Processo nº 391/2009
(Autos de recurso contencioso)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (XXX), com os sinais dos autos, veio recorrer do despacho datado de 22.04.2009, pelo EXMO SECRETÁRIO PARA A SEGURANÇA proferido, e com o qual se decidiu negar provimento ao recurso hierárquico que interpôs da decisão do Exm° Comandante do C.P.S.P. com o qual foi disciplinarmente punido com 25 dias de multa.
Na sua petição inicial produziu as seguintes conclusões:
“(1) Em 1º lugar,
(2) A prova em que se baseou o despacho ora recorrido é o documento constante de fls. 14 do processo administrativo;
(3) Contudo, essa prova documental não pode ser utilizada devendo ser considerada nula ao abrigo do art.º 113º do Código de Processo Penal, ora aplicável nos termos do art.º 256º do EMFSM, por se tratar da prova obtida mediante coacção e contra a vontade do recorrente.
(4) Além disso, os direitos fundamentos dos residentes de Macau são regidos pelo art.º 28º da Lei Básica, entre os quais, incluindo a prestação ou não de colaboração no exame da própria urina sem coacção.
(5) Quer dizer, se a amostra do corpo, da urina e de sangue dos residentes foi recolhida de forma coactiva, também violou o disposto no art.º 28º da Lei Básica.
(6) De acordo com o douto Acórdão de 16/11/2005 proferido pelo Tribunal de Última Instância no Processo n.º22/2005, tendo exprimido expressamente que “os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental” previstos no art.º 122º, n.º2, al. d) do Código do Procedimento Administrativo, referindo-se aos direitos e deveres fundamentais dos residentes previstos na Lei Básica.
(7) Pelo que, o referido método de obtenção da prova constante de fls. 14 do processo administrativo, violou o disposto no art.º 113º do Código de Processo Penal, sendo como método de prova inválido.
(8) E quanto à decisão administrativa feita com base nisso, os seus actos também são nulos, ou seja, padecem do “vício de nulidade”, previsto no art.º122º, n.º2 do Código do Procedimento Administrativo.
(9) Pelo que, os actos ora recorridos devem ser declarados nulos pelo tribunal; se assim não for entendido, também devem ser declarados anuláveis.
(10) Por outro lado;
(11) A cópia constante de fls. 14 do processo administrativo não foi feita de acordo com a regra da prova pericial prevista no art.º 139º a 143º do Código de Processo Penal de Macau, ou seja, não foi feita em estabelecimento ou órgão oficial; não se mostra de forma clara as identidade, competência e qualificação do perito; não se indica qual o órgão que mandou proceder à perícia; bem como, verifica-se equívoco e desleixado no relatório, etc..
(12) Também não há prova que a cópia constante de fls. 14 do processo administrativo fosse feita de acordo com a lei ou regulamento administrativo da RPC;
(13) A cópia não tem qualquer força vinculativa legal perante os tribunais, os órgãos administrativos de Macau.
(14) Mas o despacho ora recorrido, por engano, reconheceu que o referido relatório tinha os efeitos.
(15) Entre Macau e o Interior da China não há acordo sobre prova ou acordo reciproco judicial aplicável à área administrativa ou penal.
(16) Face às provas obtidas no Interior da China, entendemos que, as quais também podem ser aplicadas em Macau a determinado nível, com os efeitos legais.
(17) Contudo, face a essas provas obtidas no Interior da China, as quais devem observar os princípios dos regimes da RAEM e os requisitos substanciais e formais; Senão, o que quer dizer que violou o alto grau de autonomia e a manutenção inalterada do regime jurídico previstos nos art.º 2º e 8º da Lei Básica de Macau.
(18) Pelo que, caso os órgãos administrativos e judiciais pretendam tomar as provas obtidas no estrangeiro e no Interior da China para servir de fundamento, devem verificar se essas provas reúnem ou não os critérios da lei de Macau, ou seja, os métodos da obtenção da prova previstos no Código de Processo Penal, incluindo se a recolha de amostra viola ou não a humanidade e o direito humano; se foi ordenada e feita por órgão oficial; se reúne os procedimentos de exame de Macau; se o documento tem efeitos legais, etc..
(19) Não se pode considerar a prova como legal por reunir a lei do estrangeiro ou da China, uma vez que qualquer acto praticado no exterior, se queira produzir efeitos jurídicos, o seu requisito formal e substancial também tem que reunir as disposições da lei de Macau.
(20) Mas não verificamos como corresponde a cópia constante de fls. 14 do supracitado processo administrativo, ao método previsto no Código de Processo Penal.
(21) Pelo que, o despacho ora recorrido mal interpretou o disposto nos art.ºs 139º a 143º e 153º do Código de Processo Penal; Sendo assim, quanto ao documento que foi integrado a fls.14 do processo administrativo recorrido, também violou o art.º 122º, n.º2, al. f) do Código do Procedimento Administrativo, padecendo do vício de nulidade pela “prática dos actos que careçam em absoluto de forma legal”;
(22) Pelo que, deve o Tribunal declarar nulo o acto recorrido por padecer do vício de “os actos que careçam em absoluto de forma legal”, previsto no art.º 122º, n.º2, al. f) do Código do Procedimento Administrativo. Caso assim não se entenda, também deve declarar anulável o acto administrativo recorrido.
(23) Além disso,
(24) A prova documental constante de fls. 14 do processo administrativo, deve ser elaborada por documento autêntico, ou seja, pela autoridade competente do Interior da China, e de acordo com a forma legal, faz-se constar do processo pelo texto original ou sua cópia devidamente autenticada.
(25) Pelo que, na fase instrutória, a fim de apurar a verdade, deve solicitar à respectiva autoridade da China para fornecer o supracitado documento original ou sua cópia autenticada, sendo esse acto uma medida necessária.
(26) Pelo que, o despacho ora recorrido padece do vício de nulidade previsto no art.º 262º, n.º1 do EMFSM, deve o tribunal declarar nulo.
(27) Em 4º lugar,
(28) Caso o tribunal considere que o relatório constante de fls. 14 do processo administrativo não é um relatório de perícia, mas sim um documento particular, tendo-o considerado como prova válida;
(29) Sendo assim, a sua força probatória também pode ser ilidida, através das regras de experiência em geral e em conjugação com outros métodos de prova que correspondem à realidade objectiva.
(30) No processo administrativo já há três depoimentos das três testemunhas que correspondem totalmente ao facto alegado pelo recorrente – o recorrente não consumiu qualquer droga.
(31) Contudo, entre o relatório constante de fls. 14 do processo administrativo, e os depoimentos das ditas testemunhas, existe uma incompatibilidade e contradição.
