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  Processo n.º 321/2010
  (Recurso Penal)
  
  Data: 8/Julho/2010
    
  Assuntos :
    - Fundamentação da não concessão da suspensão de execução da pena
    


Sumário :
    O juiz deve dizer das razões que o levaram a não aplicar a suspensão da execução da pena quando se verificarem os respectivos pressupostos formais, mas não o fazendo, se a sentença contiver todos os elementos que possibilitem a reapreciação dessa possibilidade pelo Tribunal superior não há que anular a sentença proferida.


O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira


Processo n.º 321/2010
(Recurso Penal)
Data: 8/Julho/2010
Recorrente: A (XXX)
Objecto do Recurso: Acórdão condenatório da 1ª Instância

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A (XXX), tendo sido condenada pela prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art.º 199º, n.º 4, al. a) do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão efectiva, vem interpor recurso, alegando, fundamentalmente e em síntese:
    O recurso foi interposto contra o Tribunal a quo pela violação dos dispostos no art.º 48º do Código Penal e art.º 355º, n.º 2 e art.º 356º, n.º 1 do Código de Processo Penal, padecendo do vício estipulado no art.º 400º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
    Indicado no acórdão a quo:
“Finda a comparação e análise das declarações prestadas pela arguida na audiência de julgamento e no MºPº, dos depoimentos prestados pelas testemunhas, bem como dos documentos constantes dos autos, mormente das fotografias extraídas no vídeo filmado na noite em que se ocorreram os factos, mais, tendo em conta que a arguida confessou que era ela própria a pessoa de roupa preta, encontrada nas fotografias, o Tribunal Colectivo formou a sua convicção.” (Sublinhado nosso).
    Isto é, a recorrente efectuou confissão na audiência de julgamento, colaborando com o órgão judicial, dando assim certo apoio ao tribunal na descoberta da verdade.
O n.º 1 do art.º 48º do Código Penal dispõe: “O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Em conformidade com o relatório social constante de fls. 167 a 171 dos autos, a recorrente exercia funções de empregada de balcão, tinha histeromioma e síndrome de Ménière, o pai foi falecido, tinha a mãe com 84 anos de idade, que estava em Hong Kong, e a filha com 15 anos de idade a seu cargo (não contou ao técnico social que tinha uma filha), a relação conjugal com o marido era péssima e estava a aguardar pelo divórcio. Após a ocorrência dos factos, a relação com o irmão mais velho, a irmã mais velha e dois irmãos mais novos tornou-se má, consequentemente, a recorrente achou que a razão por ser desprezada pelos familiares é porque os mesmos consideraram que ela praticou realmente o referido crime. A recorrente tinha uma vida triste e era primária, a par disso, o valor do dano sofrido pela ofendida, no montante de HKD$43.000,00, não era muito elevado, pelo que se entende que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sendo assim, o tribunal deve suspender a execução da pena de prisão imposta à recorrente, nos termos do art.º 48º do Código Penal, atribuindo-lhe a oportunidade de se corrigir.
    Todavia, é completamente irrazoável que o Tribunal recorrido condenou a recorrente na pena de 1 ano de prisão (pena relativamente ligeira), mas não lhe concedeu a suspensão da execução da pena, sendo incompatível com a política criminal de Macau, também, violando o disposto no art.º 48º do Código Penal.
  O n.º 2 do art.º 355º do Código de Processo Penal dispõe:
“Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”
O n.º 1 do art.º 356º do Código de Processo Penal dispõe: “A sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada (...).”
No acórdão recorrido apenas se referiu que, nos termos do critério de determinação da pena consagrado no art.º 65º do Código Penal, mais, atendendo a que embora a arguida seja primária, o valor por ela apropriado é elevado e não se manifestou o sentimento de arrependimento, pelo que a recorrente foi condenada na pena de 1 ano de prisão efectiva, mas não se especificou expressamente por que razão e fundamento não lhe concedeu a suspensão da execução da pena.
Pelo acima exposto, o acórdão recorrido violou os dispostos no art.º 48º do Código Penal, art.º 355, n.º 2 e art.º 356º, n.º 1 do Código de Processo Penal e, em consequência, deve ser revogado e substituído por outro que suspenda a execução da pena imposta à recorrente.

