ACÓRDÃO DO RECURSO CÍVEL/LABORAL
【民事/勞動案上訴裁判書】
*
PROCESSO DO RECURSO nº : 1026/2009
【Nº do processo da 1ª Instância: CV1-09-0009-LAC】
ESPÉCIE: Recurso laboral
DATA: 15-12-2009
ASSUNTOS:
- Cláusula compromissória e seu âmbito da vinculação;
- Nulidade de sentença (ou despacho) - art. 571º/1-b) do CPCM.
SUMÁRIO:
1 - O compromisso arbitral versa sobre litígio presente, ao passo que a cláusula compromissória versa sobre litígio futuro, quer um quer outro, só vincula as partes do respectivo acordo.
2 - Só a falta absoluta de fundamentos, e não a justificação deficiente, medíocre ou errada, é que determina a nulidade da sentença ou despacho.
O Relator
Fong Man Chong
PROCESSO DO RECURSO nº 1026/2009
【Nº do processo da 1ª Instância: CV1-09-0009-LAC】
ESPÉCIE: Recurso laboral
DATA: 15-12-2009
* * *
* RECORRENTE:
A
* OBJECTO DO RECURSO:
Despacho que julgou improcedente a excepção da preterição de tribunal arbitral, invocada pela Ré (fls. 164/v).
* * *
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL
DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I - RELATÓRIO:
B, de nacionalidade XXX, titular do Passaporte XXX nº XXX, emitido pela autoridade competente da República das XXX, em XXX de XXX de XXX, residente na Rua XXX, nº XXX, Edf. XXX, XXX andar XXX, Macau, vem deduzir contra:
A, com sede na Avenida XXX, XXX, Edf. XXX, Fase XXX, XXX andar XXX, Macau,
ACÇÃO DE PROCESSO COMUM DO TRABALHO
Com os fundamentos constantes de fls. 2 a 24.
* * *
Citada a Ré, veio a contestar a acção nos termos de fls. 117 a 139, em que invocou o seguinte:
a) Deve ser atendida a intervenção provocada da – C - , na presente acção, como Ré, devendo a mesma ser citada na sua sede social sita em Macau, na Avenida da XXX, nº XXX, Edifício XXX, XXX andar, tudo conforme o disposto nos artigos 267º e seguintes do C.P.C.M., aplicável ex vi nº 1 do artigo 1º do C.P.T.M. seguindo-se os ulteriores termos da lei;
b) Deve ser atendida a excepção “dilatória” de preterição de tribunal arbitral pelo Autor, por provada, e consequentemente, ser a Ré absolvida da instância, tudo conforme o disposto na alínea a) do artigo 413º, artigo 414º, nº 2 do artigo 412º e alínea a) do nº 1 e nº 2 do artigo 230º todos do C.P.C.M., aplicável ex vi nº 1 do artigo 1º do C.P.T.M.;
c) Caso assim não se entenda, o que se admite sem conceder, deve dar-se por provada a matéria da impugnação, julgando-se em conformidade improcedente a presente acção, com as legais consequências.”
* * *
O Autor respondeu às excepções invocadas (fls. 153 a 162).
* * *
Foi proferido o despacho saneador e tomada a respectiva decisão pela qual se resolveu a questão de excepção, decisão esta que constitui objecto deste recurso, a qual tem o seguinte teor (fls. 164):
「另一方面,經分析由被告提交的合同(附具答辯狀的文件一),本人認為該合同的另一立約人C僅向該合同的立約人即本案被告負責,有關責任包括提供非本地勞工人選;提供甄選及身體檢查費用;提供住宿、分娩、疾病及工作支援;以及遣返原居地之費用。
如上所述,就原告而言,該第三人公司並無被訴的正當性,該公司並不可能以共同訴訟人或聯合當事人的身分參加訴訟,加上被告亦沒有主張任何可構成行駛求償權的具體事實依據,因此本人認為被告提出召喚第三人參加訴訟的申請有欠法律依據,故應予以否決。
訂定附隨事項的訴訟費用由被告負擔(《法院訴訟費用制度》第14條第1款q)項)。
*
被告在答辯時還主張案件應由仲裁庭審理,遂要求駁回對被告之起訴。
原告在發表意見時表示不認同上述之延訴抗辯。
關於上述問題,本人認為,雖然被告與第三人公司明確訂明如在執行合同時出現任何爭議將交由仲裁員以仲裁方式解決有關爭議,但如上文所言,有關合同的雙方立約人互相承擔的義務僅對他們之間產生效力,故此原告方面並不受該排除本澳法院管轄權協議所約束,繼而駁回被告提出的延訴抗辯。」(sublinhado nosso)
* * *
Desconformada, a Ré veio a recorrer da decisão citada, apresentando as respectivas alegações (fls. 174 a 186), tendo concluindo da seguinte forma:
1) Vem o presente recurso interposto do despacho proferido pelo Tribunal “a quo” em 20 de Julho de 2009, a fls.164/v:
“O tribunal entende que apesar de no contrato a Ré e C, ter estipulado que em caso de conflito emergente da execução do contrato dever ser sujeito a Tribunal Arbitral. No entanto o contrato só produz efeitos entre as partes, por isso o Autor não está sujeito à exclusão da resolução do litígio pelos tribunais da R.A.E.M., e, por isso julgo improcedente a invocada excepção de preterição do Tribunal Arbitral, julgando competente este Tribunal.”
