Processo n.º 261/2010
(Recurso Penal)
Data: 15/Julho/2010
Assuntos:
- Excesso de velocidade; radar; margem de erro
Sumário :
Se um juízo técnico científico nos indica que determinado aparelho de medição tem uma margem de erro (que define) na análise do resultado do mesmo, deve ser tido em conta esse erro, sob pena de erro notório na apreciação da prova.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 261/2010
(Recurso Penal)
Data: 15/Julho/2010
Recorrente: A
Objecto do Recurso: Sentença condenatória da 1ª Instância
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A arguido nos autos supra identificados, não se conformando com o acórdão condenatório proferido, nos termos do qual foi considerado autor material de uma contravenção, prevista pela alínea n.º 1 do artigo 31º e punida pela al. 2) do n.º 3 do artigo 98º, ambos da Lei do Trânsito Rodoviário, com validade da licença de condução suspensa por 6 meses, vem recorrer, alegando fundamentalmente e em síntese:
1ª O presente recurso vem interposto do douto acórdão que condenou o arguido A, ora recorrente, como autor material de uma contravenção, prevista pela al. n.º 1 do artigo 31º e punida pela al. 2) do n.º 3 do artigo 98º, ambos da Lei do Trânsito Rodoviário e a validade da licença de condução foi suspensa por 6 meses.
2ª Ora, imputa o ora recorrente ao douto acórdão em análise um erro notório na apreciação da prova com respeito ao apuramento da velocidade em que circulava o veiculo conduzido pelo recorrente na altura em que passava na Avenida Dr. Sun Yat-Sem de Macau, junto do ponte 16ª08.
3ª O recorrente, em sede de defesa, questionou que circulava a 90km/h.
4ª O Relatório da Policia de Segurança Pública de 29/12/2009 estabeleceu a margem de erro na medição do rada de velocidade em óptimas condições é de 2km/h (cfr. fls. 27 dos autos).
5ª Esse relatório teve como base os certificados de calibração, emitidos pela entidade que fabrica os instrumentos de medição da velocidade, que atestam que a margem de erro no apuramento da velocidade é de 2km/h, (cfr. fls. 35 e 35 verso dos autos).
6ª O Tribunal recorrido não valorou, como devia, aquele relatório da policia de fls. 27, suportado nos certificados de calibração a fls. 35 e 35 verso que, sublinhe-se, não foi impugnado pelo Ministério Público e pelo próprio Tribunal.
7ª Na realidade, o Tribunal a quo considerou apenas provado que o recorrente circulava a uma velocidade de 90km/h e não considerou provado que não é possível aferir com segurança se o recorrente circulava a 90km/horas, sendo só possível verificar que, de certeza circulava a 88km/h (descontando a margem de erro de 2km/h).
8ª O Tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação de prova ao fixar que o recorrente circulava a 90km/h.
9ª Erro esse com influência decisiva na determinação da contravenção cometida pelo recorrente com implicações na suspensão ou não da validade da licença de condução, porquanto, se a contravenção cometida é de pequena gravidade, ficará vedado a suspensão da validade da carta de condução ao recorrente.
10ª Ora, tendo o recorrente não só alegado em sua defesa, como também provado, através daquele meio de prova insuspeito, que não é possível apurar que circulava a 90km/h, não poderia o Tribunal Colectivo deixar de considerar assente aquele matéria.
11ª No caso concreto ocorre o erro notório na apreciação da prova porque se depara ter sido usado um processo racional e lógico mas se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irrazoável, arbitrária ou visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum, bem como das regras que impõem prova tarifada para determinados factos.
12ª Violou a decisão recorrida o disposto no artigo 400º, n.º 2, al. c), do CPP, designadamente a regra sobre o valor da prova vinculada.
13ª O princípio in dubio pro reo além de ser uma garantias subjectiva é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa, dimensão em que é invocado pelo recorrente.
14ª Face à prova dos autos : fotografia fls. 7, ao relatório da policia a fls. 27 e aos certificados da especificações técnicas dos radares a fls. 35 e 35 verso, existe a “dúvida inequívoca”, por força do princípio in dúbio pro reo, de não se conseguir apurar se o recorrente circulava a 90km/h.
15ª No caso em apreço verificando-se que não foi possível apurar com um grau de credibilidade exigido pelo direito penal que o recorrente circulava a uma velocidade de 90km/h, impunha-se ao Exmº Juiz o respeito e cumprimento do principio in dubio pro reo e pronunciar-se de forma favorável ao recorrente, devendo considerar que o recorrente só poderia ser punido pela contravenção n.º 1 do artigo 31º e punida pela al. 1) do n.º 3 do artigo 98º, ambos de Lei do trânsito Rodoviário, na pema de multa, já paga antes do julgamento.
Termos em que se requer seja considerado procedente o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida no sentido do recorrente ser absolvido da suspensão de 6 meses da validade da carta de condução e ser unicamente condenado pela contravenção n.º 1 do artigo 31º e punida pela al. 1) do n.º 3 do artigo 98º, ambos da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de multa, já paga antes do julgamento.
Responde doutamente o Digno Magistrado do MP, em síntese conclusiva:
1. Na prova produzida, a entidade que faz a manutenção da máquina do radar afirma que sempre existe uma margem de erro de 2 km na velocidade detectada pelo mesmo radar;
2. O que se constitui, atendendo a velocidade de 90 km do veículo em que o recorrente conduzia e detectada pelo radar, como um obstáculo inultrapassável, no sentido de tomar posição sobre a real velocidade do veículo com que o recorrente conduzia;
3. O que equivale por dizer que não se pode excluir a hipótese de uma velocidade de 88 km por hora.
4. Trata-se de uma dúvida não removível objectivamente.
5. Neste contexto, a decisão condenatória padece do vício de erro notório na apreciação da prova, dado que o princípio "in dubio pro reo" foi violado.
