ACÓRDÃO DO RECURSO CÍVEL/LABORAL
【民事/勞動案上訴裁判書】
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PROCESSO DO RECURSO nº : 1010/2009
【Nº do processo da 1ª Instância: CV3-08-0041-LAC】
ESPÉCIE: Recurso laboral
DATA: 10-DEZEMBRO-2009
ASSUNTOS:
ASSUNTOS:
- Prescrição de créditos laborais
- Gorjetas e salário
SUMÁRIO:
1. O contrato celebrado entre um particular e a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A., para aquele trabalhar nos casinos desta última, sob direcção efectiva, fiscalização e retribuição por parte da mesma, deve ser qualificado juridicamente como um contrato de trabalho remunerado por conta alheia, e, os créditos emergentes deste contrato estão sujeitos aos prazo normal de prescrição (20 anos), face ao Código Civil de 1966, quando este seja o diploma aplicável, por força do disposto no artigo 290º/1 do CCM.
2. O prazo da prescrição referido no nº 1 interrompe-se com a citação/notificação da Ré para tentativa de conciliação no âmbito do processo laboral nos termos do disposto 323º do CC de 1966 (correspondente ao artigo 315º do CCM).
3. Considerando o carácter de “regularidade” e de controlabilidade/disponibilidade pela Ré das “gorjetas”, cuja natureza se altera desta forma, devem elas ser consideradas como parte integrante do salário dos trabalhadores que prestavam serviços nas condições referidas no nº 1.
O Relator
Fong Man Chong
PROCESSO DO RECURSO nº 1010/2009
【Nº do processo da 1ª Instância: CV2-08-0041-LAC】
ESPÉCIE: Recurso laboral
DATA: 10-DEZEMBRO-2009
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* RECORRENTE:
Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L. (澳門旅遊娛樂有限公司)
* RECORRIDO:
A (A)
* OBJECTO DO RECURSO:
- Despacho interlocutório (fls. 108 a 111);
- Sentença final (fls. 176 a 184).
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL
DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I - RELATÓRIO:
A(A), melhor identificado nos autos, patrocinado pelo MP, propôs contra a Ré, “Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM)”, com sede na Avenida do Hotel Lisboa, 9° andar, Macau, acção para efectivação do direito ao pagamento da compensação pelo dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios, por si não gozados, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia MOP$283,386.24, e ainda no pagamento de juros vencidos e vincendos sobre tal quantia desde a data da cessação da relação laboral (fls. 2 a 14).
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Prosseguidos os autos e feito o julgamento, foi posteriormente proferida a respectiva sentença, que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$196,626.44, acrescida de juros legais à taxa legal, desde o trânsito em julgado da sentença até efectivo e integral pagamento.
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Inconformada com esta decisão, a Ré veio a recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (fls. 190 a 253).
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A este recurso respondeu o Autor (fls. 262 a 264).
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Admitido o recurso, vieram os autos a este TSI, neles subindo um outro recurso interlocutório, antes interposto pela Ré (fls. 108 a 111).
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Feito o exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre decidir agora.
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II – FUNDAMENTAÇÃO:
A) - Dos Factos:
Ao abrigo do disposto no artigo 631º/6 do CPCM, remete-se a descrição da matéria de facto provada para a decisão recorrida (fls. 174/v a 175).
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B) - Do direito:
- Do “Recurso interlocutório do Ré” (prescrição de créditos):
A Ré, em contestação, invocou a “prescrição dos créditos laborais alegados pelo Autor”, pois, a relação laboral entre a Ré e o Autor foi mantida no período de 16/6/1974 a 08/10/1995, uma vez que foi citada em 10/06/2008 e a relação entre o Autor e a Ré foi extinta em 08/10/1995.
No saneador, o Mmo. Juiz proferiu a seguinte decisão:
“O gozo de descanso semanal, anual e de feriados obrigatórios é um direito que reconhece ao trabalhador especialmente consagrado nas sucessivas legislações laborais, constituindo a sua violação um direito do trabalhador de ser indemnizado nos termos legalmente previstos.
Aliás, é a própria Ré que reconhece o direito que assiste ao Autor de poder exigir o pagamento pelos trabalhos efectivamente prestados em dias de descanso semanal, férias anuais e feriados obrigatórios, somente, no seu entender, terá que ser descontado o número de dias que foram dispensados de serviço, seja a que título, a solicitação do trabalhador.
Sendo ainda verdade que a Ré nunca pagou ao Autor ou a qualquer outro funcionário em idênticas situações, ao longo do período do tempo em que se encontravam vinculados, qualquer compensação a título de descanso semanal, férias anuais ou feriados obrigatórios.
Assim, seria coerente da parte da Ré afirmar que o Autor não tem direito a receber qualquer pagamento por não lhe assistir qualquer direito a repouso em dias de descanso semanal, férias anuais ou feriados obrigatórios, ou que esse direito só lhe será concedido quando for solicitado e sem direito a qualquer compensação, tal como vem defendendo ao longo de quase toda a sua impugnação e em todos os processos semelhantes. Porém, se assim for, nunca poderá falar em prescrição de quaisquer direitos.
Incompreensível é considerar estar-se perante um direito de prestações duradouras renováveis periodicamente quando está em causa não a percepção de prestações pecuniárias mas o exercício de um direito de repouso que só em caso de não ser concedido constituirá obrigação da Ré pelo seu pagamento e respectiva indemnização.
Pelo que, nunca poderá afirmar-se, como vem defender a Ré, que se tratem de prestações regulares e periódicas.
Pelo exposto, improcede a excepção de prescrição arguida pela Ré.”
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Inconformada, o Ré recorreu, concluindo, em síntese, da forma constante de fls. 110/v a 111, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais.
Cumpre decidir:
A questão de prescrição, levantada neste tipo de processo, tem já sido objecto de decisão de vários processos, em que o TSI tem vindo a entender que o prazo de prescrição dos créditos laborais, reclamados pelo Autor nas condições documentadas nos autos, é de 20 anos, fazendo-se apelo ao artigo 309º do CC de 1966.
Efectivamente, no ordenamento jurídico-laboral anteriormente vigente em Macau, quer em face do DL nº 101/84/M, de 25 de Agosto, quer do DL nº 24/89/M, de 3 de Abril, o legislador de Macau não chegou a criar um regime específico sobre a prescrição dos direitos laborais, circunstâncias estas que obrigam o aplicador de Direito se socorre do regime geral, ou o previsto no CC de 1966, que consagra o prazo de 20 anos; ou o constante do CC de Macau (1999), que fixa o prazo de 15 anos (artigo 302º).
Quid Juris? Qual regime aplicável? 20 anos do CC velho ou 15 anos do CC novo?
