao que parece na opinião da Recorrente.
MM. Ora, nos termos do número 4 do artigo 26° do RJRT de 1989, o salário diário inclui a remuneração devida pelo gozo de dias de descanso e, nos termos da alínea b) do número 6 do artigo 17°, os trabalhadores que auferem salário diário verão o trabalho prestado em dia de descanso semanal remunerado nos termos do que for acordado com a entidade empregadora.
NN. No presente caso, não havendo acordo expresso, deverá considerarse que a remuneração acordada é a correspondente a um dia de trabalho.
OO. A decisão aqui em recurso, enferma assim de ilegalidade, por errada aplicação da alínea b) do número 6 do artigo 17° e do artigo 26°, ambos do RJRT de 1989, o que importa a revogação da parte da sentença que condenou a ora Recorrente ao pagamento relativo às compensações pelo não gozo dos dias de descanso, o que, expressamente, se requer.
Ainda, concluindo, deverá também, ser considerado pelo Mmo Tribunal ad quem:
PP. Relativamente à questão de Direito e ao aspecto jurídico nuclear deste litígio,
QQ. As gratificações, luvas, prémios irregulares, prémios de produtividade, ou as gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário, e bem assim as gratificações ou as luvas ou os prémios, ou as gorjetas auferidas pelos trabalhadores da ora Recorrente.
RR. Neste sentido a corrente Jurisprudencial dominante, onde se destaca com particular acuidade o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Julho de 1999, e agora na R. A. E. M., pelo Tribunal de Última Instância, em três decisões proferidas em 2007 (duas) e em 2008 (uma), até hoje, as únicas sobre esta questão de Direito juridicamente nuclear no presente litígio.
SS. Outras decisões do Mmo TUI se lhe seguiram, entretanto, sempre no mesmo sentido propugnado pela Recorrente.
TT. Também neste sentido se tem pronunciado a Doutrina de uma forma pacífica e unanimemente, quer em Portugal, quer em Macau.
UU. Assim, também, o entendeu o Mmo Tribunal de Última Instância de Hong Kong, em douto Acórdão datado de 28 de Fevereiro de 2006:
VV. “I am to the view that, subject to the possibility that sections 41(2) and 41C(2) are to be read to cover contractual commission accruing and calculated on a daily basis in amounts varying from day to day, no commission is to be included in the calculation of holiday pay and annual leave pay”. - Recurso final com o n.° 17/2005 (Direito e processo civil), em recurso do processo inicial com o n.° 204/2004.
WW. Repare-se que este excerto da decisão do Mmo T. U. I. de Hong Kong também se debruça sobre a compensação pelo trabalho prestado em dia de repouso, considerando que a haver lugar ao pagamento de uma indemnização pelo trabalho prestado em dia de descanso, aquela não inclui nem se calcularia tendo em conta elementos estranhos e alheios ao salário do aí peticionante.
XX. E, o mesmo se passa, neste caso concreto decidendo, salvo melhor entendimento, Juízo e opinião.
YY. E a legislação comparada de Portugal: o Despacho n.° 20/87 de 27 de Fevereiro, publicado na II – Série, n.° 59, de 12 de Março de 1987; o Despacho Normativo 24/89, de 17 de Fevereiro de 1989; o Decreto-Lei n.° 422/89 de 2 de Dezembro de 1989; o Decreto-Lei n.° 10/95 de 19 de Janeiro de 1995; a Portaria n.° 1159/90, de 27 de Novembro de 1990; a Portaria n.° 129/94, de 1 de Março de 1994 ; e a Portaria n.° 355/2004, de 5 de Abril de 2004.
ZZ. O punctum crucis essencial para a qualificação das prestações pecuniárias enquanto prestações retributivas é quem realiza a prestação. A prestação será retribuição quando se trate de uma obrigação a cargo da entidade empregadora.
AAA. Nas gratificações há um animus donandi, ao passo que a retribuição consubstancia uma obrigatoriedade, no sinalagma entre a prestação do trabalho do trabalhador e a sua remuneração pela entidade empregadora.
