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Processo n.º 414/2010
(Autos de recurso extraordinário de revisão da sentença)

Data: 8/Julho/2010

Requerente: A

ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
    I - RELATÓRIO
    No âmbito do processo comum colectivo outrora n.o PCC-079-02-2 (hoje n.o CR1-02-0037-PCC) do Tribunal Judicial de Base, A, aí já melhor identificada como 1.a arguida, foi a final condenada, por decisão já transitada em julgado, na pena única de 7 (sete) anos e 3 (três) meses de prisão, pela prática de três crimes, um dos quais foi o crime de tráfico ilícito de estupefacientes, concretamente punido nos termos, então tidos por mais favoráveis, do art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de 7 (sete) anos de prisão (cfr. o teor de fls. 15 a 75v do presente processado).
    Veio agora essa arguida pedir a revisão dessa decisão condenatória penal nos termos do art.o 431.o, n.o 1, alínea d), do Código de Processo Penal de Macau (CPP), alegando, para o efeito, e na sua essência, que tal como o que lhe foi revelado ulteriormente por um dos arguidos condenados no mesmo processo penal, de nome B, ela, ora requerente, tinha sido apontada como autora daquele crime de tráfico de estupefacientes, de modo calunioso por este então 2.o arguido e ainda pela mulher deste, chamada C, também 3.a arguida do processo, revelação essa que constitui um elemento de prova novo capaz de fazer, por si só ou após conjugado com outros elementos de prova já constantes dos autos, duvidar da justiça da então decisão condenatória (cfr. o teor do requerimento de revisão a fls. 2 a 14 do presente processado).
    Sobre este pedido de revisão, o Digno Procurador-Adjunto junto do Tribunal Judicial de Base promoveu a tomada de declarações ao referido B, o que veio a ser feito nos termos constantes do auto de fl. 83 a 84v do processado.
    Após o que foi pelo Ministério Público opinada a rejeição do pedido de revisão, nos termos vertidos a fls. 86 a 89.
    Subsequentemente, foi emitida, a fls. 90 a 92v, informação judicial à luz do art.o 436.o do CPP, no sentido do não provimento do pedido de revisão.
    Subido o processado para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), a Digna Procuradora-Adjunta emitiu parecer a fls. 112 a 113v, também no sentido de indeferimento do pedido de revisão, nos seguintes termos:
    A (em diante designada pela recorrente) interpõe o recurso extraordinário de revisão ao Tribunal de Segunda Instância, e apresentou uma carta com assinatura reconhecida e uma testemunhacomo novos factos e meios de prova, pedindo ao Tribunal de Segunda Instância que defira o seu pedido da revisão nos termos do art." 431.°, n." 1, al. d) do Código de Processo Penal.
     Concordamos com as opiniões apresentadas neste processo pela Juiza do Tribunal Judicial de Base e pelo Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Base, entendendo que deve negar o pedido de revisão da recorrente.
     A revisão é um recurso extraordinário no processo penal, o tribunal admite a revisão da sentença transitada em julgado apenas quando ofundamento de revisão apresentado pelo arguido preenche a situação prevista nos termos legais.
     Nos termos do art." 431.°, n." 1 do Código de Processo Penal, a revisão da sentença transitada em julgado é admissível quando:
     a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
     b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz e relacionado com o exercício da sua função no processo;
     c) Os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
      d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
     A recorrente requer a revisão segundo o art." 431.°, n." 1, al. d) do Código de Processo Penal, fundando-se na existência de novos factos e meios de prova.
      De acordo com assento judicial, novos factos ou meios de prova indica aqueles que não foram apreciados no processo que conduziu à condenação, independentemente de os mesmos terem sido ignorados ou não pelo arguido no momento em que o julgamento teve lugar.
     O mais importante é que, nos termos da lei, apenas aqueles factos ou meios de prova que "suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação" resultam em revisão da sentença.
     Devemos enfatizar que a revisão não é reexame ou reapreciação da sentença anterior, mas sim que o novo julgamento baseado-se nos novos factos.
     Tendo em conta a natureza e a intenção da revisão, não é permitida nos termos da lei a discussão de novo e reapreciação em relação aos factos e meios de prova já apreciados; quer dizer, não podem ser fundamento da revisão factos já apreciados no processo, nem factos ou meios de prova que não suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, isso visa a evitar dúvidas sobre o efeito jurídico da sentença transitada em julgado.