(32) Se o referido relatório tenha sido considerado pela autoridade policial da China como documento válido sem controvérsia, então por que razão o recorrente não foi colocado sob detenção administrativa e lhe foi aplicada a multa, e após um dia de investigação, o mesmo foi libertado e permitido a sair.
(33) Tal como indicado anteriormente, o relatório foi elaborado de forma coactiva cujo procedimento é caótico e descuidado como se fosse jogo de criança.
(34) Segundo o disposto no artigo 72º da “Lei de Sanções sobre a Gestão de Segurança Pública da República Popular da China”, não se atribui o pode discricionário à autoridade policial da China que possa não aplicar sanção.
(35) Segundo o acto da autoridade policial de ter absolvido o recorrente do consumo de droga, verifica-se que autoridade policial da China também pôs em dúvida o relatório constante do processo administrativo, fls. 14, até que reconhecessem que o recorrente não tinha praticado o acto de consumo de droga.
(36) Pelo que, na apreciação das provas, o despacho ora recorrido não foi feito conforme a realidade objectiva, mas sim com base num relatório determinando-se assim aplicar sanção ao recorrente; Pelo que, violou o princípio de “presunção de inocência” previsto no art.º 29º da Lei Básica, padecendo assim do “vício de nulidade” previsto no art.º122º, n.º2 do Código do Procedimento Administrativo, sendo assim, deve o tribunal declarar nulo o acto administrativo recorrido. E
(37) Dúvidas não restam, o despacho recorrido cometeu o erro no reconhecimento dos factos, daí resultando erro na aplicação da lei determinando-se assim a sanção administrativa, pelo que, padece do vício de nulidade previsto no art.º 124º do Código do Procedimento Administrativo, deve o tribunal declarar anulado o acto ora recorrido.
(38) Em 5º lugar;
(39) Caso o tribunal não reconheça a supracitada motivação apresentada pelo recorrente;
(40) Mas o facto de o recorrente ter sido acusado de ter praticado presumivelmente o consumo de droga no Interior da China, fundamentalmente não reúne os requisitos previstos no art.º 5º do Código Penal ora aplicável ao abrigo do EMFSM e do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
(41) Ou seja, o despacho recorrido não pode aplicar ao recorrente sanções contra a sua conduta praticada no Interior da China.
(42) Pelo que, no despacho recorrido, existe erro de má interpretação quanto à aplicação do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau ao art.º 256º do EMFSM, e às disposições previstas no art.º 277º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau e no art.º 5º do Código Penal ora vigente;
(43) Pelo que, o referido despacho padece do vício de nulidade previsto no art.º 124º do Código do Procedimento Administrativo, devendo o acto ora recorrido ser anulado pelo tribunal.
(44) Em 6º lugar;
(45) O despacho recorrido padece do vício de anulabilidade, ao dar como provada a falta injustificada do recorrente;
(46) Pelo acima exposto, pode-se verificar que, no dia seguinte da ocorrência de facto, o recorrente não conseguiu regressar ao seu posto de trabalho, por causa do cumprimento de obrigações da lei do Interior da China – que na autoridade policial prestou colaboração para a averiguação. Depois de concluída a averiguação, já era alta noite, os postos fronteiriços entre Macau e China já se encontravam fechados; Pelo que, a falta do recorrente deve ser considerada justificada por justo impedimento;
(47) Bem como, na sua contestação, o recorrente também referiu que tinha que acompanhar a sua avó maternal para ir à consulta médica; e isto também constituiu uma causa de falta justificada;
(48) Pelo que, uma vez que o despacho ora recorrido mal interpretou a falta do recorrente como injustificada, padecendo assim do vício de anulabilidade, previsto no art.º 124º do Código do Procedimento Administrativo, devendo o tribunal declarar anulado o acto ora recorrido.
(49) No recurso contencioso, pode o tribunal conhecer oficiosamente de vícios de ilegalidade, incluindo a violação dos direitos fundamentais dos residentes previstos na Lei Básica (de acordo com o acórdão de 16/11/2005 proferido no processo .º22/2005 pelo Tribunal de Última Instância).”; (cfr., fls. 2 a 18).
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Seguidamente, em 22.05.2009, veio o recorrente apresentar o expediente seguinte:
“A, recorrente nos autos, melhor identificado nos autos, vem, nos termos e de acordo com os fundamentos seguintes, pedir a V. Exª. o seguinte:
A
Apresentação de documento
(1) No dia 22 de Maio de 2009, o mandatário judicial estagiário do recorrente recebeu ofício enviado pelo CPSP e em anexo segue o texto integral do despacho ora recorrido. (vd. Doc.1 e 2)
(2) Pelo que, vem apresentá-los ao Tribunal para que sejam juntados aos autos, requerendo que sejam considerados com parte integrante da petição de recurso.
B
Pedido de ampliação do objecto do recurso
(3) Por outro lado,
(4) Uma vez que, só até à data acima referida, o recorrente recebeu o texto integral do despacho; e
(5) Ainda não decorreu o prazo legal para apresentar o recurso contencioso; e
(6) Nem foi citado o recorrido nos autos;
(7) Segundo o despacho ora recorrido, a parte desfavorável ao recorrente inclui também a sanção que lhe foi aplicada pela ausência de Macau sem ter feito requerimento ao CPSP;
(8) Pelo que, o recorrente tem razão para requerer junto do Tribunal a ampliação do teor do recurso, devendo ser considerado como parte integrante da petição do recurso.
(9) Pelo que, vem requerer ao Tribunal o acrescimento de teor aos Factos, aos Fundamentos Jurídicos e à Conclusão, da petição do recurso.
“Aditamento quanto aos Factos
56. De acordo com o despacho recorrido, foi aplicada sanção ao recorrente com fundamento em que o mesmo quando se encontrava em férias e ausente de Macau sem ter obtido autorização dada pelo seu superior hierárquico, e ao abrigo do disposto no 6/97/CPSP.
Aditamento quanto aos Fundamentos Jurídicos
147. De acordo com o disposto no 6/97/CPSP, embora o recorrente esteja em férias, a sua ausência de Macau tem de ser autorizada pelo seu superior hierárquico competente;
148. Contudo, quando os direitos fundamentais dos residentes sejam restringidos, deve existir fundamento justo, mediante a legislação feita por órgão legislativo competente;
149. Mas não vimos que o órgão legislativo de Macau tivesse feito a respectiva legislação face ao assunto acima referido;
150. Não há razão para acreditar que Macau sempre se encontre em estado urgente, ficando milhares de guardas policiais restringidos a ausentar-se voluntariamente de Macau.
151. Macau e Zhuhai são territórios unidos, caso haja qualquer necessidade, basta ligar ao telemóvel do guarda policial, podemos já entrar em contacto com ele.
