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Processo n.º 1047/2009
  (Recurso Penal)
  
  Data: 9/Setembro/2010

  Assuntos:
    - Anulação do acórdão por pretensa falta de fundamentação violando o disposto no art. 356º, n.° 1 do C. P.
    - Insuficiência para a decisão da matéria de facto
    - Medida da pena
    -Penas curtas de prisão
    - Suspensão da execução da pena em que foi condenado


Sumário :
    1. Uma decisão condenatória mostra-se fundamentada quanto à escolha e medida da pena se da análise se constata que ele contém as indicações normalmente aceites como justificativas da pena por que o Tribunal optou, fazendo referência aos critérios legais, transcritos no texto, plasmados nos artigos 40º e 65º do CP, fazendo referência a que se atendeu às circunstâncias mencionadas e às influência negativas sobre a paz social, circunstancialismo este que se concretiza.
    
    2. Não há insuficiência no apuramento da matéria de facto relevante, não obstante as declarações subscritas por ilustres individualidades atestando a idoneidade do arguido, declarações estas que não podiam ser tidas em conta pelo Tribunal a quo, visto até o momento da sua junção aos autos, se o Tribunal não deixou de apurar o circunstancialismo sócio-económico e comportamental do arguido, não se vendo onde se situe a alegada insuficiência. Para mais, não se vislumbrando que tenha sido alegada ou invocada qualquer matéria fáctica que não tenha sido objecto de apuramento e dentro do princípio da oficiosidade o Tribunal não terá deixado de consignar um quadro favorável arguido.
    
    3. Face a uma moldura abstracta de 1 a 5 anos de prisão não se pode ter como severa a pena se o Tribunal se situou apenas 6 meses acima do mínimo da pena, antes pelo contrário vista a culpa e a ilicitude do caso concreto, não descurando as razões de prevenção criminal, tendo sido especificados bem os fundamentos que presidiram ao cômputo da mesma, ressaltando o impacto negativo da conduta do agente, penalmente muito censurável, tanto na sociedade, seja subjectivamente em relação ao aproveitamento da situação de aperto do ofendido.
    
    4. Basicamente o critério que deve presidir à suspensão da execução da pena é o de um juízo em termos tais que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
    
    5. Quanto à ideia de que o Sistema posterga a aplicação de penas curtas ou de média dimensão, tal não pode constituir uma profissão de fé de aplicação cega e acrítica.
    
    6. Vamos assistindo, cada vez mais, em termos de Direito Comparado, a posições doutrinárias e jurisprudenciais que inflectem essa concepção, tendo tais penas um efeito dissuasor muito considerável e sendo um factor muito importante para o governo de uma sociedade e orientação dos cidadãos.
    
    7. Não se trata apenas da aplicação do conceito dissuasor, originário do direito anglo saxónico, em particular, americano, do short, sharp and shock, não apenas para certos tipos de criminalidade como o do colarinho branco (expressamente defendido pela pena do Prof. Figueiredo Dias), como ainda para outros tipos criminais.
    
    8. A finalidade ressocializadora não é a única nem mesmo a principal finalidade das pena, mas antes uma das finalidades que deve ser perseguida na medida do possível, só se concebendo um espaço ressocializador mínimo com a faculdade que se oferece ao delinquente de uma forma espontânea de ajuda a si próprio, levando uma vida sem cometer crimes.
    
O Relator,

João A. G. Gil de Oliveira

Processo n.º 1047/2009
(Recurso Penal)