É uma questão da aplicação da lei no tempo, o próprio Código Civil regula a sucessão das leis de alteração de prazos de forma autónoma em relação à regra da sucessão de leis no tempo, através do artigo 290º do CCM.
O artigo 290º do CCM dispõe:
“1. A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
2. A lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial.
3. O disposto nos números anteriores é extensivo, na parte aplicável, aos prazos fixados pelos tribunais ou por qualquer autoridade.”
Ou seja, o novo prazo aplica-se aos prazos que já estiverem em curso, mas conta-se apenas o tempo decorrido na vigência da nova lei, salvo se daí resultar um prazo mais longo do que o da lei anterior, caso em que o prazo continua a correr segundo esta lei (artigo 290º do Código Civil de Macau).
Obviamente para a escolha do prazo aplicável, a fim de salvaguardar a parte final daquele preceito, sempre importará indagar do prazo a quo, isto é, a partir de que momento se iniciará a sua contagem.
No caso em apreço, em qualquer das situações a ponderar, o início do prazo sempre seria de computar antes de 08/10/1995, data da cessação da relação laboral, ou em qualquer outra data a atender em termos de vencimento do direito, necessariamente anterior àquela, pela sua aplicação, à data da vigência da nova lei, 1 de Novembro de 1999, sempre resultaria um prazo mais longo, teremos de fazer apelo à previsão da parte final do n.º 1 do artigo 290º do CCM, e aplicar a lei antiga, já que ao abrigo da mesma, sempre faltará menos tempo para o prazo se completar.
Nestes termos, em observância do artigo 290º/1 do CCM, a solução mais correcta é de aplicar o prazo de 20 anos, previsto no artigo 309º do CC de 1966 (tal como foi decidido em vários arrestos do TSI: Proc. 640/2006 (08-03-2007; Proc. 19/2007, de 22/03/2007, ... a título de exemplos).
Ora, demonstram os autos que a Ré foi citada para a tentativa de conciliação em 10/06/2008, evidentemente estão prescritos os créditos anteriores a 09/06/1988.
Como o Autor peticiona os créditos referentes ao período de 01/09/1984 a 08/10/1995, obviamente os créditos anteriores à data de 09/06/1988 estão prescritos nos termos acima referidos.
※“Pelo que, é de julgar parcialmente procedente o recurso nesta parte interposto pela Ré. ”
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- Do “Recurso da sentença”:
Da decisão final recorreu a STDM, Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L., tendo oferecido as seguintes conclusões:
1) - A Sentença de que ora se recorre é nula por erro na subsunção da matéria de facto dada como provada ao impedimento, por parte da Ré, do gozo de dias de descanso semanal, anual e nos feriados obrigatórios remunerados, por parte do Autor, e bem assim, relativamente ao tipo de salário auferido pela ora Recorrido, ao condenar a Ré, ora Recorrente, ao pagamento de uma indemnização com base no regime do salário mensal e abrangendo realidades distintas que são o salário diário recebido da Recorrente e as gratificações ou gorjetas recebidas de terceiros, liberalidades dos clientes frequentadores dos casinos.
2) - Com base nos factos constitutivos dos direitos alegados pelo Autor, ora Recorrido, relembre-se aqui que estamos em sede de responsabilidade civil, pelo que, esta apenas terá o dever de indemnização caso prove que a Recorrente praticou um acto ilícito, culposo e punível.
3) - E, de acordo com os artigos 17°, 21º e 23º do RJRT de 1984 e com os artigos 17º, 20º e 24º, todos do RJRT de 1989, qualquer dos diplomas, aqui, aplicáveis, apenas haverá comportamento ilícito por parte da entidade empregadora ou do empregador, - e consequentemente um direito a indemnização ou a uma compensação - quando o trabalhador ou o empregado seja obrigado a trabalhar em dia de descanso semanal, anual e ou em dia de feriado obrigatório e aquela entidade empregadora não o remunere nos termos da lei.
4) - Pelo que, por omissão de pronúncia, a Sentença é desde logo nula, devendo ser revogada, sem prejuízo do que abaixo e adiante se irá ainda concluir e expor.
5) - Não podendo, de todo, proceder os montantes e valores expostos nas tabelas, apresentadas a fls. 182 a 183 v da douta Sentença ora aqui posta em crise porque, deveria ter-se descontado os montantes recebidos pelo aqui Recorrido em singelo, nas pretensas quantias a eventualmente apurar, o que igualmente o Mmo Tribunal recorrido não fez, ao arrepio do mais alto entendimento do Mmo. TUI.
6) - Nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita, ou sequer culposo, logo, não punível) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descanso pelo A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título - relembre-se que ficou provado que o(a) A. precisava de autorização da R. para ser dispensado dos serviços.
7) - Porque assim é, carece de fundamento legal a condenação da Ré e ora Recorrente por falta de prova de um dos elementos essenciais à prova do direito de indemnização do A., ora Recorrido(a), i.e., a ilicitude do comportamento da Ré, ora Recorrente.
8) - Caso assim não se entenda sempre deve aplicar-se, para o cálculo de qualquer compensação pelo trabalho alegadamente prestado em dias de descanso, o regime prevista para o salário diário – em função do trabalho efectivamente prestado (artigo 28º e 29º do RJRT de 1984 e artigos 26º e 27º do RJRT de 1989).
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
9) - O A., ora Recorrido, não estava dispensado do ónus da prova, quanto ao não gozo de dias de descanso e devia, em audiência de Discussão e Julgamento, por meio de testemunhas ou através de meio de prova documental, ter de facto, provado que dias, alegadamente, não gozou.
10) - Assim sendo, o Tribunal a quo errou na aplicação do direito, pelo que o douto Tribunal de Segunda Instância deverá anular a decisão e absolver a Recorrente dos pedidos deduzidos pelo A., aqui Recorrido.
11) - Nos termos do nº 1 do artigo 342° do Código Civil de 1966 e do artigo 335º do Código Civil de 1999, “Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.”
12) - Por isso, e ainda em conexão com os quesitos da base instrutória, cabia ao A., ora Recorrido, provar que a Recorrente obstou, proibiu, impediu ou negou o gozo de dias de descanso (sejam semanais, anuais ou feriados).
13) - Ora nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita, culposa ou punível) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pelo A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento à indemnização que pede, a esse título.
14) - Sendo, assim, a douta sentença nula, devendo ser revogada e substituída por outra decisão da parte do Mmo Tribunal ad quem.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
15) - O nº1 do artigo 5° do RJRT de 1984 e o mesmo normativo do RJRT de 1989, dispõe ambos que estes diplomas não serão aplicáveis perante condições de trabalho mais favoráveis que sejam observadas e praticadas entre empregador e trabalhador, esclarecendo os s 6° dos mesmos que, os regimes convencionais prevalecerão sempre sobre o regime legal, se daqui resultarem condições de trabalho mais favoráveis aos trabalhadores.