152. Sendo assim, o despacho recorrido invocou essa disposição, violando o princípio da liberdade da saída e entrada na RAEM prevista no art.º 33º da Lei Básica;
153. De acordo com o douto Acórdão de 16/11/2005 proferido pelo Tribunal de Última Instância no Processo n.º22/2005, tendo exprimido expressamente que “os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental” previstos no art.º 122º, n.º2, al. d) do Código do Procedimento Administrativo, referindo-se aos direitos e deveres fundamentais dos residentes previstos na Lei Básica;
154. Pelo que, o despacho recorrido invocou o supracitado disposto no 6/97/CPSP, violando o disposto no art.º 33º da Lei Básica, e quanto à decisão administrativa feita com base nisso, os seus actos também são nulos, ou seja, padecem do “vício de nulidade”, previsto no art.º122º, n.º2 do Código do Procedimento Administrativo.
155. Pelo que, deve o tribunal declarar nulo o acto administrativo ora recorrido.
156. Caso o Tribunal não entenda assim, uma vez que existe ilegalidade no despacho recorrido por ter invocado a supracitada disposição, deve essa parte da decisão administrativa ser anulada
Aditamento das Conclusões
(50) De acordo com o disposto no 6/97/CPSP, embora o recorrente esteja em férias, a sua ausência de Macau tem de ser autorizada pelo seu superior hierárquico competente;
(51) Contudo, o órgão legislativo de Macau não chegou a fazer legislação face ao assunto acima referido;
(52) Não há razão para acreditar que Macau sempre se encontre em estado urgente, como Macau e Zhuhai são territórios unidos, caso haja qualquer necessidade, basta ligar ao telemóvel do guarda policial, podemos entrar em contacto com ele.
(53) Sendo assim, o despacho recorrido invocou essa disposição, violando o princípio da liberdade da saída e entrada na RAEM prevista no art.º 33º da Lei Básica;
(54) De acordo com o douto Acórdão de 16/11/2005 proferido pelo Tribunal de Última Instância no Processo n.º22/2005, tendo exprimido expressamente que “os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental” previstos no art.º 122º, n.º2, al. d) do Código do Procedimento Administrativo, referindo-se aos direitos e deveres fundamentais dos residentes previstos na Lei Básica;
(55) Pelo que, o despacho recorrido invocou o supracitado disposto no 6/97/CPSP, violando o disposto no art.º 33º da Lei Básica, e quanto à decisão administrativa feita com base nisso, os seus actos também são nulos, ou seja, padecem do “vício de nulidade”, previsto no art.º122º, n.º2 do Código do Procedimento Administrativo.
(56) Caso assim não se entenda, o despacho recorrido invocou o disposto no 6/97/CPSP, restringindo, por sua iniciativa, a liberdade dos residentes da RAEM a sair e entrar nesta região sem autorização do órgão legislativo, pelo que, padece do vício de usurpação de pode previsto no art.º 122º, n.º2, al. a) do Código de Procedimento Administrativo;
(57) Pelo que, deve o Tribunal declarar nulo o acto administrativo ora recorrido.
(58) Caso o Tribunal assim não entenda, o despacho recorrido invocou o referido disposto no 6/97/CPSP, restringindo, incompetentemente, a liberdade do guarda policial a sair e entrar na RAEM, pelo que, padece dos vícios de “incompetência relativa” e de “ilegalidade”, deve essa parte da decisão administrativa ser anulada, ao abrigo do art.º 124º do Código do Procedimento Administrativo.”; (cfr., fls. 21 a 26).
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Citada, a entidade recorrida contestou, pugnando pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 39 a 42).
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Oportunamente, após inquirição das testemunhas arroladas, juntou o Exm° Representante do Ministério Público o seguinte Parecer:
“Convirá ter presente que ao recorrente foi imputada a violação dos deveres de
- obediência – artº 6º, nº 2, al a) do EMFSM - por se ter ausentado da RAEM sem que antecipadamente tivesse procedido à comunicação respectiva, conforme o preceituado na al g) do artº 16º daquele diploma, regulamentado pela Determinação nº 6/97/CPSP ;
- informação dos superiores sobre incidentes de natureza criminal ou disciplinar em que o militarizado seja envolvido – artº 8º, nº 2, al b) – por não comunicação da situação a que, no fundo, se reportam os autos, e
- prática de actos não conformes à ética, deontologia, brio e decoro das FSM – artº 12º, nº 2, al f) - , pelo facto de, aquando do sucedido e na sequência de exame efectuado à urina recolhida do recorrente, se ter constatado a existência de indícios de consumo de produtos estupefacientes.
Pois bem :
Refira-se, desde logo, que não alcançamos em que medida o dever de comunicação de ausência do Território, consignado na “Determinação” 6/97/CPSP possa constituir alegada restrição do direito fundamental de liberdade de circulação : do que se trata é da devida ponderação do especial dever de disponibilidade e prontidão operacional do recorrente, enquanto membro efectivo da PSP, a que alude, clara e expressamente, o artº 15º EMFSM, apresentando-se, assim, aquela “Determinação” perfeitamente consonante com a necessidade de informação sobre “ o local onde possa ser encontrado ou contactado” a que se reporta a al g) do artº 16º daquele diploma, não se vendo, pois, com tal matéria afectado qualquer direito, designadamente dos propalados pelo interessado.
Depois, no que tange à falta de comunicação, nos termos do artº 8º, nº 2, al b), torna-se evidente que, independentemente do apuramento da sua efectiva responsabilidade na produção do ilícito que lhe é assacado, cumpria ao recorrente informar prontamente os seus superiores hierárquicos sobre o que sucedera, já que de matéria de justiça se tratava.
E, a verdade é que nunca o fez, não se alcançando qualquer impedimento válido para o efeito, pelo menos a partir do momento em que lhe foi possível regressar à Região.
Finalmente, a “parte de leão” do argumentado pelo recorrente, atinente ao facto de, da análise da urina respectiva ter sido detectado produto estupefaciente, desvanece-se face à circunstância de os factos terem tido lugar na RPC.
Nada permite contrariar a asserção de que a prova recolhida, nos moldes em que o foi, não tenha sido consonante com as prescrições legais aí vigentes.
Ou seja : tivesse o procedimento disciplinar como base eventual condenação penal do recorrente na RPC por consumo de estupefacientes e, certamente, ninguém questionaria os procedimentos utilizados e conclusões alcançadas, sendo tal matéria autònomamente apreciada em sede disciplinar em Macau.
Se assim é, também se não descortina que a prova recolhida (para mais de índole técnico/científica, que nada permite, vàlidamente contrariar, nada indicando que tal obtenção tenha sido forçada, já que, revelando os depoimentos recolhidos neste Tribunal algum “constrangimento” normal nestas situações, não permitem concluir que a mesma fosse “forçada”), não pudesse ser utilizada como elemento concorrente para a convicção da entidade decidente, no sentido de o visado ter praticado acto contrário à ética, deontologia profissional, brio e decoro das FSM, nos precisos termos da al f) do artº 12º do EMFSM.