Pelo que pede se julgue o recurso procedente e se revogue o acórdão a quo, sendo substituído por outro que suspenda a execução da pena imposta à recorrente, pela violação dos dispostos no art.º 48º do Código Penal, art.º 355, n.º 2 e art.º 356º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
O Digno Magistrado do MP oferece douta resposta, dizendo em síntese conclusiva:
Sub judice, o Tribunal a quo condenou a arguida A, pela prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art.º 199º, n.º 4, al. a) do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão, e, também, nos termos do art.º 74º do Código de Processo Penal, condenou-a oficiosamente a pagar a indemnização ao Pronto-a-vestir “MAX MARA”, no valor de HKD$43.000,00, acrescido de juros de mora legais, contados a partir da data da ocorrência dos factos (9 de Setembro de 2008), ao abrigo do art.º 794º, n.º 2, al. b) do Código Civil.
A recorrente (ora arguida) discordou com o acórdão do Tribunal a quo, invocando a revogação do referido acórdão e a concessão da suspensão da execução da pena imposta à recorrente, pela violação dos dispostos no art.º 48º do Código Penal, art.º 355º, n.º 2 e art.º 356º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
Na petição do recurso a recorrente invocou contra o Tribunal a quo que não especificou por que razão não lhe tinha concedido a suspensão da execução da pena; além disso, a recorrente esteve convicta de que tinha dado apoio ao tribunal na descoberta da verdade, uma vez que a mesma confessou na audiência de julgamento que era ela própria a pessoa de roupa preta encontrada no vídeo filmado no local da ocorrência dos factos, mais, tendo em conta que a recorrente era primária e atendendo à sua situação familiar, concluiu-se que devia suspender a execução da pena de prisão imposta à recorrente, atribuindo-lhe a oportunidade de se corrigir.
In casu, a questão principal visa verificar se o Tribunal a quo fundamentou ou não na decisão proferida perante a questão de suspender ou não a execução da pena; e considera-se secundária a questão de conceder ou não a suspensão da execução da pena.
Antes de resolver a primeira questão, temos de saber se for necessária a avaliação da questão da suspensão da execução da pena, na determinação da pena.
Os art.ºs 64º, 40º, n.ºs 1 e 2 e 48º, n.º 1 do Código Penal exigem que o juiz determine a pena com base na culpabilidade do agente e nas finalidades de prevenção criminal, bem como dê preferência à pena não privativa da liberdade sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
O juiz pode suspender a execução da pena de prisão aplicada ao agente desde que esta não seja superior a 3 anos e se verifique a existência dos pressupostos materiais consagrados na lei (isto é, no caso concreto se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição).
Por outro lado, como é sabido que a fundamentação é a parte fundamental da sentença, além da enumeração dos factos provados e não provados, mormente da exposição completa dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do juiz. A sentença condenatória deve especificar concretamente os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da pena (n.º 2 do art.º 355º e n.º 1 do art.º 356º do Código de Processo Penal).
Asim sendo, ao aplicar uma pena não superior a 3 anos ao agente, é preciso indicar se for aplicável a suspensão da execução da pena, bem como apresentar a respectiva fundamentação.
O Tribunal a quo, atendendo, nos termos do critério legal de determinação da pena, às circunstâncias concretas do caso e ao grau de culpa da agente, concluiu que era mais adequado condená-la na pena de 1 ano de prisão.
Entretanto, esse tribunal não expôs nenhum motivo que fundamentasse a decisão de não suspender a execução da pena; até que não referiu nada sobre a avaliação efectuada perante a questão de suspender ou não a execução da pena, ou sobre a discussão feita quanto à questão de executar ou não a pena.
Tal como é referido pela recorrente, o acórdão do Tribunal a quo não especificou o motivo e fundamento que conduziram à negação da suspensão da execução da pena.
Pelo que não podemos negar que se deve julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela recorrente.
Relativamente à questão de suspender ou não a execução da pena ou até se julgou que o tribunal a quo faltava de atender à questão de suspender ou não a execução da pena, consideramos que neste momento é ainda cedo para tratar dessas questões, já que só podemos formar convicção com base na respectiva fundamentação.
Deste modo, deve-se julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela recorrente. A fundamentação do acórdão do Tribunal a quo violou os dispostos no art.º 355º, n.º 2 e art.º 356º, n.º 1 do Código de Processo Penal, padecendo do vício estipulado no art.º 400º, n.º 1 do mesmo Código, por consequência, deve-se revogar o referido acórdão e reenviá-lo para a nova elaboração no Tribunal a quo, a fim de sanar o respectivo vício.
Nestes termos, deve-se julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela recorrente, revogar o acórdão do Tribunal a quo e reenviá-lo para a nova elaboração no referido Tribunal, a fim de sanar o respectivo vício.

