Processo n.º 107/2009 Data do acórdão: 2010-7-29
Assuntos:
– fixação equitativa da indemnização
– danos não patrimoniais
S U M Á R I O
Não há fórmula sacramental na fixação equitativa da quantia indemnizatória de danos não patrimoniais, por cada caso ser um caso, cuja solução depende naturalmente dos ingredientes em concreto apurados.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 107/2009
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A
Tribunal a quo: 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
A, demandada já melhor identificada no pedido cível de indemnização enxertado nos autos de processo penal comum com intervenção de tribunal colectivo n.º CR3-06-0258-PCC do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, veio recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), do acórdão final aí proferido na parte respeitante à quantia arbitrada em MOP$800.000,00 para reparação do “dano de perda do direito à vida” da vítima mortal do acidente de viação em causa (vide o teor desse acórdão, a fls. 271 a 278 dos presentes autos correspondentes, cujo teor se dá por aqui totalmente reproduzido para todos os efeitos legais).
Pediu, pois, a seguradora recorrente tão-só a redução dessa parcela indemnizatória para MOP$400.000,00, através das seguintes considerações essenciais vertidas mormente na parte final da sua motivação de recurso de fls. 292 a 301 dos autos:
– o Tribunal a quo fixou a indemnização a título de perda do direito à vida no valor de MOP$800.000,00, olvidando a circunstância fundamental de a infeliz vítima ter já, à data do acidente mortal a idade avançada de 74 anos, conforme ficou assente nos presentes autos e se deixou consignado no acórdão recorrido;
– a idade muito avançada da vítima e a consequente curta expectativa da sua vida, imporia que o Tribunal a quo estabelecesse um montante indemnizatório a esse título substancialmente inferior;
– um tal dano deveria ter sido ressarcível com uma indemnização não superior a MOP$400.000,00, quantia essa que se mostraria equilibrada, adequada e razoável;
– o acórdão recorrido violou, pois, o disposto nos art.os 487.o e 489.o, n.o 3, do vigente Código Civil, devendo, por isso, ser revogado.
Ao recurso, não foi oferecida nenhuma resposta pela parte autora do pedido cível.
Subido o recurso, o Ministério Público junto desta Segunda Instância declarou em sede de vista a fls. 317 dos autos, e materialmente, que não tinha legitimidade para emitir parecer, por estar em causa um recurso relativo à indemnização civil.
Em sede de exame preliminar feito em seguida pelo relator, foi exarado despacho no sentido de poder o presente recurso, como interposto no âmbito do enxerto cível de indemnização em que se discutia questão meramente cível, ser julgado directamente em conferência, na esteira do entendimento já assumido nos processos n.os 285/2004, 294/2004, 314/2004, 317/2004, 59/2005 e 457/2007 do TSI.
E corridos depois os vistos legais, cumpre agora decidir.
Ora, desde já, cabe afirmar que o recurso vertente, dados os termos pelos quais foi interposto pela seguradora, pode efectivamente ser directamente julgado em conferência tal como o que acontece em outros recursos civis em geral, por razões já expendidas no despacho liminar do relator acima referido.
E voltando agora ao cerne do recurso em apreço, cumpre notar, de antemão, que este TSI, como tribunal ad quem, só tem obrigação de decidir da única questão material e concretamente colocada pela recorrente nas conclusões da sua motivação, qual seja, a de pretendida redução do quantum indemnizatório fixado pelo Tribunal a quo para a reparação do “dano de perda do direito à vida” da vítima do acidente de viação em causa, e já não de aquilatar da justeza, ou não, de todos os argumentos invocados pela recorrente na mesma motivação para sustentar a procedência da sua pretensão (neste sentido, cfr., nomeadamente, os arestos deste TSI nos seguintes processos penais: de 4/3/2004 no processo n.° 44/2004, de 12/2/2004 no processo n.º 300/2003, de 20/11/2003 no processo n.º 225/2003, de 6/11/2003 no processo n.° 215/2003, de 30/10/2003 no processo n.° 226/2003, de 23/10/2003 no processo n.° 201/2003, de 25/9/2003 no processo n.º 186/2003, de 18/7/2002 no processo n.º 125/2002, de 20/6/2002 no processo n.º 242/2001, de 30/5/2002 no processo n.º 84/2002, de 17/5/2001 no processo n.º 63/2001, e de 7/12/2000 no processo n.º 130/2000).
E a propósito dessa questão única a conhecer, afigura-se ser de diminuir a quantia indemnizatória em questão, atenta, em especial, a idade de 74 anos da vítima à data do acidente e, por isso, já avançada em confronto com a esperança da vida média das senhoras do tempo de hoje. Assim sendo, parece mais equitativa a fixação da parcela indemnizatória em apreço em MOP$650.000,00 (seiscentas e cinquenta mil patacas), à luz do disposto no art.° 487.°, ex vi do art.° 489.°, ambos do Código Civil de Macau, sendo certo que não há nenhuma fórmula sacramental para a matéria em causa, por cada caso ser um caso, cuja solução depende naturalmente dos ingredientes em concreto apurados.
Nota-se, por fim, que de todo o acima relatado e analisado, decorre naturalmente já transitada em julgado (logo após completado o prazo legal de dez dias contado da notificação das duas partes cíveis do veredicto final da Primeira Instância), precisamente por falta de impugnação quer pela própria parte demandada quer pela parte demandante, toda a remanescente decisão já tomada no acórdão recorrido, pelo que os juros legais de outras quantias indemnizatórias por que a seguradora ora recorrente já vinha condenada no acórdão recorrido serão contados desde a data do trânsito em julgado dessa parte da decisão até integral e efectivo pagamento.
Dest’arte, e em harmonia com o exposto, acordam em julgar, directamente em conferência, parcialmente procedente o recurso, com consequente redução da quantia indemnizatória do “dano de perda do direito à vida” da vítima do acidente de viação dos autos, de MOP$800.000,00 para apenas MOP$650.000,00 (seiscentas e cinquenta mil patacas), sendo intacto, pois, todo o restante já decidido no acórdão recorrido, que já transitou em julgado há muito por falta de impugnação pelas partes.
Sendo objecto do recurso apenas o decidido pela Primeira Instância no respeitante à fixação da indemnização do “dano de perda do direito à vida”, só há condenação, nesta Segunda Instância, de custas correspondentes a essa parte, pelo que as custas do pedido cível nas duas Instâncias referente a esta questão são contadas na proporção do decaimento final das partes em função do acima decidido, enquanto as custas do pedido cível na Primeira Instância relativas a todo o demais então peticionado pela parte demandante civil são por conta das duas partes, na proporção dos respectivos decaimentos finais de acordo com o veredicto final da Primeira Instância, e isto tudo sem prejuízo dos efeitos do apoio judiciário já concedido à parte demandante civil na modalidade de dispensa de pagamento de custas.
Macau, 29 de Julho de 2010.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
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