Tudo razões que nos impelem à consideração do não registo de qualquer dos vícios ao acto assacados, pelo que, a nosso ver, não merecerá provimento o presente recurso.”; (cfr., fls. 139 a 141).
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Nada obstando, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Consideram-se assentes os factos seguintes com interesse para a decisão a proferir:
– por despacho de 05.11.2008 do Exm° Comandante do C.P.S.P. foi determinada a instauração de processo disciplinar a A, guarda da P.S.P. n° 144971, ora recorrente;
– no âmbito do dito processo veio a ser deduzida a seguinte acusação:
“1.° Deduz, de acordo com o art.° 274.°, n.° 2 do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau aprovado pelo Decreto-Lei n.° 66/94/M de 30 de Dezembro, as seguintes acusações contra o suspeito guarda policial A (XXX),n.° 1XXXX1, e este pode defender-se num prazo de dez dias.
2.° De acordo com o arquivo n.° 220.01 do relatório n.° 26/08 do Departamento de Informações e a investigação, foram provados,
designadamente: .
3.° Em 23 de Outubro do ano corrente, pelas 12h00 da noite, o suspeito A (guarda n.° 1XXXX1), convidado pelos amigos, saiu de Macau depois do trabalho e entrou na China (Gongbei), e foi sozinha a um estabelecimento de entretenimento que se chama "Shi Dai Mai Bo Karaoke" sita na Zona Xia Wan, para participar na festa de aniversário dum amigo do interior da China, durante o qual divertiu-se com os amigos, bebendo álcool; até às 05h00 da manhã do dia seguinte (24/10/2008), um grupo dos agentes de Segurança Pública da Cidade de Zhu Hai entraram de repente no seu quarto, declarando que foi apresentada uma queixa pelo facto de alguém "consumir droga" no quarto, e cada individual no quarto devia ser investigado. Após a investigação, não foi encontrado nenhum objecto relacionado com a droga. A seguir, os agentes de Segurança Pública exigiram que todos os presentes foram à repartição de Segurança Pública a aceitarem o exame de pesquisa de droga na urina, após a detecção, o resultado do suspeito foi "positivo".
4.° O suspeito A (guarda n.° 1XXXX1) tem ficado na respectiva repartição de Segurança Pública mostrando uma atitude cooperativa, até às 00h30 de 25 de Outubro, findos todos os processos de investigação, pôde-se sair.
5.° No processo da investigação em relação ao caso acima referido, foi conhecido que o suspeito A (guarda n. ° 1XXXX1), antes de sair de Macau e entrou na China naquele dia (23/10/2008), não apresentou nenhum pedido ao departamento a que pertence, nem informou nenhum superior hierárquico directo sob a instrução da ordem n.° 6/97/CPSP. No dia seguinte (à meia noite de 25 de Outubro de 2008), ele foi libertado e voltou ao trabalho, mas não informou imediatamente a respectiva situação ao superior hierárquico directo.
6.° É patente qne o acto do suspeito A (guarda n.° 1XXXX1) já constituiu infracção disciplinar, violando os dispostos no art.° 6.°, n.° 2, al. a), art.° 8.°, n.° 2, al. b) e art.° 12.°, n.° 2, al. f) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau.
7.° Foram atentas as circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar e as circunstâncias agravantes da responsabilidade disciplinar do suspeito A (guarda n,° 1XXXX1), as duas situações respectivamente referidas no art.° 200.°, n.° 2, al. b) e no art.° 201.°, n.° 2, al. d) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau.
8.° Deve aplicar ao suspeito A (guarda n.° 1XXXX1), de acordo com o que referido nos pontos 6.° e 7.° e o art.° 235.° do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, a respectiva pena de multa.
(...)”; (cfr., fls. 44 e v. do p.a.).
– oportunamente, elaborou-se o seguinte relatório final:
“1.º
- Segundo o despacho proferido pelo Sr. Director, substituto, do Corpo da Polícia de Segurança Pública, no arquivo 220.01 da Informação n.º 26/08 do Departamento de Informações deste Serviço e os seus documentos anexos, foi instaurada a presente instrução contra B, guarda de 1ª classe n.º 1XXXX1 e A, guarda n.º 1XXXX1 pela prática de “actos impróprios”. (vide fls.2 a 18 dos presentes autos)
2.º
- No dia 17 de Novembro do corrente ano, A, guarda n.º 1XXXX1, dos Serviços de Migração / Comissariado de Posto Fronteiriço do Porto Exterior foi citado através do Verbete deste Serviço n.º 601/2008/GJD e o mesmo foi ouvido em “auto de declaração” sobre o incidente indicado na Informação acima referida. Segundo o guarda A, na noite de 23 de Outubro, a convite dum amigo, ele foi de Macau à China (Gongbei) após o trabalho para participar na festa do aniversário dum amigo numa sala reservada do estabelecimento do entretenimento “ Karaoke XXX”, situado na zona de Xiawan. Durante a festa, o arguido bebeu e divertiu-se com os amigos conhecidos e até às 5 da manhã do dia 24 de Outubro de 2008, um grupo de polícia de Zhuhai entrou na sala e exigiu que toda a gente se submetesse a uma investigação. A seguir, a polícia exigiu que todos os presentes fossem à Directoria Municipal de Segurança Pública para um teste urinário e, por fim, foi verificado que o resultado do exame do arguido é “positivo”.
- Na altura, o arguido negou “ter inalado Ketamina” (droga consumida: Ketamina, designada vulgarmente como pó de K), explicando que no decurso de divertimento com os amigos, foi possível que ele bebesse a cerveja de “outros” e como não se sentia bem recentemente, ele tinha tomado medicamentos e assim talvez afectasse o resultado do respectivo exame. Na altura, o arguido tinha ficado na Directoria Municipal de Segurança Pública para ajudar a investigação do incidente, e até 00H30 da madrugada do dia 25 de Outubro, a polícia de Segurança Pública da China permitiu-lhe ir-se embora, assim, o arguido regressou para Macau imediatamente e voltou ao seu posto do trabalho.
- No decurso da investigação do referido incidente, o arguido, ao ser interrogado sobre a sua saída de Macau na noite de 23 de Outubro, admitiu que não fez qualquer pedido ao Serviço a que pertence nem comunicou ao seu superior hierárquico antes de se partir no próprio dia; e depois de ser permitido deixar a Directoria Municipal de Segurança Pública na madrugada daquele dia, o arguido voltou ao seu posto do trabalho mas não informou imediatamente o incidente ao superior hierárquico imediato. ( vide fls. 33 dos presentes autos)
- No mesmo dia, foi citado B, guarda de 1ª classe n.º 1XXXX1, dos Serviços de Migração / Comissariado de Posto Fronteiriço do Porto Exterior e o mesmo foi ouvido em “auto de declaração” sobre o incidente indicado na Informação acima referida. Segundo o guarda B, as situações por si descritas foram semelhantes às referidas pelo guarda A.