    O Exmo Senhor Procurador Adjunto emite o seguinte douto parecer:
    Recorre a arguida, pretendendo a suspensão da execução da pena aplicada no douto acórdão.
    E sustenta, para tanto, além do mais, que o mesmo não fundamentou a denegação dessa suspensão.
    Vejamos.
    Concordando com a ausência dessa fundamentação na esteira, também, da posição assumida na resposta à motivação - a questão que se coloca, antes do mais, é a de saber se a mesma se imporia ao Tribunal.
    Por se tratar de uma questão já debatida, limitar-nos-emos, aqui e agora, a sufragar a conhecida tese de Figueiredo Dias, no sentido da interpretação “em termos amplos e os únicos correctos” do comando do n.º 4 do art. 50° do C. Penal de Portugal - correspondente ao n.º 4 do art. 48° do C. Penal de Macau (cfr. as Consequências Jurídicas do Crime, 345).
    A omissão em causa integra, a nosso ver, uma situação de omissão de pronúncia, uma vez que o Colectivo, efectivamente, deixou de pronunciar-se sobre uma questão que devia apreciar (cfr., na Doutrina, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 195; e, na Jurisprudência portuguesa, ac. do STJ, de 25-5-2005, proc. n.º 1939/05/5ª - citado por Maia Gonçalves, Código Penal, 18ª Ed., 219).
    Tal omissão está prevista no art. 571, n.º 1/ al. d), do C. P. Civil, subsidiariamente aplicável, devendo ter-se em conta, igualmente, a regra contemplada no art. 630° do mesmo Diploma.
    Há, assim, que ajuizar da pretensão da recorrente, sendo certo que a matéria de facto fixada faculta os elementos necessários.
    E cremos, realmente, que a suspensão da execução da prisão não tem o necessário apoio factual.
    A favor da arguida, desde logo, nada de relevante se apurou.
    É certo que "confessou que era ela própria a pessoa de roupa preta, encontrada nas fotografias".
    Isso não a levou, todavia, a assumir a sua responsabilidade.
    Se tivesse feito - e mostrasse arrependimento – a decisão de Tribunal já poderia, eventualmente, ser diferente.
    Em termos agravativos, por seu turno, impõe-se realçar a gravidade do facto praticado bem como a intensidade de dolo que presidiu à sua actuação.
    O condicionalismo apontado não propicia, assim, uma prognose favorável à luz de considerações de prevenção geral.
    Em sede de prevenção positiva, há que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade relativamente à validade da norma violada, através do "restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime" (cfr. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, 106).
    E, a nível de prevenção geral negativa, não pode perder-se de vista o efeito intimidatório subjacente a esta finalidade da punição.
    Não pode concluir-se, em suma, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
    O que vale por dizer que não se verifica o pressuposto material exigido pelo art. 48°, n.° 1, do citado C. Penal.
    Deve, pelo exposto, ser declarada a mencionada nulidade e o recurso ser julgado improcedente.
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
   Com pertinência, respiga-se do acórdão recorrido o seguinte:
    “ (...)
    O Tribunal Colectivo conheceu legalmente do caso e apurou o seguinte:
     A arguida A exercia funções de gerente adjunta no Pronto-a-vestir “MAX MARA” (Sucursal de Macau), situado no “Four Seasons Hotel Macau”. A ora arguida, uma outra gerente adjunta B e a encarregada da loja C eram as únicas pessoas que possuíam as chaves do portão e da caixa da loja, sendo estas responsáveis pela recepção de dinheiro e pela abertura e fecho do portão da loja, enquanto outros funcionários não iam receber dinheiro, nem tinham a chave da caixa.
     No dia 8 de Setembro de 2008, B trabalhava no último turno no respectivo pronto-a-vestir, por isso, precisava de calcular a receita que a loja obteve naquele dia. Findos os cálculos, verificou-se que a receita era de HKD$43.000,00. Em seguida, com a presença da outra funcionária do pronto-a-vestir D, B guardou o referido dinheiro na gaveta da caixa que seria posteriormente trancada, assim como registou os cálculos no livro de contas.