BBB. A propósito da incidência do Imposto Profissional: “O Imposto Profissional incide sobre os rendimentos do trabalho, em dinheiro ou em espécie, de natureza contratual ou não, fixos ou variáveis, seja qual for a sua proveniência ou local, moeda e forma estipulada para o seu cálculo e pagamento”.
CCC. É a própria norma que distingue, expressamente, gorjetas/gratificações/luvas/prémios irregulares, de salário, vencimento, remuneração ou retribuição – vejam-se os artigos 2° e 3° da Lei n.° 2/78/M, de 25 de Fevereiro de 1978.
DDD. Neste sentido, qualifica o Dr. António de Lemos Monteiro Fernandes expressamente as gorjetas dos trabalhadores da STDM, S. A., como “rendimentos do trabalho”, esclarecendo que os mesmos são devidos por causa e por ocasião da prestação de trabalho, mas não em função ou como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho.
EEE. Ainda, e na doutrina portuguesa, por exemplo, no mesmo sentido, a Professora Maria do Rosário Palma Ramalho afirma que, “as gratificações ou prémios atribuídos ao trabalhador não integram, em princípio, o conceito de retribuição, porque não correspondem a um dever do empregador mas ao seu animus donandi, nem constituem contrapartida do seu trabalho prestado658-659. (...) Por fim, debate-se o problema da qualificação das gratificações e outras prestações patrimoniais em que o trabalhador recebe não do empregador mas de terceiros (por exemplo, as gorjetas dadas aos empregados de um restaurante ou de um hotel, ou aos croupiers do casino, pelos clientes). Crê-se que a qualificação como retribuição destas prestações é de afastar pelo facto de não serem atribuídas nem devidas pelo empregador, não podendo, assim, corresponder a qualquer contrapartida do trabalho prestado662.” - páginas 552 e 553, Volume II, “Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais”, Julho de 2006, itálico no original da obra.
FFF. E, agora na Jurisprudência portuguesa, por exemplo, decidiu-se igualmente que: “III - As gratificações dadas por terceiros ao trabalhador não se consideram como integrantes do direito à retribuição devida pela entidade patronal;” -Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relatado pelo Conselheiro Almeida Devesa, de 23 de Janeiro de 1996, processo número 004309, número do documento SJ199601230043094, disponível em www.dgsi.pt.
GGG. Ou, ainda, por exemplo, no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Março de 1995, o mesmo acordou que: “II - As gratificações recebidas dos clientes pelos empregados dos Casinos e repartidas pelos trabalhadores, segundo o processo fixado na lei (DL n. 422/89, de 2 de Dezembro, e Portaria n. 1159/90, de 27 de Novembro), não constituem retribuição dos trabalhadores, nos termos dos arts. 82 e 88 da LCT69.” – Douto aresto relatado pelo Senhor Desembargador Dinis Roldão, processo número 0098094, número do documento RL199503080098094, também disponível no mesmo sítio da internet, em www.dgsi.pt.
HHH. Na verdade, a reunião, guarda, recolha e contabilização são realizadas nas instalações dos casinos da STDM, S. A., mas com a colaboração e intervenção de uma Comissão Paritária composta por empregados de casino, funcionários da tesouraria e ainda de funcionários do governo que são chamados para supervisionar a todo esse procedimento.
III. Conforme ficou assente e provado em Julgamento.
JJJ. Apenas a distribuição das gratificações, gorjetas, ou das luvas cabia e coube sempre e apenas em exclusivo à Ré/Recorrente.
KKK. Salvo o devido respeito pelo douto Tribunal a quo, a posição de sustentar a integração das gorjetas no conceito jurídico de salário, com base no conceito abstracto e subjectivo de “salário justo”, não tem qualquer fundamento legal, nem pode ter aplicação no caso concreto decidendo.