- Na altura, o arguido B também negou “ter inalado Ketamina” (droga consumida: Ketamina, designada vulgarmente como pó de K), achando que a sala era muito apertada mas estava lá cheia de gente naquela altura e a ventilação não estava muito boa, por isso, era também possível que ele ingerisse a bebida de outros, porém, durante o divertimento com os amigos, ele viu que um “conterrâneo” da sua esposa D estava sempre à volta dela, solicitando-lhe beber 2 canecas de cerveja. Como o arguido sabia que a sua esposa não conseguia beber muito, preocupando que ela iria ficar embriagada, ele acabou por beber essas 2 canecas de cerveja pela sua esposa. Até ao início deste mês, quando a esposa voltou a encontrar tal conterrâneo numa rua de Gongbei da China, este disse-lhe que tinha posto, naquela noite, “pó de K” (Ketamina) nas referidas 2 canecas de cerveja, a fim de “gozar/brincar” com ela. Depois de voltar para casa, a esposa disse ao arguido a respectiva situação, portanto, o respectivo exame teve um resultado “positivo”. (Vide fls. 35 e 36 dos presentes autos)
3.º
- No dia 26 de Novembro do corrente ano, foi citado, com sucesso, por telefone, uma das testemunhas do respectivo caso, C, e o mesmo foi ouvido em “ autos de declaração”. De acordo com C, na noite de 23 de Outubro de 2008, ele e a esposa E participaram, a convite dum amigo do Interior da China, na “festa de aniversário” numa sala reservada de “Karaoke XXX” na zona de Xiawan, Gongbei, China, e durante a festa, ele encontrou, por coincidência, um colega com quem tinha trabalhado, B (guarda de 1ª classe n.º 1XXXX1), e outro guarda policial que não o conhece bem, A (n.º 1XXXX1). A seguir, ele bebia e divertia-se com eles. Até às cinco da manhã do dia 24 de Outubro de 2008, um grupo de polícia de segurança pública da China entrou na sala, dizendo ter recebido uma participação, suspeitando-se de que “alguém estivesse a consumir drogas na sala”, por isso, exigiu que toda a gente se submetesse à investigação, Após a investigação, a polícia exigiu novamente que todos os presentes fossem à Directoria Municipal de Segurança Pública para um teste urinário. Posteriormente, a polícia informou C e a sua esposa que os seus resultados do exame foram “negativos” (passaram o exame), enquanto os resultados do exame dos dois guardas acima referidos foram “positivos” (não passaram o exame). Mesmo que os dois tivessem um resultado “positivo”, a polícia chinesa não lhes deduzisse qualquer “acusação penal” nem lhe aplicasse medida de “detenção administrativa” ou “multa”, e por fim, por volta da 00H30 da madrugada do dia 25 de Outubro de 2008, a polícia chinesa permitiu toda a gente ir-se embora.
- C declarou que, naquela noite, durante o divertimento, nos amigos que conhece, ele não viu ninguém a “inalar Ketamina” (droga consumida: Ketamina, designada vulgarmente como pó de K), mas durante o divertimento, ele viu muitos estrangeiros entrar e sair da respectiva sala, porém, ele não sabe quais actividades que esses estrangeiros fizeram. Entretanto, quanto ao teste urinário feito na Directoria Municipal de Segurança Pública, C achou que o respectivo processo foi pouco rigoroso, levando-o a duvidar muito a exactidão, a precisão e a credibilidade do respectivo processo. (Vide fls. 38 e 39 dos autos)
- No mesmo dia, foi citada, uma outra testemunha E e a mesma foi ouvida em “auto de declaração” sobre o incidente. As situações descritas por D são mais ou menos às referidas por C. (Vide fls. 41 e 42 dos presentes autos)
4.º
- No dia 3 de Dezembro do corrente ano, foi deduzida a acusação por escrito contra o arguido A, guarda n.º 1XXXX1, dando-lhe uma cópia de “acusação” e de “nota de culpa”. (Vide fls. 44 e 45 dos presentes autos)
5.º
- No dia 4 de Dezembro do corrente ano, foi deduzida a acusação por escrito contra o arguido B, guarda de 1ª classe n.º 1XXXX1, dando-lhe uma cópia de “acusação” e de “nota de culpa”. (Vide fls. 46 e 47 dos presentes autos)
6.º
- No dia 11 de Dezembro do corrente ano, foram apensos ao presente processo a carta apresentada pelo “Advogado Chan X Keong” (na qual pediu a consulta dos autos) e o original da “procuração”. (Vide fls. 48 e 49 dos presentes autos)
- No mesmo dia, notificou-se, por ofício deste Serviço n.º: 108/2008/GJD, o “Advogado Chan X Keong”. (Vide fls. 50 dos presentes autos)
- No mesmo dia, por volta das três e dez da tarde, o “Advogado estagiário Hong X Kuan” dirigiu-se a este Gabinete conforme a notificação do ofício acima referido, para consultar, à minha presença, todos os documentos constantes deste processo e registar simplesmente “os números da página”.
7.º
- No dia 12 de Dezembro do corrente ano (no prazo fixado de 10 dias), o réu B, guarda de 1ª classe n.º 1XXXX1, apresentou uma “defesa” em chinês. (Vide fls. 51 dos presentes autos)
8.º
- No dia 15 de Dezembro do corrente ano, o réu A, guarda n.º 1XXXX1, apresentou, através do “defensor”, uma contestação em chinês. (Vide fls. 55 a 60 dos presentes autos)
-Conclusão-
- Tendo ouvido os respectivos indivíduos do caso, venho fazer a seguinte análise:
1. Quanto aos materiais escritos obtidos no caso em causa, acho que os fundamentos são insuficientes para deduzir a respectiva acusação contra os dois guardas. No dia do incidente, depois de terem sido submetidos ao teste urinário, realizado pela polícia da China, o resultado do exame dos dois guardas deste Serviço revelou-se “positivo”. Obviamente, nos termos das disposições do art.72.º da “Lei de Punição sobre a Gestão de Segurança da República Popular da China” em vigor, “Pelos actos abaixo discriminados é punido com a pena de detenção de 10 a 15 dias, e cumulativamente a multa no valor inferior a 2000 RMB; pelas circunstâncias mais ligeiras é punido com a pena de detenção máxima de 5 dias, ou multa máxima de 500 RMB: (3) os que consumem drogas por via oral ou através de injecções”, a polícia chinesa devia aplicar aos dois guardas as medidas supracitas conforme o diploma legal acima referido, no entanto, como a polícia do Interior da China não conseguiu apreender, in loco, quaisquer “drogas” nem houve outras testemunhas que comprovaram que os dois guardas arguidos tinham consumido drogas, a polícia chinesa não lhes deduziu qualquer “acusação penal” nem lhes aplicou a “detenção administrativa” ou “multa”. Depois de concluir as investigações, a polícia chinesa permitiu os dois guardas e outros indivíduos sair da Directoria Municipal de Segurança Pública por volta da 00H30 da madrugada do dia 25 de Outubro de 2008.
