Processo nº 652/2009
(Autos de recurso contencioso)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO E DESENVOLVIMENTO A LIMITADA”, com sede em Macau, veio recorrer do despacho do EXMO CHEFE DO EXECUTIVO, datado de 28.05.2009, com o qual se determinou a desocupação de um terreno identificado nos autos, situado em Coloane, e a sua entrega ao governo da R.A.E.M..
Na sua petição de recurso, apresenta a recorrente as seguintes conclusões:
“a) Da notificação da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, em nome da entidade Recorrida, vertida no oficio n.°062XX/DURDEP/2009, de 19 de Junho de 2009, não consta nem o respectivo despacho nem a informação que lhe serviu de suporte;
b) Ou seja, da notificação não consta nem o acto administrativo nem a respectiva fundamentação;
c) A Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, em nome da entidade Recorrida, notificou a ora Recorrente desses elementos essenciais apenas em 21 de Julho de 2009;
d) Invocando, o n.° 2 do artigo 27.° do C.P.A.C.M., para afastar a suspensão do prazo para interposição do recurso contencioso;
e) Todavia, a notificação da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, em nome da entidade Recorrida, vertida no ofício n.° 062XX/DURDEP/2009, de 19 de Junho de 2009, é juridicamente inoponível à ora Recorrente, assim como ineficaz, porque inexistente;
f) E, nessa medida, não se aplica o preceituado no n.° 2 do artigo 27.° do C.P.A.C.M.;
g) Quer isto dizer que, o prazo para a ora Recorrente impugnar contenciosamente a decisão proferida, só deverá iniciar-se a 22 de Julho de 2009, com as legais consequências, nos termos do disposto nos artigos 70.°, 113.° e 120.°, todos do C.P.A.M.;
h) Porquanto, a ora Recorrente apenas teve conhecimento do despacho do Sr. Chefe do Executivo de 28 de Maio de 2009, que ordenou a desocupação de um terreno situado na ilha de Coloane, junto ao entroncamento entre a Estrada de Hác Sá e a Avenida de Luís de Camões e remoção dos materiais e equipamentos nele depositados, bem como proceder à entrega do terreno ao governo da R.A.E.M., em 21 de Julho de 2009.
i) Por outro lado, o artigo 93.° do C.P.A.M., sob a epígrafe "audiência dos interessados9, resulta um dever/obrigação sobre o órgão da administração de concluída a instrução e antes de ser tomada a decisão final, de ouvir, por escrito ou oralmente, os interessados, devendo informá-los do sentido provável da decisão;
j) Acontece que, a entidade Recorrida não notificou pessoalmente a ora Recorrente para esta ser ouvida previamente em relação à alegada decisão final, em relação aos fundamentos de facto e de direito;
k) E, por isso mesmo não facultou nem a notificou dos elementos resultantes do n.° 2 do artigo 94.° do C.P.A.M.;
l) Desse modo, a Recorrente não pôde exercer o direito elementar de se pronunciar sobre as questões relevantes do procedimento, nomeadamente o seu direito sobre o terreno, nem requerer diligências complementares de prova;
m) O direito de audiência dos interessados visa, designadamente, a introdução no procedimento de elementos novos por parte dos particulares/interessados, que possam conduzir a decisão diversa daquela que seria tomada sem esses novos elementos;
n) Na verdade, como se depreende dos factos e dos documentos juntos com a presente impugnação, assim como aqueles que se encontram junto ao processo administrativo instrutor, caso a entidade Recorrida tivesse procedido à notificação pessoal da ora Recorrente com o elementos resultantes do n.° 2 do artigo 94.° do C.P.A.M. e o sentido da decisão final, esta teria disponibilizado todos os documentos necessários e prestados todos os esclarecimentos suplementares;
o) Mas a verdade é que o fez por edital, mas não por notificação pessoal, como o deveria ter feito, nem acompanhada dos elementos resultantes do n.° 2 do artigo 94.° do C.P.A.M. e do sentido da decisão final;
p) É precisamente esse um dos objectivos da audiência de interessados, ou seja, permitir aos particulares apresentarem os seus argumentos antes da decisão final ser tomada;
q) Assim como prevenir actos inúteis e sem fundamento por parte dos órgãos da Administração, in casu, entidade Recorrida;
r) Com efeito, a audiência de interessados consubstancia uma manifestação lógica do princípio do contraditório, que visa assegurar uma discussão prévia no âmbito do procedimento através do confronto dos critérios e argumentos dos interessados e Administração em relação à decisão final;
s) A audiência dos interessados, também designada de audiência prévia, configura um desenvolvimento estruturante do principio da participação, expressamente consagrado no artigo 10.° do C.P.A.M.;
t) O direito de audiência dos interessados, comumente conhecido como audiência prévia consagrado no artigo 93.° do C.P.A.M., constitui um princípio estruturante da lei especial sobre o procedimento da actividade administrativa, traduzindo a intenção legislativa de atribuição de um direito subjectivo procedimental;
u) Por conseguinte, a preterição da realização da audiência de interessados inquina o acto por vício de forma, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos do estatuído na alínea c) do n. ° 1 do artigo 21.° do C.P.A.C.;
v) Acresce que, não se verificando nenhuma das situações previstas do artigo 96.° do C.P.A.M., a entidade Recorrida, não deu cumprimento ao estabelecido no artigo 93.° C.P.A., pelo que verifica-se o invocado vício de forma, por preterição de formalidade decorrente do referido normativo, que conduz à anulabilidade do acto, como estatui o artigo 124.° do C.P.A.M.;
w) Para além disso, os artigos 114.° e 115.° do C.P.A.M. obrigam a Administração a fundamentar os actos administrativos lesivos de interesses legitimamente tutelados dos particulares ou interessados:
x) A fundamentação consiste em indicar, expressamente as premissas em que assenta o acto, ou em que se exprimem os motivos porque se decide de determinada forma e não de outra;
y) Ou dito de outra forma, enumerar os elementos de facto e de direito por forma a permitir ao destinatário percorrer o itinerário cognitivo e valorativo constante do acto em causa;
z) Quando a entidade Recorrida no acto aqui recorrido omite os pressupostos de facto e de direito da sua decisão, impede o conhecimento do percurso cognitivo e valorativo a ele conducente, incorrendo num vício de forma por falta de fundamentação;
aa) De facto, quando da decisão resulta que:
“A sociedade interessada não dispõe de título formal de aquisição de qualquer direito, de propriedade perfeita ou outro, que confira poderes de gozo e de disposição sobre a totalidade ou parte do referido terreno, nem mesmo de um título jurídico precário - licença de ocupação temporária - que legitime a posse do mesmo",
bb) Mas, ao mesmo tempo, a entidade Recorrida reconheceu a existência de um proprietário do terreno ao tomá-lo de arrendamento, ainda que gratuito, em 1979;
cc) Ora, como é pacífico em termos de doutrina e jurisprudência, a posse é integrada por dois elementos: o corpus seu elemento material - que consiste no dominio de facto sobre a coisa, traduzido no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela, ou na possibilidade física desse exercício; e o animus, que consiste na intenção de exercer sobre a coisa como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio de facto (Henrique Mesquita, Direitos Reais, 1966,66 e 67);
dd) Isto significa que, a decisão recorrida não apresenta os fundamentos de facto e de direito para que a entidade Recorrida possa dizer que os possuidores do terreno não dispõem de título formal que autorize a sua posse;
ee) Com efeito, a entidade Recorrida tinha necessariamente de esclarecer a ora Recorrente, na sua decisão:
i) Por que razão considerou que esse arrendamento não consubstancia um reconhecimento de um direito por parte do seu legítimo possuidor?