LLL. Em primeiro lugar, porque o que determina se certo montante integra ou não o conceito de salário, são critérios objectivos, que, analisados detalhadamente, indicam o contrário, se não vejamos: as gratificações ou luvas ou gorjetas são montantes: (i) entregues por terceiros; (ii) variáveis; (iii) não garantidos pela STDM, S. A., aquando da contratação; (iv) reunidas e contabilizadas pelos respectivos empregados do casino, juntamente com funcionários da tesouraria e a DICJ.
MMM. E, fortalece a nossa tese, a posição do governo de Macau que nunca considerou necessário a definição de um montante mínimo salarial que pudesse servir de bitola para a apreciação – menos discricionária – do que é um salário justo.
NNN. A actual Lei das relações de trabalho – a «LRT» - em vigor desde 1 de Janeiro de 2009 - exclui, nos seus artigos 57° a 65° - Capítulo V – da Lei n.° 7/2008, de 18 de Agosto de 2008, as gratificações ou luvas ou gorjetas do conceito de remuneração base, não as incluindo em qualquer dos acréscimos à mesma retribuição base.
OOO. Veja-se, nesse sentido, o teor do número 1 do artigo 59° da LRT.
PPP. E, no seguimento, os números 2. a 6. do artigo 59°, e os artigos 60° e 61° da mesma LRT actualmente em vigor na R. A. E. M.
QQQ. Dessa forma, o cálculo da eventual indemnização só poderia, - acredita a Recorrente -, levar em linha de conta o salário diário, excluindo-se as gratificações, luvas ou gorjetas.
RRR. Portanto, falecem os montantes decididos, doutamente, na Sentença recorrida.
SSS. O valor dos rendimentos médios mensais no sector do jogo e aposta em casino em Macau, ascendeu, no ano de 2007, a mais de onze mil patacas mensais (MOP$ 11.000,00), enquanto que nas outras áreas económicas e produtivas, os rendimentos apenas ultrapassaram as sete mil patacas mensais (MOP$ 7.000,00), o que, desde logo, demonstra o atractivo por aquela actividade, que a ora Recorrente levou a cabo até 2002.
TTT. A Recorrente, ao que parece, não poderia, pois, ser condenada, à luz de um conceito de salário mensal ou de retribuição média diária ou de remuneração normal, quando estão em causa os descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios remunerados e os não remunerados.
UUU. Dessa forma, o cálculo da eventual indemnização a arbitrar, quanto às questões enunciadas e em litígio, só poderia levar em linha de conta o salário diário, excluindo-se as gratificações ou luvas ou gorjetas.
VVV. Finalmente, a R. e aqui Recorrente, gostaria ainda de invocar os três doutos Acórdãos n.°s 28/2007, 29/2007, e 58/2007, respectivamente datados de 21 de Setembro de 2007, 22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008, nos quais o Mmo TUI demonstrou partilhar do entendimento da Ré, no que a matéria de retribuição diz respeito.
WWW. A douta Sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base aos 29 de Outubro de 2009 ora posta em crise, deverá ser revista e reformulada, absolvendo-se a ora Recorrente e considerando as presentes Alegações de Recurso procedentes por provadas.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis que Vossas Excelências melhor suprirão, deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente, revogando-se a douta Sentença recorrida em conformidade, só desta forma se fazendo a sempre devida e costumada
JUSTIÇA!
II
Ficaram provados na primeira instância os seguintes factos:
O Autor começou a trabalhar para a Ré em 21 de Janeiro de 1998.
E essa relação laboral cessou em 20 de Novembro de 1999.
Como contrapartida da sua actividade laboral, como empregado de casino (服務員、庄荷), desde o início da relação laboral até à data da sua cessação, o Autor recebia da Ré uma quantia fixa diária e outra parte variável, em função do dinheiro recebido dos clientes de casinos vulgarmente designado por «gorjetas».
A quantia salarial fixa do Autor era de MOP$15.00 por dia, desde do seu início do trabalho até à data da cessação de funções.
