Processo nº 1061/2009
(Autos de recurso contencioso)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (XXX) e B (XXX) vieram recorrer do despacho proferido pelo EXM° CHEFE DO EXECUTIVO datado de 24.09.2009 com o qual se ordenou a demolição da obra existente no terreno situado junto à Avenida da República, em Coloane, melhor identificado nos autos.
Na petição inicial que apresentaram produzem as conclusões seguintes:
“1.ª Diz-nos o preâmbulo da Lei das Terras publicada através da Lei n.° 6/80/M de 5 de Julho. No seu ponto n. ° 2 o seguinte: " A ocupação e concessão de terrenos vagos do território têm o seu assento legal no Diploma Legislativo n° 1679, de 21 de Agosto de 1965, sendo as situações criadas anteriormente à sua vigência contempladas no Regulamento aprovado pelo Diploma Legislativo n. ° 651, de 3 de Fevereiro de 1940" (sublinhado nosso).
2.ª Nestes termos, a Lei terá de ser aplicada com respeito pelos particularismos das situações acima mencionadas.
3.ª Ou seja, se de acordo com a prática comum, ao longo de décadas, o titular de um direito de arrendamento ou de uma licença, poderia por mero escrito particular proceder a substituição da sua parte no processo, desde que desse conhecimento à antiga recebedoria da Repartição de Finanças das Ilhas.
4.ª Inclusivamente para proceder à alteração de nomes em facturas emitidas por empresas públicas, nomeadamente a CEM e a Macao Water, as quais exigem a apresentação de um contrato ou Acordo para legitimar tal alteração, era e no caso em apreço assim aconteceu, bastante a apresentação do tal documento particular.
5.ª Como se pode assacar então responsabilidades ao particular?
6.ª No entender dos Recorrentes, não havia qualquer razão para se preocuparem com a legalidade da ocupação, uso e fruição do referido edifício, se foi aceite a alteração do nome nas facturas, com a simples apresentação de um documento particular é porque era suficiente.
7.ª Por outro lado, a administração nunca lhes dirigiu qualquer intimação a um comportamento ou a adopção de quaisquer procedimentos legais, em termos de regularizar qualquer situação considerada marginal.
8.ª Antes pelo contrário, o IACM até contrata os serviços dos ora Recorrentes ao abrigo da actividade declarada nos Serviços de Finanças para efeitos de liquidação do imposto de contribuição industrial!
9.ª Nem tão pouco, sabem os Recorrentes, a que titulo o falecido C se encontrava no referido terreno e a viver no referido edifício.
10.ª Mas, salvo respeito por melhor e douto entendimento, esta situação é comum a muitos particulares, e em causa está a negação de justiça, uma vez que de acordo com o que se recordam, não foram notificados pessoalmente que teriam de legalizar os documentos particulares de transferência de posições jurídicas de que eram e são portadores ou sequer renovar anualmente quaisquer licenças.
11.ª Por outro lado, os Recorrentes fazem prova da aquisição por transmissão de acto volitivo inter-vivos da sua legitimidade para ocupar o terreno em causa, fazem prova de que a administração reconhece o exercício e ocupação do referido terreno e edifício quando contratam os seus serviços, fazem prova da facturação de água e electricidade endereçada em seus nomes.
12.ª Sendo assim, os Recorrentes questionam-se: Como é que se pode simplesmente ignorar todos estes factos negando-se-lhes sequer direito a prazo de regularização do que a Administração considera marginal?
13.ª Os ora Recorrentes concedem, que não submeteram o respectivo pedido de licença de obras, mas já não concede, no facto de não terem legitimidade para o fazer!
14.ª Até porque nos termos do disposto no artigo 5.° n.° 4 da Lei n.° 6/80/M de 5 de Julho com a nova redacção introduzida pela Lei n.° 2/94/M de 4 de Julho prevê a aquisição do domínio útil de prédio urbano é adquirível por usucapião desde que a posse por particular, seja exercida há mais de vinte anos.