ii) E, por que razão depois da entrada em vigor da Lei Básica da Região Administrativa e Especial de Macau, esse contrato de arrendamento se mantém e, não obstante, no acto impetrado se diz que os possuidores do mesmo, não dispõem de título formal que autorize a sua posse?;
iii) Os elementos fornecidos pela ora Recorrente no procedimento relativos à provada posse foram escassos?;
iv) Ou, nem sequer foram apreciados?
v) Por que razão as escrituras de papel de seda «sá chi kai», não são consideradas como título?
ff) Ora, salvo o devido respeito que é muito, nenhuma dessas questões é esclarecida, ou pelo menos, aflorada pelo acto em questão;
gg) Aliás, manifestamente omisso;
hh) Isto é, o acto aqui recorrido não é uma decisão clara, nem suficiente;
ii) O facto do terreno se encontrar omisso no registo predial, não significa que por si só, não existam direitos reais sobre o mesmo;
jj) Porquanto, o registo predial não é constitutivo de direitos, mas meramente declarativo e serve apenas para dar publicidade à situação jurídica dos imóveis;
kk) E, no caso sub judicie, o acto recorrido não esclarece os fundamentos pelos quais a posse do terreno por parte da ora Recorrente, não é considerada como um direito real, apesar do Governo do território tomar de arrendamento parte do mesmo?;
ll) Significa isto que, o acto em causa é quanto a esta matéria, manifestamente obscuro e insuficiente, porquanto não esclarece concretamente a respectiva motivação;
mm) Em face do exposto, a falta de fundamentação do aqui recorrido configura uma enfermidade do acto por vício de forma, o que gera a anulabilidade do acto, como resulta do artigo 124.° do C.P.A., que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos do estabelecido na alínea c) do n.° 1 do artigo 21.° do C.P.A.C.M.;
nn) Por último, a ponderação dos interesses da Recorrente e da Administração vertida no acto recorrido, é desadequada, desnecessária e desproporcional, configurando um erro manifesto;
oo) Porquanto a lesão da posição da Recorrente, isto é, a entrega e desocupação de um terreno que adquiriu por uma das legalmente admissíveis aos legítimos possuidores;
i) É manifestamente desadequada, e não se afigura apta à prossecução do interesse público visado, que com uma mera intimação para a paragem imediata das escavações seria alcançada;
ii) Manifestamente desnecessária, e não se afigura exigível à prossecução do interesse público visado, que com uma mera intimação para a paragem imediata das escavações seria alcançada;
iii) E, desproporcional por que não existe qualquer equilíbrio entre os interesses da ora Recorrente e o interesse público, que com uma mera intimação para a paragem imediata das escavações seria alcançada;
pp) Pelo que, atendendo aos factos carreados ao processo pelos possuidores, e pela ora Recorrente, assim como à necessidade de acautelar os legítimos interesses dos possuidores do terreno e do ora Recorrente, a mera censura do facto e a simples intimação para a paragem imediata das escavações seria alcançado o equilíbrio e adequação necessário;
qq) Razão pela qual, a ponderação que decorre do acto em crise, afigura-se-nos desadequada, desnecessária e desproporcional, configurando um erro manifesto por parte da entidade Recorrida, o que configura uma violação do princípio da proporcionalidade na vertente da adequação previsto no artigo 5.° do C.P.A.M., que conduz à anulabilidade do acto, como estatui o artigo 124.° do C.P.A.M., que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos do estabelecido na alínea d) do n. ° 1 do artigo 21.° do C.P.A.C.”
A final, requer:
- A notificação da entidade Recorrida, vertida no ofício n.° 062XX/DURDEP/2009, de 19 Junho de 2009, é juridicamente inoponível à ora Recorrente, assim como ineficaz, porque inexistente e, nessa medida, não se aplica o preceituado no n.° 2 do artigo 27.° do C.P.A.C.M.; , pelo que o prazo para a ora Recorrente impugnar contenciosamente a decisão proferida, só deverá iniciar-se a 22 de Julho de 2009, com as Iegais consequências, nos termos do disposto nos artigos 70.°, 113.° e 120.°, todos do C.P.A.M.;
- Ou caso assim não se entenda, o que se admite sem conceder, e por mera cautela de patrocínio, a preterição da realização da audiência de interessados inquina o acto aqui impugnado, por vício de forma, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos do estatuído na alínea c) do n.° 1 do artigo 21.° do C.P.A.C., que conduz à anulabilidade do acto, como estatui o artigo 124. ° do C.P.A.M.;
- Ou caso assim não se entenda, o que se admite sem conceder, a falta de fundamentação do aqui recorrido configura uma enfermidade do acto por vício de forma, o que gera a anulabilidade do acto, como resulta do artigo 124.° do C.P.A., que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos do estabelecido na alínea c) do n.° 1 do artigo 21.° do C.P.A.C.M.;
- Razão pela qual, a ponderação que decorre do acto em crise, afigura-se-nos desadequada, desnecessária e desproporcional, configurando um erro manifesto por parte da entidade Recorrida, o que configura uma violação do princípio da proporcionalidade na vertente da adequação previsto no artigo 5.° do C.P.A.M., que conduz à anulabilidade do acto, como estatui o artigo 124.° do C.P.A.M., que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos do estabelecido na alínea d) do n.° 1 do artigo 21.° do C.P.A.C.”; (cfr., fls. 2 a 32-v).