2. Quanto ao tratamento do respectivo caso feito pela polícia chinesa, como não existiram provas e testemunhas suficientes, a polícia da China entendeu que o caso não envolveu a matéria “penal”, portanto, este Serviço, na investigação interna contra os dois guardas arguidos, não deve averiguar a responsabilidade penal dos dois arguidos mas sim deve excluir a responsabilidade desta parte.
3. Embora os resultados do exame dos dois guardas arguidos se revelem “positivos”, tendo analisado sintetizadamente os materiais escritos adquiridos nos autos, não é possível, na realidade, comprovar absolutamente que os dois praticaram o alegado acto de “consumir drogas”, mais ainda, os dois guardas já apresentaram “contraprovas” para a sua defesa, mesmo que tais contraprovas não têm grande credibilidade, não se pode excluir completamente a possibilidade da existência das respectivas “contraprovas” na investigação e obtenção de provas do presente caso. Além disso, considerando as duas testemunhas do presente caso têm dúvida sobre o processo e a credibilidade do “teste urinário”, ao abrigo do espírito da lei e sob o princípio de in dúbio pro reo, se, no âmbito da disciplina interna, for absolutamente necessário deduzir acusação contra os dois arguidos pela prática de “consumo de drogas”, acho que é, efectivamente, um pouco “forçado”.
4.Nestes termos, quanto à investigação até à presente fase, espero que o Sr. Director substituto possa, segundo as circunstâncias reais, aplicar aos dois arguidos uma punição adequada e justa.”; (cfr., fls. 62 a 64).
– seguidamente, proferiu o Exm° Comandante do C.P.S.P. o despacho seguinte:
“Tema: Processo disciplinar n.º: XXX/2008
Arguidos: B, guarda de 1ª classe n.º 1XXXX1, e A, guarda n.º 1XXXX1
Instrutor: XXX, subchefe n.º 220XXX
Assunto: Comportamento impróprio
1. Após uma ampla investigação, foi comprovada a infracção disciplinar imputada aos dois arguidos, constante de fls. 44 e 46 dos autos, cujo teor, em resumo, é o seguinte:
- No dia 23 de Outubro de 2008, após o trabalho por volta da meia-noite, os dois arguidos, a convite do amigo, deixaram Macau para ir à China (Gongbei) e chegaram ao estabelecimento do entretenimento “ Karaoke XXX”, situado na zona de Xiawan para participar na festa de aniversário dum amigo do Interior da China. Até às 5 da manhã do dia seguinte, um grupo de polícia de Zhuhai entrou na sala onde os dois arguidos estavam a divertir-se, dizendo ter recebido uma participação, suspeitando-se que alguém estivesse a consumir drogas na sala, pelo que levou vários presentes para fazer a investigação, incluindo os dois arguidos.
- Os dois arguidos foram submetidos a teste urinário durante a investigação na Directoria Municipal de Segurança Pública de Zhuhai. Depois do exame, foi verificado que os exames dos dois arguidos, apresentarem resultado “positivo” para Ketamina (pó de K).
- Além disso, no processo de inquérito, foi verificado também que os dois arguidos não comunicaram previamente, conforme a orientação da “Ordem” n.º 6/97/CPSP, ao seu superior hierárquico sobre a sua saída de Macau no dia 23 de Outubro de 2008 e, no dia 25 de Outubro de 2008, após a libertação e o regresso ao posto de trabalho, os dois também não informaram imediatamente ao seu superior hierárquico imediato o respectivo incidente e o facto de que eles foram detidos para investigação pelo Serviço de Segurança Pública do Interior da China.
2. Os comportamentos dos arguidos B e A bastam para constituir a violação dos deveres previstos nos arts. 6.º, n.º 2, al. a), 8.º, n.º 2, al. b), e 12.º, n.º 2, al. f) do “Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau” (designado doravante simplesmente por “Estatuto”).
3. O arguido A possui as circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar previstas no art. 200.º, n.º 2, al. b) do “Estatuto” e, ao mesmo tempo, também possui as circunstâncias agravantes da responsabilidade disciplinar previstas no art. 201.º, n.º 2, al. d) do Estatuto, enquanto o outro arguido, B, possui as circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar consagradas no art. 200.º, n.º 2, al. b) e h) do Estatuto e ao mesmo tempo possui as circunstâncias agravantes da responsabilidade disciplinar consagradas no art. 201.º, n.º 2, al. d) do Estatuto,
4. Tendo em conta a gravidade das circunstâncias da infracção disciplinar dos dois arguidos e as suas circunstâncias atenuantes e agravantes da responsabilidade disciplinar, decido aplicar, ao abrigo das competências conferidas pelos art. 211.º e art. 235.º do Estatuto, ao arguido B, guarda de 1ª classe n.º 1XXXX1, a sanção disciplinar na pena de “20 (vinte) dias de multa”, e ao arguido A, guarda n.º 1XXXX1, a sanção disciplinar na pena de “25 (vinte e cinco) dias de multa”, respectivamente.
(...)”; (cfr., fls. 71 a 72).
– em sede do recurso hierárquico do assim decidido, elaborou-se a seguinte informação:
“ASSUNTO: Recurso hierárquico
RECORRENTE : A
TERMOS LEGISLATIVOS: ART° 159° DO CPA
1. O recorrente vem impugnar o despacho através do qual lhe foi aplicada a pena de 25 dias de multa, no âmbito do Processo Disciplinar n° 228/2008, invocando em síntese o seguinte:
2. Que a prova recolhida não seguiu os procedimentos descritos no Código de Processo Penal de Macau;
3. Que os documentos não foram emitidos pelos serviços competentes da RAEM, e que não são os originais;
4. E que, sendo assim, esses documentos não provam os factos constantes na acusação.
5. Que, o exame à urina foi feito pela polícia chinesa sem a autorização do recorrente;
6. Que a polícia chinesa não autorizou o exame ao sangue pedido pelo recorrente como contraprova, pelo que a polícia chinesa violou igualmente os art°s 113º e 124° do CPP;
7. Que a Determinação n° 6/97/CPSP, que versa sobre a necessidade de autorização para os agentes do CPSP quando se deslocam-se para o exterior, é ilegal porque viola o art° 33° da Lei Básica, e portanto não pode continuar a vigorar.