15.ª Ora, O Edital que notifica o acto recorrido, não classifica sequer o terreno, se o mesmo é rústico ou urbano, então, como pode afirmar peremptoriamente que não estão reunidas as condições para requerer o licenciamento das obras?
16.ª Como já acima se invocou, e salvo melhor opinião, da simples leitura do acto ora recorrido, resulta clara e inequívoca contradição na fundamentação.
17.ª Se a Administração reconhece a possibilidade de existência de inquilinos e sublocatários, está a admitir a possibilidade de existência ou ocupação do referido edifício pelo menos a título de arrendamento, o que contradiz a afirmação de não existência de "... qualquer outro direito real, nomeadamente de concessão, por aforamento ou arrendamento ".
18.ª Com efeito, no entendimento dos Recorrentes, à administração ao longo da presente demanda, deve ser imposto o ónus de prova da negação dos factos ora articulados.
19.ª Tem assim de provar que os documentos que serviram de base para alteração de nome nas facturas acima referidas não são legais para tal efeito; que o falecido C não era portador de título legítimo de ocupação do terreno e edifício em causa: que a administração não contrata com os Recorrentes ao abrigo do exercício das actividades já enunciadas e exercidas no respectivo terreno e edifício, e por fim tem de provar que o terreno em questão é rústico.
20.ª A prova destes factos releva para a determinação da legitimidade dos Recorrentes em requer a anulação do acto recorrido.
21.ª Uma vez que, a falta de Legitimidade conduz à nulidade ou inexistência de quaisquer efeitos jurídicos praticados por quem careça desse pressuposto legal, ao passo que a falta de um requisito legal de procedimento conduz à intimação a um comportamento e rectificação do mesmo.
22.ª Aliás, esta hermenêutica é forçosamente consequência da aplicação dos Princípios Básicos De Direito que norteiam a actividade Administrativa e que encontram acolhimento no Código de Procedimento Administrativo nomeadamente nos seus artigos de 4.°, 5.°, 7.°, 8°, 9.°, 14. ° e tendo como pilar desta Pirâmide de Direitos o Principio da Legalidade previsto no artigo 3. ° do mesmo Código.
23.ª Nos termos deste Princípio a Administração Pública deve actuar em obediência à Lei e ao direito, ora na modesta opinião dos Recorrentes, representa uma negação de justiça, desproporcionalidade e clara manifestação da falta de protecção dos seus direitos já adquiridos no passado e actualmente cristalizados na sua esfera jurídica o cumprimento do acto recorrido.
24.ª Tendo os Recorrentes legitimidade para ocupar o terreno ora colocado em crise não pode, não devia a Administração, simplesmente passar por cima desta situação fáctica, impondo actos que colidem com os seus direitos, e que ademais, podem ser corrigidos com a apresentação do respectivo pedido de Licenciamento de Obra, e consequente pagamento das taxas para legalização nos termos das disposições dos artigos 65.° e 70° RGCU - Regulamento Geral da Construção Urbana.
25.ª Esta parece ser a solução de direito, mais justa, equitativa e respeitante dos direitos dos Recorrentes, que não ignorando a orientação que o Douto Tribunal de Segunda Instância vem defendendo, "que não pode haver igualdade na ilegalidade", o facto é que, impor este sacrifício aos Recorrentes significa que um número indiscriminado de residentes em Coloane, e em situação análoga à dos ora Recorrentes, estarão sujeitos à demolição das suas casas sem direito a outra solução jurídica.
26.ª Mais, o Acto Administrativo ora recorrido entra em absoluta contradição com as legítimas expectativas dos Recorrentes, em face das medidas anunciadas pelo Governo da RAEM, vide, Jornal "Ou Mun lat Pou'' de 21 de Agosto de 2009.