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Contestando, conclui a entidade recorrida nos termos seguintes:
“26.1 O despacho proferido pelo Chefe do Executivo em 28 de Maio de 2009, na Informação/Proposta n.º 25XX/DURDEP/2009 (o acto administrativo objecto do presente recurso contencioso), foi feito depois de ter ponderado o parecer escrito do recorrente. Assim, o acto administrativo não violou o disposto nos artigos 10.º e 93.º do CPA.
26.2 A Informação/Proposta n.º 25XX/DURDEP/2009 já especificou expressamente os fundamentos de facto e de direito. Dispõe o artigo 115.º, n.º 1 do CPA o seguinte: “a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto.” Portanto, no despacho datado de 28 de Maio de 2009, proferido na Informação/Proposta n.º 25XX/DURDEP/2009, o Chefe do Executivo já especificou os seus fundamentos. Assim sendo, o dito despacho não padece do vício de “falta de fundamentação”.
26.3 De acordo com a certidão emitida pela Conservatória de Registo Predial em 30 de Abril de 2009, o terreno ocupado pelo requerente não estava registado em nome privado (pessoa singular ou colectiva).
26.4 Dispõe o artigo 7.º da Lei Básica de RAEM o seguinte: “Os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau. O governo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável pela sua gestão, uso e desenvolvimento, bem como pelo seu arrendamento ou concessão a pessoas singulares ou colectivas para uso ou desenvolvimento. Os rendimentos daí resultantes ficam exclusivamente à disposição do Governo da Região Administrativa Especial de Macau”. Pelo que, o terreno ocupado pelo requerente pertence ao Estado.
26.5 Acresce que, apontou-se no acórdão n.º XX/2005 do Tribunal de Última Instância publicado na II Série do Boletim Oficial da RAEM de 2 de Agosto de 2006 o seguinte: “Pode-se presumir, desde já, o aforamento pela Região do terreno quando o domínio útil deste for adquirido por usucapião ao abrigo do n.º 4 do artigo 5.º da Lei de Terras. Isso implica que o Estado só pode ser titular do respectivo domínio directo, o que é substancialmente diferente da forma de concessão por arrendamento. Tal como o domínio útil de enfiteuse, embora não seja uma propriedade plena, ele torna-se, de facto, uma forma de possuir terrenos na Região por particulares, atendendo as suas características e o conteúdo do direito, como se fosse a repartição do direito de propriedade entre o particular e o Estado, em violação do princípio de que a propriedade de terrenos cabe ao Estado, consagrado no art.º 7 da Lei Básica.” Finalmente na parte de conclusão do acórdão, refere-se o seguinte: “Os terrenos na Região que não foram reconhecidos legalmente como propriedade passam a constituir propriedade do Estado depois da criação da Região. Após o estabelecimento da Região, não se pode obter o reconhecimento de propriedade privada ou domínio útil a favor de particulares dos referidos terrenos através de decisão judicial, independentemente de acção ser proposta antes ou depois da criação da Região.”
26.6 Pelo que, o requerente também deve saber que após o estabelecimento da RAEM, não se pode obter o reconhecimento do direito de propriedade ou domínio útil dos terrenos ilegalmente ocupados a favor dos ocupantes através de decisão judicial.
26.7 Visto que o “Sá-Chi-Kei” possuído pelo recorrente não é título legal do direito sobre o respectivo terreno ora ilicitamente ocupado, o Chefe do Executivo proferiu despacho em 28 de Maio de 2009, na Informação/ Proposta n.º 25XX/DURDEP/2009, ordenando a sua desocupação; o dito despacho não violou o direito de propriedade privada, pelo que, não violou o artigo 6.º da Lei Básica de Macau. Por outro lado, tal como foi referido nas alíneas 11-12 da presente Contestação, o despacho também não violou as respectivas disposições do Código Civil de Macau, tal como alegado pelo recorrente no ponto IV.C. da petição.
26.8 Dado que o requerente ocupou ilegalmente o terreno público sem possuir qualquer título legal, ele não tem qualquer direito sobre o respectivo terreno, e portanto, não tem qualquer interesse legalmente protegido; assim sendo, o despacho proferido pelo Chefe do Executivo em 28 de Maio de 2009 na Informação/Proposta n.º 25XX/DURDEP/2009 não violou o princípio de proporcionalidade e de adequação.”; (cfr., fls. 95 a 104 e 120 a 132).
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Oportunamente, após inquiridas as testemunhas pela recorrente arroladas, e em sede de vista, juntou o Exm° Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Vem “Sociedade de Investimento e Desenvolvimento A, Lda” impugnar o despacho do Chefe do Executivo que ordenou a desocupação de um terreno sito na ilha de Coloane, junto ao entroncamento entre a estrada de Hác-Sá e a Av. Luís de Camões e remoção dos materiais e equipamentos nele depositados, assacando-lhe vícios de forma por falta de audiência prévia e fundamentação e de violação de lei, por afronta, quer de diversos dispositivos da LBRAEM e do CPM, quer do princípio da proporcionalidade.
Cremos, porém, que, sem razão.
Desde logo, é o próprio recorrente quem, no seu petitório (ponto 13 e sgs) admite, como facto, que “Por edital de 21 de Abril de 2009, assinado pelo Director da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, publicado em jornais em línguas chinesa e portuguesa, foi realizada a audiência escrita dos interessados, prevista nos artigos 93º e 94º do Código de Procedimento Administrativo de Macau”, sendo que, na sequência dessa comunicação, terá empreendido junto da Administração (pontos 14 e segs) diversas “démarches” no sentido da protecção dos respectivos interesses, registando-se, aliás, que, logo em 24/9/09 a mesma recorrente apresentou à DSSOPT documento escrito, a que juntou um certificado de registo comercial, um acordo complementar, uma declaração e fotocópias de “Sá-Chi Kai”, dando ainda conta de que estaria a preparar outros documentos necessários à concessão de arrendamento do terreno em questão.
Nestes parâmetros, afigurando-se-nos que a notificação para os efeitos agora considerados foi levada a cabo pela forma que se impunha, atentas as circunstâncias e interesses envolvidos, tomando a recorrente pleno conhecimento e desenvolvendo, na sequência, as diligências que, no seu interesse, bem entendeu, mal se percebe como invocar agora o vício em questão.
