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Recurso nº 485/2010
Recorrente: A
Decisão recorrida: Despacho que denegou a liberdade condicional





Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
Nos autos de Liberdade Condicional junto do Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Base, pela decisão da Mmº Juiz, de 29/04/2010, foi recusada a liberdade condicional do recluso A.
Inconformado com a decisão o recuso, alegando que:
a. Foi negado ao recorrente a liberdade condicional, alegadamente, por a sua eventual liberdade não garantir a defesa da ordem jurídica e a paz social;
b. A decisão em apreço teve em conta apenas o parecer desfavorável do Digno Agente do MP e, pura e simplesmente, ignorou todos os pareceres e relatórios favoráveis de quem lida diariamente com o recluso, ora recorrente, todos eles inequivocamente coincidentes no sentido do parecer favorável à libertação antecipada do recluso.
c. O recorrente padece de grande debilidade física, podendo recuperar da doença de que sofre, uma vez em liberdade.
d. Na óptica do Tribunal “a quo”, o recluso “... sabia que B o poder oficial para receber dinheiro ilicitamente”; “... não obstante, auxiliou-o a constituir sociedades, para o efeito ...”; pelo que, este caso, “... atentou contra a dignidade do Governo e influenciou negativamente a ordem jurídica ...“.
e. Assim sendo, na óptica da decisão recorrida, o processo B o tal caso ... não o processo do recorrente! - prejudicou a imagem de Macau; logo, o recorrente, cuja conduta criminosa não tem a menor comparação com aqueloutra de B, “apanha por tabela”, sendo 100% certo que a sua conduta criminosa nunca teve o menor impacto sobre a comunidade de Macau.
f. O que terá eventualmente prejudicado a imagem de Macau não foi o crime de branqueamento de capitais perpetrado pelo recorrente, mas sim os crimes cometidos por B.
g. Salvo o devido respeito, ignorou o Tribunal “a quo” a posição doutamente assumida por esse Tribunal de Segunda Instância, ao revogar a decisão de 1ª Instância e condenando o arguido, então recorrente, por um único crime de branqueamento de capitais, na forma continuada, exactamente porque a sua conduta contínua e homogénea, num período de tempo limitado, e no quadro de uma mesma solicitação exterior - aquela de B o verdadeiro obreiro dos crimes de “elevado impacto negativo na imagem de Macau” – diminuíu consideravelmente a culpa do arguido, ora recorrente.
h. É inegável, consequentemente, a diminuta culpado recorrente, em todo o “iter criminoso”.
Por outro lado,
i. Uma vez determinada pelo tribunal a pena em concreto aplicada ao infractor - no caso, de 4 anos e 6 meses prisão - esta pena está já balizada pela culpa do agente e pela sua recuperação social, no seu limite máximo, e pela prevenção geral, no seu limite mínimo - no caso, 2 anos de prisão.
j. Não é, pois, lícito, salvo o devido respeito, invocar - como faz a decisão recorrida - um eventual prejuízo à ordem social e à confiança no sistema jurídico para obstaculizar a libertação antecipada do recorrente quando tal desiderato de prevenção geral foi já determinado pelo limite mínimo da moldura penal aplicável ao crime de branqueamento de capitais;
k. Afigura-se ao recorrente que a decisão recorrida não se dirige a si, pelo que acima se disse, mas a B, não podendo o recorrente ser “bode expiatório” do que nunca se lhe imputou, sobretudo tendo em conta que o seu comportamento, durante o período de reclusão, foi bom, sempre em resposta ao que internamente lhe foi exigido (mas com as limitações físicas que patenteou), tendo recebido daqueles que com ele diariamente privam parecer favorável à sua libertação antecipada.
l. A liberdade condicional é um “prémio” que se concretiza no esforço de ressocialização do recluso, não devendo ser obstaculizado por considerações vagas, abstractas e infundamentadas, como é o caso da referência, na decisão recorrida, à “confiança dos cidadãos no sistema jurídico”.
m. No caso em apreço, estão, pois, reunidos, em termos gerais, os pressupostos para a concessão ao recluso, ora recorrente, da liberdade condicional, a saber:
- O cumprimento de dois terços da pena e no mínimo 6 meses;
- O consentimento do recorrente; e
- O juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do recorrente, uma vez em liberdade.
Nestes termos
Por violação do disposto no art° 56°, face ao disposto nos art°s 400, n.ºs 1 e 2 e 43º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que conceda ao recluso recorrente a liberdade condicional, face aos manifestos e inequívocos pareceres favoráveis à sua libertação antecipada.