     Depois, B trancava a dita gaveta, para que, no dia seguinte, a arguida depositasse o dinheiro na conta bancária do Pronto-a-vestir “MAX MARA”.
     No dia 8 de Setembro de 2008, por volta das 23H00, B e D abandonaram o Pronto-a-vestir “MAX MARA” e trancaram o portão da loja.
     No dia 9 de Setembro de 2008, por volta das 00H13 de madrugada, a arguida deslocou-se sozinha ao Pronto-a-vestir “MAX MARA” e só fugiu dali quando tinha retirado da referida gaveta a importância de HKD$43.000,00.
     No dia 9 de Setembro de 2008, a arguida era responsável pela abertura do portão da loja, entretanto, era marcada naquele dia a limpeza ordinária do respectivo pronto-a-vestir que costumava fazer mensalmente, pelo que a funcionária E e a arguida precisavam de presenciar na loja às 8H00 para vigiarem os empregados de limpeza que também começaram a trabalhar lá na mesma hora.
     No dia 9 de Setembro de 2008, por volta das 7H15, E chegou ao Pronto-a-vestir “MAX MARA”, mas apenas ficou a aguardar na parte externa da loja, visto que na altura a arguida ainda não compareceu na loja.
     Até às cerca das 7H18, a arguida comunicou telefonicamente E que não precisasse de comparecer antecipadamente no Pronto-a-vestir “MAX MARA”, por ter recebido o aviso do responsável da companhia de limpeza que o trabalho de limpeza daquele dia (9 de Setembro de 2008) foi cancelado.
     Antes da arguida ter desligado o telefone, E respondeu-lhe que já estava presente no Pronto-a-vestir “MAX MARA” e ia ficar a aguardar, na cantina dos trabalhadores do “Four Seasons Hotel Macau”, pela abertura da loja.
     Em seguida, E deu a volta ao “Four Seasons Hotel Macau” e, quando chegou novamente ao Pronto-a-vestir “MAX MARA”, reparou que os empregados de limpeza estavam a aguardar na entrada da loja.
     Deste modo, E perguntou aos empregados de limpeza se soubessem que tinha cancelado o trabalho de limpeza daquele dia (9 de Setembro de 2008), mas eles responderam que não tinham recebido nenhum aviso de cancelamento de trabalho.
     Logo a seguir, E telefonou ao responsável da respectiva companhia de limpeza, perguntando sobre o assunto, mas tal responsável respondeu-lhe que não tinha cancelado o trabalho de limpeza do Pronto-a-vestir “MAX MARA”, marcado naquele dia (9 de Setembro de 2008).
     E ligou imediatamente à arguida, mas ninguém lhe atendeu. Enfim, ela resolveu por telefonar à gerente adjunta B, contando-lhe o acontecimento.
     Como B não conseguiu contactar com a arguida, consequentemente, deslocou-se ao Pronto-a-vestir “MAX MARA” e abriu o portão da loja para efectuar o trabalho de limpeza.
     No mesmo dia (9 de Setembro de 2008), por volta do meio-dia, B descobriu que o dinheiro guardado na gaveta da caixa, no valor de HKD$43.000,00, foi extraviado, aquando pretendia pedir a sua colega para depositá-lo na conta bancária do Pronto-a-vestir “MAX MARA”.
     B telefonou logo à sede da Companhia “MAX MARA” em Hong Kong e, em conformidade com as suas indicações, apresentou queixa à Polícia.
     No mesmo dia (9 de Setembro de 2008), por volta das 19H00, a arguida telefonou para o Pronto-a-vestir “MAX MARA” à procura de B, dizendo que foi sequestrada por seu namorado e acabou por não conseguir chegar ao serviço, além disso, o seu namorado fingiu-se do funcionário da companhia de limpeza e comunicou à arguida que tinha cancelado o trabalho de limpeza do pronto-a-vestir, razão pela qual foi avisada E que tinha cancelado o trabalho de limpeza. Mais, referida a arguida que ia comparecer no serviço em 11 de Setembro de 2008.
     No dia 10 de Setembro de 2008, por volta das 17H00, a arguida foi interceptada por agentes da Polícia Judiciária em “The Venetian Macao-Resort-Hotel”, num local aproximado de Food Court.
     A arguida sabia perfeitamente que não lhe pertenciam os bens que lhe foram entregues e que era obrigada a devolução destes ao seu dono, mas ainda se apropriava de bens alheios, com o intuito de violar o direito de propriedade de outrem.
     A arguida agiu livre, voluntária e conscientemente os referidos actos, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
    
