打印全文
Processo nº 728/2009
Data do Acórdão: 15JUL2010


Assuntos:
contrato de trabalho
irrenunciabilidade do direito
descansos semanais
descansos anuais
feriados obrigatórios
compensações do trabalho prestado em dias de descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios
gorjetas
salário justo
salário diário
salário mensal



SUMÁRIO

1. São elementos essenciais de uma relação de trabalho a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.

2. mesmo que houvesse acordo entre o trabalhador e a entidade patronal, nos termos do qual aquele renunciou o direito de gozo a aos descansos e feriados obrigatórios, o certo é que, por força da natureza imperativa das normas que confere ao trabalhador direito a compensações e nos termos do disposto no artº 6º da Lei nº 101/84/M e no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, a um tal acordo da natureza convencional nunca poderia ser reconhecida qualquer validade legal, dado que resulta nitidamente um regime menos favorável para o trabalhador.

3. Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.



O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 728/2009


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I

A, devidamente identificada nos autos, instaurou no Tribunal Judicial de Base acção de processo comum do trabalho, contra a SOCIEDADE DE TURISMO E DIVERSÕES DE MACAU, devidamente identificada nos autos, doravante abreviadamente designada STDM.

Citada a Ré, contestou pugnando pela improcedência da acção.

A final a acção foi julgada parcialmente procedente e condenada a Ré a pagar à Autora A a quantia de MOP$112.494,85, acrescida de juros vencidos e vincendos, a contar do trânsito em julgado da sentença até integral pagamento.

Inconformada, recorreu a Ré e concluiu as suas alegações afirmando que:

