Processo nº 703/2009
(Autos de recurso contencioso)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, com os sinais dos autos, veio recorrer do despacho em 01.06.2009 proferido pelo EXM° SECRETÁRIO PARA A ECONOMIA E FINANÇAS que julgou improcedente o recurso hierárquico pela mesma recorrente interposto da decisão da EXMª DIRECTORA DOS SERVIÇOS DE FINANÇAS que lhe aplicou a pena de 5 dias de multa.
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Em sede de conclusões, afirma a recorrente o que segue:
“1. Instaurou-se o processo disciplinar contra o recorrente, uma vez que o mesmo foi acusado pela violação dos deveres de zelo e de lealdade por não terem assinados os documentos, ou seja, na Reunião de avaliação realizada em 11 de Janeiro de 2008, o recorrente recusou-se a assinar o Resumo escrito das 1ª e 2ª reuniões de 2007; e, na Reunião de avaliação de 14 de Janeiro de 2008, recusou-se a assinar a Ficha de notação de 2007 e o Resumo escrito da 1ª reunião de 2008;
2. O Chefe da Divisão de Administrativa e Financeira da D.S.F. remeteu ao recorrente, em 10 de Abril de 2008, a notificação do despacho proferido em 1 de Abril de 2008 pelo Director daqueles Serviços, confirmando que não foram realizadas com o recorrente as 1ª e 2ª reuniões de avaliação de 2007, reconhecendo ainda que não tinha observado a forma do processo de avaliação estipulada na lei, pelo que, é considerado acto nulo por estar em desconformidade com as tramitações fundamentais.
3. Referido na notificação que o recorrente teve a menção “Satisfaz Muito” em relação ao período de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2007.
4. Nos termos do art.º 123º, n.ºs 1 e 2 do Código do Procedimento Administrativo: “O acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade”, por isso, não produz quaisquer efeitos jurídicos o Processo de avaliação do recorrente de 2007.
5. Contudo, a D.S.F., por meio do despacho n.º 18/DIR/2008 de 26 de Junho de 2008, indicou que o recorrente recusou-se a assinar os Resumos Escritos das Reuniões, acabando por puni-lo com pena de 5 dias de multa, no valor de MOP$4.769,20.
6. Mais, o notado foi acusado com base nos actos por ele praticados nas reuniões de avaliação de 2007, abrangendo as três reuniões previstas no art.º 16º, n.ºs 1 a 4 do Regulamento Administrativo n.º 31/2004.
7. Com o aludido despacho da D.S.F., vislumbra-se que existe vício grave na legitimidade da instauração do processo disciplinar, e ao abrigo do art.º 126º do Código do Procedimento Administrativo, não são susceptíveis de ratificação, reforma e conversão os actos nulos. Entretanto, continuou o andamento do processo disciplinar em conformidade com o teor da acusação, mesmo que soubessem que o acto administrativo era nulo.
8. Assim sendo, a D.S.F. não tinha legitimidade para instaurar o processo disciplinar contra o recorrente.
9. Nos termos do art.º 339º, n.º 1 do Código de Processo Penal, o instrutor do processo disciplinar tem dever de notificação, mas ele não notificou ao recorrente dos seguintes assuntos: segundo o teor da notificação do despacho efectuada em 1 de Abril de 2008 pelo Director dos Serviços de Finanças, a causa de nulidade provocou directamente alterações do teor dos factos imputados na acusação e da sanção disciplinar; a pena de suspensão aplicada na acusação foi alterada para a pena de multa. Por esta razão, o instrutor violou o princípio do contraditório por ter afectado directamente o direito de defesa do recorrente.
10. Mais, o recorrente foi acusado pela violação do dever da assinatura, previsto no art.º 16º, n.º 5 do Regulamento Administrativo n.º 31/2004, cujo pressuposto da aplicação da respectiva legislação é ter a reunião convocada ou o mapa do resumo escrito elaborado.
11. Nos termos do art.º 16º, n.º 5 do Regulamento Administrativo n.º 31/2004, em caso de desacordo, o recorrente pode requerer para fazer constar as suas próprias conclusões no resumo escrito e depois vai ser assinado pelo mesmo, no entanto, o notador não fez constar na acta e no resumo escrito o pedido apresentado pelo recorrente, nem lhe exibiu os respectivos documentos para serem assinados.
12. O instrutor não notificou ao recorrente das alterações substanciais dos factos, sendo bastante importante para o recorrente ao exercer o seu direito de defesa. Assim sendo, existe a nulidade insuprível resultante da falta de audiência do arguido, ao abrigo do art.º 298º, n.º 1 do ETAPM.
13. Pode excluir-se a responsabilidade disciplinar do recorrente, já que nos termos do art.º 16º, n.ºs 1 a 3 do Regulamento Administrativo n.º 31/2004 e página 41 do Manual Prático de Avaliação do Desempenho, deverão realizar-se três reuniões de avaliação em cada ano, cuja 1ª avaliação deve ser efectuada até 15 de Janeiro; a avaliação a meio do período, ora 2ª avaliação, em Junho ou Julho; e a avaliação final, durante o mês de Dezembro e até 15 de Janeiro do ano seguinte. Sub judice, como B só começou em 1 de Agosto de 2007 a desempenhar funções de notador, pelo que, a 1ª reunião devia ser realizada, com maior brevidade, no início do mês de Agosto de 2007; a 2ª reunião devia ser realizada por volta de 15 de Outubro de 2007, consulte o ponto 9.3.2.3 “Avaliação extraordinária-Reuniões de avaliação” da pág. 44 do Manual Prático de Avaliação do Desempenho.
14. Mais, o Chefe da Divisão de Administrativa e Financeira, C, prestou declarações no processo disciplinar como testemunha, ficando as mesmas constantes de fls. 151 do processo administrativo (anexo 6). A referida testemunha alegou que, em cada ano, devem realizar-se três reuniões de avaliação em conformidade com a sua ordem da sequência, senão poderia causar problema no funcionamento do sistema informático, ora, sendo necessário inserir em primeiro lugar os dados das 1ª e 2ª reuniões de avaliação para poder inserir os da 3ª reunião.
15. Segundo o processo, as 1ª e 2ª reuniões não foram realizadas nem convocadas, por isso, era praticamente impossível a inserção e emissão do Mapa de resumo da 3ª reunião de avaliação. Daí, onde deverá assinar o recorrente? O notador B desrespeitou manifestamente a forma legal por não terem convocadas nem realizadas as reuniões de avaliação.
16. De facto, em 14 de Janeiro de 2008, pelas 12:00 horas, o recorrente compareceu nas respectivas reuniões e também na considerada reunião testemunhal que foi realizada às 16:00 horas do mesmo dia, solicitando ao notador que seja alterado o anteprojecto da acta das reuniões e faça constar no Mapa resumo escrito as suas próprias opiniões (anexo 7) por encontrar-se em situação de desacordo, contudo, o tal pedido foi indeferido pelo notador.
17. O notador B não exibiu ao recorrente o Mapa resumo da 3ª reunião de avaliação, bem como a versão completa das Fichas de notação e dos Mapas resumo escritos, para serem assinados.
18. É certo que o notador B violou o dever da descrição necessária das conclusões pessoais do recorrente, previsto no art.º 16º, n.º 5 do Regulamento Administrativo n.º 31/2004.