Data: 9/Setembro/2010

Recorrente: A

Objecto do Recurso: Acórdão condenatório da 1ª Instância

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. A, arguido nos autos à margem referenciados e neles melhor identificado, não se conformando com o acórdão que o condenou como autor, pela prática, na forma consumada, de um crime de usura, previsto e punido pelo artigo 219.°, n.º s 1 e 3, alínea b) do Código Penal de Macau, na pena de um ano e seis meses de prisão efectiva, dele vem recorrer, alegando em sede conclusiva:
    l.ª Vem o presente recurso interposto do acórdão que condenou o ora recorrente como autor material, pela prática, na forma consumada, de um crime de usura, previsto e punido pelo artigo 219.°, n.º s 1 e 3, alínea b) do Código Penal de Macau, na pena de um ano e seis meses de prisão efectiva;
    2.ª Imputa o recorrente à decisão recorrida o vício do n.º 1 do artigo 400.° do Código de Processo Penal, qual seja, o erro de direito, assim, como o da desproporcionalidade da pena, que cabe no n.º 1 do mesmo artigo.
    3.ª Com efeito, o acórdão recorrido é omisso quanto aos fundamentos que levaram à escolha e à medida da sanção aplicada. Não existe uma qualquer exposição ainda que concisa, a falta de fundamentação é absoluta;
    4.ª Para além deste inultrapassável vício, a sentença recorrida não especificou os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada ao crime por que o recorrente veio a ser condenado, o que constitui irregularidade face ao disposto no artigo 356.°, n.° 1 do CPPM;
    5.ª A omissão do tribunal a quo inviabiliza qualquer juízo crítico a respeito como foram valoradas na decisão a culpa do agente e as exigências de prevenção criminal, o grau de ilicitude, o modo de execução, a gravidade das consequências, o grau de violação dos deveres impostos, a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados, a sua motivação, as suas condições pessoais e económicas, o comportamento anterior e posterior e demais circunstancialismo apurado;
    6.ª Paralelamente, entende o recorrente estarem reunidos os pressupostos legais para a suspensão da execução da pena de prisão;
    7.ª "Pois sempre importará considerar que a pena de prisão - especialmente a pena curta de prisão - tem os mais perniciosos efeitos, pelo que só razões que largamente superem este mal poderão ser invocadas pelo juiz para não usar dos poderes conferidos pelo artigo 86º”, (Eduardo Correia, Direito Criminal, vol. II, reimpressão, Almedina 2000, p. 394);
    8.ª "Ninguém desconhece que a pena de prisão correccional, pelo modo como se cumpre, nem reprime, nem educa, nem intimida, mas perverte, degrada e macula. E um verdadeiro estágio de corrupção moral. É mister, pois, que se economize esta pena, e que não se ponha um delinquente, que infringiu a lei, pela primeira vez, num momento de paixão ou de ,fraqueza, um delinquente ainda não ferreteado pela aplicação da pena anterior, em contacto com a vil escória dos cárceres e num meio tão nocivo fisicamente como moralmente.
    A condenação condicional não deixa, porém, de funcionar com uma eficácia retributiva e preventiva e, portanto, como uma pena.
    Efectivamente, averiguado o facto e aplicada a pena, o agente tem sempre a clara consciência da censura que mereceu o facto e viverá sob a ameaça, agora concreta, e portanto (mais viva, da condenação" (ibid., p. 396 e 397)";
    9.ª Tendo sido o recorrente condenado na pena de um ano e seis meses de prisão, era de esperar a suspensão da execução da pena de prisão;
    10.ª Sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, o juiz tem o dever de suspender a execução da pena: esta é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico;
    11.ª Conforme escreveu Jescheck - citado no Acórdão do STJ de 30 de Junho de 1993, in BMJ 428,353 - «na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose favorável ao agente, baseada num risco prudencial. A suspensão da pena funciona como um instituto em que se une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença penal com o apelo, fortalecido pela ameaça de executar no futuro a pena, à vontade do condenado em se integrar na sociedade. O Tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudente.»;
    12.ª Do comportamento posterior à prática do crime por que este foi condenado e dos documentos juntos aos autos, tudo nos diz que o recorrente está apto a aproveitar a oportunidade da suspensão da execução da pena para empreender eficazmente a sua ressocialização;
    13.ª Elemento demonstrativo do sincero arrependimento do recorrente e do seu projecto de vida sólido e estruturado é o relatório social junto aos autos;
    14.ª Paralelamente, o recorrente tem a seu cargo a sua avó que padece de grave doença. Com efeito, é o ora recorrente a única pessoa que toma conta da sua avó, suportando todas as despesas médico-medicamentosas, de alimentação e alojamento;
    15.ª Pelo que o cumprimento efectivo da pena de prisão irá por em sério risco a vida e o tratamento da sua avó;
    16.ª Considera, assim, o ora recorrente que foi violado o disposto no artigo 48.º do Código Penal;
    17.ª Por outro lado, para se ter chegado à conclusão que a condenação anterior não foi advertência suficiente para o recorrente não continuar a deliquir era preciso quesitar esse facto e sobre ele fazer-se a necessária prova, lançando mão dos meios de prova legalmente admissíveis;
    18.ª Com efeito, a lei exige uma avaliação judicial concreta das circunstâncias que levaram o douto Colectivo a concluir pela insuficiência da advertência contida na condenação anterior.
    19.ª Pelo que, a mera falta de prova do requisito de que a condenação anterior não foi advertência suficiente para o ora recorrente não continuar a delinquir constitui vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, constante da alínea a), n.º 2 do artigo 400.°, com a cominação do artigo 418.°, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal de Macau;
    20.ª No presente caso, e em face do princípio geral ínsito no artigo 64.° do citado diploma legal, nada justifica que se remova o recorrente da comunidade onde está estavelmente inserido, para a qual tem contribuído com o seu trabalho, quebrando as suas ligações familiares, retirando-o do convívio afectivo da sua família que dele precisa, espiritualmente mas acima de tudo materialmente.
    Termos em que, entende, deve ser dado provimento ao presente recurso, condenando-se o ora recorrente em pena de prisão, suspensa na sua execução pelo período que vier a ser considerado conveniente, ainda que em conjugação com a sujeição a deveres ou imposição de regras de conduta, nos termos legais - cfr. artigos 49.° e 50.° do Código Penal - anular-se o mesmo por falta de fundamentação ou o reenviar o processo para novo julgamento.
    2. O Digno Magistrado do MP oferece douta resposta, dizendo em suma que nenhum dos pedidos do recorrente merece atendimento.

3. O Exmo Senhor Procurador Adjunto emite o douto parecer seguinte:
    O nosso Exmo. Colega demonstra, cabalmente, a sem razão do recorrente.
    Inexistem, efectivamente, os vícios invocados na motivação do recurso.
    A pretensa violação do n.º 1 do art. 356° do C. P. Penal, como o recorrente reconhece, não passaria de uma mera irregularidade (cfr. ac. deste Tribunal, de 12-12-2002, proc. n.º 160/2002).
    E, sendo assim, sempre estaria sanada, por não haver sido arguida tempestivamente.
    A alegada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é, igualmente, infundada.
    Não se vislumbra, "in casu", atento o objecto do processo, qualquer lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada.
    O recorrente expende, a propósito, que "para se ter chegado à conclusão que a condenação anterior não foi advertência suficiente para o recorrente não continuar a delinquir era preciso quesitar esse facto e sobre ele fazer-se a necessária prova, lançando mão dos meios de prova legalmente admissíveis".
    Parece confundir, dessa forma, a consideração do passado criminal com a verificação da reincidência.
    E nada obstava, realmente, a que o Tribunal tivesse em conta esse passado, sendo certo que o mesmo foi objecto de confirmação na audiência de julgamento (cfr. fls. 495).
    A pretendida suspensão da execução da prisão, por outro lado, não tem o necessário apoio factual.
    A favor do recorrente, desde logo, nada de relevante se apurou.
    Em termos agravativos, por seu turno, impõe-se realçar a gravidade dos factos praticados, bem como a grande intensidade de dolo que presidiu à sua actuação.
    E há que relevar, também, naturalmente, a condenação anteriormente sofrida, em pena de prisão efectiva (ainda que suspensa na sua execução).
    O condicionalismo apontado não propicia, assim, uma prognose favorável à luz de considerações de prevenção geral.
    Em sede de prevenção positiva, há que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade relativamente à validade da norma violada, através do "restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime” (cfr. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal,106).
    E, a nível de prevenção geral negativa, não pode perder-se de vista o efeito intimidatório subjacente a esta finalidade da punição.
    Os fins de prevenção especial contrariam, de igual modo, a aplicação da pena de substituição em questão.
    Basta atentar, para tanto, na mencionada condenação.
    Não pode concluir-se, em suma, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
    O que vale por dizer que não se verifica o pressuposto material exigido pelo art. 48°, n.° 1, do citado C. Penal.
    Deve, pelo exposto, o recurso ser julgado improcedente.
    