E as «gorjetas» eram distribuídas pela Ré a todos os trabalhadores dos seus casinos, e não apenas aos que têm «contacto directo» com os clientes nas salas de jogo, segundo um critério por esta fixado.
Desde a data em que a Ré iniciou a actividade de exploração de jogos de fortuna e azar e até à data em que cessou a sua actividade as gorjetas oferecidas a cada um dos seus colaboradores pelos seus clientes eram reunidas e contabilizadas, na presença de, entre outros, um fiscal do governo, um membro do departamento de tesouraria da Ré, um "fI00r manager"(gerente do andar) e um ou mais trabalhadores da Ré.
Os empregados que não trabalhavam directamente nas mesas ou os que não lidavam com os clientes tinham também direito a receber a distribuição das gorjetas.
Na sua distribuição interna, os trabalhadores recebiam quantitativo diferente, consoante a respectiva categoria, tempo de serviço e o departamento em que trabalha, fixada previamente pela entidade patronal.
Tanto a parte fixa como a parte variável (as gorjetas) relevavam para efeitos de imposto profissional.
As «gorjetas» eram provenientes do dinheiro recebido dos clientes dos casinos, dependentes do espírito de generosidade desses mesmos clientes, de cuja contabilização (do seu quantitativo) era feita exclusivamente pela Ré.
Os rendimentos efectivamente recebidos pelo Autor entre os anos de 1998 a 1999 foram de:
a) 1998=66,802.00
b) 1999=96,165.00.
O Autor prestou serviços em turnos, conforme os horários fixados pela entidade patronal, sendo a ordem e o horário dos turnos rotativamente os seguintes:
l) 1º e 6° turnos: das 07H00 até 11H00, e das 03H00 até 07H00;
2) 3° e 5° turnos: das 15H00 até 19H00, e das 23H00 até 03H00 (dia seguinte);
3) 2° e 4° turnos: das 11H00 até 15H00, e das 19H00 até 23H00.
O Autor sempre prestou serviços nos seus descansos semanais.
E não foi compensado com outro dia de descanso pela Ré por cada dia de descanso semanal não gozado.
O Autor prestou serviços também nos feriados obrigatórios de 1 de Maio e 1 de Outubro do ano 1998, bem como 1 de Janeiro, 2 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro do ano 1999.
O Autor prestou também serviços nos restantes feriados obrigatórios de 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao e 1 dia de Chong Yeong dos anos 1998, bem como 1 dia de Cheng Meng, 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao e 1 dia de Chong Yeong do ano 1999.
Ao Autor nunca tinha sido pago qualquer compensação salarial dos serviços prestados quer nos feriados obrigatórios remunerados, quer não remunerados.
O Autor prestou serviços à Ré nos seus descansos anuais.
O Autor nunca gozou descansos anuais, respeitantes ao período compreendido entre 21 de Janeiro de 1998 a 20 de Novembro de 1999.
A Ré nunca procedeu ao pagamento de qualquer quantia ao trabalhador (ora Autor) quer por descansos semanais quer por descansos anuais e feriados obrigatórios não gozados, quer remunerados quer não remunerados.
O Autor tinha direito de pedir licenças, mas essas licenças, sendo concedidas, não eram remuneradas, quer no que se refere a salário diário, quer em «gorjetas».
Sempre que um trabalhador quisesse gozar de um ou mais dias de descanso requeria junto da Ré que, caso a caso, deferia de acordo com um critério por si estabelecido.
O Autor gozou de 17 dias de descanso gozados em 1998, 11 dias de descanso gozados em 1999, entre eles 1 dia de feriado obrigatório remunerado correspondente ao 1º dia do 1º mês do Novo Ano Lunar em 16 de Fevereiro de 1999.
Perante as volumosas conclusões na motivação do recurso, é de frisar que ao tribunal não cabe debater com as partes, recorrente ou recorrida, todos os argumentos por elas deduzidos para sustentar a sua posição face às questões por elas ou contra elas levantadas, mas sim só as questões que, face à lei processual, devam e possam constituir o objecto do recurso, assim como as questões de conhecimento oficioso.