I. A sentença de que ora se recorre é nula por erro na subsunção da matéria de facto na aplicação do direito. A decisão ora em crise foi proferida com base em factos que, em relação ao gozo de dias de descanso, foram erradamente dados como provados e, em relação ao impedimento do gozo de tais dias, não foram dados como provados e, porque assim foi, errou a decisão na aplicação do direito.
II. Foi feita a prova de que a Autora gozou efectivamente dias de descanso não remunerados e, consequentemente, de que a Ré não a impediu de gozar dias de descanso, pelo que errou o Tribunal ao condenar a Ré ao pagamento de uma indemnização pelo não gozo de dias de descanso, quando faltam duas premissas para o efeito: O não gozo, em absoluto dos dias de descanso e o impedimento do gozo de dias de descanso por parte da Ré;
III. Com base nos factos constitutivos do direito alegado pela A., ora Recorrida, relembre-se aqui que estamos em sede de responsabilidade civil, pelo que a esta apenas terá o dever de indemnização caso prove que a Recorrente praticou um acto ilícito.
IV. E, de acordo com os arts. 20°, 17°, 4, b) e 24° do RJRT, apenas haverá comportamento ilícito por parte do empregador – e consequentemente direito a indemnização – quando, o trabalhador seja obrigado a trabalhar em dia de descanso semanal, anual e ou em dia de feriado obrigatório e o empregador não o remunere nos termos da lei.
V. Ora nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pela A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título;
VI. Porque assim é, carece de fundamento legal a condenação da ora Recorrente por falta de prova dos elementos essenciais à prova do direito de indemnização da A., ora Recorrida, i.e., a ilicitude do comportamento da R., ora Recorrente e o não gozo de dias de descanso.
VII. A única conclusão justa e adequada à matéria de facto dada como provada, seria no sentido de considerar que a A. tem direito ao pagamento da remuneração, em singelo, correspondente a todos os dias de descanso reconhecidos por lei.
VIII. Remuneração essa que tem forçosamente de considerar-se inserida no valor do salário, no que respeita aos dias de descanso semanal, se considerarmos que a A. auferia um salário diário (artigo 26° n° 2 do DL. 24/89/M), e ainda no que respeita aos dias de descanso anual e feriados obrigatórios, nos termos do n° 1 do artigo 26° do RJRT, de acordo com o regime legal previsto para o salário mensal, que optou por aplicar-se ao caso concreto, não obstante ficar provado que a A. auferia um salário diário...
IX. Pelo que, face à matéria de facto dada como provada, nunca a Ré poderia ter sido condenada ao pagamento da quantia indemnizatória que ora se impugna.
X. Assim sendo, o Tribunal a quo errou na subsunção da matéria de facto dada como provada à solução de direito, pelo que o douto Tribunal de Segunda Instância deverá anular a decisão e absolver a Recorrente dos pedidos deduzidos pela A., ora Recorrida.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
XI. A A., ora Recorrida, não estava dispensada do ónus da prova quanto ao não gozo de dias de descanso e ao não pagamento da compensação pelo trabalho alegadamente prestado nesses dias e devia, em audiência, por meio de testemunhas ou por meio de prova documental, ter provado que dias alegadamente não gozou.
XII. Nos termos do n°1 do art. 335° do Código Civil (adiante CC) “Àquele que invoca um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.”.
XIII. Cabia à A., ora Recorrida, provar que a Recorrente obstou ou negou o gozo de dias de descanso.
XIV. Requer-se, pois, que V. Exas se dignem revogar a sentença ora em crise e julgar a matéria de facto em conformidade com o ora exposto e, consequentemente, absolver a R. da Instância.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
XV. Não se entende ou aceita que a sentença condenatória haja sido proferida apelando ao regime do salário mensal, sem que tenha sido apresentado, para o efeito, qualquer fundamento, depois de ter sido mencionado várias vezes que a contrapartida do seu serviço prestado pelo trabalhador era de uma importância diária.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
XVI. A sentença de que ora se recorre é ainda nula por erro na condenação ao pagamento de uma indemnização pelo não gozo de dias de descanso perante a prova de que a Autora descansou, e consequente contradição com o regime do salário mensal.
XVII. Nos termos do n° 1 do artigo 26° do RJRT, “Para os trabalhadores que auferem um salário mensal, o respectivo montante inclui o valor dos salários dos períodos de descanso semanal e anual e dos feriados obrigatórios, não podendo sofrer qualquer dedução pelo facto de não prestação de trabalho nesses períodos.” – negro nosso.
XVIII. Por um lado considera-se que a Autora recebe um salário mensal, significando isto que se considera que a Autora recebe um salário que se afere a um período de tempo igual a um mês de trabalho, ou seja, que receberia todos os meses o mesmo valor, não só porque se desconsidera a factualidade dada como provada, de que a Autora apenas receberia pelos dias em que efectivamente trabalhasse, mas também porque se considera que trabalhou todos os dias, e por outro aceita-se que o trabalhador gozou dias de descanso, e diz-se que não foram remunerados... quando é a própria lei que estipula que, nos contratos de salário mensal, a remuneração dos dias de descanso está incluída no montante do salário...
XIX. Tanto face à matéria de facto dada como provada, como face às soluções de direito escolhidas quanto ao tipo de salário, nunca a Ré poderia ter sido condenada ao pagamento da quantia indemnizatória que ora se impugna.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
XX. O nº 1 do art. 5º do RJRT dispõe que o diploma não será aplicável perante condições de trabalho mais favoráveis que sejam observadas e praticadas entre empregador e trabalhador, esclarecendo o art. 6º deste diploma legal que os regimes convencionais prevalecerão sempre sobre o regime legal, se daqui resultarem condições de trabalho mais favoráveis aos trabalhadores.