27.ª Como pode a Administração conceber e anunciar projectos de solução dos problemas de habitação e resolver o problema de habitação dos residentes das zonas antigas de Coloane, que inicialmente encontravam-se a ocupar as respectivas áreas antes da transferência de soberania com propostas de introdução de regime de arrendamento, com prazo habitual de concessão não superior a 25 anos,
28.ª e de forma absolutamente inusitada, ordenar a demolição das casas desses mesmos residentes!
29.ª Todo e qualquer acto administrativo visa a prossecução do interesse público, salvo respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares.
30.ª Na senda deste respeito, cujo pilar repousa no Princípio da Legalidade da Actividade Administrativa, e não só, esclarece o Professor Vieira de Andrade, sobre o que sejam interesses legalmente protegidos: "Na sua opinião, esse interesse apenas pode ser visto no plano substantivo e não no plano processual. Isto é, não se identifica com o interesse que é pressuposto da legitimidade para recorrer contenciosamente. O que se tem em vista são "posições jurídicas substantivas, através das quais a lei delimita, em favor dos particulares, áreas de protecção, que podem ser afectadas, mas devem ser respeitadas pela actividade administrativa, sendo susceptíveis de reconhecimento judicial independentemente da anulação do acto administrativo que os ofenda" "(sublinhado nosso). Ob. Cit. pág. 639 e 642 in "Comentários ao Código de Procedimento Administrativo" Anotado e Comentado, Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho.”; (cfr., fls. 2 a 29).
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Contestando, afirma a entidade requerida que:
“Nem o conteúdo do requerimento apresentado pelo recorrente nem os documentos a ele juntados podem provar juridicamente que o recorrente tem o direito de propriedade ou o direito real menor sobre o terreno onde a referida obra ilícita está implantada, uma vez que tais documentos não são provas legalmente válidas para comprovar o direito de propriedade ou o direito real menor sobre o referido terreno.
O recorrente não tem nenhum direito real sobre o referido terreno nem apresentou nenhuma prova legal para comprovar o seu domínio útil do referido terreno, por isso, o recorrente não tem legitimidade para pedir a licença de obras de construção ou reconstrução do edifício no referido terreno.
O artigo 3.° n. ° 1 do Regulamento Geral da Construção Urbana aprovado pelo Decreto-Lei n.° 79/85/M, de 21 de Agosto, prevê expressamente que as obras de construção de edifício não podem ser efectuadas sem licença de obras.
A "falta de legitimidade para pedir a licença de obras" não pode servir de fundamento para realizar obras ilícitas, uma vez que nem o Regulamento Geral da Construção Urbana nem as demais leis em vigor prevêem que "a falta de legitimidade para pedir a licença de obras" pode servir de pressuposto de "realização de obra com dispensa de licença ".
Em 24 de Março de 2009, o pessoal de inspectores da DSSOPT afixou uma ordem de proibição da execução da obra no local da obra ilícita posta em crise no presente processo, porém, o recorrente ignorou a referida ordem, continuou a realizar a obra sem licença e concluiu a construção do referido edifício.
Assim sendo, nos termos do artigos 3.° n. ° 1 e 52.° n. ° 6 do Regulamento Geral da Construção Urbana aprovado pelo Decreto-Lei n.° 79/85/M, de 21 de Agosto, o Chefe do Executivo proferiu em 24 de Setembro de 2009 um despacho na Informação/Proposta n.° 5700/DURDEP/2009, em que ordenou a demolição da referida obra ilícita, e tal acto administrativo não enferma dos vícios invocados pelo recorrente no requerimento.”
Pugna assim pela improcedência do presente recurso; (cfr., fls. 85 a 90 e 115 a 122).”
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Em sede de vista, juntou o Exm° Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Não poderá deixar de prender-se uma primeira nota com o tipo de pedidos formulados pelos recorrentes, atinentes a almejados reconhecimento judicial aos mesmos do direito de ocupação do terreno e a aquisição, a título de usucapião, do domínio útil do edifício ali implantado : nos termos do artº 20º do C.P.A.C., “Excepto disposição em contrário, o recurso contencioso é de mera legalidade e tem por finalidade a anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica “.