8. Requerendo a revogação da sanção, ou a diminuição da sua graduação uma vez que não é proporcional.
-----xxxxxx-----
A) O recorrente, é agente de autoridade de uma coporação policial da RAEM, e assim está sujeito aos deveres estatutários dessa mesma entidade.
B) No entanto, o recorrente deslocou-se à RPC sem a devida autorização, que é necessária e se justifica por um lado, para se saber da sua segurança e paradeiro, e por outro para o caso de ser necessária a qualquer momento a reunião de efectivos quando assuntos relacionados com as necessidades de ordem e segurança da comunidade o exijam, pelo que não há nem poderia haver nenhuma violação ao citado art° 33º da Lei Básica, artigo que versa sobre urna questão completamente diferente.
C) Por contacto das autoridades policiais da RPC de Zuhai/Kompak, ficou-se a saber da conduta do recorrente e do outro arguido no mesmo processo, o Guarda de 1ª. B,
D) facto que fez a corporação enviar o oficial Subintendente F, ao Comissariado da Polícia de Zuhai/Kompak, onde esteve reunido com os responsáveis XXX e XX, que lhe descreveram como decorreu a operação policial que levou à condução de vários indivíduos que se encontravam no Karaoke XXX, sito em Zuhai/Áh Wan, de entre os quais o recorrente e o outro arguido, e lhe entregaram os resultados dos exames à urina destes agentes efectuados no Hospital de Kompak, os quais deram positivo sobre o uso de ketamina (fls. 13 e 14).
E) São informações e provas bastantes de actos acerca dos quais o Comando não pode deixar de actuar disciplinarmente, e que assim fundamentaram a instauração do referido processo disciplinar e que culminou nas sanções aplicadas, as quais foram diferentes (20 dias para o outro arguido que não recorreu, em virtude de possuir uma atenuante assinalável), mas sem dúvida proporcionais aos factos fortemente indiciados.
F) Assim, por o despacho recorrido não se encontrar ferido de qualquer vício que possa levar à sua anulabilidade, não deve ser concedido provimento ao presente recurso.
G) A consideração de V.Exa..”; (cfr., fls. 28 a 31).
– em apreciação do recurso hierárquico, e na supra referida Informação exarou o Exm° Secretário para a Segurança o seguinte despacho; (sendo este o acto objecto do presente recurso):
“Concordo com o teor desta informação, do que me prevaleço para Negar Provimento ao presente Recurso Hierárquico.
Aos 22 de Abril de 2009.” ; (cfr., fls. 28).
Do direito
3. Vem A recorrer do despacho proferido pelo Exm° Secretário para a Segurança que, em sede de recurso hierárquico, confirmou a decisão do Exm° Comandante da P.S.P. com a qual foi o recorrente disciplinarmente punido com 25 dias de multa.
Cremos porém que não lhe assiste razão, mostrando-se-nos de subscrever, na íntegra, o teor do douto Parecer do Exm° Magistrado do Ministério Público que, dando cabal e clara resposta às questões pelo recorrente colocadas, (e que até por uma questão de economia processual), aqui se dá desde já por reproduzido para todos os efeitos legais.
Seja como for, não se deixa de consignar o que segue.
Como bem se salienta no dito Parecer, entendeu a entidade recorrida que o ora recorrente violou os deveres de:
“- obediência – artº 6º, nº 2, al a) do EMFSM - por se ter ausentado da RAEM sem que antecipadamente tivesse procedido à comunicação respectiva, conforme o preceituado na al g) do artº 16º daquele diploma, regulamentado pela Determinação nº 6/97/CPSP ;
- informação dos superiores sobre incidentes de natureza criminal ou disciplinar em que o militarizado seja envolvido – artº 8º, nº 2, al b) – por não comunicação da situação a que, no fundo, se reportam os autos, e
- prática de actos não conformes à ética, deontologia, brio e decoro das FSM – artº 12º, nº 2, al f) - , pelo facto de, aquando do sucedido e na sequência de exame efectuado à urina recolhida do recorrente, se ter constatado a existência de indícios de consumo de produtos estupefacientes.”
E, se bem ajuizamos, considera o ora recorrente que a decisão que o puniu disciplinarmente em virtude da sua violação dos supra referidos deveres é “ilegal”, pois que no âmbito do processo disciplinar que lhe foi instaurado fez-se uso de “prova obtida mediante coacção e contra a vontade do recorrente”; que a mesma – o documento de fls. 14 do P.A. – “não tem força vinculativa legal perante os Tribunais e órgãos administrativos de Macau”; que a mesma decisão recorrida viola o “princípio da presunção da inocência” previsto no art. 29° da Lei Básica da R.A.E.M.; e que padece dos vícios de “erro nos pressupostos de facto e de direito”.
Vejamos.
Antes de mais, afigura-se-nos de aqui lembrar a doutrina fixada no douto Acórdão do Vdo T.U.I. de 02.06.2004, Proc. n° 17/2003, onde se afirmou, nomeadamente, que:
“No recurso contencioso do processo disciplinar, os tribunais administrativos não apreciam a prova produzida sobre uma determinada infracção como os tribunais criminais perante as acusações que têm de apreciar, mas sim aprecia a existência de vício que contamine o acto administrativo punitivo.
Perante os trâmites totalmente contraditórios do processo disciplinar em que o arguido tem ampla possibilidade de defesa, não faria sentido que o recurso contencioso fosse uma repetição do processo disciplinar, com uma segunda oportunidade de produção de prova.
O que se pode fazer no recurso contencioso da decisão punitiva disciplinar é discutir se essa decisão é correcta ao considerar provados determinados factos, arguindo o vício de erro nos pressupostos de facto. Mas não pode vir pretender produzir nova prova quando o pôde fazer oportunamente.”
— E, dito isto, comecemos pelo “dever de obediência”.
Pois bem, (como afirma a entidade recorrida), retira-se da matéria de facto provada em sede do processo disciplinar – e cremos que nem o recorrente o infirma – que, o mesmo, no dia 23.0.2008, ausentou-se da R.A.E.M. sem comunicar, a tal estando obrigado pela alínea g) do art. 16° do E.M.F.S.M., regulamentado pela determinação n° 6/97/CPSP.
Perante isto, entendeu-se que violou o “dever de obediência”, ínsito no art. 6°, n° 2, al. a) do referido E.M.F.S.M.