XXI. O facto da A. ter beneficiado de um generoso esquema de distribuição de gorjetas que lhe permitiu, ao longo de vários anos, auferir mensalmente rendimentos que numa situação normal nunca auferiria, justifica, de per se, a possibilidade de derrogação do dispositivo que impõe ao empregador o dever de pagar um salário justo, pois caso a Recorrida auferisse apenas um salário justo – da total responsabilidade da Recorrente e pago na íntegra por esta – certamente que esse salário seria inferior ao rendimento total que a Recorrida, a final, auferia durante os vários anos em que foi empregado da Recorrente.
XXII. Não concluindo – e nem sequer se debruçando sobre esta questão – pelo tratamento mais favorável ao trabalhador resultante do acordado entre as partes – consubstanciado, sobretudo, nos altos rendimentos que a A. auferia – incorreu o Tribunal a quo em erro de direito, o que constitui causa de anulabilidade da sentença ora em crise.
Assim não se entendendo e ainda concluindo:
XXIII. A aceitação do trabalhador de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração, e a sua renúncia aos dias de descanso teriam, forçosamente, de ser consideradas, a primeira, como provada, e a segunda, válida.
XXIV. Os artigos 24º e seguintes da Lei Básica consagram um conjunto de direitos fundamentais, assim como os artigos 67º e seguintes do Código Civil consagram um conjunto de direitos de personalidade e, do seu elenco não constam os alegados direitos violados (dias de descanso anual e feriados obrigatórios).
XXV. Não tendo o legislador consagrado a irrenunciabilidade dos direitos em questão, devem os mesmos ser considerados livremente renunciáveis e, bem assim, considerada eficaz qualquer limitação voluntária dos mesmos, seja essa limitação voluntária efectuada ab initio, superveniente ou ocasionalmente.
XXVI. Donde, deveria o Tribunal ter considerado eficaz a renúncia ao gozo efectivo de tais direitos, absolvendo a aqui Recorrente do pedido.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
XXVII. Ao trabalhar voluntariamente – e, realce-se, não ficou em nenhuma sede provado que esse trabalho não foi prestado de forma voluntária, muito pelo contrário - em dias de descanso (sejam eles anual, semanal ou resultantes de feriados), a Recorrida optou por ganhar mais, tendo direito à correspondente retribuição em singelo.
XXVIII. E, não tendo a Recorrida sido impedida de gozar quaisquer dias de descanso anual, de descanso semanal ou quaisquer feriados obrigatórios, é forçoso é concluir pela inexistência do dever de indemnização da STDM à Recorrida.
Ainda concluindo:
XXIX. As gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário, e bem assim as gorjetas auferidas pelos trabalhadores da STDM.
XXX. Neste sentido a corrente Jurisprudencial dominante, onde se destaca com particular acuidade o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Julho de 1999.
XXXI. Também neste sentido se tem pronunciado a doutrina de uma forma pacificamente unânime.
XXXII. O ponto essencial para a qualificação das prestações pecuniárias enquanto prestações retributivas é quem realiza a prestação. A prestação será retribuição quando se trate de uma obrigação a cargo do empregador.
XXXIII. Nas gratificações há um animus donandi, ao passo que a retribuição consubstancia uma obrigatoriedade.
XXXIV. A propósito da incidência do Imposto Profissional: “O Imposto Profissional incide sobre os rendimentos do trabalho, em dinheiro ou em espécie, de natureza contratual ou não, fixos ou variáveis, seja qual for a sua proveniência ou local, moeda e forma estipulada para o seu cálculo e pagamento”. É a própria norma que distingue, expressamente, gorjetas de salário.
XXXV. Qualifica Monteiro Fernandes expressamente as gorjetas dos trabalhadores da STDM como “rendimentos do trabalho”, esclarecendo que os mesmos são devidos por causa e por ocasião da prestação de trabalho, mas não em função ou como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho.
XXXVI. Na verdade, a reunião e contabilização são realizadas nas instalações dos casinos da STDM, mas com a colaboração e intervenção de croupiers, funcionários da tesouraria e de funcionários do governo que são chamados para supervisionar a contabilização das gorjetas.
XXXVII. Salvo o devido respeito pelo Mmo. Juiz a quo, a posição de sustentar a integração das gorjetas no conceito jurídico de salário, com base no conceito abstracto e subjectivo de “salário justo”, não tem qualquer fundamento legal, nem pode ter aplicação no caso concreto.
XXXVIII. Em primeiro lugar, porque o que determina se certo montante integra ou não o conceito de salário, são critérios objectivos, que, analisados detalhadamente, indicam o contrário, se não vejamos: as gorjetas são montantes, (i) entregues por terceiros; (ii) variáveis; (iii) não garantidos pela STDM aquando da contratação; (iv) reunidas e contabilizadas pelos respectivos croupiers, juntamente com funcionários da tesouraria e do governo de Macau.
XXXIX. E, fortalece a nossa tese, a posição do governo de Macau que nunca considerou necessário a definição de um montante mínimo salarial que pudesse servir de bitola para a apreciação – menos discricionária – do que é um salário justo.
XL. Dessa forma, o cálculo da eventual indemnização só poderia levar em linha de conta o salário diário, excluindo-se as gorjetas.
Ainda concluindo:
XLI. Deverão ser as seguintes as fórmulas a aplicar ao cálculo da indemnização:
a) Trabalho prestado em dias de descanso semanal
DL 24/89/M e DL 32/90/M: salário diário x 0 (e não x 1, porque uma parcela já foi paga);
b) Trabalho prestado em dias de descanso anual
DL 101/84/M:salário diário x1. Porém, como a A. foi paga pelos dias em que prestou trabalho, a fórmula aplicável será salário diário x 0;
DL 24/89/M: salário diário x2 (não ficando provado o “impedimento” por parte da R., a compensação deveria ser x2). Contudo, como acima se alega, uma parcela já foi paga pelo que a fórmula aplicável será salário diário x 1;
DL 32/90/M: DL 24/89/M: salário diário x2 (não ficando provado o “impedimento” por parte da R., a compensação deveria ser x2). Contudo, como acima se alega, uma parcela já foi paga pelo que a fórmula aplicável será salário diário x 1;
c) Trabalho prestado em dia feriado obrigatório
DL 24/89/M e DL 32/90/M: salário diário x1 ( e não x 2 porque uma parcela já foi paga).

Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, que V.Ex.as. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a decisão recorrida em conformidade, fazendo V. Exas., mais uma vez,

JUSTIÇA!

II

Ficaram provados na primeira instância os seguintes factos:

A Autora começou a trabalhar para a Ré em 01 de Abril de 1986.
E essa relação laboral cessou em 17 de Abril de 1992.
A Autora foi admitida como empregada de casino (樓面、蓆面), como contrapartida da sua actividade laboral, como empregado de casino (croupier), desde o início da relação laboral até à data da sua cessação, a Autora recebia da Ré uma quantia fixa diária e outra parte variável, em função do dinheiro recebido dos clientes de casinos vulgarmente designado por «gorjetas».
A quantia salarial fixa da Autora era de MOP$4.10 por dia, desde do seu início do trabalho até 30 de Junho de 1989, e de HK$10.00 por dia, desde de 1 de Julho de 1989 até a data da cessação de funções.
E as «gorjetas» eram distribuídas pela Ré a todos os trabalhadores dos seus casinos, e não apenas aos que têm «contacto directo» com os clientes nas salas de jogo, segundo um critério por esta fixado.
Desde a data em que a Ré iniciou a actividade de exploração de jogos de fortuna e azar e até à data em que cessou a sua actividade as gorjetas oferecidas a cada um dos seus colaboradores pelos seus clientes eram reunidas e contabilizadas por funcionários da Ré, na presença de, entre outros, de um fiscal do governo, de um membro do departamento de tesouraria da Ré, de um «fl00r manager» (gerente do andar) e de um ou mais trabalhadores da Ré.
Os empregados que não trabalhavam directamente nas mesas ou os que não lidavam com os clientes tinham também direito a receber a distribuição das gorjetas.
Na sua distribuição interna, os trabalhadores recebiam quantitativo diferente, consoante a respectiva categoria, tempo de serviço e o departamento em que trabalha, fixada previamente pela entidade patronal.
Tanto a parte fixa como a parte variável (as gorjetas) relevavam para efeitos de imposto profissional.
As «gorjetas» eram provenientes do dinheiro recebido dos clientes dos casinos, dependentes do espírito de generosidade desses mesmos clientes, de cuja contabilização (do seu quantitativo) era feita exclusivamente pela Ré.
Os rendimentos efectivamente recebidos pela Autora entre os anos de 1986 a 1992 foram de:
a) 1986=0.00
b) 1987=32,155.00
c) 1988=56,747.00
d) 1989=97,538.00
e) 1990=115,627.00
f) 1991=103,075.00
g) 1992=9,821.00.
A Autora prestou serviços em turnos, conforme os horários fixados pela entidade patronal, sendo a ordem e o horários dos turnos rotativamente os seguintes:
1) 1 ° e 6° turnos: das 06H00 até 10H00, e das 02H00 até 06H00;
2) 3° e 5° turnos: das 14H00 até 18H00, e das 22H00 até 02H00 (dia seguinte);
3) 2° e 4° turnos: das 10H00 até 14H00, e das 18H00 até 22H00.
A Autora sempre prestou serviços nos seus descansos semanais.
E não foi compensado com outro dia de descanso pela Ré por cada dia de descanso semanal não gozado.
A Autora prestou serviços também nos feriados obrigatórios de 1 de Maio e 1 de Outubro do ano 1987, de 1 de Janeiro, 1 de Maio e 1 de Outubro dos anos 1988, bem como de 1 de Janeiro do ano 1989.
A Autora prestou também serviços nos restantes feriados obrigatórios de 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao e 1 dia de Chong Yeong do ano 1987, 3 dias do Ano Novo Chinês, 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao e 1 dia de Chong Yeong dos anos de 1988, bem como 3 dias do Ano Novo Chinês do ano 1989.
A Autora prestou serviços nos feriados obrigatórios de 1 de Maio e 1 de Outubro do ano 1989, de 1 de Janeiro, 3 dias do ano novo chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro dos anos 1990 e 1991, bem como 1 de Janeiro e 3 dias do ano novo chinês do ano 1992.
A Autora prestou serviços ainda nos restantes feriados obrigatórios de 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao, 1 dia de Chong Yeong e 1 dia de Cheng Meng dos anos de 1989, 1990 e 1991, bem como 1 dia de Cheng Meng do ano 1992.
À Autora nunca lhe tinha sido pago qualquer compensação salarial pelos serviços prestados quer nos feriados obrigatórios remunerados quer não remunerados.
A Autora prestou serviços à Ré nos seus descansos anuais.
A Autora nunca gozou descansos anuais, respeitantes ao período compreendido entre 01 de Abril de 1986 a 17 de Abril de 1992.
A Ré nunca procedeu ao pagamento de qualquer quantia à trabalhadora (ora Autora) quer por descansos semanais quer por descansos anuais e feriados obrigatórios não gozados, quer remunerados quer não remunerados.
A Autora tinha direito de pedir licenças, mas essas licenças, sendo concedidas, não eram remuneradas, quer no que se refere a salário diário, quer em «gorjetas».
Aquando da contratação dos trabalhadores da STDM, estes eram, desde logo, informados sobre as condições, e nomeadamente que ao gozo de dias de descanso não corresponderia qualquer remuneração.
Sempre que um trabalhador quisesse gozar de um ou mais dias de descanso requeria junto da Ré que, caso a caso, deferia de acordo com um critério por si estabelecido.

Perante as volumosas conclusões na motivação do recurso, é de frisar que ao tribunal não cabe debater com as partes, recorrente ou recorrida, todos os argumentos por elas deduzidos para sustentar a sua posição face às questões por elas ou contra elas levantadas, mas sim só as questões que, face à lei processual, devam e possam constituir o objecto do recurso, assim como as questões de conhecimento oficioso.

Assim, de acordo com o globalmente alegado nas conclusões do recurso, são as seguintes questões, elencadas numa relação subsidiária, que delimitam o thema decidendum na presente lide recursória, para além da questão que a recorrente levantou acerca da falta da prova dos factos demonstrativos da ilicitude da acção ou omissão da Ré.

Ora, quanto a esta última questão que se prende com a matéria de facto, a ora recorrente não fez mais do que sindicar a livre apreciação de prova feita pelo Tribunal a quo.

Atendendo às provas produzidas e examinadas no julgamento da matéria de facto e tendo em conta a regra estabelecida no artº 558º/3 do CPC, não se vê que existe erro grosseira na apreciação de prova nem violação de quaisquer regras da prova legal.