16) - O facto de o A., ora Recorrido, ter beneficiado de um generoso e vantajoso esquema de distribuição de gratificações ou de gorjetas dos Clientes dos casinos que a Ré explorou entre 1962 e 2002, e que lhe permitiu, ao longo de vários anos, auferir mensalmente rendimentos que numa situação normal nunca auferiria, justifica, de per si, a possibilidade de derrogação do dispositivo que impõe à entidade empregadora o dever de pagar um salário justo.
17) - É que, caso o ora Recorrido auferisse apenas um “salário justo” - da total responsabilidade da Recorrente, e pago na íntegra por esta - certamente que esse salário seria inferior ao rendimento total que o ora Recorrido, a final, auferia durante os vários anos em que foi empregado ou funcionário da ora Recorrente.
18) - Não concluindo - e nem sequer se tendo debruçando sobre esta questão - pelo tratamento mais favorável ao trabalhador resultante do acordado entre as partes - consubstanciado, sobretudo, nos altos rendimentos que o A. auferia - incorreu o Tribunal a quo em erro de direito, o que constitui causa de anulabilidade da douta sentença ora em crise, devendo ser a mesma revogada ou alterada quanto a esta questão.
Assim não se entendendo e ainda concluindo:
19) - A aceitação do ex-trabalhador, ora Autor e aqui Recorrido, de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração teria, forçosamente, de ser considerada como válida.
20) - Os artigos 24° e seguintes da Lei Básica de Macau, consagram um conjunto de direitos fundamentais, assim como os artigos 70° e seguintes do Código Civil de 1966 e dos artigos 67º e seguintes do Código Civil de 1999, consagram um conjunto de direitos de personalidade e, do seu elenco não constam os alegados direitos violados (dias de descanso anual e feriados obrigatórios).
21) - Não tendo o legislador consagrado a irrenunciabilidade dos direitos em questão, devem os mesmos ser considerados livremente renunciáveis e, bem, assim, considerada eficaz qualquer limitação voluntária dos mesmos, seja essa limitação voluntária dos mesmos, seja essa limitação voluntária efectuada ab initio, superveniente ou ocasionalmente.
22) - Destarte, deveria o Mmo Tribunal recorrido, ter considerado eficaz a renúncia ao gozo efectivo de tais direitos, absolvendo a aqui Recorrente do pedido.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
23) - Ao trabalhar voluntariamente - e realce-se, não ficou, em nenhuma sede, provado que esse trabalho não foi prestado de forma voluntária, muito pelo contrário - em dias de descanso (sejam eles anual, semanal ou resultantes de feriados), o ora Recorrido optou por ganhar mais, tendo direito à correspondente retribuição em singelo.
24) - E, não tendo o Recorrido, sido impedido ou proibido de gozar quaisquer dias de descanso anual, de descanso semanal ou quaisquer feriados obrigatórios, é forçoso é concluir pela inexistência do dever de indemnização da Ré/Recorrente ao A./Recorrido.
Ainda sem conceder, e ainda concluindo:
25) - Por outro lado, jamais pode a ora Recorrente concordar com a fundamentação do Mmo. Juiz a quo quando considera que o A., ora Recorrido, era retribuída com base num salário mensal, sendo que toda a factualidade dada como assente indica o sentido inverso, ou seja, do salário diário em função do trabalho efectivamente prestado.
26) - Em primeiro lugar, porque a proposta contratual oferecida pela ora Recorrente aos trabalhadores dos casinos, como o aqui Recorrido é a mesma há cerca de 40 anos: auferiam um salário diário de, no caso, de MOP$13.20 por dia, ou seja, um salário de acordo com o período de trabalho efectivamente prestado e a sua comparência ao serviço.
27) - Acresce que a fórmula do salário diário nunca foi contestada pelos trabalhadores na pendência da relação contratual e, ademais, nunca os trabalhadores impugnaram expressamente a alegação desse facto nas instâncias judiciais nos processos pendentes.
28) - Trata-se de uma disposição contratual válida e eficaz de acordo com os anteriores RJRT de 1984 que vigorou até 2 de Abril de 1989 e com o RJRT de 1989 que vigorou até 31 de Dezembro de 2009, que previam, expressamente, a possibilidade das partes acordarem no regime salarial mensal ou diário, no âmbito da autonomia da vontade (e na vertente do princípio da liberdade contratual), prevista no artigo 1° do referido diploma de 1989.
29) - Ora, na ausência de um critério legal ou requisitos definidos para aferir a existência de remuneração em função do trabalho efectivamente prestado, ao estabelecer que o A., ora Recorrido, era remunerado com um salário mensal, a douta sentença recorrida desconsidera toda a factualidade dada como assente e, de igual forma, as condições contratuais acordadas entre as partes.
30) - Salvo o devido respeito por mais douto entendimento diverso, a R. e ora Recorrente, entende que, nessa parte, a decisão em crise não está devidamente fundamentada e +e errada, ao tentar estabelecer como imperativo (ou seja, o regime de salário mensal em contratos de trabalho típicos) o que a lei define como sendo dispositivo (i. e., as partes poderem livremente optar pelo regime de salário mensal ou diário em contratos de trabalho típicos).
31) - E, é importante salientar, esse entendimento por parte do Mmo. Juíz a quo, teve uma enorme influência na decisão final da presente lide e, em última instância, no cálculo do quantum indemnizatório, pelo que deve ser reapreciada por V. Exas, no sentido de fixar o salário auferido pelo A. e ora Recorrido, como salário diário, o que expressamente se requer. Por outro lado,
32) - O trabalho prestado pelo ora Recorrido em dias de descanso foi sempre retribuído em singelo.
33) - A remuneração já paga pela Recorrente ao ora Recorrido por esses dias, deve ser subtraída nas compensações devidas pelos dias de descanso a que o A. tinha direito, nos termos do DL. Nº 101/84/M, de 25 de Agosto (que aprovou o RJRT de 1984, igualmente aqui aplicável), e depois, nos termos do DL nº 24/89/M, de 3 de Abril, que aprovou o RJRT de 1989, e, ainda finalmente, nos termos do DL nº 32/90/M, de 9 de Julho de 1990 (que alterou este último RJRT pela primeira vez), aplicando-se aqui ambos os diplomas legais laborais.
34) - Tal como é entendido, hoje em dia, desde 2007, pela mais alta Instância Jurisdicional em Macau, o Mmo TUI, em pelo menos três doutos arestos sobre esta precisão questão que envolveu – igualmente -, a ora Recorrente.