2) Se dúvidas restassem quanto ao litígio e às diversas questões serem emergentes do contrato de prestação de serviços em causa, os factos dados como assentes, em conjugação com os argumentos do Autor na sua p.i. e os documentos, assim como a resposta à contestação, são elucidativos;
3) Quer isto dizer que, salvo o devido respeito que é muito, a premissa na qual se funda a decisão do Tribunal “a quo” para julgar improcedente a invocada excepção de preterição do Tribunal Arbitral, é incorreta, pois, afigura-se-nos evidente que em face da relação material controvertida apresentada pelo Autor, o contrato de prestação de serviços é o verdadeiro cerne desta demanda;
4) Por outro lado, a decisão em causa não apresenta qualquer fundamento quer de facto quer de direito que permita ao respectivo destinatário compreender e apreender a motivação da decisão, o que configura violação do disposto no n.º 2 do artigo 31.°, no n.º 2 do artigo 33.° e o estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 571.° todos do Código de Processo Civil de Macau, aplicável ex vi n.° 1 do artigo 1.° do C.P.T.M..
5) Por conseguinte, a decisão do Tribunal “a quo” de se considerar como competente é nula, por manifesta contradição entre os respectivos fundamentos e a decisão relativa à competência do Tribunal, assim como por falta de fundamentação de facto e de direito;
6) Na realidade, como resulta do contrato de prestação de serviços, nomeadamente da cláusula décima segunda, sob a epígrafe “Disposições Finais”:
“Quaisquer litígios ou questões emergentes da sua execução, serão decididos por uma comissão arbitral, composta por 3 membros, sendo dois escolhidos por cada uma das partes e o 3.° designado pelos árbitros de parte, a qual decidirá de acordo com a equidade”.
7) E, dos factos dados como assentes, assim como do pedido do Autor, a alegada fonte/origem destes alegados direitos é precisamente o “contrato de prestação de serviços”;
8) E, sem prejuízo de não ser parte do mesmo, o que configura uma violação do princípio “res inter alia acta aliis nec nocet nec prodest”.
9) Acontece que as cláusulas dos referidos contratos de prestação de serviços ainda se encontram em vigor, designadamente quanto ao Autor, pelo que são válidas, eficazes e aplicáveis aos presentes autos;
10) Para além disso, no domínio das formas de auto vinculação, a lei substantiva (Lei de Arbitragem Voluntária) bem como a lei adjectiva (C.P.C.M. aplicável ex vi n.º 1 do artigo 1.º do C.P.T.M.) reconhecem e atribuem efeito e tutela jurídica a estas cláusulas compromissórias, como corolário do princípio da autonomia da vontade;
11) Pelo que, de acordo com a cláusula décima segunda dos referidos “contratos de prestação de serviços”, não é o Tribunal “a quo” que tem competência para apreciar a presente demanda, mas sim o Tribunal Arbitral;
12) Porquanto, se o Tribunal “a quo” especificou certos factos na matéria de facto dada como assente exclusivamente com base nos “contratos de prestação de serviços”, no que tange a determinadas cláusulas, teria de extrair todas as consequências e efeitos jurídicos em função do vertido em todas as suas cláusulas e da respectiva lei aplicável;
13) Ao decidir de modo diverso, o Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito que é muito, violou o disposto no nº 2 do artigo 31°, no nº 2 do artigo 33°, no nº 2 do artigo 412º, na alínea a) do artigo 413º e no artigo 414º todos do C.P.T.M., o que configura uma nulidade da sentença de acordo com a estatuído na alínea d) do nº 1 do artigo 571° do C.P.T.M.(sic!) (deve reportar-se ao CPCM) aplicável ex vi nº 1 do artigo 1° do C.P.T.M..