Improcede assim essa parte.

Passemos então apreciar as seguintes questões de direito.

1. da existência do contrato de trabalho;
2. do direito de gozo de descansos semanais e anuais, e de feriados obrigatórios;
3. da nartureza das “gorjetas” e do salário justo e adequado;
4. do salário diário ou mensal; e
5. dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.

1. da existência de contrato de trabalho

A noção do contrato de trabalho encontra-se legalmente definido como “é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta” – cf. artº 1152º do CC de 1966 e artº 1079º do CC de 1999.

São portanto elementos essenciais de uma relação de trabalho, objecto de um contrato de trabalho, a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.

Globalmente interpretada a matéria de facto assente, verifica-se a demonstração dos factos susceptíveis de integrar no conceito desses três elementos constitutivos de uma relação de trabalho estabelecida entre o trabalhador e a entidade patronal STDM.

De facto, dessa relação resulta por um lado que, o trabalhador se obrigava a prestar uma actividade (exercício das funções de croupier) ou pelo menos se encontrava à disposição da entidade patronal para o exercício dessa actividade, sob as ordens, directivas e instruções da entidade patronal, e por outro lado que a entidade patronal STDM organizava e dirigia essa actividade a prestar pelo trabalhador, mediante a emissão dessas ordens, directivas e instruções, com vista a um resultado que está fora da relação entre eles travada, que é justamente a exploração dos casinos e obtenção de lucros.

Verificam-se assim os elementos da prestação do trabalhador e a subordinação jurídica.

Quanto ao elemento de retribuição, vimos na matéria de facto assente que em troca da actividade por ele prestada ou da disponibilidade da força do seu trabalho, o trabalhador recebia da entidade patronal STDM, como contrapartida dessa actividade ou disponibilidade uma retribuição pecuniária, consubstanciada no pagamento periódico de uma quantia fixa (MOP$4,10 e HKD$10,00 diariamente) e de uma outra variável (as gorjetas, qualificadas como parte integrante do salário por razões que se expõem infra)

Verificados os três elementos essenciais de uma relação de trabalho, é evidente que estamos perante um contrato de trabalho celebrado entre a entidade patronal STDM e o trabalhador A.

Cremos assim que as questões a ser apreciadas infra deverão ser enquadradas no âmbito de aplicação dos diplomas reguladores das relações de trabalho então vigentes, que são a Lei nº 101/84/M e o D. L. Nº 24/89/M, consoante a localização temporal dos factos com relevância à solução das questões que delimitam o objecto do presente lide recursória.

2. do direito de gozo de descansos semanais e anuais, e de feriados obrigatórios

Aqui, para excluir a sua responsabilidade pelas compensações do trabalho prestado em dias de descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios remunerados, a entidade patronal invocou a renunciabilidade do direito de gozo desses descansos e feriados para sustentar a ausência da ilicitude do seu comportamento no âmbito da execução do contrato de trabalho celebrado com o trabalhador.

Ficou provado que:

A Autora prestou serviços em turnos, conforme os horários fixados pela entidade patronal, sendo a ordem e o horários dos turnos rotativamente os seguintes:
1) 1 ° e 6° turnos: das 06H00 até 10H00, e das 02H00 até 06H00;
2) 3° e 5° turnos: das 14H00 até 18H00, e das 22H00 até 02H00 (dia seguinte);
3) 2° e 4° turnos: das 10H00 até 14H00, e das 18H00 até 22H00.
A Autora sempre prestou serviços nos seus descansos semanais.
E não foi compensado com outro dia de descanso pela Ré por cada dia de descanso semanal não gozado.
A Autora prestou serviços também nos feriados obrigatórios de 1 de Maio e 1 de Outubro do ano 1987, de 1 de Janeiro, 1 de Maio e 1 de Outubro dos anos 1988, bem como de 1 de Janeiro do ano 1989.
A Autora prestou também serviços nos restantes feriados obrigatórios de 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao e 1 dia de Chong Yeong do ano 1987, 3 dias do Ano Novo Chinês, 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao e 1 dia de Chong Yeong dos anos de 1988, bem como 3 dias do Ano Novo Chinês do ano 1989.
A Autora prestou serviços nos feriados obrigatórios de 1 de Maio e 1 de Outubro do ano 1989, de 1 de Janeiro, 3 dias do ano novo chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro dos anos 1990 e 1991, bem como 1 de Janeiro e 3 dias do ano novo chinês do ano 1992.
A Autora prestou serviços ainda nos restantes feriados obrigatórios de 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao, 1 dia de Chong Yeong e 1 dia de Cheng Meng dos anos de 1989, 1990 e 1991, bem como 1 dia de Cheng Meng do ano 1992.
À Autora nunca lhe tinha sido pago qualquer compensação salarial pelos serviços prestados quer nos feriados obrigatórios remunerados quer não remunerados.
A Autora prestou serviços à Ré nos seus descansos anuais.
A Autora nunca gozou descansos anuais, respeitantes ao período compreendido entre 01 de Abril de 1986 a 17 de Abril de 1992.
A Ré nunca procedeu ao pagamento de qualquer quantia à trabalhadora (ora Autora) quer por descansos semanais quer por descansos anuais e feriados obrigatórios não gozados, quer remunerados quer não remunerados.
A Autora tinha direito de pedir licenças, mas essas licenças, sendo concedidas, não eram remuneradas, quer no que se refere a salário diário, quer em «gorjetas».
Aquando da contratação dos trabalhadores da STDM, estes eram, desde logo, informados sobre as condições, e nomeadamente que ao gozo de dias de descanso não corresponderia qualquer remuneração.
Sempre que um trabalhador quisesse gozar de um ou mais dias de descanso requeria junto da Ré que, caso a caso, deferia de acordo com um critério por si estabelecido.

