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Processo n.º 229/2009 Data do acórdão: 2010-7-29
 Assuntos:
– fixação equitativa da indemnização
– danos não patrimoniais
– dificuldade financeira do condutor lesante
– fim do seguro obrigatório automóvel
– situação económica do lesante e do lesado
S U M Á R I O
1. Não há fórmula sacramental na fixação equitativa da quantia indemnizatória de danos não patrimoniais, por cada caso ser um caso, cuja solução depende naturalmente dos ingredientes em concreto apurados.
2. Há que repudiar, no âmbito da responsabilidade civil por acidente de viação, a tese defendida pela seguradora recorrente de que “não se podem atribuir montantes que (nenhum) lesante teria a mínima hipótese de ressarcir”, posto que é exactamente para obviar a essa compreensível dificuldade financeira de muitos condutores automóveis, que o legislador instituiu o regime de seguro obrigatório automóvel.
3. Pela mesma razão subjacente a este instituto, a modesta situação económica do lesante e do lesado não pode ter a pretendida relevância na diminuição da quantia compensatória de danos morais do lesado no acidente de viação.
O relator,

Chan Kuong Seng

Processo n.º 229/2009
(Autos de recurso penal)
  Recorrente: A
Tribunal a quo: 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
A A (“A”), demandada já melhor identificada no pedido cível de indemnização enxertado por B (B) nos autos de processo penal comum com intervenção de tribunal colectivo n.º CR3-06-0068-PCC do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, veio recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), do acórdão final aí proferido na parte apenas respeitante à quantia arbitrada em MOP$500.000,00 para reparação dos danos morais sofridos por esse ofendido do acidente de viação dos autos (vide o teor desse acórdão, a fls. 352 a 360 dos presentes autos correspondentes, cujo teor se dá por aqui totalmente reproduzido para todos os efeitos legais).
Pediu, pois, a seguradora recorrente tão-só a redução dessa parcela indemnizatória para um montante não superior a MOP$150.000,00, através das seguintes considerações essenciais vertidas mormente na parte de conclusões da sua motivação de recurso de fls. 365 a 379 dos autos:
– a fixação da indemnização ao lesado a título de danos morais teria que ser efectuada com justiça e equidade, em face das circunstâncias dadas por assentes no texto da decisão recorrida, aos valores constantes da jurisprudência, e à luz dos critérios previstos nos art.os 487.o e 489.o do vigente Código Civil, o que não aconteceu nos presentes autos, violando, por isso, o acórdão recorrido o disposto nessas normas legais;
– tanto o ofendido como o lesante pertencem a uma classe económica média e auferem sensivelmente o mesmo: MOP$7.000,00;
– esta circunstância é absolutamente relevante na apreciação e fixação in casu do montante indemnizatório, pois, pelo facto de haver um seguro obrigatório de responsabilidade civil, não pode o Tribunal recorrido atribuir montantes compensatórios que (nenhum) lesante teria a mínima hipótese de ressarcir;
– o valor encontrado pelo Colectivo recorrido é demasiado elevado face aos valores correntemente atribuídos em situações semelhantes, sendo inclusivamente superior ao valor normalmente atribuído pela perca do “direito à vida humana”.
Ao recurso, respondeu o ofendido demandante a fls. 392 a 400, no sentido de manutenção da decisão recorrida.
Subido o recurso, o Ministério Público junto desta Segunda Instância declarou em sede de vista que não tinha legitimidade para emitir parecer, por estar em causa um recurso relativo à indemnização civil.
Concluído posteriormente o exame preliminar dos autos pelo relator, foi exarado despacho no sentido de poder o presente recurso ser julgado directamente em conferência, na esteira do entendimento já assumido nos processos n.os 285/2004, 294/2004, 314/2004, 317/2004, 59/2005 e 457/2007 do TSI.
E corridos depois os vistos legais, cumpre agora decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Desde já, cabe afirmar que o recurso vertente, dados os termos pelos quais foi interposto pela seguradora, pode efectivamente ser directamente julgado em conferência tal como o que acontece em outros recursos civis em geral, por se tratar de um recurso interposto no âmbito do enxerto cível de indemnização em que se discutia uma questão meramente civil.