Assim, de acordo com o globalmente alegado nas conclusões do recurso, são as seguintes questões, elencadas numa relação subsidiária, que delimitam o thema decidendum na presente lide recursória, para além da questão que a recorrente levantou acerca da falta da prova dos factos demonstrativos da ilicitude da acção ou omissão da Ré.
Ora, quanto a esta última questão que se prende com a matéria de facto, a ora recorrente não fez mais do que sindicar a livre apreciação de prova feita pelo Tribunal a quo.
Atendendo às provas produzidas e examinadas no julgamento da matéria de facto e tendo em conta a regra estabelecida no artº 558º/3 do CPC, não se vê que existe erro grosseira na apreciação de prova nem violação de quaisquer regras da prova legal.
Improcede assim essa parte.
Passemos então apreciar as seguintes questões de direito.
1. da existência do contrato de trabalho;
2. do direito de gozo de descansos semanais e anuais, e de feriados obrigatórios;
3. da nartureza das “gorjetas” e do salário justo e adequado;
4. do salário diário ou mensal; e
5. dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.
1. da existência de contrato de trabalho
A noção do contrato de trabalho encontra-se legalmente definido como “é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta” – cf. artº 1152º do CC de 1966 e artº 1079º do CC de 1999.
São portanto elementos essenciais de uma relação de trabalho, objecto de um contrato de trabalho, a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.
Globalmente interpretada a matéria de facto assente, verifica-se a demonstração dos factos susceptíveis de integrar no conceito desses três elementos constitutivos de uma relação de trabalho estabelecida entre o trabalhador e a entidade patronal STDM.
De facto, dessa relação resulta por um lado que, o trabalhador se obrigava a prestar uma actividade (exercício das funções de croupier) ou pelo menos se encontrava à disposição da entidade patronal para o exercício dessa actividade, sob as ordens, directivas e instruções da entidade patronal, e por outro lado que a entidade patronal STDM organizava e dirigia essa actividade a prestar pelo trabalhador, mediante a emissão dessas ordens, directivas e instruções, com vista a um resultado que está fora da relação entre eles travada, que é justamente a exploração dos casinos e obtenção de lucros.
Verificam-se assim os elementos da prestação do trabalhador e a subordinação jurídica.
Quanto ao elemento de retribuição, vimos na matéria de facto assente que em troca da actividade por ele prestada ou da disponibilidade da força do seu trabalho, o trabalhador recebia da entidade patronal STDM, como contrapartida dessa actividade ou disponibilidade uma retribuição pecuniária, consubstanciada no pagamento periódico de uma quantia fixa (HKD$15,00 diariamente) e de uma outra variável (as gorjetas, qualificadas como parte integrante do salário por razões que se expõem infra)
Verificados os três elementos essenciais de uma relação de trabalho, é evidente que estamos perante um contrato de trabalho celebrado entre a entidade patronal STDM e o trabalhador.
Cremos assim que as questões a ser apreciadas infra deverão ser enquadradas no âmbito de aplicação do diploma regulador das relações de trabalho então vigente, que é o D. L. Nº 24/89/M, consoante a localização temporal dos factos com relevância à solução das questões que delimitam o objecto do presente lide recursória.
2. do direito de gozo de descansos semanais e anuais, e de feriados obrigatórios
Aqui, para excluir a sua responsabilidade pelas compensações do trabalho prestado em dias de descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios remunerados, a entidade patronal invocou a renunciabilidade do direito de gozo desses descansos e feriados para sustentar a ausência da ilicitude do seu comportamento no âmbito da execução do contrato de trabalho celebrado com o trabalhador.
Ficou provado que:
O Autor prestou serviços em turnos, conforme os horários fixados pela entidade patronal, sendo a ordem e o horário dos turnos rotativamente os seguintes:
l) 1º e 6° turnos: das 07H00 até 11H00, e das 03H00 até 07H00;
2) 3° e 5° turnos: das 15H00 até 19H00, e das 23H00 até 03H00 (dia seguinte);
3) 2° e 4° turnos: das 11H00 até 15H00, e das 19H00 até 23H00.