35) - Assim, entre 16 de Junho de 1974 e 8 de Outubro de 1995 valiam, inteiramente, os regimes convencionais, o princípio da autonomia privada, na vertente, em especial, da Liberdade contratual, e os Usos e Costumes do sector.
36) - Que, hoje em dia, valem como lei e estão ressalvados pela Lei Laboral de Macau.
37) - O trabalho prestado em dia de descanso semanal, para os trabalhadores que auferem salário diário, deve ser remunerado como um dia normal de trabalho (cfr. as alíneas a) e b) do nº 6 do artigo 17º do RJRT de 1989), tendo o Tribunal a quo descurado em absoluto essa questão, ao que parece na opinião da Recorrente.
38) - Ora, nos termos do nº 4 do artigo 26° do RJRT em vigor, o salário diário inclui a remuneração devida pelo gozo de dias de descanso e, nos termos da alínea b) do nº 6 do artigo 17°, os trabalhadores que auferem salário diário verão o trabalho prestado em dia de descanso semanal remunerados nos termos do que for acordado com a entidade empregadora.
39) - Indo bem mais além e incluindo todo o descanso “legal”, nos termos do artigo 28º do RJRT do 1984, o salário referido a um determinado período (como é o caso dos doutos autos), já inclui o salário correspondente aos períodos de descanso semanal, às férias anuais e aos feriados obrigatórios, remunerados e não remunerados.
40) - No presente caso, não havendo acordo expresso, deverá considerar-se que a remuneração acordada é a correspondente a um dia de trabalho.
41) - A decisão aqui em recurso, enferma assim de ilegalidade, por errada aplicação do aplicação do anterior artigo 28º do RJRT de 1984, e igualmente, por errada aplicação da alínea b) do nº 6/-b) do artigo 17° e do artigo 26°, ambos do RJRT de 1989, o que importa a revogação da parte da sentença que condenou a ora Recorrente ao pagamento relativo às compensações pelo não gozo dos dias de descanso, o que, expressamente, se requer.
Ainda, concluindo, deverá também, ser considerado pelo Mmo Tribunal ad quem:
42) - Relativamente à questão de Direito e ao aspecto jurídico nuclear deste litígio,
43) - As gratificações, luvas, prémios irregulares, prémio de produtividade, ou as gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário, e bem assim as gratificações ou as luvas ou os prémios, ou as gorjetas auferidas pelos trabalhadores da STDM.
44) - Neste sentido a corrente Jurisprudencial dominante, onde se destaca com particular acuidade o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisoba, de 8 de Julho de 1999, e agora na RAEM, pelo Tribunal de Última Instância, em três decisões proferidas em 2007 (duas) e em 2008 (uma), até hoje, as únicas sobre esta questão de Direito juridicamente nuclear no presente litígio.
45) - Outras decisões do Mmo TUI se lhe seguiram, entretanto.
46) - Também neste sentido se tem pronunciado a Doutrina de uma forma pacifica e unanimemente, quer em Portugal, quer em Macau, quer na Europa.
47) - Assim, também, o entendeu o Mmo Tribunal de Última Instância de Hong Kong em douto Acórdão datado de 28 de Fevereiro de 2006:
48) - “I am to the view that, subject to the possibility that sections 41(2) and 41C(2) are to be read to cover contractual commission accruing and calculated on a daily basis in amounts varying from day to day, no commission is to be included in the calculation of holiday pay and annual leave pay” – Recurso final com o nº 17/2005 (Direito e processo civil), em recurso do processo inicial com o nº 204/2004.
49) - Repare-se que este excerto da decisão do Mmo. T.U.I. de Hong Kong também se debruça sobre a compensação pelo trabalho prestado em dia de repouso, considerando que a haver lugar ao pagamento de uma indemnização pelo trabalho prestado em dia de descanso, aquela não inclui nem se calcularia tendo em conta elementos estranhos e alheios ao salário do aí peticionante.
50) - E, o mesmo se passa, neste caso concreto decidendo, salvo melhor entendimento, Juízo e opinião.
51) - E a legislação comparada de Portugal: o Despacho nº 20/87 de 27 de Fevereiro, publicado na II – Série, nº 59, de 12 de Março de 1987; o Despacho Normativo 24/89, de 17 de Fevereiro de 1989; o Decreto-Lei nº 422/89 de 2 de Dezembro de 1989; o Decreto-Lei nº 10/95 de 19 de Janeiro de 1995; a Portaria nº 1159/90, de 27 de Novembro de 1990; a Portaria nº 129/94, de 1 de Março de 1994; e a Portaria nº 355/2004, de 5 de Abril de 2004.
52) - O punctum crucis essencial para a qualificação das prestações pecuniárias enquanto prestações retributivas é quem realiza a prestação. A prestação será retribuição quando se trate de uma obrigação a cargo da entidade empregadora.
53) - Nas gratificações há um animus donandi, ao passo que a retribuição consubstancia uma obrigatoriedade, no sinalagma entre a prestação do trabalho do trabalhador e a sua remuneração pela entidade empregadora.
54) - A propósito da incidência do Imposto Profissional: “O Imposto Profissional incide sobre os rendimentos do trabalho, em dinheiro ou em espécie, de natureza contratual ou não, fixos ou variáveis, seja qual for a sua proveniência ou local, moeda e forma estipulada para o seu cálculo e pagamento”.
55) - É a própria norma que distingue, expressamente, gorjetas/gratificações/luvas/prémios irregulares, de salário, vencimento, remuneração ou retribuição – vejam-se os artigos 2º e 3º da Lei nº 2/78/M, de 25 de Fevereiro de 1978.
56) - Neste sentido, qualifica o Dr. António de Lemos Monteiro Fernandes expressamente as gorjetas dos trabalhadores da STDM, S.A., como “rendimentos do trabalho”, esclarecendo que os mesmos são devidos por causa e por ocasião da prestação de trabalho, mas não em função ou como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho.
57) - Ainda, e na doutrina portuguesa, por exemplo, no mesmo sentido, a Professora Maria do Rosário Palma Ramalho afirma que, “as gratificações ou prémios atribuídos ao trabalhador não integram, em princípio, o conceito de retribuição, porque não correspondem a um dever do empregador mas ao seu animus donandi, nem constituem contrapartida do seu trabalho prestado. (...) Por fim, debate-se o problema da qualificação das gratificações e outras prestações patrimoniais em que o trabalhador recebe não do empregador mas de terceiros (por exemplo, as gorjetas dadas aos empregados de um restaurante ou de um hotel, ou aos croupiers do casino, pelos clientes). Crê-se que a qualificação como retribuição destas prestações é de afastar pelo facto de não serem atribuídas nem devidas pelo empregador, não podendo, assim, corresponder a qualquer contrapartida do trabalho prestado – pág. 552 e 553, vol. II, “Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais”, Julho de 2006, itálico no original da obra.
