Processo n.º 472/2010 Data do acórdão: 2010-7-29
(Recurso contencioso)
Assuntos:
– art.o 12.o da Lei n.o 1/2004
– pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado
– impresso próprio
– carta-pedido
– inadmissibilidade do pedido
– art.o 15.o, n.o 1, da Lei n.o 1/2004
– prazo peremptório
– termo inicial da contagem do prazo
S U M Á R I O
1. Nos termos do n.o 1 do art.o 12.o da Lei n.o 1/2004, de 23 de Fevereiro, definidora do Regime de reconhecimento e perda do estatuto de refugiado, “O pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado é formulado em impresso próprio, conforme o modelo anexo à presente lei, e entregue no Serviço de Migração”.
2. Entretanto, segundo o n.o 2 desse art.o 12.o, “O incorrecto preenchimento do impresso ou a não utilização deste para a formulação do pedido não dá lugar, por si só, à rejeição do pedido”.
3. Assim sendo, entrada efectivamente em 10 de Fevereiro de 2010 no Serviço de Migração uma carta em inglês assinada pelo ora Recorrente para pedir materialmente, pela primeira vez, o reconhecimento do estatuto de refugiado, a mesma carta deveria ter sido remetida, de imediato à Comissão para os Refugiados, por comando do n.o 4 do mesmo art.o 12.o, para efeitos tidos por convenientes, eventualmente para a Comissão poder propor ao Senhor Chefe do Executivo a decisão no sentido de inadmissibilidade do pedido, a ser tomada no prazo de 48 horas a contar da data da recepção do pedido, nos termos conjugados dos art.os 14.o e 15.o, n.o 1, da dita Lei.
4. O aludido prazo para se decidir pela inadmissibilidade do pedido é de natureza peremptória, e deve ser contado a partir da data de entrada daquela carta-pedido, e não da data posta no pedido formulado em segunda via em impresso próprio.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 472/2010
(Recurso contencioso)
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Chefe do Executivo da RAEM
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o despacho proferido em 30 de Abril de 2010 à luz do art.o 15.o, n.o 1, da Lei 1/2004, de 23 de Fevereiro, definidora do Regime de reconhecimento e perda do estatuto de refugiado, por força do qual lhe foi decidido como inadmissível o pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado formulado para si e para sua mulher e filho, veio o requerente A, já melhor identificado nos presentes autos, recorrer contenciosamente dessa decisão, por fundamentos aduzidos na sua petição de recurso de fls. 3 a 27, a fim de rogar a anulação da mesma.
Contestou o Senhor Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau como Entidade Recorrida nos termos vertidos a fls. 104 a 110, no sentido de improcedência do recurso.
Notificadas as Partes materialmente nos termos e para os efeitos dos art.os 63.o e 68.o do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), apenas o Requerente produziu alegações a fls. 141 a 149, reiterando o seu entendimento já vertido na petição do recurso.
Emitido subsequentemente o douto parecer do Ministério Público a fls. 152 a 154 no sentido de não provimento do recurso (por entendida inexistência de qualquer dos vícios assacados ao acto recorrido ou qualquer outro de que cumpra conhecer), e corridos já também os vistos, cumpre agora decidir.
II – DOS FACTOS
Do exame crítico e global dos autos e do processo administrativo instrutor apensado, decorrem os seguintes elementos pertinentes à solução do recurso vertente:
– em 10 de Fevereiro de 2010, às 17 horas e 29 minutos e 26 segundos, foi registada a entrada, no Serviço de Migração do Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau, de uma carta escrita em inglês dactilografado, datada de 9 de Fevereiro de 2010, e assinada pelo ora Recorrente A, para rogar a protecção dele, da sua mulher B e do seu filho menor C, todos de nacionalidade indiana, contra, por um lado, a perseguição do Posto Policial de Ghoshi, do distrito de Jehanabad, da parte central da Província de Bihar, da Índia, que, alegadamente, o tinha vindo a considerar como agente armado e criminoso contra o Estado Indiano, e, por outro, a perseguição permanente do terrorista Grupo Rebelde Maoísta com influência em Bihar que, alegadamente, o tinha vindo a considerar como um informador da Polícia contra o Grupo (cfr. o teor de fls. 1 a 6 da pasta 1 do processo administrativo);
– posteriormente, foi preenchido em inglês pelo ora Recorrente, para si, sua mulher e seu filho, o impresso próprio para pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado, ao qual foi posta a data de 28 de Abril de 2010 (cfr. o teor desse pedido, constante de fls. 19 a 26 da pasta 1 do processo administrativo);
– em 28 de Abril de 2010, à tarde, das 16 horas e 30 minutos às 18 horas e 30 minutos, foi feito, pelo Senhor Presidente da Comissão para os Refugiados do Governo da Região Administrativa Especial de Macau, o interrogatório urgente do mesmo Requerente ora Recorrente (cfr. o auto desse interrogatório, a que aludem as fls. 27 a 28 da pasta 1 do processo administrativo);
– e em 29 de Abril de 2010, o Senhor Presidente da mesma Comissão emitiu parecer no sentido de inadmissibilidade do pedido do Recorrente, pois entendeu ser evidente que as alegações deste respeitantes à perseguição pelo Grupo Rebelde Maoísta eram destituídas de fundamento, parecer esse que veio a ser acolhido por despacho proferido em 30 de Abril de 2010 pela Senhora Secretária para a Administração e Justiça, em exercício interino das funções de Chefe do Executivo (cfr. o teor de fls. 33 a 35 da pasta 1 do processo administrativo).