19. O notador B não exibiu nem forneceu ao recorrente as actas e os mapas resumo das reuniões para serem assinados, mas a D.S.F. ainda instaurou o processo disciplinar contra o recorrente por terem violado os deveres de zelo e de obediência.
20. O notador B apenas apurou que o recorrente recusou-se a assinar os mapas resumo escritos mediante os depoimentos prestados pelas testemunhas, mas não esclareceu o motivo que levou o recorrente a recusou-se a assinar os respectivos documentos. Na cópia do auto de ocorrência apresentada por B ao recorrente consta apenas a assinatura do notador. O recorrente não sabia nada sobre as assinaturas de C e de D, ou seja, é impossível que o recorrente assinasse os documentos em que constam os desacordos. Enfim, eles assinaram apenas as actas das reuniões (auto) em que não constam os desacordos.
21. De facto, as posições do notador e do notado não são equitativas, uma vez que o recorrente pediu para exprimir as sua opiniões e fazer contar as suas próprias conclusões no resumo escrito das reuniões, mas foi indeferido pelo notador B, sendo assim, o recorrente não conseguiu obter oportunidade para assinar os documentos em que constam as suas próprias conclusões, incluindo as actas das reuniões e os mapas resumo escrito.
22. A D.S.F. acusou o recorrente pela violação dos deveres de zelo e de lealdade, instaurando contra ele o processo disciplinar, devido à falta da assinatura nos respectivos documentos, razão pela qual, o recorrente tinha motivo plausível para duvidar a legalidade e a autenticidade do pedido da assinatura do mapa resumo em que não constam as suas próprias conclusões.
23. Ora, para proteger os seus direitos, a solução correcta é recusar a assinatura do mapa resumo em que não constam as suas próprias conclusões.
24. Nos termos do art.º 285º, n.º 1, al. a) do ETAPM, a responsabilidade disciplinar do recorrente pode ser excluída.
25. A D.S.F. violou o princípio da presunção de inocência e não observou a forma legal durante todo o processo disciplinar. Antes do término do prazo da interposição do recurso hierárquico necessário ao Secretário para a Economia e Finanças, ou seja, antes de 25 de Julho de 2008, a D.S.F. emitiu, respectivamente, em 2 de Julho de 2007, ao recorrente a notificação do pagamento de multa e, em 23 de Julho, instaurou contra ele o Processo de execução fiscal.
26. Ao abrigo do art.º 157º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, o recurso hierárquico necessário suspende a eficácia do acto recorrido. Contudo, no período em que o recorrente tinha interposto o recurso hierárquico necessário e antes de ter a decisão proferido, a D.S.F. não procedeu à cessação imediata do Processo de execução fiscal, tendo-lhe sido emitida, em 20 de Maio de 2009, a certidão para a execução da multa.
27. A D.S.F. violou manifestamente os princípios da presunção de inocência, da legalidade, da proporcionalidade e da boa fé, não tendo quaisquer competência e fundamento de direito para instaurar o Processo de execução fiscal contra o recorrente.
28. Nos termos do art.º 122º, n.º 2, al. f) do Código do Procedimento Administrativo, é declarado nulo o Processo de Execução Fiscal por existir actos que careçam em absoluto de forma legal.
29. Enfim, no relatório, em que o Secretário para a Economia e Finanças rejeitou o recurso hierárquico necessário, não se apreciaram todos os vícios alegados pelo recorrente nem se indicaram as disposições legais aplicáveis, ou até, não se procedeu à análise factual e jurídica perante os deveres que foram violados pelo recorrente ao recusar-se a assinar os documentos na 3ª reunião, mas sim, nele estavam as repetições do ponto de vista apresentado pelo recorrente no recurso hierárquico necessário.
30. O instrutor não procedeu à investigação perante o teor da acusação, sendo assim, no relatório só se focalizou na análise da questão sobre se os trabalhadores da Administração Pública forem ou não sujeitos ao dever de assinatura, e faltou analisar o facto de que, em caso de desacordo, o notador B recusou-se a fazer constar no resumo escrito as conclusões pessoais do recorrente.
31. Mais, no relatório aplicaram-se erradamente o pressuposto e efeito jurídicos, e entendeu-se erradamente que o recorrente era sujeito à responsabilidade disciplinar por ter considerado que o mesmo precisava também de cumprir o dever de assinatura na situação em que não tinha convocado a reunião. Pois, isto é um acto anulável por terem violado os dispostos nos art.ºs 114º, 115º, n.º 1 e art.º 124º do Código do Procedimento Administrativo.”; (cfr., fls. 2 a 22 e 167 a 204).
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Regularmente citada, a entidade recorrida contestou.
Em síntese, considera que:
“I. O procedimento disciplinar n.° 001/AT/2008 não padece de qualquer invalidade porquanto não é sucedâneo nem versa directamente sobre qualquer outro declarado nulo no procedimento de avaliação do desempenho não sendo, por isso, um acto que tenha sido depurado de quaisquer ilegalidades iniciais, tendo em vista o seu aproveitamento e manutenção na ordem jurídica
II. O acto impugnado, sendo um acto autónomo do procedimento de avaliação do desempenho, e proferido numa outra espécie de procedimento, o disciplinar, não consubstancia qualquer ratificação, reforma ou conversão de acto anterior.
III. Inexiste violação do princípio do contraditório na vertente da preterição da audiência do arguida nos termos enunciados no n. ° 1 do artigo 298.° do ETAPM, por alteração da qualificação jurídica da acusação para a decisão considerando que a pena disciplinar aplicada não se sustenta em disposição legal diversa daquela que foi considerada violada na acusação.
IV. Verifica-se a responsabilidade disciplinar apurada, sendo válida a pena de multa aplicada porquanto a recorrente devia ter assinado os resumos escritos das reuniões da avaliação do desempenho, porque é um dever que lhe é imposto por lei enquanto funcionária pública.
V. Desses resumos deveria ter feito constar que as reuniões se realizavam fora do prazo legalmente fixado para o efeito.
VI. A lei não confere aos notados o direito de recusa à assinatura, antes pelo contrário, é-lhe imposto tal dever.
VII. A recorrente, ao agir corno agiu, violou de forma intencional um dever no âmbito do processo de avaliação de desempenho.
VIII. O acto recorrido não carece em absoluto de forma legal, nos termos previstos na alínea 1) do n.° 2 do artigo 122.° do CPA, na medida em que se, num primeiro momento, foi instaurado o processo de execução fiscal para cobrança coerciva da multa aplicada a título de pena disciplinar, o título executivo que sustentava tal cobrança foi já anulado e remetida tal decisão ao Tribunal Administrativo, tendo sido emitida nova guia para pagamento com o prazo previsto no artigo 302.° do ETAPM.
IX. Inexiste o invocado vício de falta de fundamentação, atendendo a que o despacho recorrido claramente esclarece a recorrente do conteúdo decisório do acto recorrido, fornecendo os elementos factuais que lhe permitiram compreender a decisão tornada, externando com clareza, suficiência e congruência as razões de facto e de direito que presidiram à decisão de rejeitar o recurso administrativo.”
Pugna pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 108 a 125).