58) - E, agora na Jurisprudência portuguesa, por exemplo, decidiu-se igualmente que: “III – As gratificações dadas por terceiros ao trabalhador não se consideram como integrantes do direito à retribuição devida pela entidade patronal;” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relatado pelo Conselheiro Almeida Devesa, de 23 de Janeiro de 1996, processo nº 004309, nº do documento SJ199601230043094, disponível em www.dgsi.pt.
59) - Ou, ainda, por exemplo, no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Março de 1995, o mesmo acordou que: “II – As gratificações recebidas dos clientes pelos empregados dos Casinos e repartidas pelos trabalhadores, segundo o processo fixado na lei (DL nº 422/89, de 2 de Dezembro, e Portaria nº 1159/90, de 27 de Novembro), não constituem retribuição dos trabalhadores, nos termos dos artigos 82 e 88 da LCT69” – Douto aresto relatado pelo Senhor Desembargador Dinis Roldão, processo nº 0098094, nº do documento RL199503080098094, também disponível no mesmo sítio da internet, em www.dgsi.pt.
60) - Na verdade, a reunião, guarda, recolha e contabilização são realizadas nas instalações dos casinos da STDM. S.A., mas com a colaboração e intervenção de uma Comissão Paritária composta por empregados de casino, funcionários da tesouraria e ainda de funcionários do governo que são chamados para supervisionar a todo esse procedimento.
61) - Apenas a distribuição das gratificações, gorjetas, ou das luvas cabia e coube sempre e apenas em exclusivo à Ré/Recorrente.
62) - Salvo o devido respeito pelo Mmo Tribunal a quo, a posição de sustentar a integração das gorjetas no conceito jurídico de salário, com base no conceito abstracto e subjectivo de “salário justo”, não tem qualquer fundamento legal, nem pode ter aplicação no caso concreto decidendo.
63) - Em primeiro lugar, porque o que determina se certo montante integra ou não o conceito de salário, são critérios objectivos, que, analisados detalhadamente, indicam o contrário, se não vejamos: as gratificações ou luvas ou gorjetas são montantes: (i) entregues por terceiros; (ii) variáveis; (iii) não garantidos pela STDM, S.A., aquando da contratação; (iv) reunidas e contabilizadas pelos respectivos empregados do casino, juntamente com funcionários da tesouraria e a DICJ.
64) - Vide, por exemplo, o exposto no artigo 66º da Contestação da Recorrente.
65) - E, fortalece a nossa tese, a posição do governo de Macau que nunca considerou necessário a definição de um montante mínimo salarial que pudesse servir de bitola para a apreciação - menos discricionária - do que é um salário justo.
66) - A actual lei das relações de trabalho - «LRT» - que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2009, exclui, nos seus artigos 57º a 65º - Capítulo V – da Lei nº 7/2008, de 18 de Agosto de 2008, as gratificações ou luvas ou gorjetas do conceito de remuneração base, não as incluindo em qualquer dos acréscimos à mesma retribuição base.
67) - Veja-se, nesse sentido, o teor do nº 1 do artigo 59º do LRT.
68) - E no seguimento, os nºs 2 a 6 do artigo 59º, e os artigos 60º e 61º da mesmo LRT actualmente em vigor na RAEM.
69) - Dessa forma, o cálculo da eventual indemnização só poderia, - acredita a Recorrente -, levar em linha de conta o salário diário, excluindo-se as gratificações, luvas ou gorjetas.
70) - O valor dos rendimentos médios mensais no sector do jogo e aposta em casino em Macau, ascendeu, no ano de 2007, a cerca de mais de 11 (onze) mil patacas mensais (MOP$11,000.00), enquanto que nas outras áreas económicas e produtivas, os rendimentos apenas ultrapassaram as 7 (sete) mil patacas mensais (MOP%$7,000.00) o que, desde logo, demonstra o atractivo por aquela actividade, que a ora Recorrente levou a cabo até 2002.
71) - A ora Recorrente, ao que parece, não poderia, pois, ser condenada, à luz de um conceito de salário mensal ou de retribuição média diária ou de remuneração normal, quando estão em causa os descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios remunerados e os não remunerados.
72) - Dessa forma, o cálculo da eventual indemnização a arbitrar, quanto ás questões enunciadas e em litígio, só poderia levar em linha de conta o salário diário, excluindo-se as gratificações ou luvas ou gorjetas.
73) - Finalmente, a Ré e aqui Recorrente gostaria, ainda, de invocar os três doutos Acórdãos nºs 28/2007, 29/2007, e 58/2007, respectivamente datados de 21 de Setembro de 2007, 22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008, nos quais o Mmo. TUI demonstrou partilhar do entendimento da Ré, no que a matéria de retribuição diz respeito.
74) - A douta sentença proferida pelo Tribunal Judicial de base em 22 de Setembro de 2009 ora posta em crise, deverá ser revista e reformulada, absolvendo-se a ora Recorrente e considerando as presentes alegações de Direito procedentes por provadas.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, que V. Exas. Doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente, revogando-se a sentença recorrida em conformidade, fazendo V. Exas a habitual Justiça.” (cfr., fls. 190 a 252).
* * *
De realçar que as questões discutidas neste tipo de processos já têm sido objecto de decisões de vários processos, quer na 1ª Instância, quer na 2ª Instância, estando mais ou menos estandardizado o entendimento, à excepção de uns ou outros aspectos.
Feita esta nota introdutória, passemos a analisar, de imediato, as questões levantadas neste recurso que se nos incumbe resolver nesta sede própria.
(1) - Retribuição: composição e tipo de salário:
Ora, ficou provado que, entre as partes, existia um contrato de trabalho e sabendo que uma componente essencial em que este se analisa é a retribuição, importará agora abordar outra das questões controvertidas entre as partes: qual a composição da retribuição devida pela Ré ao Autor.
Tal questão prende-se com a circunstância de os trabalhadores da Ré auferirem, como contrapartida do seu trabalho, uma quantia fixa e uma quantia variável constituída por aquilo a que, vulgarmente, se chama de gorjetas.
Neste particular, continuamos a entender que, de acordo, aliás, com as decisões defendidas na 1ª Instância e também pela jurisprudência uniforme do Tribunal de Segunda Instância, a retribuição ou salário do Autor é integrada pelas quantias fixas e pelas gorjetas.
Conhecemos o tratamento jurisprudencial da questão feito pelo Tribunal de Última Instância (TUI) através do douto Acórdão de 21 de Setembro de 2007, Processo 28/2007, entre outros que foram proferidos posteriormente, que, essencialmente, apontam no sentido de que as gorjetas não integram o salário.