Depois, da mera leitura do externado pelo acto em crise, fácil é apreender as razões de facto e de direito que determinaram a decisão controvertida e que se prendem, sintèticamente, com o facto de a recorrente não dispor de “...título formal de aquisição de qualquer direito, de propriedade perfeita ou outro, que confira poderes de gozo e de disposição sobre a totalidade ou parte do referido terreno, nem mesmo de um título jurídico precário - licença de ocupação temporária - que legitime a posse do mesmo”, acrescendo que “A escritura de papel de seda ou “Sá Chi Kai”que a sociedade alegou possuir não constitui, nos termos da lei, título formal de aquisição da propriedade privada do terreno em causa”, razões por que, não se encontrando registado o aludido terreno “... a favor de particular, pessoa singular ou colectiva, direito de propriedade ou qualquer outro direito real, nomeadamente de concessão, por aforamento ou arrendamento”, se considerou o mesmo do domínio do Estado, nos termos do artº 7º da LBRAEM., devendo ser entregue, “...livre e desocupado, ao Governo da RAEM, órgão responsável pela gestão, uso e desenvolvimento dos solos e recursos naturais...cabendo ao Chefe do Executivo ordenar a desocupação e restituição do terreno, ao abrigo do disposto na alínea o) do artº 41º da Lei de Terras”.
Nestes parâmetros, afigura-se-nos evidente ficar um cidadão médio em perfeitas condições de apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo empreendido pela entidade decidente, o que não deixou de acontecer com a recorrente, a avaliar, até, pela argumentação respectiva.
Aliás, bem vistas coisa, o que se regista é que a mesma não questiona verdadeiramente a existência e percepção dessa motivação, antes pondo a ênfase na não veracidade dos pressupostos que lhe estão subjacentes, ou em diferente percepção e interpretação dos mesmos, matéria que, como é óbvio, sai já do domínio da forma, o mesmo é dizer, não contende com a fundamentação pròpriamente dita.
A recorrente poderá não concordar com o externado, mas que o mesmo se apresenta com contornos de clareza, suficiência e congruência, é uma evidência.
Finalmente, dispondo, além do mais, o artº 7º da LBRAEM que “Os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau” , e tendo o acórdão do Venerando TUI, proferido no âmbito do proc. 32/2005, publicado no B.O., II Série, de 2/8/06, consignado que “Após o estabelecimento da Região, não se pode obter o reconhecimento de propriedade privada ou domínio útil a favor de particulares, dos referidos terrenos, através de decisão judicial, independentemente de acção a ser proposta antes ou depois da criação da Região”, todo o argumentado pela recorrente, a propósito da posse, domínio e arrendamento do terreno em questão, sendo estimável, se revela inócuo, já que, quer antes, quer depois do estabelecimento da RAEM, não logrou estabelecer o registo, a seu favor, do direito de propriedade ou qualquer outro direito real, designadamente de concessão, por aforamento ou arrendamento, não dispondo, mesmo, de qualquer título jurídico precário (designadamente licença de ocupação temporária) que autorize a sua posse ou confira poderes de uso e disposição sobre o terreno em causa.
Por outra banda, cabendo ao Governo da Região, ainda nos termos do artº 7º da LBRAEM anunciado, a responsabilidade pela gestão, uso e desenvolvimento dos solos, bem como o seu arrendamento ou concessão a pessoas singulares ou colectivas para uso ou desenvolvimento, ficando os rendimentos daí resultantes exclusivamente à disposição do Governo da RAEM, apresenta-se a ordem de desocupação e restituição do terreno, além de justa e adequada, como a mais consonante com a prossecução do interesse público, já que, tendo a Administração detectado o escavamento e nivelamento do terreno, alterando-se a tipologia do local, com indevido arranque de árvores e depósito de contentores, madeiras, armaduras, equipamentos e demais materiais de construção, não se vê que outra medida ou medidas, no quadro da prossecução daquele interesse público, pudessem ser tomadas, menos gravosas para a posição jurídica da interessada, não se vendo, pois, afrontada a proporcionalidade.
Tudo razões por que, não se descortinando a ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, somos a pugnar pelo não provimento do presente recurso.”; (cfr., fls. 155 a 159).
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Nada parecendo obstar, passe-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Consideram-se assentes os seguintes factos (com interesse para a decisão a proferir):
– o prédio rústico sito em Coloane, Povoação de Hác Sá, junto ao entroncamento entre a Estrada de Hác Sá e a Avenida de Luís de Camões, na Freguesia de São Francisco Xavier, não está descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau, encontrando-se omisso na matriz predial;
– na Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro, o imóvel encontra-se inscrito em anexo à planta n.° 6498/2006, com as seguintes especificações:
Localização - Terreno junto à Estrada de Hác Sá - Coloane.
Parcela:
Área C.R.P. = m2;
Área D.S.C.C. = 2 722 m2;
Confrontações actuais:
N/S/W Terreno que se presume omisso na C.R.P., junto à Estrada de Hác Sá –Coloane.
E Estrada de Hác Sá – Coloane;
– em 22 de Janeiro de 1972, foi o referido terreno objecto de contrato de compra e venda lavrado em “papel de seda”;
– em 06 de Fevereiro de 1979, o então Administrador do Porto de Coloane solicitou à comunidade de Hác Sá o cedência de parte do terreno em causa para a instalação de antenas da Direcção dos Serviços de Meteorologia e Geofísica;
– em 17 de Dezembro de 1980, o então Administrador do Concelho das Ilhas assinou documento com o teor seguinte:
“GUIA DE ENTREGA
Aos dezassete dias do mês de Dezembro de mil novecentos e oitenta, FAÇO a entrega da moradia 3 (três), situado na entrada da Povoação de Hác Sá, junto à antiga estrada de acesso à Praia de Hác Sá e composta por 1 sala; 5 quartos; 1 cozinha; 2 casas de banho, construída pela Repartição dos Serviços de Obras Públicas e Transportes, ao Sr. XXX, de 46 anos de idade, casado, operário, morador na Povoação de Hác Sá, n°.XX, Coloane, portador do Bilhete de Identidade de Hong Kong n° A-XXXXX, em troca da moradia n°XX, na Povoação de Hác Sá, Coloane, da propriedade do referido Sr. XXX, em virtude de obras de alargamento da Estrada de Hác sá, para Altinho de Ká Hó.