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Inquiridas as testemunhas pela recorrente arroladas, juntou o Exm° Magistrado do Ministério público o seguinte douto Parecer:
“Vem A impugnar o despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 1/6/09 que, em recurso hierárquico, manteve decisão da directora dos Serviços de Finanças que, em sede disciplinar, lhe aplicou pena de 5 dias de multa, assacando-lhe vícios de invalidade do procedimento disciplinar e inexistência de responsabilidade disciplinar, por ter sido declarada a nulidade do procedimento de avaliação de desempenho do ano de 2007, ofensa do contraditório, violação da presunção de inocência, incumprimento de forma legal e falta de fundamentação.
Cremos assistir-lhe razão, desde logo quanto ao 1° vício enunciado.
A recorrente foi punida por violação dos deveres de zelo e lealdade, com base em comportamento que assumiu durante o procedimento de avaliação de desempenho referente ao ano de 2007, por se ter recusado a assinar os resumos escritos das 1ª, 2ª e 3ª reuniões de avaliação referentes ao ano de 2007 a da 1ª reunião de avaliação referente ao ano de 2008, em violação ao disposto no n° 5 do art° 16° do REGA n° 31/2004 e do ponto 5 do resumo escrito da reunião de notadores para avaliação do desempenho de 2007.
De notar que, na sequência de reclamação da avaliação de desempenho apresentada pela recorrente, a então directora da DSF, por despacho de 1/4/08, declarou a nulidade do processo atinente ao procedimento de avaliação de desempenho da recorrente relativa ao período de 1/1/07 a 31/12/07, nos termos do art° 122°, n° 1 e 2, al f) CPA, por não ter sido observada a forma legalmente prevista para o processo de avaliação, tudo se tendo ficado a dever, ao que a própria recorrida sustenta, ao facto de as reuniões em questão se terem realizado em datas posteriores às que a lei fixa para o efeito.
Temos, pois, que foi declarado nulo o procedimento no qual se enquadrava a efectivação das reuniões de avaliação de desempenho e, consequentemente, as assinaturas dos respectivos resumos escritos.
Pretende a recorrida que o acto impugnado, consubstanciando-se em acto autónomo do procedimento de avaliação do desempenho e proferido numa outra espécie de procedimento - o disciplinar - não sendo, pois, sucedâneo daquele, não padece de qualquer invalidade decorrente da anunciada declaração de nulidade.
Não se nos afigura que seja bem assim.
Como é sabido, o acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade (art° 123°, nVem 1, CPA).
Não se põe em causa a efectiva e objectiva prática (por omissão) por parte da recorrente dos factos que lhe são imputados e da correcção das subsunção e integração jurídicas operadas, quer relativas à ofensa dos deveres que se vêem afrontados, quer à pena alcançada.
A questão também se não coloca, cremos, relativamente a eventual direito de desobediência ou resistência passiva a comandos decorrentes de acto nulo, matéria em que grande parte dos melhores doutrinadores portugueses (Marcelo Caetano, Freitas do Amaral) considera que a ordem contida em acto nulo constitui justificação de desobediência, enquanto outros, não menos ilustres (Sérvulo Correia, Gomes de Canotilho, Esteves de Oliveira) se inclinam para a prevalência do dever de obediência sobre o princípio da legalidade, tese que parece ter tido seguimento no ordenamento de Macau, já que no mesmo se prevê a cessação do dever de obediência apenas quando e "sempre que o cumprimento das ordens ou instruções implique a prática de qualquer crime" - n° 4 do art° 285°, ETAPM.
O problema aqui é outro : aos comandos que determinavam a recorrente à assinatura dos resumos escritos em questão nunca foi assacada qualquer forma de invalidade, pelo que aos mesmos era devida obediência, inexistindo qualquer exclusão de responsabilidade disciplinar por parte da recorrente, nos termos que acima deixámos consignados.
E, daí, tal como também já sublinhámos, entender-se o efectivo registo, ao tempo, das infracções disciplinares imputadas.
Porém, perante a declaração de nulidade posterior, resultante precisamente da falta de forma legal das reuniões de avaliação, a que se reportam os resumos escritos que a recorrente se terá recusado a assinar, a situação disciplinar em causa ficou inevitàvelmente contaminada pelos efeitos de tal nulidade, tudo se passando como se nunca se tivesse produzido o procedimento declarado nulo.
Tudo razões por que, por ocorrência da invalidade em causa e sem necessidade do escrutínio dos restantes vícios assacados, por prejudicado o conhecimento respectivo, somos a pugnar pelo provimento do presente recurso.”; (cfr., fls. 217 a 220).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Mostram-se assentes os seguinte factos com interesse para a decisão:
– por despacho da Exm.ª Directora dos Serviços de Finanças datado de 18.02.2008, determinou-se a instauração de processo disciplinar contra, E, letrada principal do quadro da D.S.F. e ora recorrente, tendo o mesmo por origem factos ocorridos no âmbito do processo de avaliação do seu desempenho relativo ao ano de 2007 e 2008;
– aos 09.04.2008, e nos referidos autos de processo disciplinar (n° 001/AT/2008), foi deduzida a acusação seguinte:
“Por despacho de 18 de Fevereiro de 2008 da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, exarado na Informação n.° 001/SM/2008, foi determinada a instauração de processo disciplinar à trabalhadora E, Letrada Principal do quadro de pessoal, a exercer funções no Núcleo de Tradução e Interpretação da Direcção dos Serviços de Finanças. Vista e ponderada a prova constante dos identificados autos e, nos termos do n.° 2 do artigo 332° do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), deduzo contra a arguida. E, a seguinte:
ACUSAÇÃO
1.° A arguida exerce, actualmente, funções na Direcção dos Serviços de Finanças, no Departamento de Contabilidade Pública.
2.° Ao tempo da prática dos factos de que vem acusada, a arguida E, exercia funções de acordo com a carreira onde se insere, no Núcleo de Tradução e Interpretação, com a categoria de Letrada Principal, nesta Direcção dos Serviços de Finanças.
3.° Em reunião realizada em 11 de Janeiro de 2008, entre notadora e a notada, ora arguida, e no âmbito do processo de avaliação de desempenho relativo ao ano de 2007, esta, apesar de presente, recusou a assinatura do resumo escrito da reunião.
4° Igual atitude e procedimento, adoptou a arguida numa segunda reunião realizada em 14 de Janeiro de 2008, correspondente à 3ª reunião de avaliação, tendo igualmente recusado a assinatura da ficha de notação.
5° Também na reunião de 14 de Janeiro de 2008 se verificou a recusa da arguida na assinatura do primeiro resumo escrito relativo ao processo de avaliação de desempenho do ano de 2008, a qual poderia ter sido realizada atento o disposto no n.° 4 do artigo 16.° do Regulamento Administrativo n.° 31/2004 de 23 de Agosto
6° A arguida encontra-se obrigada à assinatura do resumo escrito elaborado no final das reuniões de avaliação de acordo com o estabelecido no n.° 5 do artigo 16.° do Regulamento Administrativo n.° 31/2004 de 23 de Agosto.
7° A arguida encontra-se obrigada a tornar conhecimento, com aposição de assinatura, da ficha de notação, conforme estatui o n.° 6 do artigo 19.° do mencionado Regulamento.
8° Com o comportamento descrito nos artigos anteriores a arguida violou os deveres de zelo e lealdade previstos, respectivamente, nas alíneas b) e d) do n.° 2 do artigo 279.° do ETAPM; com as especificações constantes nos n.°s 4 e 6 do mesmo preceito legal, revelando culpa e grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais a que está sujeita.