     Atentas as circunstâncias concretas do processo, entendemos que o fundamento apresentado pela recorrente não dá para constituir fundamento da revisão da sentença transitada em julgado.
     Mesmo que sejam divergentes as opiniões da Juiza do Tribunal Judicial de Base e do Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal sobre se a recorrente apresentou novos factos e meios de prova, ambos entenderiam que estes não suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação aplicada à recorrente, pelo que não se verifica o requisito previsto no art." 431.°, n." 1, al. d) do Código de Processo Penal.
     A testemunha B apresentado pela recorrente no presente processo foi o arguido do processo principal (ou seja o processo no qual foi condenada a recorrente) como foi a recorrente próprio. Mesmo que B não pudesse prestar depoimento como testemunha no processo principal, não se obstaria a sua alegação como arguido em relação ao respectivo facto, alegação esta pode ser prova com que o tribunal formou a sua convicção. O respectivo efeito da prova é avaliado segundo o princípio da livre convicção. De facto, B foi interrogado como arguido no processo principal e prestou alegação em relação ao facto que lhe era imputado.
     Por outro lado, a recorrente deste processo A também compareceu no julgamento em 20 e 27 de Maio de 2003, mas foi condenada à revelia. Pelo que, a recorrente sabia completamente o teor das alegações feitas por B e outros arguidos do processo e podia exercer tempestivamente o seu direito de defesa (vide o certificado constante do processo a fls. 105 a 110).
     Obviamente, no que diz respeito a que se a recorrente exerceu a actividade de tráfico de droga, diverge muito o depoimento prestado por B como testemunha neste processo da alegação feita pelo mesmo como arguido no processo principal.
     Entendemos que a existência ou não neste processo novos factos ou meios de prova indicados pelo recorrente não depende da identidade em que B presta alegações (arguido ou testemunha).
     Todavia, tendo em conta que a alegação agora prestada e o seu teor não foram apreciados na audiência de julgamento, é aceitável a opinião de existir novo meio de prova no presente processo.
     Devemos considerar se esta nova prova é suficiente para suscitar "graves dúvidas" sobre a justiça da condenação aplicada à recorrente. Entendemos que a resposta é negativa. De acordo com o art.? 431.°, n." 1, al. d) do Código de ProcessoPenal, os novos factos ou meios de prova que conduziram à revisão deve ser aqueles que, "de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação".
     No processo principal, o Tribunal a quo formou a sua convicção de acordo com as alegações prestadas pelos arguidos na audiência de julgamento, as provas documentais constantes dos processos e os depoimentos prestados pelas testemunhas, assim reconhecendo a prática do facto de tráfico de droga da recorrente.
     Além das alegações dos arguidos, encontrou-se drogas na posse da recorrente e na sua residência, também foram encontrados 53 sacos de plástico transparente que são normalmente usados para a distribuição de drogas.
     No presente processo, além da declaração pessoal de B, não há nenhuma prova que mostra que a recorrente não tenha nada a ver com a actividade de tráfico de droga.
     Embora B declarasse que disse a verdade por não querer viver contra a sua consciência, seria duvidosa a "denúncia caluniosa contra a recorrente no processo principal" declarada por aquele.
     Como disse a Juiza do Tribunal Judicial de Base, a sentença proferida pelo Tribunal a quo revela que várias testemunhas provaram que as drogas foram oferecidas pela recorrente, pelo que, teve-se como provado o facto de a recorrente exercer o tráfico de droga. Quer dizer, além de B, há outras testemunhas a indicar o delito da recorrente, pelo que, não dá para excluir o facto de a recorrente exercer o tráfico de droga dependendo apenas do depoimento ora prestado por B.
     Por outro lado, a relação de interesse pecuniário entre B e a recorrente naturalmente faz duvidar a motivação de B dizer a "verdade" neste momento, bem como a fiabilidade do seu depoimento.
     Nestes termos, atenta a circunstância concreta do processo, é insuficiente para abalar a prova que formou a convicção do Tribunal a quo dependendo apenas do depoimento agora prestado por B, o qual não suscita graves dúvidas sobre a justiça da condenação aplicada à recorrente.
     Face ao exposto, entendemos que deve indeferir o pedido de revisão apresentado pela recorrente.
Foram colhidos os vistos legais.

