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Processo nº 521/2010
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane, (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida a violação do disposto no artº 56º do C.P.M., e pugnando assim pela sua revogação; (cfr., fls. 104 a 112 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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   Respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público, pronunciando-se no sentido de se dever manter a decisão recorrida; (cfr., fls. 114 a 118).

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Nesta Instância, juntou o Exm° Representante do Ministério Público o seguinte Parecer:
“O recorrente cumpre pena de 14 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de homicídio e de um crime de ofensas simples à integridade física, terminando o cumprimento da pena a 28/12/15 e os 2/3 a 30/4/10.
É inequívoco ser primário, tendo, durante o cumprimento da pena, mantido comportamento prisional adequado, razões por que o director do EPM emitiu parecer favorável à sua libertação.
Contudo, atentas as circunstâncias do caso, mormente o modo de actuação, a elevada gravidade dos crimes cometidos, com forte impacto negativo social e da imagem de Macau, as consequências advenientes para as ofendidas e não tendo o interessado manifestado intenção séria relativamente ao pagamento das indemnizações devidas, afigura-se-nos que, até por razões de prevenção geral, que a sua libertação condicional se mostra incompatível com a defesa da ordem. jurídica e paz social, razões por que, nos precisos termos do disposto no art° 56°, CPM, se mostra inatacável o decidido.
Donde, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, sermos a considerar não merecer provimento o presente recurso.”(cfr. fls. 158).

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Corridos os vistos legais dos Mmºs Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

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Passa-se a decidir.


Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– por Acórdão do T.J.B. de 13.07.2001, foi A, ora recorrente, condenado como autor e em concurso real de 1 crime de “homicídio” p. e p. pelo art. 128° do C.P.M., na pena de 14 anos de prisão, e de 1 crime de “ofensas à integridade física”, p. e p. pelo art. 137° do mesmo código, na pena de 1 ano de prisão, fixando-se-lhe, em cúmulo, a pena única de 14 anos e 6 meses de prisão;
– o recorrente deu entrada no E.P.C., como preventivamente preso, em 01.09.2000, e cumpriu dois terços da referida pena em 30.04.2010, vindo a expiar totalmente a dita pena em 28.02.2015;
– durante a reclusão, desenvolveu actividades escolares e laborais..

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do artº 56º do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado.”
   
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).

“In casu”, atenta a pena que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 01.09.2000, expiada está já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.

Na verdade, e na esteira do decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 31.01.2002, Proc. nº 6/2002, de 18.04.2002, Proc. nº 53/2002, e, mais recentemente, os de 25.01.2007, Proc. nº 11/2007, de 08.02.2007, Proc. nº 17/2007, e o de 15.02.2007, Proc. nº 10/2007).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Cremos que de sentido negativo terá de ser a resposta.

Com efeito, e ainda que se considerasse como possível um juízo de prognose favorável sobre a sua futura conduta, atento o crime de “homicídio” pelo mesmo recorrente cometido, há que afirmar que se impõe ter em conta a sua repercussão na sociedade, o que equivale a dizer que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico; (cfr., F. Dias in “ Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106)..

Assim, em face das expostas considerações, há que confirmar a decisão recorrida.

— Aqui chegados, outra questão importa decidir.

Pede o recorrente apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de preparos e custas.

Não sendo o recorrente residente de Macau, e atento o preceituado no art. 4°, n° 1 do D.L. n° 41/94/M de 01.08, improcede o peticionado.

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Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao presente recurso, indeferindo-se também o pedido de apoio judiciário.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 5 UCs.

Honorários ao Ilustre Defensor no montante de MOP$1,800.00.

Macau, aos 15 de Julho de 2010
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
João A. G. Gil de Oliveira
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