Desta forma, os tribunais administrativos ou funcionando como tal, exercem uma função de controlo e não de substituição da Administração, não constituindo aqueles uma Administração de grau mais elevado, não podendo o juíz ir além da declaração de invalidade ou anulação do acto impugnado, daqui decorrendo que o pedido a formular apenas poderá consistir na declaração de inexistência, nulidade ou anulação do acto recorrido : qualquer outro pedido, ter-se-à como legalmente inadmissível.
Como é evidente, à luz dos princípios supra mencionados, os pedidos anunciados são legalmente inadmissíveis.
Posto isto, verdade seja dita que na impugnação ora em causa, que A e B interpuseram do despacho do Chefe do Executivo de 24/9/09 que ordenou aos interessados que procedesse, por iniciativa própria, no prazo de 45 dias a contar da notificação edital, à demolição de obra ilegal do edifício não licenciado, implantado no terreno situado junto à Av da República em Coloane, em frente ao poste de iluminação nº 909A37, não se colhem, com a clareza e sintetização que se imporiam, quais os concretos vícios que o mesmo vê afectarem tal acto.
De todo o modo, fazendo algum esforço de apreensão dos mesmos, parecem os recorrentes assacar a ilegalidade do decidido por entenderem terem feito prova de aquisição “por transmissão de acto volitivo inter-vivos” da sua legitimidade para ocuparem o terreno em causa, tendo a Administração reconhecido a ocupação do mesmo, sendo que “a legitimidade dos Recorrentes em ocuparem o edifício colocado em crise, procede de uma situação de facto, pùblicamente conhecida, exercida de forma pacífica, à vista de toda a gente, estando o Recorrente B a residir no referido edifício há mais de 20 anos, recebendo as contas de água e electricidade em seu nome e em nome da Recorrente, A, sua esposa, demonstrando-se, desta forma, legitimada a oposição dos Recorrentes ao Acto Administrativo ora recorrido, por possuírem, nos termos legais, legitimidade para requerer a legalização da sua situação, quer pela antiguidade de uso e ocupação do edifício, quer pela transmissão do direito de exploração do terreno no qual se encontra instalado o referido prédio”.
Não lhe assiste, contudo, em nosso critério, qualquer razão.
Dispondo, além do mais, o artº 7º da LBRAEM que “Os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau”, e, tendo o acórdão do Venerando TUI, proferido no âmbito do proc. 32/2005, publicado no B.O., II Série, de 2/8/06, consignado que “Após o estabelecimento da Região, não se pode obter o reconhecimento de propriedade privada ou domínio útil a favor de particulares, dos referidos terrenos, através de decisão judicial, independentemente de acção a ser proposta antes ou depois da criação da Região”, todo o argumentado pelos recorrentes, a propósito da ‘transferência do uso” por parte do falecido C, alegada ocupação e permanência no terreno, com contratação do fornecimento, em seu nome, do fornecimento de água e elecrticidade sendo estimável, se revela inócuo, já que, quer antes, quer depois do estabelecimento da RAEM, não lograram estabelecer o registo, a seu favor, do direito de propriedade ou qualquer outro direito real, designadamente de concessão, por aforamento ou arrendamento, que lhes confira legitimidade para requerer o licenciamento da obra.
Por outra banda, cabendo ao Governo da Região, ainda nos termos do artº 7º da LBRAEM anunciado, a responsabilidade pela gestão, uso e desenvolvimento dos solos, bem como o seu arrendamento ou concessão a pessoas singulares ou colectivas para uso ou desenvolvimento, ficando os rendimentos daí resultantes exclusivamente à disposição do Governo da RAEM, apresenta-se a ordem de demolição, além de justa e adequada, como a mais consonante com a prossecução do interesse público, já que, tendo a Administração detectado a situação, não poderia pactuar com a mesma não se vendo que outra medida ou medidas, no quadro da prossecução daquele interesse público, pudessem ser tomadas, menos gravosas para a posição jurídica dos interessados : revelando-se a obra detectada ilegal e não legalizável, por manifesta ilegitimidade dos recorrentes, outra medida consonante com o interesse público não restaria senão a ordem de demolição, não se vendo, pois, afrontada a proporcionalidade, não se vendo, também, onde a ofensa da separação de poderes, já que o decidido se confina e contém nas estritas atribuições e poderes da Administração, remetendo-se o papel do Tribunal para o escrutínio que agora se consigna.