    Foram colhidos os vistos legais.


    II - FACTOS
    
    Com pertinência, respiga-se o seguinte do acórdão recorrido:

”(...)
Factos provados:
B (1.º arguido) é sócio da agência de automóvel “XX”, Rua da Madre Terezina n.º XX, A (2.º arguido), é chefe de vendas da agência supracitada. Os dois arguidos além de explorar a actividade de venda de veículos, desempenham também actividade de empréstimos, tendo os polícias no activo como alvo. Os dois arguidos costumam efectuar empréstimo a juros elevados aos polícias que normalmente possuem dificuldades económicas e não conseguem obter empréstimos através de outros meios, sendo a taxa de juro anual 15 a 20 vezes superior à taxa de juros legais pelo empréstimo concedido, obtendo assim interesses ilícitos. Os dois arguidos para ocultar o seu acto de empréstimos a juros elevados, é preciso que os devedores se dirijam ao escritório de advocacia para assinar o contrato de empréstimo, e o montante do empréstimo no contrato é muito mais elevado ao do montante real que o devedor emprestou, mas o devedor precisa de efectuar a devolução em prestações consoante o descrito no contrato de empréstimo, e os dois arguidos conseguem assim obter juros 15 vezes superior ou mais do que a taxa de juros legais.
Em Dezembro de 2005, o guarda da PSP, C (1.º ofendido) por motivos de dificuldades económicas, precisava urgentemente de numerário para rotação de capitais e através da introdução do seu colega D, este teve conhecimento que B (1.º arguido) podia fornecer empréstimos, daí que o 1.º ofendido ter pedido ao 1.º arguido um empréstimo de MOP$10.000 e tendo aceite pelo 1.º arguido. A condição era, o 1.º ofendido tinha que ir com o 1.º arguido. A condição era, o 1.º ofendido tinha que ir com o 1.º arguido até ao “escritório de advocacia do Dr. XXX” sito na Avenida de Almeida Ribeiro, Edf. Comercial XX, XX.º andar para a assinatura de um contrato de empréstimo, e no contrato vem descrito que o 1.º ofendido pediu emprestado ao 1.º arguido um montante de MOP$24.000 e amortizado em 20 prestações pagando MOP$1.200 por cada prestação. O 1.º ofendido por precisar urgentemente de dinheiro, aceitou as condições dadas pelo 1.º arguido. Em 26 de Dezembro de 2005 descolou-se com o 1.º arguido até ao escritório de advocacia acima referido e conforme o conteúdo acima descrito, assinou o contrato de empréstimo. Após a assinatura do contrato, o montante de MOP$10.000 emprestado pelo 1.º ofendido, descontando MOP$2.000 para honorários de advogados e despesas de formalidades, de facto só recebeu de empréstimo MOP$8.000.
A partir de Janeiro de 2006, o 1.º ofendido teve que devolver ao 1.º arguido, MOP$1.200 por mês, tendo efectuado duas prestações, num total de MOP$2.400. Para o pagamento do empréstimo, teve que deslocar todas as vezes à agência de automóvel “XX”, entregando o dinheiro ao funcionário da agência ou ao próprio 1.º arguido. Na agência de automóvel possui um registo sobre empréstimo e amortizações.
O 1.º arguido usou os contratos de empréstimo supracitados para ocultar o seu acto de obtenção de juros ilegítimos, calculando a partir do montante real de MOP$8.000 que o 1.º ofendido de facto conseguir emprestado, pagando MOP$1.200 por prestação, num total de 20 prestações, o montante total a ser devolvido é de MOP$24.000, sendo MOP$16.000 de juros. Após efectuado os cálculos, a taxa de juros anual recebido pelo 1.º arguido é de 120%, equivalente a 20 vezes mais do que os juros legais fixados em 6% ( De acordo com o artigo 1.º da Ordem Executiva n.º 9/2002, de 26 de Março de 2002 ) praticado naquela altura.
Em Dezembro de 2005, o guarda da PSP, E (2.º ofendido) por motivos de dificuldades económicas, precisava urgentemente de numerário para rotação de capitais, e através da introdução de F, este conheceu o A (2.º arguido) e teve conhecimento que o mesmo podia fornecer empréstimos, daí que o 2.º ofendido ter pedido ao 2.º arguido um empréstimo de MOP$10.000 do qual foi aceite pelo 2.º arguido. A condição era, o 2.º ofendido tinha que ir com o 2.º arguido até ao “ escritório de advocacia do Dr. XXX ” sito na Avenida de Almeida Ribeiro, Edf. Comercial XX, XX.º andar para a assinatura de um contrato de empréstimo e no contrato vem descrito que o 2.º ofendido pediu emprestado ao 2.º arguido um montante de MOP$24.000 e amortizado em 20 prestações pagando MOP$1.200 por cada prestação. O 2.º ofendido por precisar urgentemente de dinheiro, aceitou as condições dadas pelo 2.º arguido. Em 19 de Dezembro de 2005 descolou-se com o 2.º arguido até ao escritório de advocacia acima referido e assinou um contrato de empréstimo. Após a assinatura do contrato, o montante de MOP$10.000 emprestado pelo 2.º ofendido, descontando MOP$500 para honorários de advogados e despesas de formalidades, de facto só recebeu de empréstimo MOP$9.500.
A partir de Janeiro de 2006, o 2.º ofendido teve que devolver ao 2.º arguido, 1200 patacas por mês, tendo efectuado quatro prestações (num total de MOP$4.800). Para o pagamento do empréstimo, teve que deslocar todas as vezes à agência de automóvel “XX”, a fim de entregar o dinheiro ao funcionário da agência ou ao próprio 2.º arguido. Na agência de automóvel possui um registo sobre empréstimos e amortizações.
O 2.º arguido usou os contratos de empréstimo supracitados para ocultar o seu acto de obtenção de juros ilegítimos, calculando a partir do montante real de MOP$9.500 que o 2.º ofendido de facto conseguir emprestado, pagando MOP$1.200 por prestação, num total de 20 prestações, o montante total a ser devolvido é de MOP$24.000, sendo MOP$14.500 de juros. Após efectuado os cálculos, a taxa de juros anual recebido pelo 2.º arguido é de 91.5%, equivalente a 15 vezes mais do que os juros legais fixados em 6% ( De acordo com o artigo 1.º da Ordem Executiva n.º 9/2002, de 26 de Março de 2002 ) praticado naquela altura.
Em Dezembro de 2005, o agente alfandegário, G (3.ª ofendida) por motivos de dificuldades económicas, precisava urgentemente de numerário para rotação de capitais e dado ter conhecimento que A (2.º arguido) podia fornecer empréstimos, daí pediu ao 2.º arguido um empréstimo de MOP$25.500 do qual foi aceite pelo 2.º arguido. A condição era, a 3.ª ofendida tinha que ir com o 2.º arguido até ao “escritório de advocacia do Dr. XXX” sito na Avenida de Almeida Ribeiro, Edf. Comercial XX, XX.º andar para a assinatura de um contrato de empréstimo, e no contrato vem descrito que a 3.ª ofendida pediu emprestado ao 2.º arguido um montante de MOP$25.500 e amortizado em 10 prestações pagando MOP$2.550 por cada prestação. A 3.ª ofendida por precisar urgentemente de dinheiro, aceitou as condições dadas pelo 2.º arguido. Em 21 de Dezembro de 2005 descolou-se com o 2.º arguido até ao escritório de advocacia acima referido e assinou um contrato de empréstimo. Após a assinatura do contrato, a 3.ª ofendida pagou MOP$1.000 para honorários de advogados e despesas de formalidades.
Em Dezembro de 2005, o guarda da PSP, H (4.º ofendido) por motivos de dificuldades económicas, precisava urgentemente de numerário para rotação de capitais, e dado ter conhecimento que B (1.º arguido) podia fornecer empréstimos, daí ter pedido ao 1.º arguido um empréstimo de MOP$10.000 do qual foi aceite pelo 1.º arguido. A condição era, o 4.º ofendido tinha que ir com o 1.º arguido até ao “escritório de advocacia do Dr. XXX” sito na Avenida de Almeida Ribeiro, Edf. Comercial XX, XX.º andar para a assinatura de um contrato de empréstimo, e no contrato vem descrito que o 4.º ofendido pediu emprestado ao 1.º arguido um montante de MOP$24.000 e amortizado em 20 prestações pagando MOP$1.200 por cada prestação. O 4.º ofendido por precisar urgentemente de dinheiro, aceitou as condições dadas pelo 1.º arguido. Em 21 de Dezembro de 2005 descolou-se com o 1.º arguido até ao escritório de advocacia acima referido e assinou um contrato de empréstimo. Após a assinatura do contrato, o montante de MOP$10.000 emprestado pelo 4.º ofendido, descontando MOP$500 para honorários de advogados e despesas de formalidades, de facto só recebeu de empréstimo MOP$9.500.