Testemunharam este acto os Srs. XXX, escritorário-dactilógtafo da Câmara Municipal das Ilhas, XXX, tipú da Povoação de Hác Sá, Coloane, que vão comigo assinar, XXX, Administrador de Posto, Substituto e o Sr. XXX.”; (cfr., fls. 52);
– a “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO E DESENVOLVIMENTO A LIMITADA”, ora recorrente, encontra-se registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau sob o n° 31.4XX(S.O.);
– em 28 de Agosto e 31 de Dezembro de 2008, XXX, outorgou um “contrato promessa de venda” do referido terreno a favor da aqui Recorrente;
– por declaração datada de 22 de Setembro de 2008, a Associação de XXX de Hác Sá Chun reconhece que o terreno com a área de 2 722 m2, situado em Coloane, junto à Estrada de Hác Sá, pertence à Recorrente;
– em 21.04.2009 publicou a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes o seguinte edital:
“Processo n.ºX/DC/2008/F
Jaime Roberto Carion, Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), faz saber por este meio ao Sr. XXX e outros ocupantes do terreno do Estado situado na ilha de Coloane, junto ao entroncamento entre a Estrada de Hac Sá e a Avenida de Luís de Camões (demarcado a tracejado na planta em anexo), o seguinte:
1. De acordo com o ofício n.°6XX/CADIV/02.01.107/5897/2008 da Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro (DSCC), de 29 de Maio de 2008, e a certidão anexada ao oficio n.° 6XX/INF/2008 da Conservatória do Registo Predial (CRP), de 16 de Abril de 2009, sobre o aludido terreno, demarcado a tracejado na planta em anexo, não se encontra registado a favor de particular, pessoa singular ou pessoa colectiva, direito de propriedade ou qualquer outro direito real, nomeadamente de concessão, por aforamento ou por arrendamento, pelo que o mesmo considera-se do domínio do Estado, nos termos do artigo 7.° da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM).
2. Tendo a DSSOPT, no exercício dos poderes de fiscalização conferidos pela alínea b) do n.° 3 do artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 29/97/M, de 7 de Julho verificado que no limite do referido terreno, no troço confinante com a Estrada de Hac Sá, foi instalado um tapume, que a encosta no terreno foi escavada e nivelada e que foram arrancadas árvores, alterando-se desta forma a topografia do local sem que tenha sido emitida pela DSSOPT a competente licença, bem como tendo verificado que no terreno foram depositados contentores, madeiras, armaduras, equipamentos e materiais de construção, sem que tenha sido atribuída ao(s) ocupante(s) licença de ocupação temporária, nos termos dos artigos 69.° a 75.° da Lei n.°6/80/M, de 5 de Julho (Lei de Terras), foi instaurado o procedimento administrativo n.° 9/DC/2008/F, de desocupação e restituição do terreno à posse da RAEM.
3. Com efeito, a ocupação de terreno propriedade de Estado por particular, pessoa singular ou pessoa colectiva, que não disponha de um título formal - contrato de concessão ou licença de ocupação temporária - que autorize a sua posse determina que o mesmo (terreno) seja entregue, livre e desocupado, ao governo da RAEM, órgão responsável pela gestão, uso e desenvolvimento dos solos e recursos naturais, nos termos do artigo 7.° da Lei Básica da RAEM, cabendo ao Chefe do Executivo praticar o respectivo acto - ordem de desocupação e restituição do terreno -, ao abrigo do disposto na alínea o) do artigo 41.° da Lei de Terras.
4. Assim, nos termos dos artigos 93.° e 94.° do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.°57/99/M, de 11 de Outubro, ficam o(s) ocupante(s) do terreno do Estado demarcado na planta em anexo notificados para, querendo, pronunciar-se por escrito, no prazo de 10 dias, contados a partir da data da publicação do presente edital, sobre as questões que constituem objecto do procedimento.
5. O processo poderá ser consultado nas instalações da Divisão de Fiscalização do Departamento de Urbanização da DSSOPT, situadas na Estrada de D. Maria II, n.°s 32-36, edifício CEM, 2.° andar, durante as horas normais de expediente.”; (cfr., fls. 193 a 194);
– em 29.04.2009, dirigiu a recorrente ao Director da D.S.O.P.T. o expediente seguinte:
“Exmo. Senhor Director dos Serviços de Solos e Obras Públicas e Transportes da RAEM
A Sociedade de Investimento e Desenvolvimento A, Limitada, com endereço de contacto na RAEM,澳門XXX159至207號XXX商業中心3樓E至I室 representada por XXX, XXX e XXX, vem, relativamente ao edital publicado nos diários JTM e Ou Mun, e relativamente ao processo com o n° 9/DC/2008F desses Serviços, expor a V.Exa. o seguinte:
1. O terreno mencionado nesse processo é pertença da referida sociedade que adquiriu o título Sá-Chi;
2. Nesse local, conforme a Associação de XXX de Hac Sa Chun, serviu de criação de galinhas e patos e ainda de peixe. Devido ao surto da gripe de aves, transformou-se em plantação de pessegueiros.
3. Nos últimos anos o terreno em causa serviu de depósito de contentores e materiais de construção;
4. Devido a obras de remodelação ou outras, efectuadas no Helen Garden, indivíduos despejam lixos e restos de materiais de obras no local, o que origina queixas de residentes do mesmo edifício sobre a praga de mosquitos e outros insectos.
5. Pelo que o terreno foi cimentado e instalado um tapume.
6. Nunca foi intenção da sociedade nele se construir edifícios, sem antes requerer a sua concessão, conforme as normas previstas.
7. Mais informa que a Sociedade se encontra neste momento a preparar os documentos necessários para requerer a sua concessão por arrendamento.
Face ao exposto, espera de V. Exa. a máxima consideração.
Junta fotocópias.
(...)”; (cfr., fls. 278 a 279);
– em 08.05.2009, elaborou a D.S.O.P.T. a informação seguinte:
“Assunto: Relatório da Instrução sobre a ocupação do terreno do governo da RAEM (Proc.º9/DC/2008/F)
Local do caso: Terreno situado ao lado do cruzamento entre a Estrada de Hac Sá e Avenida de Luís de Camões, Coloane
Relatório/Proposta n.º25XX/DURDEP/2009, de 08 de Maio de 2009
Aos superiores hierárquicos:
1. Em relação à situação do presente caso, estes Serviços, nos termos do art.º 72º, n.º2 do Código do Procedimento Administrativo, já procederam em 21/4/2009 à publicação do edital em jornais principais locais em chinês e português (vd. Doc.1), a fim de notificar os interessados dos devidos assuntos.