Tudo razões por que, não se descortinando a ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, somos a pugnar pelo não provimento do presente recurso.”; (cfr., fls. 144 a 147).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Consideram-se assentes os seguintes factos com interesse para a decisão a proferir:
– na avenida da República, em Coloane, e no terreno que se situa em frente aos postes de iluminação n° 909A36 ao 909A37, (melhor identificado nos autos), encontra-se edificado um prédio com estrutura de betão armado;
– desde a década de setenta que B, ora recorrente, vive no dito prédio, sendo que, presentemente, nele mora também A, igualmente recorrente;
– no mesmo prédio, morou também C, padrinho de baptismo de B e já falecido;
– em 1981, C celebrou com a então Câmara Municipal das Ilhas, um contrato de fornecimento de energia eléctrica, o mesmo sucedendo com o fornecimento de água canalizada;
– antes do seu falecimento, C reduziu a escrito a sua última vontade, declarando que o terreno situado no prédio atrás identificado e este, era transferido para B;
– de acordo com a Certidão emitida pela Conservatória de Registo Predial datada de 04.09.2009, o terreno em questão não está inscrito em nome de qualquer particular;
– em 13.11.2009, publicou a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes o seguinte edital:
“Edital
Notificação da decisão final
Processo n. ° 295/OI/2009/F
Jaime Roberto Carion, Director da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), faz saber por este meio ao dono da obra não autorizada e aos inquilinos, sublocatários e demais ocupantes, cuja identidade e morada se desconhecem, do edifício não licenciado, implantado no terreno situado junto à Avenida da República, em Coloane (em frente dos postes de iluminação n. ° 909A36 ao n.° 909A37 e demarcado a tracejado na planta em anexo), todos adiante designados simplesmente por notificandos, o seguinte:
1. O agente de fiscalização destes Serviços, no desempenho das suas funções, constatou que no local supra-identificado foi construído um prédio com estrutura em betão armado sem a devida licença, conforme exigido pelo n. ° 1 do artigo 3.° do Decreto-Lei n. ° 79/85/M, de 21 de Agosto, alterado pela Lei n.° 6/99/M, de 17 de Dezembro e pelo Regulamento Administrativo n.° 24/2009, pelo que a obra é considerada ilegal.
2. Nos termos do n. ° 2 do artigo 52.° do referido decreto-lei, o agente de fiscalização ordenou a imediata suspensão da obra e, por conseguinte, foi instaurado o procedimento administrativo n. ° 295/OI/2009/F.
3. Nos termos dos n.os 1 e 5 do artigo 52.° do mesmo diploma legal e por despacho da Subdirectora da DSSOPT, de 20/03/2009, foi confirmada a suspensão dos trabalhos ordenada pela fiscalização e determinado o embargo da obra, emitindo em consequência o respectivo despacho de embargo.
4. De acordo com a certidão da Conservatória do Registo Predial (CRP), de 04/09/2009, sobre o aludido terreno, não se encontra registado a favor de particular, pessoa singular ou pessoa colectiva, direito de propriedade ou qualquer outro direito real, nomeadamente de concessão, por aforamento ou por arrendamento, pelo que os notificandos não possuem legitimidade para requerer o licenciamento da obra, não se encontrando reunidos os pressupostos legais para a sua legalização.