9° A conduta descrita constitui infracção disciplinar nos termos do artigo 281° do ETAPM, punível abstractamente com a pena de suspensão de acordo com o n° 1 do artigo 314.° do mesmo diploma legal.
10° A arguida beneficia das circunstâncias atenuantes previstas nas alíneas b) e f) do artigo 282.° do ETAPM, traduzidas na confissão da infracção e na ausência de publicidade sobre a mesma.
11° Contra a arguida pendem as circunstâncias agravantes da premeditação e da acumulação, previstas nas alíneas c) e h) do n.° 1 do artigo 283.° do ETAPM, circunstâncias descritas nos n.°s 2 e 5. da mesma norma.
Pelo exposto e, nos termos dos artigos 333.° e 334.° ambos do ETAPM, fixo à arguida um prazo de 10 (dez) dias, contados da data da notificação da presente acusação para, querendo, apresentar defesa escrita, oferecer provas testemunhal ou documental que entender e requerer a realização das diligências de prova, podendo por si, ou por intermédio de advogado constituído, examinar o processo disciplinar que contra si pende, durante o horário normal de expediente no 9.° andar do Edifício da Direcção dos Serviços de Finanças, sito na Avenida da Praia Grande, n.°s 575, 579 e 585, na RAEM.
A ausência de resposta nos prazo supra equivale, para todos os efeitos legais, como efectiva audiência do arguido, nos termos do disposto no n.° 4 do artigo 334.° do ETAPM.
Notifique-se a arguida entregando-lhe cópia da presente acusação.
Direcção dos Serviços de Finanças, na RAEM, aos 9 de Abril de 2008”; (cfr., fls. 40 a 44).
– por ofício datado de 10.04.2008, foi a recorrente notificada do que segue:
“Avaliação de desempenho - notificação do despacho da Directora dos Serviços de Finanças de 01/04/2008.
Por referência ao procedimento de Avaliação de Desempenho de V. Ex.ª , relativa ao período de 01.01.2007 a 31.12.2007, fica pelo presente notificada que, por Despacho da Srª. Directora dos Serviços de 01 de Abril de 2008, foi-lhe atribuída a menção de "Satisfaz Muito".
Reproduz-se, de seguida, o despacho n.° 07/DIR/2008 de 01 de Abril que sustenta a decisão ora notificada:
"Tendo a Letrada Principal. A, reclamado ao abrigo do artigo 20° do Regulamento Administrativo n° 31/2004. da avaliação de desempenho efectuado pela notadora;
Tendo a mesma solicitado ao abrigo do artigo 21° do mesmo diploma, que o seu processo de avaliação de desempenho fosse submetido a parecer da Comissão Paritária:
Face ao Parecer da Comissão Paritária n° 07/CP-DSF/2008, com o qual concordo na generalidade, e aos factos provados, a saber:
1. A não realização das 1ª e 2ª Reuniões de avaliação: e a
2. Verificação de que não foi observada a forma legalmente prevista para o processo de avaliação. estando em causa a preterição de uma formalidade essencial. cominada pelo CPA no seu artigo 122° n°s. 1 e 2, alínea f) com a nulidade;
Determino:
1. É declarada a nulidade do referido processo.
2. A integração da lacuna legal decorrente da declaração de nulidade do presente processo de avaliação, concretamente quanto à forma de suprir a inexistência da atribuição de uma menção qualitativa ou desempenho do trabalhador para o período em causa. seja suprida pelo recurso à solução consagrada na alínea 4) do número 2 do artigo l° de Regulamento Administrativo n° 31/2004, isto é, seja "atribuída a menção "Satisfaz", salvo se a última menção que lhe tiver sido atribuída for superior, caso em que se mantém esta última", ficando a mesma para o período de 01.01.2007 a 31.12.2007 sedimentada na menção "Satisfaz Muito",
3. Dê-se conhecimento do meu despacho à notada, através da DAF. em virtude de ter decaído a relação funcional entre a notadora e notada.
Ass.: F, Orieta, aos 01 de Abril de 2008.
Mais se informa V. Ex.ª que, nos termos do n.° 6 do artigo 3.° da Lei n.° 8/2004, do acto ora notificado cabe recurso contencioso a apresentar no prazo de 30 dias junto do Tribunal Administrativo, ao abrigo da alínea a) do n.° 2 do artigo 25.° do Código de Processo Administrativo Contencioso ou, querendo, recurso hierárquico facultativo, ao abrigo do artigo 23.° do Regulamento Administrativo n.° 31/2004, o qual não suspende o prazo de interposição do recurso contencioso.
(...)”; (cfr., fls. 133 a 135).
– oportunamente, e no âmbito do atrás referido processo disciplinar, elaborou-se o seguinte relatório final:
“I. CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS
Nos termos previstos no artigo 318° do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 87/89M, de 21 de Dezembro, por despacho de 18 de Fevereiro de 2008 da Directora dos Serviços de Finanças, exarado na Informação n.° 001/SM/2008, foi determinada a instauração de processo disciplinar à trabalhadora E, Letrada Principal do quadro de pessoal, ao tempo a exercer funções no Núcleo de Tradução e Interpretação da Direcção dos Serviços de Finanças, e ora afecta ao Departamento de Contabilidade Pública igualmente desta Direcção dos Serviços, tendo na mesma data sido nomeada instrutora a signatária.
Em cumprimento do supra mencionado Despacho foi iniciada a instrução, em 25 de Fevereiro de 2008, destinada a apurar a existência de infracções disciplinares e responsabilidade da Arguida no que concerne à recusa de assinatura dos resumos escritos das reuniões de avaliação de desempenho relativo ao período entre 1 de Agosto e 31 de Dezembro de 2007, factos especificados na Informação 001/SM/2008, de 15 de Fevereiro de 2008, elaborada em virtude dos indícios de ilicitude disciplinar aí apurados.
II. DILIGÊNCIAS EFECTUADAS
Nos termos estatuídos no n.° 4 do artigo 326° do ETAPM, no dia 25 de Fevereiro de 2008 procedeu-se à nomeação da secretária, H, conforme consta de fls. 004 e 005 dos autos.
De acordo com o disposto no n.° 3 do artigo 328° do ETAPM, a abertura da instrução do presente processo disciplinar, foi comunicada à Directora dos Serviços de Finanças, ao Coordenador do Núcleo de Apoio Jurídico, à Coordenadora do Núcleo de Tradução e Interpretação, ao Chefe da Divisão Administrativa e Financeira, à Arguida, à Chefe do Departamento de Contabilidade Pública, e ao Comissariado Contra a Corrupção, este último no âmbito do princípio da cooperação, previsto na Lei n.° 10/2000, tendo as restantes sido efectuadas através de comunicações internas conforme consta, respectivamente, de fls. 006 a 013, 016, 017, 026 e 027 dos autos.
Durante a fase de instrução, foi junto aos autos o registo biográfico da Arguida, constante de fls. 020 a 023, o respectivo processo individual, composto por dois volumes e que passou a constituir o anexo I do presente processo disciplinar.
Determinou-se a junção aos autos de cópia da comunicação interna n.° 40467/DAF/2008 com indicação da afectação da Arguida, a partir de 25 de Fevereiro de 2008, ao Departamento de Contabilidade Pública desta Direcção dos Serviços.