Entende, assim, que o recurso interposto pelo arguido merece provimento e deve ser revogada a decisão recorrida.
O Exmo Senhor Procurador Adjunto, nesta Instância, emite douto parecer, secundando a posição supra.
Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Com pertinência, respiga-se da sentença recorrida o seguinte:
“(...)
Factos provados:
Por volta das 11h11 de manhã de 27 de Fevereiro de 2009, o arguido conduzia o automóvel ligeiro, de matrícula: MI-XX-XX, na Avenida Dr. Sun Yat-Sen 16A08 em Macau, com uma velocidade de 90km/h, excedendo a velocidade máxima de via pública legalmente estabelecida.
Factos não provados: não há nenhum facto que cumpra provar.
***
Segundo as provas documentais constantes dos autos, o Tribunal formou a sua convicção.
In casu, a respectiva contravenção de excesso de velocidade foi registada pelo medidor de velocidade portátil a radar, mesmo que o dito aparelho pude registar um erro de 2 km a mais ou menos em relação à velocidade real do veículo, este Tribunal entende que quaisquer instrumentos de medição podem ter certo grau de erros no resultado, para além disso, como ainda não há outras informações ou provas que mostrem subsidiariamente ou apoiem que, na ocorrência dos factos, o arguido conduzia o automóvel em apreço com uma velocidade inferior a 90 km/h, sendo assim, este Tr.ibunal decide acreditar o resultado de velocidade ora registado, entendendo que o arguido praticou o facto supra mencionado a ele imputado.
(...)”
III - FUNDAMENTOS
O objecto do presente recurso passa fundamentalmente por saber se o mmo Juiz podia ter dado como provada a velocidade que o arguido imprimia ao seu veículo, considerando que se baseou no resultado apresentado pelo radar que tem uma margem de erro e a diferença em que se traduziu o excesso está exactamente dentro dessa margem.
Entende-se que neste caso o recorrente tem razão, no que é secundado nas diversas Instâncias pelo Ministério público.
Com efeito, de acordo com o resultado da diligência feita antes de realização de julgamento (cfr. a fls. 27 dos autos), a entidade que fazia a manutenção e reparação da máquina do radar afirmou que existia uma margem de 2 km de erro na mediação da velocidade pelo radar mesmo em normal de situação e de boa manutenção deste.
Ou seja, existe sempre uma margem de 2 km (tanto pode ser mais como pode ser menos) que deve levar em conta na determinação da real velocidade detectada.
Ora, perante este contexto, é objectivamente impossível afirmar, com a mínima segurança, que a real velocidade do veículo conduzido pelo recorrente excedia os limites legais.
Trata-se, manifestamente, de uma dúvida não removível de acordo com as provas produzidas.
Constitui-se, assim, a sentença condenatória nesta circunstância numa violação do princípio in dubio pro reo e padece do vício de erro notório na apreciação da prova.
Compulsando a motivação do recurso interposto, procurando respeitar o princípio da livre convicção do juiz bem podia ele ter erigido a sua convicção a partir de outros elementos e aí nada haveria a apontar. Mas não se descortinando em que outros elementos, baseando-se apenas na máquina, sendo ela falível naquela margem, situando-se a infracção dentro dessa mesma margem, não se vê como se possa remover essa dúvida, dentro do entendimento de que a livre convicção não pode implicar discricionariedade arbitrária.
Por isso se nos afigura correcto, tal como se observa em termos de Jurisprudência Comparada,1 considerar que o Tribunal deve fazer uso das margens de erro dos aparelhos de medição (EMA: erro máximo admissível), por tal lhe permitir reduzir ao máximo o erro entre o resultado do exame e a realidade, não constituindo em função do exposto óbice a existência ou não de norma legal, posto que o juízo científico tenha subjacente o mesmo nível de conhecimento, que constitui a garantia da existência do erro.
Tal situação é a que ocorre, entre outros, com os aparelhos de controlo de velocidade (radar) em que a velocidade é calculada de acordo com o erro de medição do mesmo aparelho, resultado de idêntico juízo técnico-científico de controlo metrológico.
Assim se um juízo técnico científico, do conhecimento público, nos indica que determinado aparelho de medição tem uma margem de erro (que define) na análise do resultado do mesmo, deve ser tido em conta esse erro, sob pena de erro notório na apreciação da prova.
Nesta conformidade, o recurso não deixará de ser julgado procedente, devendo o arguido ser tão somente condenado pela contravenção n.º 1 do artigo 31º e punida pela al. 1) do n.º 3 do artigo 98º, ambos da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de multa, já paga e aceite como tal, antes do julgamento, como requer.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso e, revogando a decisão recorrida, absolvem o arguido da contravenção por que vinha acusado, indo condenado tão somente pela contravenção n.º 1 do artigo 31º e punida pela al. 1) do n.º 3 do artigo 98º, ambos da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de multa, já paga voluntariamente.
Sem custas pelo recorrente.
Macau, 15 de Julho de 2010,
João A. G. Gil de Oliveira
Tam Hio Wa
Lai Kin Hong
1 - Ac. RG de 26/2/07, proc.2602/06-2 e RP, proc. 0810638, de 7/5/08, www.dgsi.pt
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