Porém, e apesar de todo o respeito que o entendimento sufragado pelo mais Alto Tribunal da Região nos merece, continuamos a considerar que, face aos dados legislativos do ordenamento jurídico da RAEM, devemos manter o sentido das nossas anteriores decisões.
Vejamos, de forma breve, porquê.
O artigo 25º/1 do DL nº 24/89/M, de 3 de Abril, estabelece que: “pela prestação dos seus serviços ou actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo”, aliás, já era assim no âmbito do DL 101/84/M, de 25 de Agosto, conforme resultava do respectivo artigo 27º/1.
Por outro lado, ainda nos termos do mesmo diploma legal “entende-se por salário toda e qualquer prestação, susceptível de avaliação em dinheiro, seja qual for a sua designação ou forma de cálculo, devida em função da prestação de trabalho e fixada ou por acordo entre empregador e trabalhador, ou por regulamento ou norma convencional ou por norma legal” - artigo 25º/2 do DL nº 24/89/M, de 3 de Abril, e artigo 27º/2 do DL nº 101/84/M, de 25 de Agosto.
Ora, no caso vertente, ficou provado, a este propósito, o seguinte:
- O Autor começou a trabalhar para a Ré em 16 de Junho de 1974.
- E essa relação laboral cessou em 08 de Outubro de 1995.
- Como contrapartida da sua actividade laboral, como empregada de casino (糾察), desde o início da relação laboral até à data da sua cessação, o Autor recebia da Ré uma quantia fixa diária e outra parte variável, em função do dinheiro recebido dos clientes de casinos vulgarmente designado por «gorjetas».
- A quantia salarial fixa do Autor era de MOP$13.20 por dia, desde do seu início do trabalho até a data da cessação de funções.
É de ver que o Autor recebeu uma parte, variável, das gorjetas entregues pelos clientes da Ré a todos os trabalhadores desta, as quais eram distribuídas pela entidade patronal segundo um critério por esta fixado.
Tais gorjetas eram distribuídas por todos os trabalhadores da Ré e não apenas pelos que tinham contacto directo com os clientes nas salas de jogo e nessa distribuição interna das gorjetas, os trabalhadores recebiam quantitativo diferente consoante a respectiva categoria, tempo de serviço e departamento em que trabalhavam.
Deste modo, perante tal factualidade, é de concluir que o salário do Autor, era composto por uma componente fixa e por uma componente variável, as chamadas gorjetas, pois que todas as quantias auferidas pelo Autor ao longo dos anos serviam para retribuir a sua prestação de trabalho.
Afigura-se-nos irrelevante que as gorjetas sejam o produto de uma liberalidade dos clientes.
Pois, esse primitivo carácter de liberalidade diluiu-se no momento e na medida em que as gorjetas dadas pelos clientes não revertiam directamente para os trabalhadores mas, ao invés, eram reunidas, contabilizadas e distribuídas pela Ré segundo um critério por ela fixado.
Ou seja, após a liberalidade dos clientes, a Ré dispunha do dinheiro resultante das gorjetas da forma que queria e como bem entendia, nomeadamente distribuindo-as pelos seus trabalhadores de forma a retribuir a prestação de trabalho a que estes se encontravam vinculados.
A Ré não era uma mera intermediária entre os clientes e trabalhadores com missão exclusiva de gestão do dinheiro proveniente das gorjetas. Bem ao contrário, a Ré comportava-se, em relação a tais montantes, como verdadeira proprietária dos mesmos utilizando-os para solver as suas obrigações para com os trabalhadores.
* * *
Determinado está que o quantitativo variável proveniente originariamente das gorjetas integra o salário do Autor, importa agora definir se tal salário era um salário mensal ou um salário em função do resultado ou do período de trabalho efectivamente prestado, no caso concreto, um salário diário.
A distinção é importante e releva, sobretudo, da diferenciação de tratamento que se consagra no art. 17º nº 6 do DL 24/89/M em relação à remuneração do trabalho prestado em dias de descanso semanal.
Ora, considerando o modo como nasceu e se desenvolveu a relação jurídico-laboral entre o Autor e a Ré, é de concluir que o trabalhador aufere salário mensal e não salário determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado.
Com efeito, como se refere no douto Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 22 de Junho de 2006, proferido no Processo 76/2006 (argumentação que é utilizada, igualmente, por exemplo, nos Acs. TSI 8 de Junho de 2006, Processo 169/2006 e de 29 de Junho de 2006, Processo 264/2006) “se fosse um salário diário ou salário fixado em função do período de trabalho efectivamente prestado, a laboração contínua e permanente daquela sociedade comercial (STDM) como exploradora de jogos, por decorrência da legislação especial aplicável a essa sua actividade, poderia sair comprometida, bastando que algum trabalhador não viesse comparecer nos casinos daquela em cumprimento dos rigorosos turnos diários por esta fixados em relação a cada um dos seus empregados, ou viessem a trabalhar dia sim dia não como bem entendessem, já que a retribuição do trabalho seria, de qualquer maneira, igualmente calculada em função dos dias de trabalho efectivamente prestado. Tudo isto aponta claramente para uma situação de trabalho remunerado com salário mensal, ainda que em quantia variável”.
Nesta conformidade, é da convicção do Tribunal e assim decide:
- As gorjetas fazem parte integrante do salário do Autor;
- O mesmo aufere um salário mensal.
* * *
Continuemos.
(2) - Erro de Direito:
Entende a Ré/Recorrente que a Mmaº Juiz “a quo” incorreu em “erro de direito”.
Como se disse, em largas dezenas de acórdãos por esta Instância proferidos em idênticos recursos, foram já tais questões apreciadas; (cfr., v.g., para se citar alguns, o Ac. de 26.01.2006, Proc. nº 255/2005; de 23.02.2006, Proc. nº 296 e 297/2005; de 02.03.2006, Proc. nº 234/2005; de 09.03.2006, Proc. nº 257/2005; de 16.03.2006, Proc. nº 328/2005 e Proc. nº 18, 19, 26 e 27/2006; e, mais recentemente, de 14.12.2006, Proc. nº 361, 382, 514, 515, 575, 576, 578 e 591/2006 e de 01.02.2007, Proc. nº 597/2006).
Acolhemos este entendimento e dá-se também aqui o mesmo como reproduzido - passa-se a decidir.
Considera a Ré, ora recorrente, que:
1) - A Sentença de que ora se recorre é nula por erro na subsunção da matéria de facto dada como provada ao impedimento, por parte da Ré, do gozo de dias de descanso semanal, anual e nos feriados obrigatórios remunerados, por parte do Autor, e bem assim, relativamente ao tipo de salário auferido pela ora Recorrido, ao condenar a Ré, ora Recorrente, ao pagamento de uma indemnização com base no regime do salário mensal e abrangendo realidades distintas que são o salário diário recebido da Recorrente e as gratificações ou gorjetas recebidas de terceiros, liberalidades dos clientes frequentadores dos casinos.