Foi também solicitado pela instrutora e junto aos autos, despacho de designação de Notador para avaliação de desempenho da Arguida no período compreendido entre 1 de Agosto e 31 de Dezembro de 2007, como melhor consta de fls. 036 a 041 dos presentes autos.
Nos termos previstos nos n.°s 2 e 3 do artigo 329° do ETAPM, foram ouvidos em declarações no presente processo disciplinar, a Arguida, E e a testemunha G, B, Notadora ao tempo da ocorrência dos factos, entretanto colocada na Divisão Administrativa e Financeira, depoimentos que constam, respectivamente, de fls. 042, 043, 046 e 047, do presente processo disciplinar.
Finda a instrução e analisada a prova produzida, concluiu-se pela existência de indícios bastantes da prática, pela Arguida, das infracções disciplinares descriminadas nos artigos da acusação, constantes de fls. 048 a 052 e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, não obstante a discriminação dos mesmos, o que se fará em fase posterior do presente relatório.
De acordo com as diligências probatórias requeridas pela defesa foram ouvidas as testemunhas Dr. I, Dra. D, Dra. J, Sr. K, Dra. L, conforme melhor consta de fls. 111 a fls. 120 dos autos.
No entanto, e atento o princípio do contraditório legalmente consagrado, sobre os mencionados depoimentos recaiu despacho da Instrutora declarando-os nulos, por os mesmos terem sido prestados sem a presença de legal representante da Arguida.
De fls. 143 a 153 e de fls. 155 e 156 constam os depoimentos das supra referenciadas testemunhas e ainda da Dra. M, que só prestou depoimento uma única vez e na presença da Advogada da Arguida, o mesmo se passando relativamente às outra testemunhas.
Ainda no âmbito das diligências probatórias requeridas pela defesa da Arguida, foram junto aos autos, os documentos constantes de fls.167 a fls. 170, a saber, mapa resumo da 3ª reunião de avaliação de desempenho da Arguida respeitante ao período de 01 de Agosto a 31 de Dezembro de 2007, mapa resumo da 1ª reunião de avaliação de desempenho da Arguida para o ano de 2008 e acta de reunião havida entre Arguida, Notadora e duas testemunhas.
De todos os documentos solicitados pela defesa afim de instruírem o presente processo disciplinar, além dos supra mencionados, apenas não foi possível juntar o referente ao mapa resumo das 1ª e 2ª reuniões de avaliação de desempenho da Arguida, no período de 1 de Agosto a 31 de Dezembro de 2007, por o mesmo não se encontrar nos arquivos da Divisão Administrativa e Financeira, conforme Comunicação Interna com esse teor a fls. 171 dos presentes autos.
III. DEFESA
Extraída cópia da acusação, foi a Arguida notificada pessoalmente, nos precisos termos previstos no n.° 1 do artigo 333° do ETAPM, como melhor consta de termo de entrega e notificação a fls. 053.
Na sequência de pedido verbal requerido e deferido, foi efectuada consulta do presente processo disciplinar pelo Advogado constituído da Arguida, Dr. N, conforme melhor consta de fls. 054 dos autos, após o que apresentou a sua defesa escrita constante de fls. 055 a 092 dos presentes autos.
Na mesma defesa, e como questão prévia, alega que:
"Nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 3° do Regulamento Administrativo n.° 6/1999 de 20 de Dezembro de 1999, cujo objecto é a determinação da organização, competências e funcionamento dos serviços públicos da Região Administrativa (e) Especial de Macau, cabe ao Secretário para a Economia e Finanças exercer as competências nas área das finanças e orçamento e, de acordo com o estabelecido no artigo 7° ... podem ser delegadas nos dirigentes dos serviços sujeitos à sua direcção, como é o caso da Directora dos Serviços de Finanças, competências para a prática de actos administrativos adequados ao seu funcionamento. Ora, a competência não se presume, tem de ser expressamente consignada, como resulta do princípio estruturante de direito público ínsito no artigo 31° do Código do Procedimento Administrativo ".
Alega mais adiante a defesa que, no seguimento do supra exposto, não ter havido " ... nenhuma menção de eventual delegação de competências do Secretário para a Economia e Finanças na referida dirigente ".
Por conseguinte não reconhece, a defesa, competência à Directora dos Serviços de Finanças, para instaurar o processo disciplinar, devendo este ser anulável, nos termos do preceituado no artigo 124° do Código de Procedimento Administrativo.
No entanto, alega a defesa, e no caso de assim não ser entendido, que "... a maioria dos factos constantes da acusação não têm qualquer fundamento, ... " correspondendo "...a uma versão "simplificada" ou "unilateral da realidade..." ou até "... a um mal entendido entre as respectivas intervenientes ".
Não obstante o supra exposto, aceita a defesa como verdadeiros os factos constantes dos artigos 1° e 2° da acusação que referem a estrutura funcional, o cargo ocupado e funções desempenhadas pela Arguida à data da prática dos factos de que vem acusada.
Refuta, no entanto, por considerar falsos, os factos constantes dos artigos 3° a 5° da acusação, que referem a realização de reuniões no âmbito do processo de avaliação de desempenho, realizadas a 11 e 14 de Janeiro de 2008 onde a Arguida, embora presente, recusa a assinatura dos resumos escritos das mesmas.
Na apreciação dos restantes artigos, até final, da acusação, considera a defesa que os mesmos enfermam de erro nos respectivos pressupostos, por, em seu entender, corresponderem à subsunção dos factos alegados nos artigos 3° a 5° da acusação e que a defesa refuta por considerar falsos.
Seguidamente, apresenta a defesa a sua "versão" dos factos acrescentando inclusivé alguns novos, nomeadamente, no seu artigo 15° afirmando que perante a impressão do registo do resumo escrito relativo à realização das duas primeiras reuniões em simultâneo em 11 de Janeiro de 2008, foi a Notadora que "incompreensivelmente não permitiu a respectiva assinatura por parte da ora arguida" e, dada a discordância existente entre ambas sugeriu, aquela, que a Arguida fizesse uma exposição escrita sobre o assunto.
Na continuação da sua avaliação dos factos, junta a defesa como documentos n.°s 1 e 2 a mencionada exposição apresentada pela Arguida no dia 14 de Janeiro de 2008 nesta Direcção dos Serviços.
Refere, também a defesa, a realização de uma reunião entre a Arguida, a Notadora, e duas testemunhas, o Chefe da Divisão Administrativa e Financeira e a Chefe da Secção de Recursos Humanos e Expediente, reunião da qual foi elaborada acta e assinada pelas testemunhas e Notadora.
Por último na descrição factual refere a defesa e, junta como documentos n.°s 3 e 4, o despacho de arquivamento relativamente ao pedido de substituição de Notadora efectuado pela Arguida.
A Arguida, na mencionada defesa, escrita apresentou rol de testemunhas a serem ouvidas bem como requereu que fossem efectuadas diligências de prova no âmbito do presente processo disciplinar.
IV. APRECIAÇÃO DA DEFESA
Analisando o alegado pela defesa como questão prévia, a mesma não procede, porquanto a simples leitura do princípio geral consagrado no artigo 318° do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (doravante designado por ETAPM), é esclarecedor: "A competência disciplinares dos superiores envolve sempre a dos seus inferiores hierárquicos dentro do serviço ", acrescentando que "É competente para instaurar procedimento disciplinar a entidade responsável pelo serviço a que o infractor será afecto no momento da prática da infracção..." (sublinhado nosso).