Nestes termos, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser considerado totalmente procedente, revogando-se a decisão recorrida em conformidade, assim se fazendo a costumada.
* * *
A este recurso o Autor contra-alegou nos termos constantes de fls. 191 a 198, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais.
* * *
Admitido o recurso, vieram os autos a este TSI, para decidir a questão colocada.
* * *
Feito o exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre decidir agora.
* * *
II – FUNDAMENTAÇÃO:
O objecto do recurso reconduz-se essencialmente à resolução das seguintes questões:
1) - Cláusula compromissória e seu âmbito de vinculação;
2) - Nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentos.
Comecemos pela primeira.
Ora, a controvérsia reside em saber o sentido e alcance da cláusula 12ª do chamado contrato de prestação de serviço (fls. 145), firmado entre a B e a C., que tem o seguinte teor:
“12. Disposições Finais
12.1 Quaisquer litígios ou questões emergentes da sua execução, serão decididos por uma comissão arbitral, composta por 3 membros, sendo dois escolhidos por cada uma das partes e o 3º designado pelos árbitros de parte, a qual decidirá de acordo com a equidade.”
Ora, de harmonia com os ensinamentos da doutrina, vejamos agora qual a exacta qualificação da cláusula acabada de referir.
Na abalizada opinião do Prof. Vaz Serra o compromisso arbitral versa sobre litígio presente, ao passo que a cláusula compromissória versa sobre litígio futuro, acrescentando que “tanto o compromisso arbitral como a cláusula compromissória vinculam as partes à sujeição da decisão do litígio a árbitros que, no primeiro caso, são logo nomeados pelas partes e, no segundo, terão de o ser por elas quando sugir um litígio abrangido pela cláusula, ou, na falta de escolha pelas partes, o serão pelo tribunal” (in RLJ, ano 105, pág. 251).
No caso vertente, afigura-se-nos incontroverso que, em face do conteúdo da mencionada cláusula da apólice, estamos perante uma cláusula compromissória, inteiramente válida, de harmonia com a posição defendida pela doutrina pela jurisprudência
No tocante à questão de saber se a violação de uma cláusula compromissória - como a que se discute neste recurso - constitui a excepção dilatória prevista no artigo 414º do CPCM, na doutrina debatiam-se duas teses antagónicas.
a) Uma dessas teses, defendida pelo Prof. Palma Carlos in «Jornal do Foro», ano 30, pág. 10 e 23, e também pelo Prof. Castro Mendes, no seu “Manual de Processo Civil”, pág. 208, opina no sentido de que a infracção da cláusula com promissória não constitui a excepção dilatória prevista na al. h) do n.º 1 do art. 494 do CPC (correspondente ao artigo 414º do CPCM), uma vez que tal excepção só pode ser configurada pela violação do compromisso arbitral, já que a lei portuguesa não permite os pactos privativos de competência, mas somente os pactos translativos de competência.
b) Uma outra orientação, que teve larga e geral aceitação na jurisprudência portuguesa foi a defendida pelo Prof. A. dos Reis, nos seguintes termos: “quando uma das partes, subtraindo-se ao cumprimento da cláusula compromissória, propõe perante a justiça do Estado litígio compreendido na cláusula, pretere tribunal arbitral a constituir, quer dizer, a cláusula compromissória contém, em potência e em germe a possibilidade de tribunal arbitral.”
Seguidamente acrescenta: “Se o réu não pudesse deduzir, com êxito, a excepção indicada na al. h) do artigo 494º, ficaria frustrado o fim que a lei tem em vista com o regime estabelecido no artigo 1565º” (V. «Comentário ao CPC», vol. 3º, pág. 409, Coimbra - 1946).