2) - Com base nos factos constitutivos dos direitos alegados pelo Autor, ora Recorrido, relembre-se aqui que estamos em sede de responsabilidade civil, pelo que, esta apenas terá o dever de indemnização caso prove que a Recorrente praticou um acto ilícito, culposo e punível.
3) - E, de acordo com os artigos 17°, 21º e 23º do RJRT de 1984 e com os artigos 17º, 20º e 24º, todos do RJRT de 1989, qualquer dos diplomas, aqui, aplicáveis, apenas haverá comportamento ilícito por parte da entidade empregadora ou do empregador, - e consequentemente um direito a indemnização ou a uma compensação - quando o trabalhador ou o empregado seja obrigado a trabalhar em dia de descanso semanal, anual e ou em dia de feriado obrigatório e aquela entidade empregadora não o remunere nos termos da lei.
4) - Pelo que, por omissão de pronúncia, a Sentença é desde logo nula, devendo ser revogada, sem prejuízo do que abaixo e adiante se irá ainda concluir e expor.
5) - Não podendo, de todo, proceder os montantes e valores expostos nas tabelas, apresentadas a fls. 182 a 183 v da douta Sentença ora aqui posta em crise porque, deveria ter-se descontado os montantes recebidos pelo aqui Recorrido em singelo, nas pretensas quantias a eventualmente apurar, o que igualmente o Mmo Tribunal recorrido não fez, ao arrepio do mais alto entendimento do Mmo. TUI.
6) - Nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita, ou sequer culposo, logo, não punível) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descanso pelo A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título - relembre-se que ficou provado que o(a) A. precisava de autorização da R. para ser dispensado dos serviços.
Quid Juris? Perante os argumentos produzidos!
Ora, cremos que a Ré/Recorrente posicionou, nesta parte, mal a questão, porque a causa de pedir invocada pelo Autor é a violação das cláusulas imperativamente fixadas pelo legislador para os contratos de trabalho e não os factos ilícitos que dão origem à responsabilidade extra-contratual.
Por outro lado, como se consignou no Ac. deste T.S.I. de 08.06.2006 (Proc. nº 169/2006), “mesmo que o trabalhador se dispossibilize a não gozar os dias de descanso semanal e/ou anual e/ou feriados obrigatórios a fim de trabalhar voluntáriamente para o seu empregador, a lei laboral sempre o protegerá da situação de prestação de trabalho nesses dias, desde que o trabalhador o reclame”.
Este entendimento continua a merecer o nosso apoio e assim resolvemos a questão em apreço.
* * *
(3) - Indemnizações pelo não gozo de descanso anual, semanal e em feriados obrigatórios:
Prosseguindo para o conhecimento das restantes questões colocadas no presente recurso.
Nestes termos, o Tribunal “a quo” dá como provados os seguintes factos:
- O Autor começou a trabalhar para a Ré em 16 de Junho de 1974.
- E essa relação laboral cessou em 08 de Outubro de 1995.
- Como contrapartida da sua actividade laboral, como empregada de casino (糾察), desde o início da relação laboral até à data da sua cessação, o Autor recebia da Ré uma quantia fixa diária e outra parte variável, em função do dinheiro recebido dos clientes de casinos vulgarmente designado por «gorjetas».
- A quantia salarial fixa do Autor era de MOP$13.20 por dia, desde do seu início do trabalho até a data da cessação de funções.
- O Autor sempre prestou serviços nos seus descansos semanais.
- E não foi compensado com outro dia de descanso pela Ré por cada dia de descanso semanal não gozado.
- O Autor prestou serviços também nos feriados obrigatórios de 1 de Outubro do ano 1984, de 1 de Janeiro, 1 de Maio e 1 de Outubro do ano 1985, 1986, 1987, 1988, bem como de 1 de Janeiro do ano 1989.
- O Autor prestou também serviços nos restantes feriados obrigatórios 1 dia de Chong Chao e 1 dia de Chong Yeong do ano 1984, 3 dias do Ano Novo Chinês, 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao e 1 dia de Chong Yeong dos anos de 1985, 1986, 1987, 1988, bem como 3 dias do Ano Novo Chinês do ano 1989.
- O Autor prestou serviços nos feriados obrigatórios de 1 de Maio e 1 de Outubro do ano 1989, de 1 de Janeiro, 3 dias do ano novo chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro dos anos 1990, 1991, 1992, 1993, 1994 e 1995.
- O Autor prestou serviços ainda nos restantes feriados obrigatórios de 1 dia de 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao, 1 dia de Chong Yeong e 1 dia de Cheng Meng dos anos de 1989, 1990, 1991, 1992, 1993, 1994 e 1995.
- Ao Autor nunca lhe tinha sido pago qualquer compensação salarial pelos serviços prestados quer nos feriados obrigatórios remunerados quer não remunerados.
- O Autor prestou serviços à Ré nos seus descansos anuais.
- O Autor nunca gozou descansos anuais, respeitantes ao período compreendido entre 01 de Setembro de 1984 e 08 de Outubro de 1995.
- A Ré nunca procedeu ao pagamento de qualquer quantia ao trabalhador (ora Autor) quer por descansos semanais quer por descansos anuais e feriados obrigatórios não gozados, quer remunerados quer não remunerados.
Está provado que o Autor não gozou os referidos “descansos”, e inexistem motivos para se dar por inexistente o “dever de indemnização” da recorrente S.T.D.M.. Com o que passemos a apreciar se correctos estão os montantes a que chegou o Tribunal “a quo”.
Na sentença recorrida consigna-se o seguinte:
“Do trabalho prestado em dia de descanso semanal:
*
Do Decreto-Lei nº 101/84/M, de 25 de Agosto
Em relação ao período compreendido entre 25 de Agosto de 1984 e 02 de Abril de 1989:
Não é atribuída qualquer indemnização pecuniária, por nele não prever a compensação pecuniária desse trabalho – cfr. artº17º e 18º, a contrario sensu.