Com o devido respeito pela defesa, que é muito, não se afigura preceito mais adequado, e é caso para afirmar que "assenta corno urna luva".
Não há, no caso em apreço, qualquer presunção de competência, nem há que presumir qualquer competência quanto ao acto de mandar instaurar o procedimento disciplinar à Arguida. As competências e o exercício das mesmas constam do ETAPM.
O Regulamento Administrativo n.° 6/1999, de 20 de Dezembro, mencionado pela defesa, que determina a organização, competências e funcionamento dos serviços e entidades públicas, fá-lo de forma genérica, distribuindo competências por áreas funcionais, sendo que, algumas dessas competências podem ser delegadas noutros dirigentes. Mas, ainda assim, só relativamente às competências executivas do Chefe do Executivo quando as possa delegar, por áreas de governação, nos respectivos Secretários.
No caso concreto, as competências específicas da Directora dos Serviços de Finanças derivam do ETAPM. Não é, por isso, exigível qualquer delegação de competências e, na sua ausência, não há que presumi-la.
Confunde provavelmente, a defesa, entidade responsável para instaurar o procedimento disciplinar, com entidade competente para proferir a decisão final, que regra geral é a mesma mas, contudo, o ETAPM prevê desvios a esse princípio nos artigos 319° e seguintes.
Referimo-nos, nomeadamente à aplicação das penas de suspensão, aposentação compulsiva e demissão, que são da competência do Chefe do Executivo, como estatui o artigo 322° do referido Estatuto.
Nas palavras de Manuel-Leal Henriques, em Manual de Direito Disciplinar, pode ler-se exactamente: "...a entidade responsável pelo serviço a que está afecto o infractor é que, em regra, é a competente não só para instaurar o procedimento como também para proferir a decisão final. prevendo-se...desvios a essa regra, particularmente no que se refere à competência para aplicar sanções, que é mais restrita que a primeira" (sublinhado do Autor).
Pelo exposto, não procede a questão prévia invocada pela defesa da Arguida, de incompetência da Directora dos Serviços para a instauração do processo disciplinar. A Directora tem competência para tal, não sendo o processo anulável como pretende a defesa.
Das declarações prestadas pela Arguida com relevância para os autos e, como melhor consta de fls. 042 e 043, ressalta a recusa da mesma em assinar os resumos escritos das 3 reuniões ocorridas, as duas primeiras em 11 e a terceira em 14 de Janeiro de 2008, relativas ao processo de avaliação de desempenho de 2007 e, com esta última, também a primeira reunião de avaliação de desempenho relativo ao ano de 2008.
As testemunhas arroladas pela defesa e ouvidas em declarações, em sede de produção de prova, são bem conhecedoras da recusa da Arguida na assinatura dos resumos escritos das referidas reuniões. A Arguida, na data da ocorrência dos factos publicitou o sucedido às mesmas.
E, no caso em apreço, não colhem os argumentos invocados pela Arguida para o seu comportamento. A não concordância com a factualidade não nos permite "fazer" justiça. Teremos de deixar a sua aplicação para as entidades competentes.
Da não concordância da Arguida relativa ao tempo e modo da realização das referidas reuniões, caberia reclamação e ainda pedido de parecer à Comissão Paritária. É o que se retira da leitura conjugada dos artigos 16°, n.° 5, 20°, n.°s 1,2 e 6 e 21°, todos do Regulamento Administrativo n.° 31/2004 de 23 de Agosto que regula o regime geral de avaliação de desempenho dos trabalhadores da Administração Pública.
Também não colhe o argumento da defesa relativa à recusa da Arguida na assinatura dos resumos escritos das mencionadas reuniões por simultaneidade das mesmas, porquanto, de acordo com o preceituado no n.° 4 do artigo 16° do mesmo diploma legal, a mesma é permitida.
Como a defesa bem refere, a imposição que decorre do n.° 5 do artigo 16° do referido Regulamento, obriga os Notados à assinatura dos resumos escritos das reuniões de avaliação. Tinha, portanto, a Arguida a obrigação de não inviabilizar a realização das reuniões de avaliação de desempenho e o dever de assinar os resumos escritos delas resultantes. Não o permitiu e não o fez.
Quanto aos documentos n.°s 5 e 6, juntos pela defesa e relativos ao parecer da Comissão Paritária solicitado pela Arguida, usa-se o mesmo argumento já utilizado anteriormente, não é legalmente aceite, contrariar a factualidade com atitudes disciplinarmente reprováveis.
Neste aspecto em apreço e, em nosso entender tomou a Arguida, posteriormente, a atitude correcta, pela não concordância com os acontecimentos e seu desenrolar, reclamou, pedindo parecer da Comissão Paritária, que lhe foi favorável. Falhou na não assinatura dos resumos escritos resultantes das reuniões de avaliação de desempenho.
Pelo supra exposto, também não colhe o argumento da defesa, querendo justificar a recusa da Arguida na assinatura dos resumos escritos, com o parecer favorável da Comissão Paritária. Uma "ilegalidade" não pode justificar outra. De qualquer modo, a
Comissão Paritária não se pronuncia sobre a falta de assinatura, o que determinou a declaração de nulidade do processo de avaliação da Arguida relativo ao ano de 2007, tem causas externas ao que se pretende apurar nestes autos.
Com o devido respeito, que é muito, confunde mais urna vez a defesa, duas situações distintas. O presente processo disciplinar foi mandado instaurar em virtude da recusa da Arguida em assinar os resumos escritos das reuniões relativos ao seu processo de avaliação de desempenho. A não concordância com a sua avaliação, objecto de parecer favorável da Comissão Paritária, é outro.
Também não se aceita o argumento usado no artigo 37° da defesa escrita apresentada pela Arguida, onde se afirma que esta viu "recusado o seu direito em consignar por escrito o fundamento da sua discordância em relação às reuniões de avaliação, bem como a ilegalidade do procedimento da sua própria avaliação, nada mais podia fazer que não fosse: manifestar a sua oposição em relação à realização das reuniões e requerer a substituição da notadora, como o veio a fazer".
Não há ilegalidade na convocação, tempo e modo da realização das reuniões por parte da Notadora da Arguida. As condições para a realização das mesmas estavam, à data da prática dos factos, reunidas, devendo a Arguida ter permitido a sua realização e assinado os resumos dela resultantes e, como já anteriormente referido, seguidamente ter reclamado para as instâncias competentes, como acabou por fazer.
A assinatura, por Notador e Notado, dos resumos escritos das reuniões de avaliação é uma formalidade legalmente exigível nos termos do n.° 5 do artigo 17° do Regulamento Administrativo n.° 31/2004 de 23 de Agosto. Aí e, ... "em caso de desacordo os intervenientes podem fazer constar as suas próprias conclusões e que, depois de por eles assinado ... " (sublinhado nosso) lê-se na parte final do mencionado preceito. Expõe as razões do desacordo, mas assina.
Ao não fazê-lo violou, a Arguida, o dever de zelo, consubstanciado no n.° 2, alínea b) e com a especificação constante do n.°, 4, ambos do artigo 279° do ETAPM. Com esta conduta a Arguida, revelou, efectivamente, desconhecimento das normas legais e regulamentares, como já afirmado em sede de acusação, o que aqui se reitera.