A partir de Janeiro de 2006, o 4.º ofendido teve que devolver ao 1.º arguido, MOP$1.200 por mês, tendo efectuado quatro prestações (num total de MOP$4.800). Para o pagamento do empréstimo, teve que deslocar todas as vezes à agência de automóvel “XX”, a fim de entregar o dinheiro ao funcionário da agência para que esse entregasse ao 1.º arguido. Na agência de automóvel possui um registo sobre empréstimo e amortizações.
O 1.º arguido usou os contratos de empréstimo supracitados para ocultar o seu acto de obtenção de juros ilegítimos, calculando a partir do montante real de MOP$9.500 que o 4.º ofendido de facto conseguir emprestado, pagando MOP$1.200 por prestação, num total de 20 prestações, o montante total a ser devolvido é de MOP$24.000, sendo MOP$14.500 de juros. Após efectuado os cálculos, a taxa de juros anual recebido pelo 1.º arguido é de 91.5%, equivalente a 15 vezes mais do que os juros legais fixados em 6% ( De acordo com o artigo 1.º da Ordem Executiva n.º 9/2002, de 26 de Março de 2002 ) praticado naquela altura.
F, funcionária do escritório de advocacia do Dr. XXX, por motivos de trabalho conheceu o B(1.º arguido) e A (2.º arguido) da agência de automóvel “XX”. Costumava ajudar os dois supracitados arguidos na elaboração de contrato de compra e venda de imóvel, contrato de compra e venda de veículos automóveis e contrato de mútuo. Os contratos de empréstimos dos 4 ofendidos acima referidos foram elaborados por F, e sob a apresentação desta, os contratos de empréstimos supracitados foram assinados e reconhecidos no escritório de advocacia do Dr. XXX.
Em 26 de Maio de 2006, D, por razões de insolvência, organizou um grupo para a prática de roubo, conseguindo roubar mais de 4 milhões de dólares de HK. Daí que em 27 de Maio, pelas 23:00 horas ter combinado com o 3.º arguido para se encontrarem na bomba de gasolina em frente da Montanha Russa a fim de entregar o montante de 5 milhões de dólares de HK ao 3.º arguido para devolver depois ao 2.º arguido. Na altura do encontro, o 3.º arguido e D foram detidos pelos agentes da PJ. Os agentes da PJ encontraram na posse do 3.º arguido 7 duplicados de contratos de empréstimo (incluindo duplicados do contrato de empréstimo que os quatro supracitados ofendidos terem assinado com os 1.º e 2.º arguidos), 7 duplicados de BIRM, 1 duplicado do cartão de identificação da polícia cujo portador é I, uma nota de abonos e descontos (de funcionários públicos) pertencente ao I, e umas informações por escrito da Conservatória do Registo Predial.
O 1.º arguido aproveitando da qualidade de identidade de polícia dos 1.º e 4.º ofendidos bem como da situação de dificuldade económica que se encontravam, celebrou com os dois ofendidos um contrato de empréstimo simulado, e o montante do empréstimo no contrato é muito mais elevado ao do montante real que o devedor recebe, forçosamente os dois ofendidos tinham que efectuar a devolução do montante emprestado consoante o descrito no contrato, e o 1.º arguido consegue assim obter juros de 20 e 15 vezes superior do da taxa de juros legais, com o intuito de, através do acto de empréstimo, obter de forma notória interesses pecuniários ilegítimos não correspondentes ao concedido.
O 2.º arguido aproveitando da qualidade de identidade de polícia do 2.º ofendido bem como da situação de dificuldade económica que se encontrava, celebrou com o 2.º ofendido um contrato de empréstimo simulado, e o montante do empréstimo no contrato é muito mais elevado ao do montante real que o devedor recebe, forçosamente o 2.º ofendido tinha que efectuar a devolução do montante emprestado consoante o descrito no contrato, e o 2.º arguido consegue assim obter juros de 15 vezes superior do que a taxa de juros legais, com o intuito de, através do acto de empréstimo, obter de forma notória interesses pecuniários ilegítimos não correspondentes ao concedido.
Os 1.º e 2.º arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, praticaram dolosamente os actos supracitados.
Os 1.º e 2.º arguidos bem sabiam da ilegalidade dos actos praticados, e que serão punidos pela lei.
                *
Mais se provou:
De acordo com o registo penal, o 1.º arguido é delinquente primário.
O 1.º arguido violou a infracção rodoviária constante das fls. 7 do anexo.
O 1.º arguido é vendedor de automóvel de segunda mão, auferindo mensalmente MOP$12.000, morando com os pais que já se reformaram e dando-lhes mensalmente MOP$6.000 como despesas domésticas. O ora arguido tem como habilitação literária o ensino primário.
                *
Segundo o registo penal, revela-se que o 2.º arguido não é delinquente primário.
Em 4 de Dezembro de 1997, no processo comum colectivo n.º 398/97 do 1.º Juízo deste Tribunal, o 2.º arguido foi condenado na pena de 18 meses de prisão pela prática de um crime de extorsão com circunstância atenuante da pena, com suspensão de execução da pena por 3 anos mas teve que pagar a indemnização dentro de um mês. Segundo o despacho de 11 de Janeiro de 2001, a pena supramencionada já foi extinta por percorrido o prazo de suspensão.
O 2.º arguido explora uma agência de automóvel de segunda mão com os amigos, auferindo mensalmente cerca de MOP$40.000 a 50.000, morando com a mãe cuja profissão é funcionária de escritório, o arguido em causa tem como habilitação literária o primeiro ano da escola secundária.
                *
Segundo o registo criminal, revela-se que o 3.º arguido é delinquente primário.
A profissão do 3.º arguido é polícia e auferindo mensalmente 340 índices, a esposa é guarda prisional do Estabelecimento Prisional de Macau, auferindo igualmente 340 índice, em cada mês, estes dois dão respectivamente MOP$5.000 aos seus pais como despensas domésticas. O ora arguido mora com os pais e dotado de bacharel de Direito.
                *
Factos não provados:
São no seguinte outros factos importantes constantes da Petição Inicial e Acusação que não correspondem com os factos provados:
Depois da assinatura do contrato, o montante de patacas que a 3.ª ofendida emprestou foi de MOP$15.000, porém, de facto, só recebeu de empréstimo MOP$14.000.
A partir de Janeiro de 2006, a 3.ª ofendida teve que devolver mensalmente MOP$2.550 ao 2.º arguido, tendo efectuado quatro prestações (num total de MOP$10.200). Para o pagamento do empréstimo, deslocou todas as vezes à agência de automóvel “XX” para entregar o dinheiro ao próprio 2.º arguido. Na agência de automóvel, possui um registo sobre empréstimos e amortizações.
O 2.º arguido usou os contratos de empréstimo supracitados para ocultar o seu acto de obtenção de juros ilegítimos, calculando a partir do montante real de MOP$14.000 que a 3.ª ofendida de facto conseguiu emprestado, pagando MOP$2.550 por prestação, num total de 10 prestações, o montante total a ser devolvido é de MOP$25.500, sendo MOP$11.500 de juros. Após o cálculo, a taxa de juros anual recebido pelo 2.º arguido é de 98.5% , equivalente a 16.4 vezes mais do que os juros legais fixados em 6% (De acordo com o art.º 1.º da Ordem Executiva n.º 9/2002, de 26 de Março de 2002) praticado naquela altura.
J (3.º arguido), guarda da PSP, conhece há três anos o B (1.º arguido) e A (2.º arguido) da agência de automóvel “XX”. O 3.º arguido tem conhecimento de que o 1.º arguido e o 2.º arguido, além de explorar a actividade de venda de veículos, desempenham também actividade de empréstimo, e tendo os polícias no activo como alvo, neste sentido, o 3.º arguido também apresentou polícias a emprestar dinheiro ao 1.º e 2.º arguido e guardou as cópias dos contratos de empréstimo e das respectivas cartões de identificação em casa.
O polícia D pediu várias vezes empréstimos ao 3.º arguido, e o último apresentou-o então ao 2.º arguido, sendo o 2.º arguido emprestou dinheiro para D e o 3.º arguido ajudou o 2.º arguido a reclamar as devoluções de D.