*
Do Decreto-Lei nº24/89/M, de 3 de Abril
Em relação ao período compreendido entre 03 de Abril de 1989 e 08 de Outubro de 1995 (cfr. art°17°, n°6, al. a)):
Ano
Salário/dia
Dias
Cálculo
Montante
03/04/1989 ﹣31/12/1989
$71,371.00/12/30=$198.25
39
$198.25*39*2
$15,463.50
1990
$79,976.00/12/30=$222.16
52
$222.16*52*2
$23,104.64
1991
$81,774.00/12/30=$227.15
52
$227.15*52*2
$23,623.60
1992
$78,360.00/12/30=$217.67
52
$217.67*52*2
$22,637.68
1993
$78,040.00/12/30=$216.78
52
$216.78*52*2
$22,545.12
1994
$82,398.00/12/30=$228.88
52
$228.88*52*2
$23,803.52
01/01/1995 ﹣08/10/1995
$64,671.00/281=$230.15
40
$230.15*40*2
$18,412.00
Sub-Total: $149,590.06
* * *
Do trabalho prestado em dia de feriados obrigatórios:
*
Do Decreto-Lei nº 101/84/M, de 25 de Agosto
Em relação ao período compreendido entre 25 de Agosto de 1984 e 02 de Abril de 1989:
Não é atribuída qualquer indemnização pecuniária, por nele não prever a compensação pecuniária desse trabalho – cfr. artº20º nº3 e 21°, a contrario sensu.
*
Do Decreto-Lei nº24/89/M, de 3 de Abril
Em relação aos feriados obrigatórios remunerados e referente ao período compreendido entre 03 de Abril de 1989 e 08 de Outubro de 1995 (cfr. art°19° e 20°):
Ano
Salário/dia
Dias
Cálculo
Montante
1989:
01/05;
01/10
$71,371.00/12/30=$198.25
2
$198.25*2*3
$1,189.50
1990
$79,976.00/12/30=$222.16
6
$222.16*6*3
$3,998.88
1991
$81,774.00/12/30=$227.15
6
$227.15*6*3
$4,088.70
1992
$78,360.00/12/30=$217.67
6
$217.67*6*3
$3,918.06
1993
$78,040.00/12/30=$216.78
6
$216.78*6*3
$3,902.04
1994
$82,398.00/12/30=$228.88
6
$228.88*6*3
$4,119.84
01/01/1995 ﹣08/10/1995
$64,671.00/281=$230.15
6
$230.15*6*3
$4,142.70
Sub-Total: $25,359.72
Em relação aos feriados obrigatórios não remunerados e referente ao período compreendido entre 03 de Abril de 1989 e 08 de Outubro de 1995:
Não é atribuída qualquer indemnização pecuniária, nos termos do disposto na alínea b) do nº1 do artigo 20º, a contrario sensu.
* * *
Do trabalho prestado em dia de descanso anual:
Do Decreto-Lei nº 101/84/M, de 25 de Agosto
Em relação ao período compreendido entre 25 de Agosto de 1984 e 02 de Abril de 1989:
Ano
Salário/dia
Dias
Cálculo
Montante
25/08/1984 –
31/12/1984
$52,296.00/12/30=$145.27
2
$145.27*2*1
$290.54
1985
$57,945.00/12/30=$160.96
6
$160.96*6*1
$965.76
1986
$53,244.00/12/30=$147.90
6
$147.90*6*1
$887.40
1987
$58,895.00/12/30=$163.60
6
$163.60*6*1
$981.60
1988
$62,803.00/12/30=$174.45
6
$174.45*6*1
$1,046.70
01/01/1989 - 02/04/1989
$71,371.00/12/30=$198.25
1.5
$198.25*1.5*1
$297.38
Como os créditos anteriores a 09/06/1988 estão prescritos, só pode atender-se os créditos depois desta data, razão pela qual são atendidos os seguintes valores:
Ano
Salário/dia
Dias
Cálculo
Montante
A partir de 09/06/1998
$62,803.00/12/30=$174.45
3.5
$174.45*3.5*1
$610.58
01/01/1989 - 02/04/1989
$71,371.00/12/30=$198.25
1.5
$198.25*1.5*1
$297.38
Sub-total:
$907.96
*
Do Decreto-Lei nº24/89/M, de 3 de Abril
Em relação ao período compreendido entre 03 de Abril de 1989 e 08 de Outubro de 1995:
Ano
Salário/dia
Dias
Cálculo
Montante
03/04/1989 ﹣31/12/1989
$71,371.00/12/30=$198.25
4.5
$198.25*4.5*2
$1,784.25
1990
$79,976.00/12/30=$222.16
6
$222.16*6*2
$2,665.92
1991
$81,774.00/12/30=$227.15
6
$227.15*6*2
$2,725.80
1992
$78,360.00/12/30=$217.67
6
$217.67*6*2
$2,612.04
1993
$78,040.00/12/30=$216.78
6
$216.78*6*2
$2,601.36
1994
$82,398.00/12/30=$228.88
6
$228.88*6*2
$2,746.56
01/01/1995 ﹣08/10/1995
$64,671.00/281=$230.15
4.5
$230.15*4.5*2
$2,071.35
Sub-Total: $17,207.28
Somados os valores de sub-totais (MOP$149.590.06 + MOP$25,359.72 + MOP$907.96 + MOP$17,207.28) , o valor total é de MOP$193,065.00.
* * *
Uma nota final que merece acrescentar:
Na sentença recorrida não foi atribuída qualquer compensação relativa aos dias de descanso semanal e de feriados obrigatórios, não gozados pelo Autor, no período de 25/04/1984 a 02/04/1989, matéria esta que, seguido um outro entendimento da legislação, poderá ter um tratamento diferente, mas como ela não é objecto do recurso, é de manter a decisão do Tribunal “a quo” nesta matéria.
Tudo visto e ponderado, resta decidir.
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III - DECISÃO:
Nos termos expostos e em conferência, acorda o T.S.I. em conceder provimento parcial ao recurso, decidindo:
【據上論結,經評議後,本院裁定上訴理由部份成立,裁判如下:】
1. Condenar a Ré, Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.AR.L. (澳門旅遊娛樂有限公司), a pagar ao Autor, A (A), a quantia de MOP$193,065.00, a título de indemnização total pelo não gozo dos descansos semanal e feriados obrigatórios remunerados, acrescida de juros legais à taxa legal desde o trânsito em julgado da sentença até efectivo e integral pagamento.
【判處被告澳門旅遊娛樂有限公司向原告A支付澳門幣193,065.00元作為原告未有享受周假及強制性有薪假日之賠償總和,附加按法定利率計算之到期利息,利息自本判決轉為確定日起計至全數及實際支付為止。】
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2. ※Julgar parcialmente procedente o recurso intercalar interposto pela Ré/Recorrente.
※【裁定被告/上訴人之中間上訴理由部分成立。】
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※Custas do recurso interlocutório e do recurso da sentença final pelas partes na proporção dos respectivos decaimentos.
※【對中間上訴及對終局判決提出之上訴訴訟費由雙方按敗訴比例支付。】”
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Notifique nos termos legais.
【依法作出通知。】
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Macau, aos 10 de Dezembro de 2009.
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Fong Man Chong
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
※ Rectificado por Acórdão proferido em 15-Dezembro-2009.
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