   II - FUNDAMENTOS
    Cumpre apreciar.
    A arguida condenada, A, pede agora a revisão da decisão condenatória acima referida, exclusivamente com base no disposto no art.º 431.º, n.º 1, alínea d), do CPP, segundo o qual a revisão da sentença transitada em julgado é admissível quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
    E como esta norma processual penal é substancialmente homóloga à do art.° 673.°, n.° 4.°, do Código de Processo Penal de 1929 (CPP de 1929), outrora vigente em Macau, que rezava que uma sentença com trânsito em julgado só poderá ser revista se, no caso de condenação, se descobrirem novos factos ou elementos de prova que, de per si ou combinados com os factos ou provas apreciados no processo, constituam graves presunções da inocência do acusado, afigura-se útil adaptar aqui, e nos termos mutatis mutandis a expor infra, a análise vertida no aresto deste TSI, de 12 de Outubro de 2000, no processo n.° 94/2000:
Como se sabe, o preceito do art.° 431.°, n.° 1, alínea d), do CPP exige uma superveniência probatória susceptível de abalar seriamente a prova em que se fundou a sentença cuja revisão se requer, superveniência esta que se pode traduzir em duas modalidades:
– superveniência objectiva;
– e superveniência subjectiva.
Verifica-se superveniência objectiva quando os elementos de prova são novos hoc sensu, no sentido de que não existiam no momento da prolação da sentença cuja revisão se requer. Ou seja, quando esses (novos) elementos de prova só se formaram posteriormente àquele momento.
Enquanto a superveniência subjectiva quer referir-se à situação em que a parte requerente da revisão, ao tempo em que esteve em curso o processo anterior, ou não tinha conhecimento dos elementos de prova em causa, que já existiam, ou então sabia da existência deles, mas não teve possibilidade de os obter.
Quer dizer, para haver superveniência subjectiva, é necessário que à parte vencida tivesse sido impossível socorrer a esses elementos de prova no processo em que decaíu.
Se a parte tinha conhecimento da existência desses elementos de prova, e podia servir-se dele, não tem direito à revisão; se os não apresentou foi porque não quis; sofre, portanto, a consequência da sua determinação ou da sua negligência. Desde que pudesse utilizar esses elementos, deveria utilizá-los, para não sujeitar o tribunal a emitir uma decisão sobre dados incompletos; porque assim não procedeu, perdeu o direito a aproveitar-se dos elementos de prova em causa.
(E tudo isto são ideias aliás retiradas mutatis mutandis da doutrina do PROFESSOR ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil anotado, Volume VI (reimpressão), Coimbra Editora, 1985, pág. 353 e segs., que se mantêm ainda actuais e como tal também aplicáveis na interpretação do alcance da norma do art.º 431.º, n.º 1, alínea d), do actual CPP).
E só após verificado o requisito de “novidade” – na vertente objectiva ou na subjectiva – dos elementos de prova qualificados como sendo novos pelo requerente da revisão, é que se pode passar a ajuizar se os mesmos, de per si ou combinados com os já apreciados no processo anterior, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
Isto é: passa-se a indagar qual teria sido o resultado da decisão proferida no processo anterior, se os novos elementos de prova estivessem no processo.
Assim, se se convence de que se esses elementos novos estivessem no processo, a sentença teria sido diversa, então deve admitir-se a revisão da sentença. E para isto, os novos elementos probatórios hão-de ser tal que criem um estado de facto diverso daquele sobre que assentou a sentença cuja revisão se requer.
Entretanto, há que distinguir também duas fases da revisão, a saber: o judicium rescindens e o judicium rescissorium.
Na primeira fase, a de judicium rescindens (juízo rescindente), só cabe julgar se procede o fundamento da revisão da sentença (cfr. maxime o art.º 437.º, n.° 3, do CPPM). E se sim, entrar-se-á na fase subsequente, a de judicium rescissorium (juízo rescissório), em que haverá que proferir nova sentença, depois de se efectuarem as diligências absolutamente indispensáveis e efectuado novo julgamento (cfr. os art.°s 439.°, 441.° e 442.° do CPPM). Daí se retira que apesar da admissão da revisão, o recurso pode deixar de obter o provimento a final (cfr. os art.ºs 443.° e 445.° do mesmo CPPM, confrontadamente) (apud também mutatis mutandis, o PROFESSOR ALBERTO DOS REIS, ibidem).
    Face à doutrina acima expendida, tem-se como correcta a sua aplicação ao caso concreto.
    Na esteira do essencial do douto parecer acima transcrito e que aqui se acolhe.
    Na verdade, os elementos de prova pretensamente tidos como novos não podem como tal ser considerados novos, em qualquer das duas vertentes supra definidas.
    O então 2.o arguido B referido no requerimento de revisão já existia, tal como bem sabe a ora requerente, no julgamento anterior, e foi aí ouvido até presencialmente, em conjunto com a ora requerente, então como 1.a arguida, sobre o objecto do processo penal aí julgado (cfr. o teor da acta de audiência de julgamento realizada no dia 20 de Maio de 2003, cuja certidão ora consta de fls. 104 a 107), pelo que mesmo que esse indivíduo o tenha sido na qualidade de arguido e não de testemunha propriamente dita, isto nunca o pode transformar agora em algum elemento novo da prova (neste sentido, cfr., aliás, o aresto deste TSI, de 29 de Novembro de 2007, no processo n.o 538/2007).
    Desta feita, há-de naufragar a pretensão da ora requerente, devido à inverificação do requisito de “novidade” do elemento de prova invocado no seu requerimento de revisão.
    É, pois, de concluir que não se pode emitir um juízo rescindente ao caso sub judice, por falhar o requisito de superveniência probatória para os efeitos do disposto na alínea d) do n.º 1 do art.º 431.º do CPP.

III - DECISÃO
Por todo o expendido, acordam em denegar a revisão pretendida pela condenada A.
    Custas pela requerente, com cinco UC de taxa de justiça.
              
              Macau, 8 de Julho de 2010
              
              
João A. G. Gil de Oliveira (Relator)


Tam Hio Wa (Primeiro Juiz-Adjunto)

Lai Kin Hong (Segundo Juiz-Adjunto)
414/2010 1/12