O Polícia I emprestou dinheiro ao 3.º arguido, que o respectivo contrato de empréstimo foi elaborado por F e assinado no “escritório de advocacia do Dr. XXX”, naquela altura, I emprestou ao 3.º arguido MOP$39.000, descontando MOP$4.000 para despesas de formalidade e juros, de facto só recebeu de empréstimo MOP35.000, pagando MOP$1.950 por prestação, num total de 20 prestações.
O 2.º arguido aproveitando da qualidade de identidade de polícia da 3.ª ofendida bem como da situação de dificuldade económica que se encontrava, celebrou com ela um contrato de empréstimo simulado, e o montante do empréstimo no contrato é muito mais elevado ao do montante real que o devedor recebe, forçosamente a 3.ª ofendida tinha que efectuar a devolução do montante emprestado consoante o descrito no contrato, e o 2.º arguido consegue assim obter juros de 16.4 vezes superior do da taxa de juros legais, com o intuito de, através do acto de empréstimo, obter de forma notória interesses pecuniários ilegítimos não correspondentes ao concedido.
Sendo polícia e bem sabendo que os 1.º e 2.º arguidos exploram actividade de empréstimo, o 3.º arguido não só ajudou-os dolosamente guardar os duplicados de contrato de empréstimo e de outros documentos a fim de ocultar o acto criminal deles, mas também apresentou, com a qualidade de intermediário, o polícia D a efectuar empréstimo ao 2.º arguido com a intenção que os 1.º e 2.º arguidos pudessem obter interesses ilícitos. O acto do 3.º arguido violou os deveres de polícia a prevenir e denunciar crimes, constituindo o abuso de poder.
O 3.º arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, praticou dolosamente os actos supracitados.
O 3.º arguido bem sabia da ilegalidade dos actos praticados, e que serão punidos pela lei.
                *
Convicção do Tribunal:
O 1.º e 2.º arguido prestaram declaração na audiência de julgamento, admitindo que ter efectuado empréstimo aos respectivos ofendidos mas negando que ter recebido juros elevados.
O 1.º ofendido prestou declaração na audiência de julgamento, negando que o 1.º arguido ter obtido juros elevados de ele, no entanto, ao declarar no Ministério Público , o 1.º ofendido descreveu claramente o decurso de pedido de empréstimo ao 1.º arguido e o pagamento de juros elevados. Proferiu-se as respectivas declarações durante a audiência de julgamento.
O 2.º ofendido prestou declaração na audiência de julgamento, negando que o 2.º arguido ter obtido juros elevados de ele, no entanto, ao declarar no Ministério Público , o 2.º ofendido descreveu claramente o decurso de pedido de empréstimo ao 2.º arguido e o pagamento de juros elevados. Proferiu-se as respectivas declarações durante a audiência de julgamento.
A 3.ª ofendida prestou declaração na audiência de julgamento, negando que o 2.º arguido ter obtido juros elevados de ela.
O 4.º ofendido prestou declaração na audiência de julgamento, descreveu claramente o decurso de pedido de empréstimo ao 1.º arguido e o pagamento de juros elevados.
O agente da Polícia Judiciária prestou declaração na audiência de julgamento, descreveu clara e objectivamente o decurso de inquérito do caso e o resultado.
Os contratos de empréstimo apreendidos nos autos mostram que os respectivos montantes emprestados pelo 1.º, 2.º e 4.º ofendido são diferentes dos empréstimos realmente recebidos.
Ter analisado de forma objectiva e geral as declarações feitas e proferidas pelos 1.º e 2.º arguidos e por outros testemunhas na audiência de julgamento, conjugando com as provas documentais, as provas apreendidas e outras provas apreciadas mediante a audiência de julgamento, este tribunal colectivo pode confirmar os factos de que os 1.º e 2.º arguidos efectuaram empréstimos aos 1.º, 4.º e 2.º ofendidos e receberam juros elevados. No entanto, por falta doutras provas, este tribunal colectivo não pode reconhecer o facto de que o 2.º arguido prestou empréstimo para o 3.ª ofendida e de ela recebeu juros elevados, nem pode reconhecer que o 3.º arguido violou os deveres de polícia a prevenir e denunciar crimes.
                *
Motivos:
De acordo com os factos provados, o 1.º arguido aproveitando da qualidade de identidade de polícia dos 1.º e 4.º ofendidos bem como da situação de dificuldade económica que se encontravam, celebrou com os dois ofendidos um contrato de empréstimo simulado, e o montante do empréstimo no contrato é muito mais elevado ao do montante real que o devedor recebe, forçosamente os dois ofendidos tinham que efectuar a devolução do montante emprestado consoante o descrito no contrato, e o 1.º arguido consegue assim obter juros de 20 e 15 vezes superior do da taxa de juros legais, com o intuito de, através do acto de empréstimo, obter de forma notória interesses pecuniários ilegítimos não correspondentes ao concedido. Nesse sentido, o 1.º arguido, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 2 crimes de usura p.p. pelo art.º 219.º, n.º 1 e n.º 3, alínea b) do Código Penal, conjugado com o art.º 1.º do Ordem Executiva n.º 9/2002 e o n.º 1 do art.º 1073.º do Código Civil, pode ser condenado na pena de 1 a 5 anos de prisão por cada um.
                *
Por outro lado, foi provado que, o 2.º arguido aproveitando da qualidade de identidade de polícia do 2.º ofendido bem como da situação de dificuldade económica que se encontrava, celebrou com este ofendido um contrato de empréstimo simulado, e o montante do empréstimo no contrato é muito mais elevado ao do montante real que o devedor recebe, forçosamente o 2.º ofendido tinha que efectuar a devolução do montante emprestado consoante o descrito no contrato, e o 2.º arguido conseguiu assim obter juros de 15 vezes superior do da taxa de juros legais, com o intuito de, através do acto de empréstimo, obter de forma notória interesses pecuniários ilegítimos não correspondentes ao concedido. Pelo que o 2.º arguido, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 crime de usura p.p. pelo art.º 219.º, n.º 1 e n.º 3, alínea b) do Código Penal, conjugado com o art.º 1.º do Ordem Executiva n.º 9/2002 e o n.º 1 do art.º 1073.º do Código Civil, pode ser condenado na pena de 1 a 5 anos de prisão.
Entretanto, por não se conseguir provar que o 2.º arguido aproveitando da qualidade de identidade de polícia da 3.ª ofendida bem como da situação de dificuldade económica que se encontrava, celebrou com esta ofendida um contrato de empréstimo simulado, e o montante do empréstimo no contrato é muito mais elevado ao do montante real que o devedor recebe, forçosamente a 3.ª ofendida tinha que efectuar a devolução do montante emprestado consoante o descrito no contrato, e o 2.º arguido consegue assim obter juros de 16.4 vezes superior do da taxa de juros legais, com o intuito de, através do acto de empréstimo, obter de forma notória interesses pecuniários ilegítimos não correspondentes ao concedido. Pelo que, deve ser indeferida quanto à acusação que o 2.º arguido cometeu, em autoria material e na forma consumada, 1 crime de usura p.p. pelo art.º 219.º, n.º 1 e n.º 3, alínea b) do Código Penal, conjugado com o art.º 1.º do Ordem Executiva n.º 9/2002 e o n.º 1 do art.º 1073.º do Código Civil.
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Por fim, como não se conseguiu provar que o 3.º arguido, sendo polícia e bem sabendo que o 1.º e 2.º arguido exploram actividade de empréstimo, não só ajudando-os dolosamente guardar os duplicados de contrato de empréstimo e de outros documentos a fim de ocultar o acto criminal deles, mas também apresentou, com a qualidade de intermediário, o polícia D a efectuar empréstimo ao 2.º arguido com a intenção que os 1.º e 2.º arguidos pudessem obter interesses ilícitos, que o acto do 3.º arguido violou assim os deveres de polícia a prevenir e denunciar crimes, constituindo o abuso de poder. Sendo assim, deve-se absolver o 3.º arguido, pelo imputado, em autoria material e na forma consumada de 1 crime de abuso de poder p.p. pelo art.º 347.º, conjugado com o art.º 336.º do Código Penal.
(...)”