5. Tendo sido realizada, no seguimento de notificação por editais, assinados pelo Director e pela Directora Substa. da DSSOPT, e publicados em jornais em línguas chinesa e portuguesa, respectivamente, de 21/04/2009 e 18/08/2009, a audiência escrita de interessados, prevista nos artigos 93.° e 94.° do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n. ° 57/99/M, de 11 de Outubro, não foram carreados para o procedimento elementos ou argumentos de facto e de direito que pudessem conduzir à alteração do sentido da decisão de ordenar a demolição da referida obra ilegal.
6. Não tendo sido respeitado o despacho de embargo referido no ponto 3, emitido pela Subdirectora da DSSOPT e encontrando-se já concluída a execução da obra, compete ao Chefe do Executivo determinar a sua demolição, nos termos do disposto no n. ° 6 do artigo 52.° do citado Decreto-Lei n. ° 79/85/M.
7. Assim, ficam os interessados notificados de que Sua Exa. o Chefe do Executivo, por despacho de 24/09/2009, exarado sobre a informação n. ° 5700/DURDEP/2009, de 11/09/2009, constante do processo n. ° 295/OI/2009/F, ordena que procedam por iniciativa própria à demolição da obra ilegal acima mencionada no prazo de 45 dias contado a partir da data de publicação do presente edital, devendo, para o efeito e com antecedência, apresentar a declaração de responsabilidade do construtor responsável por essa demolição, bem como a apólice de seguro contra acidentes de trabalho e doenças profissionais.
8. Nos termos do artigo 56.° do Decreto-Lei n. ° 79/85/M, notifica-se ainda que em caso de incumprimento da ordem de demolição referida no número anterior a DSSOPT, em , conjunto com outros serviços públicos e com a colaboração do Corpo de Polícia de Segurança Pública, procederá, a partir do termo do respectivo prazo (45 dias), à execução dos trabalhos de demolição da obra ilegal em causa, a expensas do infractor, sem prejuízo de aplicação das sanções previstas no referido diploma legal e da responsabilidade criminal e civil que ao caso houver.
9. Os bens móveis eventualmente deixados pelo dono da obra ilegal ou utilizadores no respectivo local serão depositados à guarda de um depositário a nomear pela Administração.
10. Findo o prazo de 15 (quinze) dias a contar da data do depósito, e caso os bens não ~ tenham sido reclamados, consideram-se os mesmos abandonados e perdidos a favor do governo da RAEM, por força de aplicação analógica do artigo 30.° do Decreto-Lei n. ° 6/93/M, de 15 de Fevereiro.
11. Nos termos dos artigos 145.° e 149.° do Código do Procedimento Administrativo, os interessados podem apresentar reclamação ao Chefe do Executivo no prazo de 15 (quinze) dias, a contar da data de publicação do presente edital
12. Do despacho do Chefe do Executivo de 24/09/2009, cabe recurso contencioso a interpor no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da data de publicação do presente edital, para o Tribunal de Segunda Instância da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), nos termos da alínea a) do n. ° 2 do artigo 25.° do Código do Processo Administrativo Contencioso, aprovado pelo Decreto-Lei n. ° 110/99!M, de 13 de Dezembro, e da subalínea (1) da alínea 8) do artigo 36.° da Lei n. ° 9/1999, republicada no Boletim Oficial da RAEM, n. ° 44, I Série, de 1 de Novembro de 2004.
13. Nos termos do preceituado no n. ° 7 do artigo 52.° do citado Decreto-Lei n. ° 79/85/M, o recurso da decisão referida no número anterior tem efeito suspensivo.”; (cfr., fls. 30 a 32);
– o presente recurso, tem como objecto o “despacho do Exm° Chefe do Executivo de 24.09.2009”, referido no transcrito edital.
Do direito
3. Vem A e B recorrer do despacho proferido pelo Exm° Chefe do Executivo de 24.09.2009, atrás já identificado.
Lendo a petição de recurso, analisados os autos, e da reflexão que nos foi possível efectuar sobre as posições em confronto, somos de concluir que aos recorrentes não assiste razão.