O Autor sempre prestou serviços nos seus descansos semanais.
E não foi compensado com outro dia de descanso pela Ré por cada dia de descanso semanal não gozado.
O Autor prestou serviços também nos feriados obrigatórios de 1 de Maio e 1 de Outubro do ano 1998, bem como 1 de Janeiro, 2 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro do ano 1999.
O Autor prestou também serviços nos restantes feriados obrigatórios de 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao e 1 dia de Chong Yeong dos anos 1998, bem como 1 dia de Cheng Meng, 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao e 1 dia de Chong Yeong do ano 1999.
Ao Autor nunca tinha sido pago qualquer compensação salarial dos serviços prestados quer nos feriados obrigatórios remunerados, quer não remunerados.
O Autor prestou serviços à Ré nos seus descansos anuais.
O Autor nunca gozou descansos anuais, respeitantes ao período compreendido entre 21 de Janeiro de 1998 a 20 de Novembro de 1999.
A Ré nunca procedeu ao pagamento de qualquer quantia ao trabalhador (ora Autor) quer por descansos semanais quer por descansos anuais e feriados obrigatórios não gozados, quer remunerados quer não remunerados.
O Autor tinha direito de pedir licenças, mas essas licenças, sendo concedidas, não eram remuneradas, quer no que se refere a salário diário, quer em «gorjetas».
Sempre que um trabalhador quisesse gozar de um ou mais dias de descanso requeria junto da Ré que, caso a caso, deferia de acordo com um critério por si estabelecido.
O Autor gozou de 17 dias de descanso gozados em 1998, 11 dias de descanso gozados em 1999, entre eles 1 dia de feriado obrigatório remunerado correspondente ao 1º dia do 1º mês do Novo Ano Lunar em 16 de Fevereiro de 1999.
Ora, independentemente da qualificação ou não das “gorjetas” como parte integrante do salário, o trabalho prestado em dias de descanso semanal e anual e de feriados obrigatórios na vigência do Decreto-Lei nº 24/89/M deve ser sempre compensado pelo pagamento de retribuição correspondente nos termos fixados na lei.
Não tendo o trabalhador recebido da entidade patronal STDM as correspondentes retribuições pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal e anual e de feriados obrigatórios, tal como imperativamente consagrados na lei, tem agora o trabalhador direito a reclamar, por via da acção cível, da entidade patronal as compensações devidas.
Pois, mesmo que houvesse acordo entre o trabalhador e a entidade patronal STDM, nos termos do qual aquele renunciou o direito de gozo a esses descansos e feriados obrigatórios, o certo é que, por força da natureza imperativa dessas normas que confere ao trabalhador direito a compensações e nos termos do disposto no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, a um tal acordo da natureza convencional nunca poderia ser reconhecida qualquer validade legal, dado que resulta nitidamente um regime menos favorável para o trabalhador.
O que é gerador da nulidade do acordo, por violação da lei imperativa – artº 274º do CC de 1999 e artº 281º do CC de 1966.
Eis a ilicitude do comportamento da entidade patronal, que a faz incorrer na responsabilidade de indemnizar o trabalhador.
3. da nartureza das “gorjetas” e do salário justo e adequado
Da materialidade fáctica assente resulta que:
* o trabalhador recebia uma quantia fixa, no valor de HKD$10,00 por dia, na constância da relação de trabalho estabelecida com a entidade patronal STDM;
* recebia uma quantia variável proveniente das gorjetas dadas pelos clientes, as quais são distribuídas segundo um critério fixado pela entidade patronal STDM de acordo com a sua categoria, tempo de serviço e o departamento onde trabalhava;
* os trabalhadores que não lidavam com os clientes também tinha direito a receber gorjetas.
O D. L. nº 24/89/M impõe que o salário seja justo.