     Mais se provou:
     A arguida é primária, conforme a Certidão do Registo Criminal.
                *
     Factos não provados: nenhum.
                *
     Finda a comparação e análise das declarações prestadas pela arguida na audiência de julgamento e no MºPº, dos depoimentos prestados pelas testemunhas, bem como dos documentos constantes dos autos, mormente das fotografias extraídas no vídeo filmado na noite em que se ocorreram os factos, mais, tendo em conta que a arguida confessou que era ela própria a pessoa de roupa preta, encontrada nas fotografias, o Tribunal Colectivo formou a sua convicção.
    (...)”

    III - FUNDAMENTOS
    1. Fundamentalmente o que está em causa é saber se no caso vertente se justifica a suspensão da execução da pena.
    Na petição do recurso a recorrente invocou que o Tribunal a quo não especificou por que razão não lhe tinha concedido a suspensão da execução da pena; além disso, a recorrente esteve convicta de que tinha dado apoio ao tribunal na descoberta da verdade, uma vez que a mesma confessou na audiência de julgamento que era ela própria a pessoa de roupa preta encontrada no vídeo filmado no local da ocorrência dos factos, mais, tendo em conta que a recorrente era primária e atendendo à sua situação familiar, concluiu-se que devia suspender a execução da pena de prisão imposta à recorrente, atribuindo-lhe a oportunidade de se corrigir.
Há assim duas sub-questões colocadas: falta de fundamentação pela não aplicação da suspensão; se se verificam os pressupostos da sua aplicação.
2. Sobre a primeira dessas sub-questões desde logo se refere que embora nada haja na lei que obrigue a uma justificação da não aplicação, não obstante a divergência da formulação entre “pode suspender” (CPP de Macau) e “O tribunal suspende” (CPP português), pode entender-se que o Tribunal tem o dever de apreciar se se verificam os pressupostos da suspensão e, não o fazendo, omite pronúncia sobre uma questão que devia ter apreciado.
    Em termos de Direito Comparado, vista aquela formulação, tal omissão gerará nulidade da sentença.1
    Tem-se presente uma diferente formulação, na RAEM, do art. 48º do CP2 e não se deixa de confrontar a posição de autorizada Doutrina.3
     Tem-se ainda presente que discutida foi na génese do CP de Macau essa divergência de formulações.4
    Nada dizendo o juiz na sentença, poder-se-ia presumir que se ponderou essa possibilidade, não ficando, no entanto, o arguido interessado desarmado, pois sempre pode suscitar a questão no sentido de se proceder a uma reponderação dos respectivos pressupostos.
    Só assim não seria se os autos não contivessem os indispensáveis elementos para aquilatar de tal possibilidade, pecando a sentença por insuficiência de apuramento de matéria de facto pertinente, o que não é o caso.
    Isto, numa aproximação à tese do Exmo Senhor Procurador Adjunto neste Tribunal, reconhecendo o poder-dever de o Tribunal ponderar a possibilidade conferida no art. 48º do CP e por isso mesmo dever tomar posição expressa não apenas sobre a concessão, mas ainda sobre a denegação da suspensão da execução da pena.
    Recorda-se que o que a recorrente pede, no fundo, é a ponderação da verificação dos pressupostos da suspensão da pena.
    