    III - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
    - Anulação do acórdão por pretensa falta de fundamentação violando o disposto no art. 356º, n.° 1 do C. P.;
    - Insuficiência para a decisão da matéria de facto
    - Medida da pena
    - Suspensão da execução da pena em que foi condenado.
    - Reenvio do processo para novo julgamento;
    
    2. Quanto à primeira questão o recorrente entende que terá ocorrido violação do disposto no art. 356º, n.° 1 do C. P. Penal, dizendo que o acórdão recorrido não especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada, indicando nomeadamente, como refere a norma, se for caso disso, o início do seu cumprimento, outros deveres que ao condenado sejam impostos, e a sua duração.
    Sobre esta questão o Exmo Senhor Procurador Adjunto chama a atenção para o facto de a lei não cominar de nulidade tal falta de observância, reconduzindo-a a uma mera irregularidade que não terá sido arguida em tempo, conforme se alcança do parecer acima transcrito.
    Há na verdade algo mais na previsão do art. 356º, n.º 1 em relação ao n.º 2 do art. 355º do CPP, falando-se aqui de uma fundamentação da decisão e ali uma fundamentação da escolha e medida da sanção.
    Donde tanto bastar para ficarmos por aqui na análise desta questão, sufragando o entendimento daquele Magistrado.
    No entanto não deixaremos de dizer algo mais e de referir que, da análise ao acórdão, não é difícil constatar que ele contém as indicações normalmente aceites como justificativas da pena por que o Tribunal optou, fazendo referência aos critérios legais, transcritos no texto, plasmados nos artigos 40º e 65º do CP, fazendo referência a que se atendeu às circunstâncias mencionadas e às influência negativas sobre a paz social.
    Do texto do acórdão decorre ainda, em relação ao arguido ora recorrente, que este se aproveitou da qualidade de polícia do 2º ofendido, da sua situação de dificuldade económica, a intencionalidade traduzida no desejo de obtenção de juros muito elevados, 15 vezes superior ao da taxa legal, ficando-se ainda a saber que confessou o empréstimo, mas negou os juros elevados, que é uma pessoa com antecedentes criminais devidamente concretizados, da sua actividade profissional e económica, dos seus rendimentos, que mora com a mãe, da profissão desta e do se nível de escolaridade quase elementar.
    Tudo isto conjugado e articulado com as normas pertinentes já citadas não podem deixar de se considerar fundamentação necessária e bastante para se entender o sentido da ponderação feita na escolha da pena, não tendo deixado de haver pronúncia expressa até sobre as razões da não suspensão da execução da pena.
    Falece, pois, razão ao recorrente no que concerne a esta argumentação.
    