Ora, e tal como acertadamente considera o Exm° Magistrado do Ministério Público, não vislumbramos como, ou em que termos, se possa considerar o “dever de comunicação” por parte do recorrente como uma restrição ao seu “direito fundamental de liberdade de circulação”, pois que com o mesmo não se impede o recorrente de o exercer, apenas se exige uma “comunicação prévia”, perfeitamente razoável e compreensível, face à natureza das funções pelo mesmo recorrente exercidas – recorde-se que é agente da P.S.P. – a quem, incumbe, nomeadamente, o “dever de disponibilidade” estatuído no art. 15° do E.M.F.S.M..
De facto, sendo membro efectivo das Forças de Segurança de Macau, sem esforço se compreende o “dever de comunicação” em causa, a fim de permitir, em especial, uma adequada gestão dos seus elementos.
Com efeito, e a se entender de outra forma, imagine-se pois o que sucederia se todos os agentes da P.S.P. que estivessem em folga decidissem ir confraternizar para fora de Macau no mesmo dia, sem comunicar aos seus superiores, de forma a se assegurar, no mínimo, a substituição dos que estando escalados para serviço, viessem a adoecer de forma súbita...
A clareza da situação, (cremos nós), dispensa mais alongadas considerações, (e sendo também matéria abordada no douto Ac. do Vdo T.U.I. de 24.03.2004, Proc. n° 5/2004), há que dizer que, na parte em questão, improcede o recurso, pois que, em relação à mesma não se descortina nenhum dos assacados vícios.
— Quanto ao “dever de informação”, (ou melhor, de “zelo”).
Nos termos do art. 8° do E.M.F.S.M.:
“1. O dever de zelo consiste em conhecer as normas legais e regulamentares e as instruções de serviço dimanadas dos superiores hierárquicos, bem como em adquirir e aperfeiçoar conhecimentos e métodos de trabalho, de modo a exercer as funções com eficiência e empenhamento.
2. No cumprimento do dever de zelo o militarizado deve designadamente:
a) Tomar conta de quaisquer ocorrências integradas na esfera da sua competência e participá-las, se for caso disso, com toda a objectividade;
b) Informar prontamente e com verdade os superiores hierárquicos sobre assuntos de serviço, justiça e disciplina;
c) Não prestar a criminosos ou transgressores qualquer auxílio que possa contribuir para frustrar ou dificultar o apuramento das respectivas responsabilidades ou para quebrar a incomunicabilidade dos detidos, sem prejuízo do disposto na legislação processual penal;
d) Dar, em tempo oportuno, o devido andamento às solicitações, pretensões e reclamações que lhe sejam apresentadas, informando-as, quando necessário, com vista à solução justa que devam merecer;
e) Cumprir, com diligência, as ordens dos superiores hierárquicos relativas ao serviço;
f) Não fazer uso de armas, salvo nos termos previstos neste Estatuto;
g) Não reter para além do tempo indispensável objectos ou valores que não lhe pertençam;
h) Não destruir, inutilizar ou, por qualquer forma, desviar do seu destino legal artigos pertencentes ao serviço ou a terceiros;
i) Não se intrometer no serviço de outros agentes ou autoridades, prestando-lhes, no entanto, o auxílio solicitado, salvo tratando-se da prática de actos nitidamente ilegais, dos quais deve ser dado, de imediato, conhecimento superior;
j) Não consentir que outrem se apodere das armas e equipamentos que lhe tiverem sido distribuídos ou estejam a seu cargo, entregando-os prontamente sempre que um superior hierárquico lho determine;
l) Manter-se vigilante e diligente no seu local ou posto de serviço, por forma a contribuir para a tranquilidade e segurança das pessoas, bens e instituições públicas ou privadas;
m) Recompensar os seus subordinados, quando o merecerem, pelos actos por eles praticados ou propor superiormente a recompensa adequada, se a julgar superior à sua competência;
n) Punir, no âmbito da sua competência, os seus subordinados pelas infracções que cometerem;
o) Não usar nem permitir que outrem use ou se sirva de instalações ou quaisquer outros bens pertencentes à Administração, cuja posse, gestão ou utilização lhe esteja confiada, para fim diferente daquele a que se destinam, desde que para tal não exista a necessária autorização;
p) Zelar pelos interesses dos seus subordinados e dar conhecimento através da via hierárquica dos problemas de que tenha conhecimento e àqueles digam respeito.”
No caso dos presentes autos, cremos também que provado está que o ora recorrente não observou o dever (de “zelo”) em causa, tal como estatuído está no transcrito art. 8°, n° 2, al. b), pois que não informou, prontamente, o “ocorrido no dia 23.10.2008”.
Sendo tal dever “independente” da efectiva responsabilidade em relação ao dito “incidente” (do dia 23.10.2008), e que, no fundo, deu origem ao processo disciplinar que lhe foi instaurado e que culminou com a sua punição disciplinar que ora impugna, também aqui não vislumbramos qualquer dos vícios pelo recorrente assacados, pelo que, sem mais demoras, avancemos para a questão seguinte.
— Como se viu, considerando-se que o ora recorrente indiciava o consumo de estupefacientes na data já referida, entendeu-se que praticou o mesmo “actos não conformes à ética, deontologia, brio e decoro das F.S.M.”.
Questiona o recorrente a “prova” de tal conduta, afirmando que não chegou a consumir estupefaciente algum, que o teste de urina que lhe foi feito foi contra a sua vontade, que o relatório do exame e respectiva informação são documentos que não vinculam as autoridades e Tribunais da R.A.E.M., etc...
Pois bem, como se deixou dito, também aqui não tem o recorrente razão.
É verdade que o “doc. de fls. 14 do P.A.” não vincula nem as autoridades nem os Tribunais de Macau. Porém, não deixa de ser um documento sujeito à “livre apreciação”, não sendo esta censurável por parte deste T.S.I..
Por sua vez, provado não está que foi o recorrente coagido a fazer o teste de urina de onde resultou a informação quanto ao seu consumo de estupefaciente, nem que lhe foi recusada possibilidade de efectuar um “contra-teste”, (que, diga-se, sempre poderia fazer, se o quisesse, em Macau, logo após o seu regresso).
E, assim, censura não merece a convicção, formada, em sede do processo disciplinar, de que o ora recorrente “consumiu estupefacientes”.
Nesta, conformidade, e afigurando-se-nos indubitável que constitui tal conduta a “prática de actos contra a ética, deontologia, brio e decoro das F.S.M.”, mal se compreende o inconformismo do ora recorrente perante a sua punição com “25 dias de multa”...
Tudo visto, e não nos parecendo que padece o acto recorrido de qualquer dos vícios que pelo recorrente lhe são imputados, improcede o recurso.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 8 UCs.
Macau, aos 8 de Julho de 2010
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
João A. G. Gil de Oliveira
Presente
Victor Manuel Carvalho Coelho
Magistrado do M.º P.º
Proc. 391/2009 Pág. 48
Proc. 391/2009 Pág. 49