Diz o artº 27º da Lei nº 101/84/M que pela prestação dos seus serviços/actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo.
Estabelece no seu artº 7º, como um dos deveres do empregador, que o empregador deve, a título da retribuição ao trabalho prestado pelo trabalhador, paga-lhe um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.
A este dever da entidade patronal, o mesmo decreto faz corresponder simetricamente o direito do trabalhador de auferir um salário justo – artº 25º do mesmo decreto.
A retribuição pode ser certa, variável ou mista consoante seja calculada em função do tempo, do resultado ou daquele e deste (artº 26º do Decreto-Lei nº 24/89/M). E pode ser paga em dinheiro e, ou, em espécie (artº 25º, nº 3, do Decreto-Lei nº 24/89/M); mas apenas pode ser constituída em espécie até ao limite de metade do montante total da retribuição, sendo a restante metade paga em dinheiro (idem, artº 25º, nº3) – vide Augusto Teixeira Garcia, in Lições de Direito do Trabalho ao alunos do 3º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, 1991/1992, Capítulo III, ponto 1 e 2.
In casu, o trabalhador era remunerado em dinheiro.
Se levássemos em conta apenas a quantia fixa que o trabalhador recebia da entidade patronal STDM, ou seja, HKD$15,00 por dia, desde o início até à cessação da relação de trabalho com a STDM, esta quantia é-nos obviamente muito aquém do critério imperativamente fixado na lei que impõe o dever ao empregador de pagar ao trabalhador um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.
Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.
Na esteira desse entendimento, a parte da quantia fixa (HKD$15,00) do rendimento que o trabalhadora auferia está muito longe de ser capaz de prover o trabalhador das suas necessidades mínimas, muito menos garantir-lhe a subsistência com dignidade ou permitir-lhe assumir compromissos financeiros.
Só não será assim se o salário do trabalhador estiver composto por essa parte fixa e por uma outra parte variável que consiste na quantia denominada “gorjetas”, que tendo embora a sua origem nas gratificações dadas pelos clientes, eram primeiro colectadas e depois distribuídas periodicamente pela entidade patronal ao trabalhador, segundo os critérios por aquele unilateralmente definidos, nomeadamente de acordo com a categoria e a antiguidade do trabalhador.
Ora, para qualquer homem médio, se o salário não fosse o assim composto, ninguém estaria disposto a aceitar apenas a quantia fixa (HKD$10,00 por dia) com seu verdadeiro e único salário, para trabalhar por conta da entidade patronal STDM, que como se sabe, pela natureza das suas actividades e pela forma do seu funcionamento exige aos seus trabalhadores, nomeadamente os afectados a seus casinos, a trabalhar por turnos, diurnos e nocturnos.
Pelo que, as denominadas gorjetas não podem deixar de ser consideradas parte integrante do salário, pois de outro modo, a entidade patronal STDM violava o seu dever legal de pagar ao trabalhador um salário justo e adequado.
4. do salário diário ou mensal
A entidade patronal defende que o trabalhador auferiu salário diário e não salário mensal.
Como a determinação da natureza diária ou mensal do salário que auferiu influi nos cálculos das compensações em causa, temos de nos debruçar sobre ela.
Ao contrário do que foi decidido na primeira instância, a recorrente defende que o trabalhador auferiu um salário diário e não mensal.
Ficou provada a existência de um horário de trabalho, fixado pela entidade patronal STDM, segundo o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 003h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas.
Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço.
Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário.
Sem mais considerações, improcede assim o argumento defendido pela entidade patronal de que o trabalhador auferia um salário diário.
5. dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.
Pelo que vimos, ficam decididas a irrenunciabilidade dos descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios, a responsabilidade de indemnização por parte da entidade patronal pelo trabalho prestado nos dias de descansos e de feriados, a inclusão das “gorjetas” no conceito do salário e a natureza mensal do salário que o trabalhador auferia, cremos que é altura para apurar os factores de multiplicação para efeitos de cálculos das quantias devidas pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.
a) compensação do trabalho em descansos anuais
Nos termos do disposto no artº 21º/1 do Decreto-Lei nº 24/89/M, os trabalhadores têm direito a seis dias úteis de descanso anual, sem perda de salário, em cada ano civil.