Ora, independentemente da qualificação ou não das “gorjetas” como parte integrante do salário, o trabalho prestado em dias de descanso semanal e anual e de feriados obrigatórios na vigência do Decreto-Lei nº 24/89/M deve ser sempre compensado pelo pagamento de retribuição correspondente nos termos fixados na lei.

E no âmbito da Lei nº 101/84/M, deve ser compensado apenas o trabalho prestado em dias de descanso anual, assim como o trabalho prestado somente nos 3 dias de feriados obrigatórios (o dia 1 de Janeiro, o dia 1 de Maio e o dia 1 de Outubro) nas situações previstas no artº 21º/1-b).

Todavia, atendendo à natureza contínua inerente ao funcionamento dos casinos explorados pela entidade patronal onde prestava serviço o trabalhador, o trabalho por ele prestado não lhe confere o direito a qualquer acréscimo salarial, por força do artº 21º/1-c), a contrario.

Não tendo o trabalhador recebido da entidade patronal STDM as correspondentes retribuições pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal e anual e de feriados obrigatórios, tal como imperativamente consagrados na lei, tem agora o trabalhador direito a reclamar, por via da acção cível, da entidade patronal as compensações devidas.

Pois, mesmo que houvesse acordo entre o trabalhador e a entidade patronal STDM, nos termos do qual aquele renunciou o direito de gozo a esses descansos e feriados obrigatórios, o certo é que, por força da natureza imperativa dessas normas que confere ao trabalhador direito a compensações e nos termos do disposto no artº 6º da Lei nº 101/84/M e no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, a um tal acordo da natureza convencional nunca poderia ser reconhecida qualquer validade legal, dado que resulta nitidamente um regime menos favorável para o trabalhador.

O que é gerador da nulidade do acordo, por violação da lei imperativa – artº 274º do CC de 1999 e artº 281º do CC de 1966.

Eis a ilicitude do comportamento da entidade patronal, que a faz incorrer na responsabilidade de indemnizar o trabalhador.

3. da nartureza das “gorjetas” e do salário justo e adequado

Da materialidade fáctica assente resulta que:

* o trabalhador recebia uma quantia fixa, no valor de MOP$4,10 por dia, desde o início até 30JUN1989; de HKD$10,00 por dia, desde 01JUL1989 até à cessação da relação de trabalho estabelecida com a entidade patronal STDM;

* recebia uma quantia variável proveniente das gorjetas dadas pelos clientes, as quais são distribuídas segundo um critério fixado pela entidade patronal STDM de acordo com a categoria, do tempo de serviço e do departamento onde trabalha o beneficiário;

* as gorjetas são reunidas e contabilizadas por funcionários entidade patronal STDM e distribuídas mesmo aos seus empregados que não trabalhavam directamente nas mesas de jogo e que não lidavam com os clientes;

Tanto a lei nº 101/84/M como o D. L. nº 24/89/M, a lei impõe que o salário seja justo.

Diz o artº 27º da Lei nº 101/84/M que “pela prestação dos seus serviços/actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo”.

Ao passo que o D. L. nº 24/89/M de 03ABR estabelece no seu artº 7º, como um dos deveres do empregador, que o empregador deve, a título da retribuição ao trabalho prestado pelo trabalhador, paga-lhe um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.

A este dever da entidade patronal, o mesmo decreto faz corresponder simetricamente o direito do trabalhador de auferir um salário justo – artº 25º do mesmo decreto.

A retribuição pode ser certa, variável ou mista consoante seja calculada em função do tempo, do resultado ou daquele e deste (artº 26º do Decreto-Lei nº 24/89/M). E pode ser paga em dinheiro e, ou, em espécie (artº 25º, nº 3, do Decreto-Lei nº 24/89/M); mas apenas pode ser constituída em espécie até ao limite de metade do montante total da retribuição, sendo a restante metade paga em dinheiro (idem, artº 25º, nº3) – vide Augusto Teixeira Garcia, in Lições de Direito do Trabalho ao alunos do 3º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, 1991/1992, Capítulo III, ponto 1 e 2.

In casu, o trabalhador era remunerado em dinheiro.