Relativamente ao alegado em sede de defesa no seu artigo 41° , o mesmo improcede por a factualidade descrita ser falsa. Quando a defesa afirma que ... "se dúvidas restassem quanto à ilegalidade do procedimento, a própria notadora realizou apenas a 1ª reunião respeitante ao ano de 2008, não as duas em simultâneo ", esquece que tinha a Notadora todo o ano de 2008 para efectuar as três reuniões relativas ao processo de avaliação de desempenho, o que não aconteceu relativamente ao ano de 2007 em que passou a ser Notadora do grupo onde se inc1uia a ora Arguida, apenas em 1 de Agosto de 2007.
A prerrogativa dada pelo n.° 4 do artigo 16° do mencionado Regulamento, no que concerne à simultaneidade das primeira e segunda reuniões, é uma excepção, não a regra, pelo que deverá ser usada nas situações que se justifiquem. Não é a situação aqui em apreço.
Face ao exposto mantêm a signatária o já alegado no artigo 8° da acusação: "Com o comportamento descrito ... a arguida violou os deveres de zelo e lealdade previstos, respectivamente, nas alíneas b) e d) do n. ° 2 do artigo 279.° do ETAPM, com as especificações constantes nos n.°s 4 e 6 do mesmo preceito legal ... ".
Referimo-nos especificamente à violação dos deveres de zelo e lealdade e não aos deveres de zelo e obediência como, erradamente a defesa invoca no seu artigo 42°.
Por último, não se contesta, por concordância, o alegado nos artigos 44° e 45° da defesa escrita, sendo os mesmos tidos em consideração.
V. FACTOS PROVADOS
Face à prova produzida no presente procedimento disciplinar encontram-se provados os seguintes factos:
1. No dia 11 de Janeiro de 2008, a Arguida não assinou o resumo escrito das primeira e segunda reuniões relativas ao seu processo de avaliação de desempenho do ano de 2007.
2. No dia 14 de Janeiro de 2008, a Arguida recusou-se a assinar o resumo escrito da terceira reunião relativa ao seu processo de avaliação de desempenho do ano de 2007.
3. No dia 14 de Janeiro de 2008, a Arguida recusou assinar o resumo escrito da primeira reunião relativa ao seu processo de avaliação de desempenho do ano de 2008. Esta reunião ocorreu em simultâneo com a indicada no ponto anterior.
4. A Arguida encontra-se obrigada à assinatura dos resumos escritos resultantes das reuniões de avaliação de desempenho a que está sujeita por imperativos legais, conforme determina o n.° 5 do artigo 16° do Regulamento Administrativo n.° 31/2004 de 23 de Agosto.
5. A Arguida encontra-se obrigada a tomar conhecimento, com a aposição de assinatura, da ficha de notação, de acordo com o estabelecido no n.° 6 do artigo 19° do mencionado Regulamento.
VI. QUALIFICAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
Como resulta das disposições conjugadas dos artigos 279° n.° l e 281° ambos do ETAPM, a Arguida encontra-se obrigada ao cumprimentos dos deveres gerais impostos aos funcionários públicos e, ainda, aos especiais impostos por esta Direcção dos Serviços, dada a natureza das actividades que lhe cumpre realizar e que resultam do Decreto-Lei n.° 30/99/M, de 5 de Julho.
A violação, por facto culposo, de alguns dos deveres gerais ou especiais a que um funcionário se encontra obrigado é considerada infracção disciplinar nos termos do artigo 281 ° do ETAPM.
O dever de zelo, conforme a especificação constante no n.° 4 do artigo 279° do ETAPM, impõe ao funcionário a obrigação de exercer a suas funções com eficiência e empenho e, designadamente, o conhecimento das normas legais e regulamentares do serviço, bem como as instruções dos seus superiores hierárquicos, aperfeiçoando os seus conhecimentos e métodos de trabalho.
O dever de lealdade, conforme a especificação do n.° 6 do artigo 279° do ETAPM, determina a obrigação do funcionário desempenhar as suas funções de acordo com as instruções dos seus superiores, tendo em vista a realização dos objectivos do serviço e na perspectiva de prossecução do interesse público.
A Arguida declarou expressamente não ter procedido à assinatura dos resumos escritos das reuniões relativas ao seu processo de avaliação de desempenho. No mesmo sentido vão os depoimentos das testemunhas por si arroladas.
Apesar dos conhecimentos que tem, relativos ao Regulamento Administrativo n.° 31/2004, de 23 de Agosto, que regula o regime geral do processo de avaliação de desempenho, quis justificar a sua preterição das formalidades legais desse processo, com a discordância relativo ao conteúdo da sua avaliação. Confunde, erradamente, forma com conteúdo.
A Arguida, com a sua conduta inviabilizou o desenrolar e conclusão do seu processo de avaliação de desempenho relativo ao ano de 2007.
Termos em que, nos parágrafos anteriores estão consubstanciadas as violações ao dever de zelo e de lealdade, previstos, respectivamente, nas alíneas b) e d) do artigo 279° do ETAPM, com as especificações constantes dos n.°s 4. e 6. dos mesmos preceito e diploma legal.
VII. CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES DA RESPONSABILDADE DISCIPLINAR DA ARGUIDA
Contra a Arguida pendem as circunstâncias agravantes previstas e nas alíneas c) e h) do n.° 1 do artigo 283°, ou seja a premeditação e acumulação de infracções, descritas nos n.°s 2. e 5. da mesma norma.
VIII. CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES DA RESPONSABILDADE DISCIPLINAR DA ARGUIDA
A Arguida, pela confissão da infracção, beneficia da circunstância atenuante previstas na alínea b) do artigo 282° do ETAPM.
Já não beneficia da circunstância atenuante relativa à não publicidade, mencionada em sede de acusação, porquanto, após a recolha dos depoimentos das testemunhas arroladas pela defesa e ouvidas em sede de produção de prova, apurou-se que todas, sem excepção, tinham conhecimento dos factos, através da Arguida.
IX. PROPOSTA FINAL
Como resulta claro de todo o supra exposto, a conduta da Arguida, revela negligência e má compreensão dos deveres funcionais a que se encontra vinculada. Das declarações da Arguida, resulta claro o conhecimento que tem da obrigatoriedade da assinatura dos resumos escritos resultantes das reuniões de avaliação de desempenho. E, apesar deste conhecimento, não lhe repugnou a repetição do mesmo comportamento, dois dias depois.
A Arguida, por exercer funções nesta Direcção dos Serviços há cerca de 10 anos, bem é conhecedora das formalidades legais do processo de avaliação de desempenho a que estão sujeitos todos os funcionários públicos desde a sua implementação, através da Lei n.° 8/2004, de 16 de Agosto, e com o regime estabelecido no Regulamento Administrativo n.° 31/2004, de 23 de Agosto.
A Arguida, E, não cumpriu com diligência e zelo, os deveres que lhe são exigidos enquanto trabalhadora da Administração Pública.
Com o comportamento já descrito, violou os deveres gerais de zelo e lealdade previstos, respectivamente, nas alíneas b) e d) do n.° 2 do artigo 279°, com as especificações dos n.°s 4. e 6. do mesmo preceito legal do ETAPM.