III – DO DIREITO
Na sua petição de recurso, começa o Recorrente por atacar a extemporaneidade da decisão ora contenciosamente recorrida, porque no seu entender, como o pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado deve ser considerado como apresentado em 10 de Fevereiro de 2010, já passou – no dia de emissão desse despacho em 30 de Abril de 2010 – há muito o prazo de 48 horas contado da recepção da sua carta-pedido, legalmente previsto no art.o 15.o, n.o 1, da Lei n.o 1/2004 para se decidir pela inadmissibilidade do pedido.
Procede, de facto, este fundamento do recurso, porquanto:
– se é certo que nos termos do n.o 1 do art.o 12.o da Lei n.o 1/2004, “O pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado é formulado em impresso próprio, conforme o modelo anexo à presente lei, e entregue no Serviço de Migração”, também não é menos certo que segundo o n.o 2 desse art.o 12.o, “O incorrecto preenchimento do impresso ou a não utilização deste para a formulação do pedido não dá lugar, por si só, à rejeição do pedido”;
– daí que entrada efectivamente em 10 de Fevereiro de 2010 no Serviço de Migração tal carta em inglês assinada pelo ora Recorrente para pedir materialmente, pela primeira vez, a protecção contra a alegada “perseguição dupla”, a mesma carta deveria ter sido remetida, de imediato à Comissão para os Refugiados, por comando do n.o 4 do mesmo art.o 12.o, para efeitos tidos por convenientes, eventualmente para a Comissão poder propor ao Senhor Chefe do Executivo a decisão no sentido de inadmissibilidade do pedido, a ser tomada no prazo de 48 horas a contar da data da recepção do pedido, nos termos conjugados dos art.os 14.o e 15.o, n.o 1, da dita Lei, prazo esse que, para este efeito, é de natureza peremptória, sob pena de ficar completamente destituído de sentido prático todo o previsto no n.o 2 do art.o 15.o, acerca, nomeadamente, da natureza urgente do interrogatório do requerente pelo Presidente da Comissão, e das medidas de guarda do requerente;
– pelo que à data em que foi emitido o despacho ora recorrido, já terminou há muito tal prazo de 48 horas, contado da data de entrada daquela carta-pedido, e não da data posta no pedido formulado em segunda via em impresso próprio (sob pena de se inutilizar o alcance da regra do n.o 2 do art.o 12.o da mesma Lei, ditada pelo legislador naturalmente em benefício da pessoa requerente e atento o carácter urgente da matéria em causa), para se poder decidir pela inadmissibilidade do pedido.
Assim sendo, é de anular contenciosamente o despacho recorrido, por vício de violação da lei, concretamente da violação da parte final do n.o 1 do art.o 15.o da referida Lei, respeitante ao prazo máximo em que for permitida a tomada de decisão pela inadmissibilidade do pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado.
Com o que já não se torna mister indagar de todo o restante alegado pelo Recorrente na petição acerca da legalidade, ou não, da fundamentação então acolhida pela Entidade Recorrida para considerar como inadmissível o pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado, pois com a anulação do despacho ora recorrido, o pedido referido terá de ser ainda objecto de tramitação e decisão ulterior por quem de direito no âmbito do respectivo processo administrativo.
IV – DECISÃO
Em sintonia com o exposto, acordam em julgar provido o recurso contencioso, anulando o despacho recorrido.
Sem custas.
Notifique a presente decisão ao Recorrente e à Entidade Recorrida urgentemente por telecópia, seguida da carta.
Macau, 29 de Julho de 2010.
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Chan Kuong Seng Song Man Lei
(Relator) (Procuradora-Adjunta presente)
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Segunda Juíza-Adjunta)
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