2. Segundo o supracitado edital de notificação, em relação ao terreno situado ao lado do cruzamento entre a Estrada de Hac Sá e Avenida de Luís de Camões, em Coloane, foram notificados o senhor XXX (XXX) que declarou ser proprietário do referido terreno (vd. Doc.2) e outros ocupantes não identificados, de que devem os mesmos proceder à desocupação e à restituição do terreno ao governo da RAEM. Por outro lado, foi instaurado processo por estes Serviços, a fim de realizar o procedimento administrativo de desocupação e de restituição do supracitado terreno ao governo da RAEM.
3. No edital também se indicou que podem os interessados, por escrito, manifestar suas opiniões, dentro do prazo de 10 dias, contados desde a data do edital (21/4/2009), face às questões do objecto do respectivo procedimento.
4. Dentro do supracitado prazo, estes Serviços receberam consultas e cartas seguintes:
4.1 Dois indivíduos que declararam ser interessados do caso, de nome XXX (XXX) e XXX (XXX) deslocaram-se a estes Serviços em 23/4/2009, tendo consultado, por forma verbal, a situação do caso. (vd. em pormenor, Doc.3, relatório n.º23XX/DURDEP/2009 do presente processo)
4.2 No dia 29 de Abril de 2009, estes Serviços receberam uma carta de queixa, assinada pelos senhores XXX (XXX) que é presidente da Associação XXX dos residentes de Hac Sá, e XXX (XXX) que é presidente do Conselho de XXX de Hac Sá, e outros indivíduos, tendo os mesmos alegado na carta que é muito vulgar em Coloane, a “situação de ocupação ilegal de terreno e a de realização de obra sem licença”, e mais mencionado se é necessária a eliminação de todas as obras ilegais realizadas em terreno ocupado ilegalmente? E nesse momento qual a quantidade dessas obras ilegais? E qual a ordem de prioridade e urgência da eliminação dessas obras? E Quanto tempo levará a conclusão de trabalho da eliminação? etc.. Pelo que, solicitaram à autoridade administrativa que sejam ouvidas opiniões da maior parte dos residentes locais, a fim de melhor acompanhar os assuntos deixados pela história. (vd. Doc.4)
4.3 No dia 29 de Abril de 2009, uma empresa denominada por “Sociedade de Investimento e Desenvolvimento A, Lda.” (XXX投資發展有限公司), através do registo n.ºT-3XXX destes Serviços, apresentou a estes Serviços, carta e documentos anexos para alegação ser titular do direito, dos quais se junta escritura de papel de seda (Sa Chi Kai 沙紙契) (vd. Doc.5)
4.4 No dia 5 de Maio de 2009, foi recebida por estes Serviços, fotocópia da carta referida no ponto 4.2, transferida pelo Gabinete do Secretário para os Transportes e Obras Públicas cujo conteúdo é igual à carta referida no ponto 4.2.(vd. Doc.6)
5. Após consultado todos os documentos constantes dos autos, cumpre fazer uma análise seguinte:
Dos factos:
6. De acordo com as diligências efectuadas em 7 de Maio de 2009 pelos fiscais destes Serviços, verificou-se que no local em questão se encontravam depositados objectos tais como contendores, materiais de construção civil e veículos de obras, mas não existe vestígio de realização de obras. (vd. Doc.7 )
7. De acordo com a certificação emitida em 30 de Abril de 2009 pela Conservatória do Registo Predial (Doc.8), o terreno em questão (situado no terreno com referência “A” na Planta n.º71165021 emitida em 17 de Abril de 2009 pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro) não foi inscrito em nome de pessoa particular (pessoa singular ou pessoa jurídica) nem existe registo do direito de propriedade ou qualquer direito real, especialmente, registo de concessão por aforamento ou por arrendamento de terreno.
8. De acordo com as notas internas n.ºs XXX/Ped.1243 e 12XX/20009 emitidas pelo Departamento de Gestão de Solos (DSODEP) (Doc.9), no período entre 2005 e 2006, estes Serviços receberam um requerimento da Sociedade Internacional “XXX” Lda. (XX國際有限公司) pedindo a concessão por arrendamento de um terreno situado no local indicado em epígrafe, com a área de 21.680 m2, com dispensa do concurso público, tendo, contudo, o referido pedido sido indeferido em 24/04/2006 por despacho do Exm.º Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas.(vd. Doc.9)
9. Em 2005, estes Serviços receberam um requerimento da Sociedade “Fomento Predial XXX” pedindo a concessão por arrendamento de um terreno situado no local indicado em epígrafe, com a área de 7.170 m2, com dispensa do concurso público, tendo, contudo, o referido pedido sido indeferido em 06/06/2005 por despacho do Exm.º Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas.(vd. Doc.9)
10. De acordo com a Nota Interna n.º1XX/DATSEA/2009 (vd. Doc.10) emitida pela Divisão de Apoio Técnico destes Serviços, não existe nos ficheiros da Comissão de Terras, qualquer dado para consulta relativo ao terreno em questão.
Do Direito:
11. Após analisado a carta dos indivíduos e a da empresa referidas nos pontos 2, 4.1 a 4.4, verificou-se que a carta de queixa referida nos pontos 4.2 e 4.4 não especificou em concreto contra qual o processo destes Serviços. E segundo a carta da Sociedade de Investimento e Desenvolvimento A, Lda, com reconhecimento de assinatura, nela foi apresentada a sua opinião conforme exigida expressamente no edital destes Serviços (vd. ponto 1), pelo que, a dita sociedade é considerada como Interessada do presente processo.
12. A Interessada não detém a licença de ocupação provisória prevista nos artº.s 69º a 75º da Lei n.º6/80/M (Lei de Terras).
13. Nem qualquer documento comprovativo (contrato de concessão ou licença de ocupação provisória) que possa comprovar a sua ocupação do terreno do governo que é autorizada.
14. Quanto à invocação por parte da Interessada de ser titular do direito de propriedade com escritura de papel de seda (Sa Chi Kai), de acordo com o ponto 6, 1) e 4) do relatório n.ºXX/DJUDEP/2008 (vd. Doc.11) feito pelo Departamento Jurídico destes Serviços, no actual regime jurídico, a escritura de papel de sede ainda não é reconhecida. Como os terrenos envolvidos nos autos não se encontram inscritos na Conservatória (não foram inscritos na Conservatória do Registo Predial). De acordo com o art.º 7º da Lei n.º6/80/M (Lei de Terras), consideram-se terrenos vagos os que, não tendo entrado definitivamente no regime de propriedade privada ou de domínio público, não tenham ainda sido afectados, a título definitivo, a qualquer finalidade pública ou privada, e os terrenos vagos integram-se no domínio privado do Território.