E voltando agora ao cerne do recurso em apreço, cumpre notar, de antemão, que este TSI, como tribunal ad quem, só tem obrigação de decidir da única questão material e concretamente colocada pela recorrente nas conclusões da sua motivação, qual seja, a de pretendida redução do quantum indemnizatório fixado pelo Tribunal a quo para a reparação dos danos morais sofridos pela vítima do acidente de viação em causa, e já não de aquilatar da justeza, ou não, de todos os argumentos invocados pela recorrente na mesma motivação para sustentar a procedência da sua pretensão (neste sentido, cfr., nomeadamente, os arestos deste TSI nos seguintes processos penais: de 4/3/2004 no processo n.° 44/2004, de 12/2/2004 no processo n.º 300/2003, de 20/11/2003 no processo n.º 225/2003, de 6/11/2003 no processo n.° 215/2003, de 30/10/2003 no processo n.° 226/2003, de 23/10/2003 no processo n.° 201/2003, de 25/9/2003 no processo n.º 186/2003, de 18/7/2002 no processo n.º 125/2002, de 20/6/2002 no processo n.º 242/2001, de 30/5/2002 no processo n.º 84/2002, de 17/5/2001 no processo n.º 63/2001, e de 7/12/2000 no processo n.º 130/2000).
E a propósito dessa questão única a conhecer, e atendendo sobretudo ao facto de estar já assente no texto do acórdão recorrido que o lesado B ficou internado no hospital por 117 dias para ser tratado das lesões sofridas no acidente de viação dos autos, com sujeição a diversas intervenções médicas, para fixação dos ossos da coluna e recuperação de tecidos macerados na boca, geradoras de muitas dores, que desse acidente lhe resultaram, como lesões, a avulsão de fractura de superfície da 2.a vértebra cervical, a concussão dos maxilares e dos dentes, a concussão do crânio, as tonturas e dores de cabeça, a laceração do istmo do 5.o arco vertebral do lado direito, as escoriações nos lábios e no lombo dorsal direito, diversas equimoses e hematomas nas partes expostas do corpo de que resultaram várias cicatrizes, e que perdeu ele forças nas mãos, e sofre e continuará a sofrer no futuro, principalmente com as alterações de temperatura, muitas dores de cabeça e na cintura, que ele, sendo um jovem com vinte e tal anos, se sentiu extremamente infeliz e deprimido devido às sequelas do acidente, designadamente as várias cicatrizes e a necessidade de ficar acamado, afigura-se a este Tribunal ad quem mais equitativo, depois de relembrados mormente os valores fixados em outros recursos congéneres, fixar a quantia indemnizatória dos danos morais sofridos por esse ofendido demandante em MOP$400.000,00, à luz do disposto no art.° 487.°, ex vi do art.° 489.°, ambos do Código Civil, sendo certo que não há nenhuma fórmula sacramental para a matéria em causa, por cada caso ser um caso, cuja solução depende naturalmente dos ingredientes em concreto apurados, se bem que haja de repudiar, no âmbito da responsabilidade civil por acidente de viação, a tese defendida pela recorrente de que “não se podem atribuir montantes que (nenhum) lesante teria a mínima hipótese de ressarcir”, posto que é exactamente para obviar a essa compreensível dificuldade financeira de muitos condutores automóveis, que o legislador instituiu o regime de seguro obrigatório automóvel, por um lado, e, por outro, haja de observar que pela mesma razão subjacente a este instituto, a modesta situação económica do lesante e do lesado não pode ter a pretendida relevância na diminuição da quantia compensatória de danos morais do lesado no acidente de viação.
Nota-se, por fim, que de todo o acima relatado, decorre naturalmente já transitada em julgado (logo após completado o prazo legal de dez dias contado da notificação das duas partes civis do veredicto final da Primeira Instância), precisamente por falta de impugnação quer pela própria parte demandada quer pela parte demandante, toda a remanescente decisão já tomada no acórdão recorrido, pelo que os juros legais das quantias indemnizatórias de danos patrimonais (no total de MOP$325.641,70) por que a seguradora ora recorrente já vinha condenada no acórdão recorrido, serão contados desde a data do trânsito em julgado dessa parte da decisão até integral e efectivo pagamento.
III – DECISÃO
Em sintonia com o exposto, acordam em julgar, directamente em conferência, parcialmente procedente o recurso, com consequente redução da quantia indemnizatória dos danos morais da vítima do acidente de viação dos autos, de MOP$500.000,00 para apenas MOP$400.000,00 (quatrocentas mil patacas), sendo intacto todo o restante já decidido no acórdão recorrido, que já transitou em julgado há muito por falta de impugnação pelas partes.
Sendo objecto do recurso apenas o decidido pela Primeira Instância no respeitante à fixação da quantia para reparação de danos morais, só há condenação, nesta Segunda Instância, de custas correspondentes a essa parte, pelo que as custas do pedido cível nas duas Instâncias referente à questão de danos morais são contadas na proporção do decaimento final das partes em função do supra decidido, enquanto as custas do pedido cível na Primeira Instância relativas a todo o demais então peticionado pela parte demandante civil são por conta das duas partes, na proporção dos respectivos decaimentos de acordo com o veredicto da Primeira Instância.
Macau, 29 de Julho de 2010.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)



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