Idêntica posição é defendida pelo prof. A. Varela, afirmando que integra a preterição do tribunal arbitral prevista na al. h) do artigo 494º, a “proposição da acção, com violação da cláusula compromissória (anterior), atenta a força vinculativa especial de que goza tal cláusula (artigo 1513º)” (in “Manual de Proc. Civil”, p. 289, nota 3, Coimbra, 1984).
Também o Prof. Anselmo de Castro perfilha igual ponto de vista (in “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. II, pág. 94 e 95, Coimbra - 1982).
É esta segunda posição que defendemos, pois ela compatibiliza-se mias com o direito, hoje vigente na RAEM, nomeadamente com o artigo 414º do CPCM que dispõe:
“O tribunal deve conhecer oficiosamente de todas as excepções dilatórias, salvo da violação de pacto privativo de jurisdição e da preterição do tribunal arbitral voluntário.”
Voltando ao caso dos autos, a Ré/Recorrente é parte do referido contrato de prestação de serviço, mas o Autor B desta acção não é parte do mesmo, como tal o contrato não o vincula, por força do disposto no artigo 400º/2 do CCM (correspondente ao artigo 406º/2 do CC de 1966), que prescreve:
“2. Em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei.”
É certo que no contrato se prevêem algumas cláusulas tangentes ao estatuto dos trabalhadores que vinham a estabelecer relações jurídicas com a Ré, sendo um deles o Autor, mas tal contrato não é convenção colectiva de trabalho, muito menos acordo-tipo que vincula os trabalhadores, pois no contrato de prestação de serviço são inseridas várias cláusulas abertas e remissivas para a legislação laboral vigente em Macau, ou seja, remetem-se para os contratos de trabalho individual que a Ré venha a celebrar com os seus subordinados em conformidade com a legislação laboral aplicável.
Aliás, o contrato de trabalho individual assinado pelo Autor, em lado nenhum remete para contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e o 3º, são, pois, 2 acordos subjectivamente diferentes, não obstante objectivamente terem alguma semelhança, para já não se falar da diferente natureza dos 2 acordos em causa: um que é contrato de prestação de serviço, outro, contrato de trabalho individual.
Aliás, quando a entidade patronal contratar mão-de-obra, o respectivo conteúdo dos contratos é também mais ou menos semelhante, senão idêntico, para todos os trabalhadores recrutados, não pode dizer-se que uma certa cláusula inserida num ou nalguns contratos tem eficácia vinculativa para os restantes contratos.
Pelo que, o contrato de prestação de serviço não vincula o Autor desta acção, razão pela qual não pode invocar-se a cláusula nº 12 para submeter o litígio para o tribunal arbitral, porque o litígio em discussão nasce da relação estabelecida entre a Ré A e o Autor, e não a C.
Nestes termos, é de julgar improcedente o argumento da Ré/recorrente nesta parte.
* * *
Relativamente à 2ª questão, é entendimento quase uniforme da jurisprudência que só a falta absoluta de fundamentos, e não a justificação deficiente, medíocre ou errada, é que determina a nulidade da sentença (cfr. ac. RL, 10/03/1980: BMJ, 297º-221). No caso em apreciação, não se verifica tal vício, na medida em que o Mm Juiz a quo fundamentou muito clara e coerentemente a sua decisão, invocando expressamente que o Autor da acção não é parte do contrato de prestação de serviço, mas sim ele é parte de um contrato individual de trabalho celebrado entre a Ré e o Autor.
Pelo que, cai por terra completamente o argumento da Ré/recorrente nesta parte.
Concluindo: é de julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.
Tudo visto e ponderado, resta decidir.
* * *
III - DECISÃO:
Nos termos expostos e em conferência, acorda este T.S.I. em julgar improcedente o recurso interposto pela Ré, mantendo-se o despacho recorrido.
【據上論結,經評議後,本院裁定被告提出之上訴理由不成立,維持被訴之批示。】
* * *
Custas pela Ré.
【上訴訴訟費用由被告支付。】
* * *
Notifique nos termos legais.
【依法作出通知。】
* * *
Macau, aos 15 de Dezembro de 2009.
____________________
Fong Man Chong
(Relator)
____________________
Tam Hio Wa
(Primeiro Juiz-Adjunto)
____________________
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
1026/2009
16
TSI – Pº 1026/2009