Reclamação nº 16/2010
A Ilustre Advogada A, em nome da Sociedade de Investimento Imobiliário XXX, S.A., Ré nos autos de acção ordinária nº CV2-08-XXXX-CAO, no âmbito desses autos interpôs recurso da decisão que a não considera mandatária da mesma Ré por não ter sido constituída por quem tem poderes para a representação da Ré.
Por douto despacho da MmªJuiz a quo, foi admitido o recurso com subida diferida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, tendo reconhecido à mesma Advogada apenas poderes forenses para a prática dos actos, em nome da Ré, relacionados com aquele recurso, cuja retenção deu lugar à presente reclamação.
E porque o recurso lhe tivesse sido admitido com subida diferida, veio formular a presente reclamação nos seguintes termos:
Ao abrigo do disposto no art.º 595º e seguintes do Cód. Proc. Civil, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
1.º
A Ré encontra-se representada nestes autos por dois mandatários distintos, cada um constituído por diferentes conselhos de administração da Ré: o primeiro representado por B, o segundo representado por C.
2.°
No despacho recorrido, apesar de o Tribunal entender que o Conselho de Administração que representa a Ré é o Conselho de Administração representado por C (que constitui a signatária mandatária da Ré), entendeu no entanto que ele não tinha poderes de representação da sociedade, em virtude de regras estatutárias que não cabe aqui discutir.
3.°
O Tribunal entendeu, também, que o Conselho de Administração representado por B não representa a Ré, pois a deliberação (de 1 de Setembro de 2008) que procedeu à sua eleição foi suspensa por ilegalidade, por sentença de 17 de Dezembro de 2008.
4.°
Nos presentes autos, a Autora, representada por B, intentou uma acção contra a Ré, na qual esta interveio através de advogados mandatados pelo Conselho de Administração representado por B.
5.°
A Ré, em lugar de contestar a acção, confessou os factos todos, tendo, pois, assumido derrota no início do próprio litígio.
6.°
Tal causa prejuízos e incómodos, até porque os Ilustres mandatários que confessaram, em nome da Ré, a acção intentada pela Autora representam a Ré nesta acção, representam também a Autora noutras acções (Proc. n.º CV2-09-0191-CPE e Proc. n.º CV2-09-0154-CPE).
7.°
Por outro lado, B, que representa a Autora nesta acção, representa a Ré em várias outras acções (Procs. n.ºs CV3-08-0061-CAO, CV3-08-0055-CEO, etc.).
8.°
Por outro lado, em reunião da assembleia geral da Ré, convocada pela Autora, esta propôs e votou favoravelmente à ratificação da Contestação da Ré nesta acção em que são confessados os factos.
9.°
Tal não está correcto, porque tratando-se de uma acção intentada pela Autora contra a Ré, não tem sentido que a Autora ratifique - na assembleia geral da Ré - uma contestação da Ré. .
10.°
Desta forma, a Autora está a ditar, não só a sua petição inicial, mas também a defesa da Ré. E fê-lo pondo a Ré a confessar a acção intentada pela Autora.
11.°
Isto, no fundo, pode significar que a Autora contestou a sua própria acção, não se defendendo, mas confessando todos os factos alegados pela Autora contra a Ré.
12.°
Tal não está correcto.
13.º
De facto, a Ré, nessa primeira contestação (representada por B), encontra-se representada por quem revela ligações demasiado íntimas com a Autora. Assim, urge não permitir que a acção prossiga com a Ré representada por quem revelou não estar disposto a defender interesses contrapostos aos da Autora.
14.º
Caso a acção prossiga sem nenhuma das contestações, a situação também não melhora, pois nesse caso a Autora venceria a acção numa situação de "revelia" da Ré, vencendo por falta de quem a defendesse.
15.º
Cremos, pois, que a situação mais justa e adequada, face aos factos expostos supra, será a de ordenar a subida imediata do recurso, com efeito suspensivo (art. 607.º, n.º 2, aI. e), do CPC), de forma a que se decida se C e a signatária podem ou não representar a XXX, não parecendo justificar-se que a acção prossiga sem ter quem esteja, de facto, interessada em opor-se ao pedido da Autora.
16.º
De facto, se o recurso só subir a final, o mesmo poderá revelar-se absolutamente inútil, dado que a acção já poderá ter terminado no próprio despacho saneador por falta de defesa, pelo que requeremos a aplicação do disposto no art.º 601.º, n.º 2, do CPC.
Nestes termos e nos mais de Direito, vem muito respeitosamente requerer que se digne dar provimento à presente reclamação, fixando subida imediata do recurso (com efeito suspensivo).
Passemos pois a apreciar a reclamação.
Antes de mais, é de frisar, a presente reclamação não é sede própria para discutir os efeitos do recurso, pois nos termos do disposto no artº 595º do CPC, o objecto da reclamação é a não admissão do recurso ordinário ou a sua retenção, e não também os efeitos fixados ao recurso.
Portanto, não é de conhecer o pedido na parte que diz respeito à fixação dos efeitos suspensivos.
Assim, a única questão levantada pela reclamante e atendível nesta sede é saber se o recurso em causa deve subir imediatamente.
O artº 601º do CPC dispõe:
1. Sobem imediatamente ao Tribunal de Segunda Instância os recursos interpostos:
a) Da decisão que ponha termo ao processo;
b) Do despacho que aprecie a competência do tribunal;
c) Dos despachos proferidos depois da decisão final.
2. Sobem também imediatamente os recursos cuja retenção os tornasse absolutamente inúteis.
Atendendo ao que foi alegado pela reclamante, a boa decisão da presente reclamação deve ser encontrada com a correcta interpretação do número dois do artigo acima citado, pois in casu obviamente não estamos perante qualquer das situações previstas nas alíneas do número um.
A redacção dessa norma do número dois é bem demonstrativa de que a inutilidade absoluta diz respeito ao recurso em si e não aos actos processuais praticados posteriormente ao despacho objecto do recurso.
Considerando o objecto do recurso em causa, a eventual procedência do recurso implica a revogação do despacho recorrido e tonra inválido todo o processado posterior e dependente do mesmo despacho, o que é justamente a utilidade pretendida pela recorrente com a interposição do recurso e que, tendo em conta a tramitação e o fim de uma acção declarativa ordinária, dificilmente podemos configurar a eventual anulação do processado como absolutamente impossível.
Daí, a retenção do recurso não conduzirá à inutilidade absoluta do recurso, pois isto só se verifica quando seja qual for a decisão que o tribunal de recurso lhe der, ele, o recurso, já é absolutamente inútil no seu reflexo sobre processo.
Ao alegar na reclamação que “De facto, se o recurso só subir a final, o mesmo poderá revelar-se absolutamente inútil, dado que a acção já poderá ter terminado no próprio despacho saneador por falta de defesa, ......” a própria reclamante nem sequer invocou como se verifica a inutilidade absoluta do recurso.
De facto, se vier a ser julgado a final procedente o recurso de cuja retenção ora se reclama, fica todo o processado posterior e dependente da decisão recorrida anulado e a recorrente ora reclamante já pode exercer plenamente o seu direito de defesa.
Eis a utilidade que poderá advir da eventual procedência do recurso.
Pelo que vimos supra, sem necessidade de mais considerações, indefiro a reclamação confirmando o despacho reclamado.
Custas pela reclamante.
Fixo a taxa de justiça em 1/8.
Cumpra o disposto no artº 597º/4 do CPC.
R.A.E.M., 06JUL2010
O presidente do TSI
Dr. Lai Kin Hong
Recl.16/2010-1