Nos termos do disposto no artº 24º do mesmo diploma, o empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar.
In casu, não resulta da matéria de facto provada que o trabalhador foi impedido pela entidade patronal de gozar os seus descansos anuais, não se deve aplicar assim a forma de multiplicação a que se refere o citado artº 24º.
E na falta de norma expressa para compensar o trabalhador pelo não gozo de dias de descanso anual mas sem impedimento por parte da entidade patronal, afigura-se-nos correcto aplicar por analogia o regime previsto para a situação análoga no caso de descanso semanal, prevista no artº 17º/5 e 6.
Isto é, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de descanso anual, sem constrangimento da entidade patronal, deve dar analogicamente ao trabalhador o direito de ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual, vencidos mas não gozados, a fórmula é:
2 X o salário diário médio X número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados, caso o trabalhador não tenha sido impedido pela entidade patronal de os gozar.
b) compensação do trabalho em descanso semanal
No âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.
Diz o artº 17º deste diploma que:
1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.
4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:
2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.
c) compensação do trabalho em feriado obrigatório
No âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho em feriados obrigatórios e a forma das suas compensações encontram-se regulados no artº 20º que prescreve:
1. O trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias de feriado obrigatório, referidos no nº 3 do artigo anterior, dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal e só pode ser executado:
a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a um acréscimo de trabalho não previsível;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável para garantia a continuidade do funcionamento da empresa, nos casos em que, de acordo com os usos e costumes, esse funcionamento deva ocorrer nos dias de feriados.
2. Nos casos de prestação de trabalho em dia feriado obrigatório não remunerado, ao abrigo da alínea b) do nº 1, o trabalhador que tenha concluído o período experimental tem direito a um acréscimo de salário nunca inferior a 50% do salário normal, a fixar por acordo entre as partes.
Nos termos do disposto no artº 19º/3, os trabalhadores têm direito à retribuição nos seis dias de feriado obrigatório (1 de Janeiro, os primeiros 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro).
Perante a materialidade fáctica assente, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de feriados obrigatório integra-se justamente na circunstância prevista no artº 20º/1-c), pois o trabalhador estava afectado aos casinos explorados pela entidade patronal, que como vimos supra, se obrigava legalmente a manter os seus casinos em funcionamento contínuo.
Assim, ao abrigo do disposto no artº20º/1, o trabalhador tem direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal.
A propósito da interpretação da expressão “acréscimo salarial”, ensina o Dr. Augusto Teixeira Garcia que “......A prestação de trabalho nestes dias dá o direito aos trabalhadores de receberem um acréscimo de retribuição nunca inferior ao dobro da retribuição normal (artº 20º, nº1). Assim, se um trabalhador aufere como remuneração diária a quantia de MOP$100, por trabalho prestado num dia feriado obrigatório e remunerado ele terá o direito de auferir MOP$300, ou seja, MOP$100 que corresponde ao dia de trabalho mais MOP$200, correspondente ao acréscimo salarial por trabalho prestado em dia feriado.” – vide, op. cit., Capítulo V, ponto 9.2.
Cremos que essa é única interpretação correcta da expressão “acréscimo salarial”.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado, a fórmula é:
3 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em feriado obrigatório remunerado, nas situações previstas no artº 20º/1-c).
Verificando-se que os factores de multiplicação aqui enunciados por nós são exactamente os que foram aplicados na sentença ora recorrida, o presente recurso não pode deixar de improceder em todos os aspectos.
III
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso da Ré, mantendo-se na íntegra a sentença de 1ª instância.
Custas pela Ré.
RAEM, 15JUL2010
Lai Kin Hong
(Relator)
Choi Mou Pan
(Primeiro Juiz-Adjunto)
José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
Ac. 23/2010-1