Se levássemos em conta apenas a quantia fixa que o trabalhador recebia da entidade patronal STDM, ou seja, MOP$4,10 por dia, desde o início até 30JUN1989 e HKD$10,00 por dia, desde 01JUL1989 até à cessação da relação de trabalho com a STDM, esta quantia ser-nos-ia obviamente muito aquém do critério imperativamente fixado na lei que impõe o dever ao empregador de pagar ao trabalhador um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.

Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.

Na esteira desse entendimento, a parte da quantia fixa (MOP$4,10 e HKD$10,00) do rendimento que o trabalhadora auferia está muito longe de ser capaz de prover o trabalhador das suas necessidades mínimas, muito menos garantir-lhe a subsistência com dignidade ou permitir-lhe assumir compromissos financeiros.

Só não será assim se o salário do trabalhador estiver composto por essa parte fixa e por uma outra parte variável que consiste na quantia denominada “gorjetas”, que tendo embora a sua origem nas gratificações dadas pelos clientes, eram primeiro colectadas e depois distribuídas periodicamente pela entidade patronal ao trabalhador, segundo os critérios por aquele unilateralmente definidos, nomeadamente de acordo com a categoria e a antiguidade do trabalhador.

Ora, para qualquer homem médio, se o salário não fosse o assim composto, ninguém estaria disposto a aceitar apenas a quantia fixa (MOP$4,10 e HKD$10,00 por dia) com seu verdadeiro e único salário, para trabalhar por conta da entidade patronal STDM, que como se sabe, pela natureza das suas actividades e pela forma do seu funcionamento exige aos seus trabalhadores, nomeadamente os afectados a seus casinos, a trabalhar por turnos, diurnos e nocturnos.

Pelo que, as denominadas gorjetas não podem deixar de ser consideradas parte integrante do salário, pois de outro modo, a entidade patronal STDM violava o seu dever legal de pagar ao trabalhador um salário justo e adequado.

4. do salário diário ou mensal

A entidade patronal defende que o trabalhador auferiu salário diário e não salário mensal.

Como a determinação da natureza diária ou mensal do salário que auferiu influi nos cálculos das compensações em causa, temos de nos debruçar sobre ela.

Ao contrário do que foi decidido na primeira instância, a recorrente defende que o trabalhador auferiu um salário diário e não mensal.

Ficou provada a existência de um horário de trabalho, fixado pela entidade patronal STDM, segundo o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:

1) 1º e 6º turnos: das 06h00 às 10h00, e das 02h00 às 06h00;
2) 3º e 5º turnos: das 14h00 às 18h00, e das 22h00 às 02h00 do dia seguinte;
3) 2º e 4º turnos: das 10h00 às 14h00, e das 18h00 às 22h00.

Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas.

Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço.

Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia num dia e termina no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário.

Sem mais considerações, improcede assim o argumento defendido pela entidade patronal de que o trabalhador auferia um salário diário.

5. dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.

Pelo que vimos, ficam decididas a irrenunciabilidade dos descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios, a responsabilidade de indemnização por parte da entidade patronal pelo trabalho prestado nos dias de descansos e de feriados, a inclusão das “gorjetas” no conceito do salário e a natureza mensal do salário que o trabalhador auferia, cremos que é altura para apurar os factores de multiplicação para efeitos de cálculos das quantias devidas pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.

a) compensação do trabalho em descansos anuais

Antes da entrada em vigor da Lei nº 101/84/M em 01SET1984, vigorava plenamente o princípio da liberdade contratual e da autonomia privada, sem quaisquer condicionalismos garantísticos legais, não havia lugar a quaisquer compensações senão as contratualmente convencionadas.

Já na vigência da Lei nº 101/84/M, ou seja, no período compreendido entre 01SET1984 e 02ABR1989, já foram estabelecidas algumas garantias aos trabalhadores, nomeadamente a compensação obrigatória pelo trabalho prestado em dias do descanso anual – artºs 24º/2 e 23º/1 (que são 6 dias).

Acerca do descanso anual, os artºs 23º e 24º prescrevem:
Artigo 23.º (Aquisição do direito a descanso anual)
1. O trabalhador permanente tem direito a seis dias de descanso anual, sem perda de salário, para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios.
2. Nos casos em que a duração da relação de trabalho for inferior a 12 meses, mas superior a 3 meses, o período de descanso anual a que o trabalhador tem direito é o proporcional, na medida de 1/2 dia por cada mês ou fracção de duração da relação de trabalho.
3. Para os efeitos do disposto no número anterior, cada mês considerar-se-á completo às 24 horas do correspondente dia do mês seguinte; mas se no último mês não existir dia correspondente ao inicial, o prazo finda no último dia desse mês.
Artigo 24.º (Marcação do período do descanso anual)
1. O período ou períodos de descanso anual a gozar por cada trabalhador será fixado pelo empregador, de acordo com as exigências de funcionamento da empresa.
2. No momento da cessação da relação de trabalho, se o trabalhador não tiver ainda gozado o respectivo período de descanso anual, ser-lhe-á pago o salário correspondente a esse período.
Assim, no âmbito da Lei nº 101/84/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual vencidos mas não gozados, a fórmula é:

1 X o salário diário médio X número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados.

Nos termos do disposto no artº 21º/1 do Decreto-Lei nº 24/89/M, os trabalhadores têm direito a seis dias úteis de descanso anual, sem perda de salário, em cada ano civil.