    3. Vejamos agora da segunda questão.
    A pretexto da dita insuficiência e perspectivando a configuração da possibilidade de suspensão da execução da pena o arguido vem dizer que o Tribunal concluiu no sentido da não advertência da condenação anterior para formular um juízo de prognose negativo em relação ao recurso a tal medida.
    Isto é, a lei exigiria uma avaliação das circunstâncias que levaram o Colectivo de Juízes a formular tal juízo de prognose desfavorável. Terá até juntado documentos comprovativos do seu bom comportamento e da sua participação activa na sociedade.
    Temos presentes as declarações subscritas por ilustres individualidades atestando a idoneidade do arguido, declarações estas, como está bem de ver, que não podiam ser tidas em conta pelo Tribunal a quo, visto até o momento da sua junção aos autos.
    Em relação a outra factualidade pertinente, como já se disse, o Tribunal não deixou de apurar o circunstancialismo sócio-económico e comportamental do arguido, não se vendo onde se situe a alegada insuficiência.
    Não se vislumbra que tenha sido alegada ou invocada qualquer matéria fáctica que não tenha sido objecto de apuramento e dentro do princípio da oficiosidade o Tribunal não terá deixado de consignar um quadro favorável arguido.
    Mas daí a ter que formar uma convicção no sentido de um juízo de prognose favorável, essa é outra questão e que adiante se analisará.
    Não se vislumbra, pois, atento o objecto do processo, qualquer lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada.
    
    4. No que tange a medida concreta da pena, vistos os pilares em que se deve apoiar, nada a apontar na dosimetria adoptada.
    Face à moldura abstracta de 1 a 5 anos de prisão, o Tribunal situou-se apenas 6 meses acima do mínimo da pena, não se antevendo qualquer severidade na pena concreta, antes pelo contrário vista a culpa e a ilicitude do caso concreto, não descurando as razões de prevenção criminal.
    O Tribunal, neste capítulo, especifica bem os fundamentos que presidiram ao cômputo da mesma, ressaltando o impacto negativo da sua conduta penalmente muito censurável, tanto na sociedade, seja relativamente ao aproveitamento da situação de aperto do ofendido E, o que está para além da previsão típica da al. b) do n.º 3 do art. 219º do CP.
    Assim se conclui no sentido de a pena encontrada não dever merecer qualquer censura ou reparo.
    
    5. Entremos agora na análise da questão que se afigura ser central no presente recurso. Trata-se da possibilidade ou não de suspender a execução da pena.
    5.1. Sobre isto o Tribunal exarou:

“Por outro lado, em conformidade com o art.º 48.º do Código Penal, tendo em conta a personalidade, as condições da vida, a conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias do crime do 2.º arguido, e, atendendo particularmente que não sendo delinquente primário o arguido em questão, não se conseguiu concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que este tribunal colectivo decide não suspender a execução da pena de prisão condenada.”
    