    3. Dessa feita se entronca na questão que se assume como fulcral e se prende em saber se se verificam ou não os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão.
     Importa apreciar se, neste caso, a simples censura de facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
    O que vale por indagar se se verifica o pressuposto material exigido pelo art. 48°, n.° 1, do C. Penal que prevê:
    “1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão.”
    Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável, ou seja, a esperança de que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e de que não cometerá no futuro nenhum crime5.
    Se a ausência de antecedentes criminais por si só não chega para justificar uma suspensão de pena, como já tem sido afirmado pelos nossos Tribunais, não é menos certo que as condenações anteriores ou situações de reincidência não obstam decisivamente à possibilidade de se suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos, se se tiver como justificado formular a conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.6
    É verdade que o tribunal deve correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente uma certeza. E se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa.7
    Mas a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a três anos deve ter lugar, nos termos do artigo 48º do Código Penal, sempre que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
    Constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico ressocializador, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores socialmente mais relevantes.
    A ameaça da prisão, especialmente em indivíduos sem antecedentes criminais, mas também em indivíduos que nunca tiveram uma experiência prisional e se mostram socialmente integrados - pese embora algumas experiências criminógenas não consistentes - contém, por si mesma, virtualidades para assegurar a realização das finalidades da punição, nomeadamente a finalidade de prevenção especial e a socialização, sem sujeição ao regime, sempre estigmatizante e muitas vezes de êxito problemático, da prisão.
     A suspensão da execução da pena não depende de um qualquer modelo de discricionariedade, mas, antes, do exercício de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos formais e materiais.
     Por outro lado, há que constatar que são os tribunais que lidam directamente com a arguido, que estão na normalidade dos casos em melhores condições para avaliar a personalidade do arguido e ajuizar da verificação ou não dos pressupostos da suspensão da execução da pena.
    
    4. Projectando agora estes considerandos no caso concreto, dir-se-á que não se podem deixar de ponderar os aspectos concernentes a um juízo de prognose desfavorável à suspensão, na medida em que para além de uma ausência de antecedentes, praticamente mais nada há em termos abonatórios.
    O dizer que uma determinada pessoa de preto é a própria pouco releva em termos de um processo de aceitação e reflexão introspectiva sobre a culpa.
    Não há confissão, não há arrependimento, não há reparação, nada que faça crer numa pessoa passível de interiorizar por via da expiação da culpa uma autêntica regeneração e integração social em termos de conformidade com os valores tutelados pela lei penal.
    
    Por outro lado, a intensidade do dolo e a gravidade dos factos, vista a necessidade de instilar confiança aos empregadores assumem alguma relevância, não compagináveis com a possibilidade de suspensão de execução da pena.
    Face ao exposto, o recurso não se deixará de julgar improcedente.
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 5Ucs.
    Fixa-se, a título de honorários, à Exma Defensora, a quantia de MOP 1200,00, a adiantar pelo GABPTUI.
Macau, 8 de Julho de 2010,
João A. G. Gil de Oliveira
Tam Hio Wa
Lai Kin Hong
    
1 - Maia Gonçalves, CP Anot., 16ª ed., 203
2 - Cfr. ac. do STJ de 11 de Out. de 2001, proc. 276/01 5ª no sentido de que o Tribunal não não tem de se pronunciar das razões da não concessão. No entanto, o STJ tem vindo a entender, de forma pacífica, tratar-se a suspensão da execução da pena de um poder-dever, de um poder vinculado do julgador, tendo o tribunal sempre de fundamentar especificamente, quer a concessão quer a denegação da suspensão.
O TC, no Ac. n.º 61/2006, de 18-01-2006 (in DR II Série, de 28-02-2006), julgou inconstitucionais, por violação do art. 205.º, n.º 1, da CRP, as normas dos arts. 50.º, n.º 1, do CP, 374.º, n.º 2, e 375.º, n.º 1, ambos do CPP, interpretados no sentido de não imporem a fundamentação da decisão de não suspensão da execução de pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos.
3 - O Prof. Figueiredo Dias entende que deve ser fundamentada tanto a concessão da suspensão como a denegação, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, 345
4 - Disso nos dá conta Leal-Henriques, Noções Elementares de Direito Penal de Macau, 1998, 133
5 - JESCHECK, citado a fls. 137 do Código Penal de Macau de Leal-Henriques/Simas Santos
6 - Acs do STJ de 12/12/2002 e 17/2/2000, procs.4196/02- 5ª e proc. 1162/99-5ª
7 - Leal Henriques e Simas , Santos, ob. cit., 137
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321/2010 23/23