Nos termos do disposto no artº 24º do mesmo diploma, o empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar.

In casu, não resulta da matéria de facto provada que o trabalhador foi impedido pela entidade patronal de gozar os seus descansos anuais, não se deve aplicar assim a forma de multiplicação a que se refere o citado artº 24º.

E na falta de norma expressa para compensar o trabalhador pelo não gozo de dias de descanso anual mas sem impedimento por parte da entidade patronal, afigura-se-nos correcto aplicar por analogia o regime previsto para a situação análoga no caso de descanso semanal, prevista no artº 17º/5 e 6.

Isto é, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de descanso anual, sem constrangimento da entidade patronal, deve dar analogicamente ao trabalhador o direito de ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual, vencidos mas não gozados, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados, caso o trabalhador não tenha sido impedido pela entidade patronal de os gozar.

b) compensação do trabalho em descanso semanal

Como vimos supra, na vigência da Lei nº 101/84/M, não há lugar à compensação do trabalho prestado em dias de descansos semanais.

Ao passo que no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei já regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.

Diz o artº 17º deste diploma que:

1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.

4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.

c) compensação do trabalho em feriado obrigatório

Tal como vimos supra, na vigência da Lei nº 101/84/M, só é de compensar o trabalho prestado naqueles três dias de feriados obrigatórios remunerados (o dia 1 de Janeiro, o dia 1 de Maio e o dia 1 de Outubro), mas apenas nas situações previstas no artº 21º/1-b), já não também na hipótese prevista no artº 21º/1-c), que é justamente a situação dos presentes autos, ou seja, a prestação do trabalho seja indispensável para garantir a continuidade do funcionamento da entidade patronal.

Portanto, in casu, como a entidade patronal, enquanto concessionária da exploração dos jogos, obrigava-se por lei e pelos termos do contrato de concessão a manter em funcionamento contínuo, não há lugar a compensações do trabalho prestado em dias de feriados obrigatórios na vigência da Lei nº 101/84/M.

No âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho em feriados obrigatórios e a forma das suas compensações encontram-se regulados no artº 20º que prescreve:

1. O trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias de feriado obrigatório, referidos no nº 3 do artigo anterior, dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal e só pode ser executado:
a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a um acréscimo de trabalho não previsível;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável para garantia a continuidade do funcionamento da empresa, nos casos em que, de acordo com os usos e costumes, esse funcionamento deva ocorrer nos dias de feriados.
2. Nos casos de prestação de trabalho em dia feriado obrigatório não remunerado, ao abrigo da alínea b) do nº 1, o trabalhador que tenha concluído o período experimental tem direito a um acréscimo de salário nunca inferior a 50% do salário normal, a fixar por acordo entre as partes.

Nos termos do disposto no artº 19º/3, os trabalhadores têm direito à retribuição nos seis dias de feriado obrigatório (1 de Janeiro, os primeiros 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro).

Perante a materialidade fáctica assente, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de feriados obrigatório integra-se justamente na circunstância prevista no artº 20º/1-c), pois o trabalhador estava afectado aos casinos explorados pela entidade patronal, que como vimos supra, se obrigava legalmente a manter os seus casinos em funcionamento contínuo.

Assim, ao abrigo do disposto no artº20º/1, o trabalhador tem direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal.

A propósito da interpretação da expressão “acréscimo salarial”, ensina o Dr. Augusto Teixeira Garcia que “......A prestação de trabalho nestes dias dá o direito aos trabalhadores de receberem um acréscimo de retribuição nunca inferior ao dobro da retribuição normal (artº 20º, nº1). Assim, se um trabalhador aufere como remuneração diária a quantia de MOP$100, por trabalho prestado num dia feriado obrigatório e remunerado ele terá o direito de auferir MOP$300, ou seja, MOP$100 que corresponde ao dia de trabalho mais MOP$200, correspondente ao acréscimo salarial por trabalho prestado em dia feriado.” – vide, op. cit., Capítulo V, ponto 9.2.

Cremos que essa é única interpretação correcta da expressão “acréscimo salarial”.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado, a fórmula é:

3 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em feriado obrigatório remunerado, nas situações previstas no artº 20º/1-c).

Verificando-se que os factores de multiplicação aqui enunciados por nós são exactamente os que foram aplicados na sentença ora recorrida, o presente recurso não pode deixar de improceder em todos os aspectos.

Não tendo as restantes decisões sido objecto do recurso nem sendo de conhecimento oficioso, é de manter na íntegra a sentença recorrida.

III

Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso da Ré, mantendo-se na íntegra a sentença de 1ª instância.

Custas pela Ré.

RAEM, 15JUL2010

Dr. Lai Kin Hong (Relator)

Dr. Choi Mou Pan

Dr. José Maria Dias Azedo
Ac. 728/2009-1