Aliás, a verdadeira questão a apreciar no âmbito do presente recurso – quanto ao (eventual) direito dos recorrentes sobre o terreno e prédio nele construído – não é nova, e foi já objecto de pronúncia por este T.S.I.; (cfr., vg., o Ac. de 15.04.2010, Proc. nº 106/2009 e de 20.05.2010, Proc. nº 652/2009).
Motivos não havendo para se alterar o entendimento que temos vindo a assumir, vejamos, ainda que abreviadamente, os motivos da atrás adiantada solução que se nos mostra de adoptar.
Nos termos do art. 7° da Lei Básica desta R.A.E.M.:
“Os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau (...).”
Pronunciando-se sobre o sentido e alcance do assim estatuído entendeu já o Vdo T.U.I. que:
“Desta norma resulta que foi estabelecido pela Lei Básica o princípio de que a propriedade e a gestão dos solos e recursos naturais no âmbito da Região cabem respectivamente ao Estado e ao Governo da Região. No entanto, a fim de respeitar e proteger os poucos terrenos da propriedade privada já existentes em Macau, é admitida excepção a este princípio, isto é, continuar a reconhecer os direitos de propriedade privada de terrenos anteriormente existentes.
Há um requisito para a excepção, que consiste em que os terrenos de propriedade privada devem ser “reconhecidos, de acordo com a lei, antes do estabelecimento da RAEM.”
Uma vez que após o estabelecimento da Região, todos os terrenos situados no âmbito territorial da Região são de propriedade do Estado, excepto os que foram reconhecidos como propriedade privada nos termos da lei antes do estabelecimento da Região. Em consequência, não é possível constituir nova propriedade privada de terrenos depois da criação da Região, sob pena de violar a disposição do art.º 7.º da Lei Básica.
(...)
Na mesma linha de consideração acima exposta sobre a aquisição da propriedade de terrenos na Região, o domínio útil só constitui a excepção prevista no art.º 7.º da Lei Básica quando for reconhecido legalmente antes do estabelecimento da Região, e assim continua a integrar na esfera de particulares após a sua criação. Se antes desta não conseguisse o reconhecimento legal do domínio útil de terreno, mesmo que a acção destinada a confirmar a titularidade do mesmo domínio por parte de particulares fosse proposta antes do estabelecimento da Região, depois deste nunca pode ser reconhecido por decisão judicial o domínio útil de terrenos na Região a favor de particulares.”; (cfr., v.g., o Ac. de 05.07.2006, Proc. nº 32/2005).
Nesta conformidade, e face à factualidade dada como provada, nomeadamente, ao teor da certidão da C.R.P. de 04.09.2009, há que dizer que inviável é o reconhecimento do “direito de propriedade” dos ora recorrentes sobre o terreno em causa, (ainda que fosse o presente recurso o “meio próprio” para tal, o que, como bem nota o E.M.M.P., não é).
Resta, assim, o (eventual) “direito ao prédio” no referido terreno construído.
Ora, como resulta do que atrás se deixou relatado, o prédio é resultado de uma obra não licenciada, e, portanto, ilegal, levada a cabo em terreno cujo titular, é, como se viu, a R.A.E.M..
Haverá assim algum fundamento legal para se anular o despacho recorrido que ordena a demolição do dito prédio?
Também aqui, e como já se disse, não nos parece que aos recorrentes assista razão, sendo pois de subscrever os doutos considerandos pelo Exm° Magistrado do Ministério Público expostos no seu Parecer, que, até por uma questão de economia processual, dão-se aqui como reproduzidos.
De facto, provado (também) não estando qualquer direito sobre o prédio em questão, e sendo o mesmo uma “obra ilegal”, construída em terreno da R.A.E.M., impõe-se, sem necessiade de outras considerações, a improcedência do presente recurso.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expendidos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes com taxa de justiça que se fixa em 8 Ucs.
Macau, aos 22 de Julho de 2010
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
João A. G. Gil de Oliveira
Presente
Magistrado do M.ºP.º
Vitor Manuel Carvalho Coelho
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Proc. 1061/2009 Pág. 27