Ao recurso respondeu o Ministério Público pugnando pelo não provimento do recurso por não se encontram violados quaisquer preceitos do Artigo 56º do C.P.M..

Nesta instância, a Digna Procurador-Adjunto apresentou o seu douto parecer que se transcreve o seguinte:
“O nossa Exmº Colega evidencia, cabalmente, a sem razão da recorrente.
E nada se impõe acrescentar, de relevante, às suas criteriosas explanações.
Conforme tem decidido este Tribunal, na esteira do preceituado no artº. 56º do C. Penal, a liberdade condicional é uma medida a conceder caso a caso, “dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação a defesa da ordem jurídica e da paz social” (cfr. por todos, ac. de 12-6-2003, proc. n.º 116/2003).
E, no caso presente, não se verifica, desde logo, o pressuposto referido na al. b) do n.º 1 do citado normativo.
Há que ter em conta, na verdade, a repercussão dos factos praticados na sociedade.
O que vale por dizer, também, que não podem ser postergads as exigências de tutela do ordenamento jurídico (cfr. Figueiredo dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pg. 540).
Em termos de prevenção positiva, realmente, há que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada, através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada ...” (cfr. mesmo Autor, Temas Básicos da Doutrina Penal, pg. 106).
Deve, pelo exposto, ser negado provimento ao recurso.

Cumpre conhecer.
Foram colhidos vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.

Consideram-se pertinentes os seguintes factos:
- Pelo processo nº CR3-07-0215-PCC juízo do Tribunal Judicial de Base de Macau, o recorrente foi condenado, pela prática dos crimes de Corrupção passiva para acto ilícito e Branqueamento de capitais, na pena única de 5 anos de prisão efectiva.
- O recorrente em 6 de Dezembro de 2011 cumprirá a pena de prisão na totalidade e cumpriu dois terços da pena em 6 de Abril de 2010.
- O recorrente declarou que concordou em submeter o parecer quanto à liberdade condicional.
- Para efeito da apreciação, o Técnico da Prisão elaborou o relatório social cujo teor se consta das fls. 3 a 12 que se dá por reprodução para todos os efeitos.
- O Sr. director da Prisão e o Ministério Público promoveram a não concessão de liberdade condicional.
- A Mmª Juiz proferiu o despacho de indeferimento da liberdade condicional em 29 de Abril de 2010.