    Importará então, face ao recurso interposto sobre a matéria, apreciar as razões que devem presidir a uma suspensão da pena e que hão-de orientar na opção a fazer sabre a sua revogação.
    
    Basicamente o critério que deve presidir à suspensão da execução da pena é o de um juízo em termos tais que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
    
    O que decorre do disposto no art. 48° do C. Penal que prevê:
   
“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão.”
   
    5.2. Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável, ou seja, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e de que não cometerá no futuro nenhum crime1.
    
    Se a ausência de antecedentes criminais por si só não chega para justificar uma suspensão de pena, como já tem sido afirmado pelos nossos Tribunais, não é menos certo que as condenações anteriores ou situações de reincidência não obstam decisivamente à possibilidade de se suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos, se se tiver como justificado formular a conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.2
    
    É verdade que o tribunal deve correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente uma certeza. E se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa.3
    
    Mas a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a três anos deve ter lugar, nos termos do artigo 50º do Código Penal, sempre que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
    
    Constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores socialmente mais relevantes.
    É certo que a suspensão da execução, acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como factores de inclusão, evitando os riscos de fractura familiar, social, laboral e comportamental como factores de exclusão.

       A filosofia e as razões de política criminal que estão na base do instituto, radicam essencialmente no objectivo de afastamento das penas de prisão efectiva de curta e média duração, garantindo ainda, quer um conteúdo bastante aos fundamentos de ressocialização, quer exigências mínimas de prevenção geral e de defesa do ordenamento jurídico, afigurando-se nuclear neste instituto o valor da socialização em liberdade.

Não são, por outro lado, considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas.

    5.3. Projectemos estes princípios na situação concreta.
    No caso, temos por um lado um homem com vida activa e socialmente útil na Comunidade, aparecendo nos autos abonado por ilustres individualidades, como já se referiu. Mas sobre isto não se pode concluir que seja uma pessoa bem comportada, não já pelo crime ora cometido, mas pelos seus antecedentes criminais.
    Em seu benefício e em prol da Comunidade mais nada aparece, para além do conteúdo das declarações juntas aos autos já em sede do recurso.
    Importa atentar que nem sequer o crime confessou.
    A pretensa ingenuidade é afastada por se tratar de um homem maduro e face à sua profissão dever estar habituado a lidar com negócios e a não ser surpreendido.
    Não é possível, de facto, formular um juízo de prognose favorável ao arguido.
    
    5.4. E quanto à ideia de que o Sistema posterga a aplicação de penas curtas ou de média dimensão, tal não pode constituir uma profissão de fé de aplicação cega e acrítica.
    Vamos assistindo, cada vez mais, em termos de Direito Comparado, a posições doutrinárias e jurisprudenciais que inflectem essa concepção, tendo tais penas um efeito dissuasor muito considerável e sendo um factor muito importante para o governo de uma sociedade e orientação dos cidadãos.
    Não se trata apenas da aplicação do conceito dissuasor, originário do direito anglo saxónico, em particular, americano, do short, sharp and shock, não apenas para certos tipos de criminalidade como o do colarinho branco (expressamente defendido pela pena do Prof. Figueiredo Dias), como ainda para outros tipos criminais.
    A discussão a partir da reflexão dos doutrinadores está aberta, na senda, porventura, da reflexão de Roxin, para quem a coerência entre os fins das penas e os fins do Estado é especialmente importante num sistema de aplicação e de execução de penas, pois o Estado democrático de Direito, laico e fundado na soberania popular não pode perseguir o aperfeiçoamento mormente do cidadão adulto, mas deve assegurar as condições de uma convivência pacífica.4
    Para, a partir daí se começar a interiorizar que a finalidade ressocializadora não é a única nem mesmo a principal finalidade das pena, mas antes uma das finalidades que deve ser perseguida na medida do possível, só se concebendo um espaço ressocializador mínimo com a faculdade que se oferece ao delinquente de uma forma espontânea de ajuda a si próprio, levando uma vida sem cometer crimes. Acabar para sempre com a delinquência é uma pretensão utópica e a busca da readaptação do delinquente a qualquer preço é uma invasão indevida na liberdade de escolha da sua escala de valores, devendo passar essa ânsia de ressocialização pela sua adesão e condições objectivas que façam acreditar nessa via.5
    Donde ainda aqui não se acolher a argumentação expendida no sentido da suspensão de execução da pena.
    
    6. Quanto à questão do reenvio processual que também preconiza, como é sabido e resulta claramente do disposto no art. 418º, n° 1 do C. P. Penal, para tanto, exigível é que a decisão contenha qualquer dos vícios referidos no art. 400º, n.° 2 deste Código.
    Sucede, porém, que não se encontram, no acórdão recorrido, quaisquer vícios, nomeadamente o da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, donde não ser possível atender ao pretendido.
   
   
   7. Entende-se assim que o recurso se mostra manifestamente improcedente, devendo, consequentemente, ser rejeitado nos termos dos artigos 407º, n.º 3 - c), 409º, n.º 2 - a) e 410º, do C. P. Penal.
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em rejeitar o recurso por manifestamente improcedente.
    Custas pelo recorrente, fixando em 6 UCs a taxa de justiça, devendo pagar ainda o montante de 3 UCs, a título de sanção, ao abrigo do disposto no artigo 410º, n.º 4 do CPP.
    
Macau, 9 de Setembro de 2010,


João A. G. Gil de Oliveira (Relator)
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan




1 - JESCHECK, citado a fls. 137 do Código Penal de Macau de Leal-Henriques/Simas Santos
2 - Acs do STJ de 12/12/2002 e 17/2/2000, procs.4196/02- 5ª e proc. 1162/99-5ª
3 - Leal Henriques e Simas , Santos, ob. cit., 137
4 - Claus Roxin, Política Criminal e Justiça Jurídico-Penal, 2000, 20
5 - Anabela Miranda, Reinserção Social: Para uma definição do conceito, RDPC, Rio de janeiro, 34, 30
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1047/2009-S 1/37