15. De acordo com os pontos 7 e 11, a Lei Básica da RAEM da RPC dispõe no seu art.º 7º que “os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau. O Governo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável pela sua gestão, uso e desenvolvimento, bem como pelo seu arrendamento ou concessão a pessoais singulares ou colectivas para uso ou desenvolvimento. Os rendimentos daí resultantes ficam exclusivamente à disposição do Governo da Região Administrativa Especial de Macau”. Pelo que, o terreno em epígrafe pertence ao terreno da República Popular da China.
16. Segundo o art.º 7º da Lei Básica da RAEM da RPC, os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, o Governo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável pela sua gestão, uso e desenvolvimento. De acordo com o art.º 41º, al. o) da Lei n.º6/80/M (Lei de Terras), o Chefe do Executivo tem competente ao proferir os respectivo acto administrativo (ordenar a desocupação e a restituição de terrenos)
17. Segundo o princípio previsto no art.º 7º da Lei Básica, há excepção perante o princípio de respeito e de protecção da pequena parte do terreno privado de Macau detido originalmente, ou seja, o direito de propriedade do terreno originalmente detido pode ser sucedido, mas essa excepção tem uma condição, isto é, deve o respectivo terreno ser reconhecido de acordo com a lei como propriedade privada antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau. Uma vez que, após o estabelecimento da RAEM, todos os terrenos pertencem ao Estado, salvo os que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau. Pelo que, após o estabelecimento da REAM, não pode existir terreno privado, caso contrário, constituiu violação ao disposto no art.º 7º da Lei Básica.
18. Alem disso, o domínio útil de prédios urbanos sendo como objecto de concessão por aforamento feita pela REAM, só reúne as condições de excepção previstas no art.º 7º da Lei Básica desde que fosse reconhecido antes do estabelecimento da RAEM, podendo continuar a ser detido pela pessoa particular. Contudo, se não fosse reconhecido de acordo com a lei, antes do estabelecimento da RAEM, após o seu estabelecimento, nunca mais o domínio útil dos terrenos da REAM pode ser reconhecido por via decisão judicial.
Conclusão e sugestão
19. Após feito os procedimentos de investigação, o grupo instrutivo concluiu os seguintes:
19.1 De acordo com o fundamento exposto na opinião por escrito e os documentos apresentados pela Interessada, esta não consegue provar que detenha direito e posição legais do respectivo terreno. Pelo que, não foi admitida a opinião por escrito apresentada pela Sociedade de Investimento e Desenvolvimento A, Lda.;
19.2 Quanto ao acto de ocupação ilegal do terreno em epígrafe, a Interessada violou já o art.º 7º da Lei Básica.
20. Após feito os procedimentos de investigação, dado que a Interessada não consegue provar o seu direito alegado, o grupo instrutivo sugere os seguintes:
20.1 Não se admite o fundamento exposto na opinião escrita apresentada pela Interessada (Sociedade de Investimento e Desenvolvimento A, Lda.), por via do registo n.ºT-3XXX destes Serviços (vd. Doc.5), notificando assim a mesma dos resultados sobre a presente sugestão feitos pelos superiores hierárquicos, ao abrigo do disposto no Código do Procedimento Administrativo;
20.2 Cabe ao Chefe do Executivo, nos termos do art.º 41º, al. o) da Lei n.º6/80/M (Lei de Terras) ordenar a Interessada Sociedade de Investimento e Desenvolvimento A, Lda., para que proceda à desocupação e à restituição do terreno ao governo da REAM, concedendo-lhe o prazo de 15 dias para remover voluntariamente os objectos, os materiais e eventuais construções (incluindo prédio informal não autorizado por estes Serviços);
20.3 Caso a Interessada não venha a cumprir as supracitadas obrigações, requer-se ao Chefe do Executivo para que sejam autorizados os seguintes procedimentos:
20.3.1 Cabe aos presentes Serviços proceder ao trabalho de desocupação do terreno, contratar empreiteiro para fornecer os recursos humanos e equipamentos para remoção, no sentido de pôr em prática a desocupação e eliminação de todos os objectos, materiais e eventuais construções existentes no terreno (incluindo prédio informal não autorizado por estes Serviços), ficando a cargo da Interessada as despesas de desocupação, de eliminação e de remoção. Caso a mesma não venha a pagar as despesas, proceder-se-á a cobrança coerciva (de acordo com o art.º 144º do Código do Procedimento Administração);
20.3.2 Deve o CPSP enviar polícias ao local para prestar auxílio, no sentido de remover todos os indivíduos presentes no local com impedimento aos pessoais da Administração para executar o trabalho, bem como, proteger todos os pessoais administrativos responsáveis pelo trabalho, até que o terreno seja totalmente desocupado. Quanto à divisão do trabalho, procede-se de acordo com as disposições fixadas por estes Serviços;
20.3.3 Quanto aos objectos e materiais existentes no local, uma vez que a Lei de Terras não prevê os procedimentos de desocupação, segundo o respectivo disposto no D.L n.º6/93/M, de 15 de Fevereiro, os objectos e materiais vão ser depositados no local previamente preparado por estes Serviços, no prazo de 15 dias contados a partir da data de conclusão de desocupação, ficando à custódia do fiel depositário. Se findo o prazo, não forem levantados por seu dono, os objectos e materiais serão considerados como objectos abandonados.
20.4 Cabe ao Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais proceder à arborização e plantação no terreno em questão, com a finalidade de que o terreno, após desocupado, não se encontrará livre e, também para harmonizar o dito terreno com o ambiente arborizado à sua volta, bem como, evitar a nova ocupação e colocação de materiais no terreno por outras pessoas desconhecidas após a desocupação feita por estes Serviços.
À consideração superior.
(...)”; (cfr., fls. 75 a 79 e 146 a 153);
– por despacho de 28.05.2009, exarado na supra referida informação, declarou o Exm° Chefe do Executivo concordar com o seu teor;
– através do ofício n.° 062XX/DURDEP/2009, de 19 de Junho de 2009, e pela recorrente recebido em 22.06.2009, o Director da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, notificou a recorrente de que por despacho do Exmo. Chefe do Executivo, de 28 de Maio de 2009, foi ordenada a desocupação e a entrega do referido terreno à R.A.E.M.;
– através de requerimento de 03 de Julho de 2009, a ora Recorrente requereu à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, a suspensão da eficácia da respectiva decisão (cfr. documento n.° 14, que aqui se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais);
– por requerimento de 20 de Julho de 2009, a ora Recorrente requereu à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, notificação da decisão, por falta elementos essenciais (cfr. documento n.° 15, que aqui se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais);
– através do ofício n.° XX/DJUDEP/2009, n.° 69XXX/2009, de 21 de Julho de 2009, o Director da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, notificou a ora Recorrente da Informação n.° 25XX/DURDEP/2009, de 08 de Maio de 2009 (cfr. documento n.° 16, que aqui se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais).