Conhecendo.
O regime da liberdade condicional está previsto no artº 56º do CPM, que preceitua que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”.
São pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional, a condenação em pena de prisão superior a seis meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de também seis meses (nº 1).
E estão preenchidos estes pressupostos, in casu, pois pena em que foi condenado o recorrente – 5 anos de prisão – tendo já “expiado” mais que dois terços de tal pena, (concretamente, em 6 de Abril de 2010).
Encontra-se pela primeira vez a apreciação da possibilidade da sua libertação antecipada.
Como tem entendido, para a concessão da liberdade condicional, para além destes pressupostos formais, impõe-se ainda a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º do Código Penal ora citado,1 nomeadamente no ponto de vista da prevenção especial e geral do crime.
Ou seja, deve demonstrar a sua capacidade e vontade de se reinserir na sociedade, como o Código anterior assim exprimia, e a sua libertação não pôr em causa a aceitabilidade psicológica da comunidade, ou seja, na palavra do código actual, não se mostra incompatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
A sua capacidade comprova-se pela sua hipótese de emprego assegurado e a condição física de trabalho, enquanto a sua vontade é indiciada pela evolução da sua personalidade, o bom comportamento durante a execução da pena em prisão e a previsibilidade de não cometer o crime após a libertação antecipada.
A apreciação deste pressupostos materiais consiste na análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”.2
   Como se sabe, o instituto da liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa por mera boa conduta prisional, e serve na política do Código Penal “um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão”.3
   Temos de reconhecer que os efeitos positivos a produzirem pela libertação antecipada do recluso, mostram-se, muitas vezes, maiores do que os a produzirem pela continuação da sua reclusão.
Por outro lado, não deixaremos de tomar a consideração da advertência do Prof. Figueiredo Dias, “O reingresso do condenado no seu meio social, apenas cumprida metade da pena” – no âmbito do C.P.M., dois terços – “a que foi condenado, pode perturbar gravemente a paz social e pôr assim em causa as expectativas comunitárias na validade da norma violada. Por outro lado, da aceitação do reingresso pela comunidade jurídica dependerá, justamente, a suportabilidade comunitária da assunção do risco da libertação que, como dissemos, é o critério que deve dar a medida exigida de probabilidade de comportamento futuro sem reincidência.”4
O que temos de fazer neste âmbito é procurar um ponto de equilíbrio entre dois sentidos da finalidade de punição.
   Na situação em apreço, a favor do recorrente, temos o seu bom comportamento durante o período de reclusão, pelo facto de não só ter sido classificado como “bom”, de não sofrimento de quaisquer sanções disciplinares, apesar da não participação nas actividades prisionais dada da sua debilidade, e do apoio do seu irmão mais novo e da família deste. Por outro lado, teve certa reflexão sobre o seu comportamento criminoso anterior e, em liberdade, irá viver com o seu filho residente em Macau.
   Independentemente de se pode com estes factos concluir pela prognose favorável ao recluso, e, apesar de que no ponto de vista da prevenção especial do crime não pudesse fazer comunicação ao seu irmão B, não podemos deixar de relevar o ponto de defesa da ordem jurídica que a lei visa salvaguardar com o regime de liberdade condicional, a sua libertação antecipada não depende da vontade do próprio recluso, mas sim mormente da aceitabilidade psigológica dos membros e e da necessidade de salvaguardar a confiança e as expectativas desta comunidade no que toca à validade da norma violada.
   Não se pode ignorar o impacto social provocado pelos crimes cometidos pelo ora recorrente, nomeadamente pelo montante envolvido nos crimes cometidos, o que chama a maior exigência da tutela do ordenamento jurídico, independentemente de ser o ora recorrente merecedor de ser simpatizado pela sua grande debilidade.
   Com estes elementos negativos, ainda não é estão verificados todos os pressupostos à libertação antecipada da ora recorrente, devendo assim improceder o presente recurso.
   
   Pelo exposto, em conferência, acordam negar provimento ao recurso interposto pelo recluso A, mantendo-se a decisão recorrida.
   Custas pelo recorrente.
Macau, RAEM, aos 15 de Julho de 2010
 
 Choi Mou Pan (Relator)
 José Maria Dias Azedo (1° Adjunto)
 Chan Kuong Seng (2° Adjunto)
 
1 Vide, entre outros, os Acs. deste T.S.I. de 11.04.2002, Proc. nº 50/2002, de 18.04.2002, Proc. nº 53/2002, de 13.06.2002, Proc. nº 91/2002 e de 17.10.2002, Proc. nº 184/2002.
2 Vide entre outros, Ac. deste T.S.I. de 31.01.2002, Proc. nº 6/2002 e os citados de 18.04.2002, de 13.06.2002 e de 17.10.2002.
3 Cfr. L. Henriques e Simas Santos in, “Noções Elementares de Direito Penal de Macau, 1998, pág. 142. Acórdãos deste TSI, entre outros, de 11 de Abril de 2002 do Processo Nº 50/2002.
4 In “Direito Penal Português ...”, pág. 538 a 541)
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