Do direito
3. Vem a “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO E DESENVOLVIMENTO A LIMITADA” recorrer do despacho pelo Exm° Chefe do Executivo proferido em 28.05.2009, com o qual se determinou a desocupação e a entrega à R.A.E.M. do terreno identificado nos autos.
Colhe-se da petição inicial apresentada e das conclusões nela produzidas que para além de uma “questão prévia”, coloca a recorrente 3 questões, relacionadas com a sua “falta de audiência prévia”, “falta de fundamentação” e “violação da lei”.
Vejamos.
— Quanto à “questão prévia”.
Com a dita “questão”, e se bem ajuizamos, pretende a recorrente a “suspensão do prazo para a impugnação do despacho em causa – por falta de notificação do acto administrativo”; (cfr., fls. 10).
É uma “falsa questão”.
Como se vê do que se deixou relatado, a recorrente recebeu o ofício de D.S.O.P.T. dando-lhe conhecimento do acto praticado pelo Exm° Chefe do Executivo e ora recorrido em 22.06.2009.
E, certo sendo que o presente recurso deu entrada na Secretaria deste T.S.I. em 23.07.2009, dúvidas não há que é o mesmo tempestivo.
Por outro lado, visto que a mesma recorrente apenas requereu que lhe fosse facultado o despacho recorrido em 21.07.2009, portanto, fora do prazo de 10 dias previsto no art. 27°, n° 2 do C.P.A.C., evidente é que inviável é qualquer suspensão do prazo para a interposição do recurso como aí se preceitua.
— Ociosas nos parecendo outras considerações sobre a referida “questão prévia”, continuemos, sendo desde já de dizer que tão só por equívoco se poderá considerar que a decisão recorrida padece dos vícios que lhe são assacados.
Com efeito, o douto Parecer do Exm° Representante do Ministério Público esclarece, de forma clara e cabal, a sem razão da recorrente, pouco havendo a acrescentar.
Na verdade, é a própria recorrente que reconhece que “Por edital de 21 de Abril de 2009, assinado pelo Director da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, publicado em jornais em línguas chinesa e portuguesa, foi realizada a audiência escrita dos interessados, prevista nos artigos 93º e 94º do Código de Procedimento Administrativo de Macau”.
Então, como dizer-se que houve “falta de audiência prévia”?
— Quanto à “falta de fundamentação”, também não se alcança o real motivo de tal consideração.
De facto, é a própria recorrente que afirma – e bem – que “A fundamentação consiste em indicar, expressamente as premissas em que assenta o acto, ou em que se exprimem os motivos porque se decide de determinada forma e não de outra.”
E, lendo-se o “ofício de 19.06.2009” que à recorrente foi enviado – e do qual a mesma juntou cópia – cremos nós que adequado não é dizer-se que se fica sem saber dos motivos de facto e de direito da decisão ora recorrida.
Aliás, a acrescer tal facto, refira-se que da própria petição de recurso se constata que a recorrente percebeu das razões da decisão objecto do seu recurso, pelo que, tendo-se aqui como reproduzido o teor do referido Parecer, cabe dizer que, também na parte em questão, improcede o recurso.
— Por fim quanto ao vício de “violação de Lei”.
Ora, percorrendo as conclusões apresentadas, verifica-se que tal vício reside (apenas) na violação ao “princípio da proporcionalidade”.
Pois bem, temos entendido que o dito princípio implica que “os meios utilizados devem situar-se numa «justa medida» em relação aos fins obtidos, impedindo-se assim a adopção de medidas desproporcionais, excessivas ou desequilibradas. Pretende-se pois saber se o custo ou o sacrifício provocado pela decisão é proporcional ao benefício com ela conseguido.”; (cfr., v.g., o Ac. de 11.03.2010, Proc. n° 756/2009).
Da mesma forma, adquirido é que “A intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem”; (cfr., vg., os Acs. do Vdo T.U.I. de 15.10.2003, Proc. n° 26/2003, de 29.06.2005, Proc. n° 15/2005 e de 06.07.2005, Proc. n° 14/2005).
.
Na caso, e como a recorrente reconhece, o terreno em causa não está descrito na C.R.P.M. e encontra-se omisso na matriz predial.
Provada também não está a sua “posse”, (seja por quem for), ou qualquer outra situação objecto de tutela legal, sendo, igualmente, a própria recorrente a reconhecer que iria diligenciar pela sua “concessão”.
Por sua vez, não se pode olvidar que nos termos do art. 7° da Lei Básica da R.A.E.M.:
“Os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau (...).”
E, como acertadamente observa o Exm° Representante do M°P°, “tendo o acórdão do Venerando TUI, proferido no âmbito do proc. 32/2005, publicado no B.O., II Série, de 2/8/06, consignado que “Após o estabelecimento da Região, não se pode obter o reconhecimento de propriedade privada ou domínio útil a favor de particulares, dos referidos terrenos, através de decisão judicial, independentemente de acção a ser proposta antes ou depois da criação da Região”, todo o argumentado pela recorrente, a propósito da posse, domínio e arrendamento do terreno em questão, sendo estimável, se revela inócuo, já que, quer antes, quer depois do estabelecimento da RAEM, não logrou estabelecer o registo, a seu favor, do direito de propriedade ou qualquer outro direito real, designadamente de concessão, por aforamento ou arrendamento, não dispondo, mesmo, de qualquer título jurídico precário (designadamente licença de ocupação temporária) que autorize a sua posse ou confira poderes de uso e disposição sobre o terreno em causa...”.
Nesta conformidade, mal se compreende a invocação do aludido “princípio da proporcionalidade”.
Tudo visto, e sem necessidade de mais alongadas considerações, resta decidir.
Decisão
4. Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente com taxa de justiça que se fixa em 10 UCs.
Macau, aos 20 de Maio de 2010
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
Presente (Magistrado do M.º P.º)
Vítor Manuel Carvalho Coelho
9 Aliás, inserido na Subsecção III, sob o mesmo título.
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