Não revelando a Arguida qualquer atitude de arrependimento com o comportamento adoptado, releva apenas a seu favor o reconhecimento expresso na confissão da infracção, bem como o facto de prestar serviço na Administração Pública desde 1998, sem nada constar do seu registo disciplinar.
Acresce, ainda, as suas classificações de serviço, a saber, ano de 1999, 2000 e 2001 "BOM", anos de 2002, 2003 e 2004 "MUITO BOM" e anos de 2005 a 2007 "SATISFAZ MUITO".
Assim, face ao exposto e, atento os n.°s 1 e 2 do artigo 316°, proponho que seja aplicada à Arguida, E, a pena de 5 dias de multa (a que corresponde o montante de MOP 4.769,20 - quatro mil setecentas e sessenta e nove patacas e vinte avos), nos termos dos n.°s 1. alínea b) e 3. do artigo 300°, artigo 302° e, n.°s 1. e 2. alínea e) do artigo 313° todos do ETAPM.”; (cfr., fls. 174 a 194).
– seguidamente proferiu a Exmª Directora dos Serviços de Finanças o despacho seguinte
“Despacho n° 18/DIR/2008
Para efeitos do disposto no n.° 3 do artigo 338.° do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 87/89/M, de 21 de Dezembro, foram analisados os autos de processo disciplinar n.° 001/AT/2008, mandados instaurar por meu Despacho datado de 18 de Fevereiro de 2008, à funcionária E, Letrada Principal do quadro de pessoal da Direcção dos Serviços de Finanças.
Considerando as diligências instrutórias desenvolvidas e a matéria fáctica carreada para os autos;
Considerando as diligências probatórias realizadas, requeridas pela defesa;
Considerando, ainda, o teor da Relatório elaborado nos termos do n.°1 do artigo 337.° do ETAPM, com o qual concordo e cujo teor dou por reproduzido para todos os efeitos legais;
Ao abrigo das competências que me são conferidas pelo no n.°1 do artigo 318.° do ETAPM, determino a aplicação da pena de 5 dias de multa, a que corresponde o montante de MOP 4.769,20 (quatro mil setecentas e sessenta e nove patacas e vinte avos) no procedimento disciplinar n.° 001/AT/2008 com os seguintes fundamentos:
1. A análise feita à conduta adoptada pela funcionária E, em termos de enquadramento juridico-disciplinar do seu comportamento, é susceptível de ser valorada como infracção disciplinar, nos termos previstos no artigo 281.° do ETAPM, considerando que com a sua actuação não cumpriu com diligência e zelo os deveres que lhe são exigidos enquanto trabalhadora da Administração Pública.
2. É de exigir dos funcionários e agentes da Direcção dos Serviços de Finanças, na qualidade de trabalhadores da Administração Pública, um regular conhecimento da lei e dos respectivos deveres funcionais a que se encontram adstritos, dado que a actuação que a contrarie é susceptível de gerar responsabilidade disciplinar e a aplicação da pena correspondente.
3. No caso em apreço, resulta claro do Relatório que o prosseguimento dos autos e a formulação da acusação mostram-se adequados, porquanto é exigível da funcionária o conhecimento do Regulamento Administrativo n.° 31/2004, que regula o regime geral da avaliação de desempenho.
4. A aplicação da pena disciplinar à funcionária, proposta no Relatório, é adequada à prossecução do interesse público visado mostrando-se necessária e exigível, atendendo à finalidade de prevenção especial, característica do direito disciplinar.
5. A falta de assinatura dos resumos escritos resultantes das reuniões de avaliação de desempenho por parte da funcionária, mesmo tendo subjacente a discordância desta com as formalidades das mesmas, não desculpabiliza a sua conduta, revelando negligência e má compreensão dos deveres funcionais a que se encontra adstrita.
6. A funcionária agiu na certeza de que o seu comportamento contraria as regras imposta pelo n.°5 do artigo 16.° do Regulamento Administrativo n.° 31/2004.
7. Aliás, a conduta adoptada pela funcionária de se socorrer do parecer da Comissão Paritária, denota o conhecimento dos direitos e deveres que lhe assistem.
8. A assinatura dos resumos escritos das reuniões de avaliação de desempenho é uma exigência legal e a funcionária violou-a. Das suas declarações em sede de instrução resulta claro o conhecimento que tem da obrigatoriedade que violou.
A instrutora notificará a funcionária do presente despacho de decisão de aplicação de pena nos presentes autos com posterior remessa do presente expediente à Divisão Administrativa e Financeira para cumprimento.
Direcção dos Serviços de Finanças, na RAEM, aos 26 de Junho de 2008.”; (cfr., fls. 48 a 50).
– do assim decidido, interpôs a ora recorrente recurso hierárquico para o Exm° Secretário para a Economia e Finanças.
– no âmbito do processamento de tal recurso, elaborou-se o parecer seguinte:
“1- Em cumprimento do determinado pelo Ex.mo Senhor Coordenador do Núcleo de Apoio Jurídico, somos a emitir parecer sobre o recurso interposto por A da decisão que, na sequência de processo disciplinar contra aquela instaurado, lhe aplicou uma pena de multa nos termos e com os fundamentos constantes do Despacho n.° l8/DIR/2008, de 26 de Junho.
2- Nas suas alegações, a recorrente começa por formular alguns considerandos que a levam a concluir que existiu negligência na condução do processo e má-fé no seu desenvolvimento processual.
3- Apresenta como indício de negligência por parte da instrutora do seu processo disciplinar, o facto de o seu nome ter sido transcrito de forma errada - omissão do "n" em A.
4- Como a própria reconhece, trata-se de um mero lapso de escrita perfeitamente irrelevante, até porque em nada afectou os seus direitos de defesa nem contribuiu para que, de algum modo, de todo o processado não tivesse conhecimento.
5- Sendo irrelevante, como a própria reconhece, manifesto é que daí não se pode concluir que existiu falta de diligência, como parece pretender, mas apenas um mero lapso de escrita susceptível de ocorrer com quem quer que seja. Falta de diligência - ou negligência - existiria se o lapso provocasse algum prejuízo na sua esfera jurídica, o que notoriamente não aconteceu.
6- Pelo que ficou dito esta questão por si suscitada não deve (nem pode) ser ponderada para efeitos de valoração da condução do processo e, consequentemente, da decisão que veio a ser proferida.
7 - Considera ainda a recorrente que a decisão violou o princípio da "boa-fé", na medida em que, tendo o processo sido instruído em língua que não a sua materna, ficou em desvantagem já que teve de consultar terceiros para melhor entender todo o processado, tanto mais que, segundo ela, o seu nível de português " apenas atinge o de comunicação" não lhe permitindo entender correctamente " documentos jurídicos rigorosos ... " .
8- Convirá ter presente que o processo correu seus termos em português - língua da instrutora do mesmo - sendo que, nos termos da lei, a recorrente sempre se poderia fazer assistir e acompanhar de uma intérprete habilitada ou da sua confiança, o que deveria ter requerido se o entendesse necessário.
9- Daí que nos pareça excessivo e destituído de fundamento que se considere que o facto de o processo ter sido instruído em língua materna que não a sua - embora o tenha sido numa das línguas oficiais - tenha conduzido a uma decisão que violou a "boa-fé e lhe causou transtornos no entendimento do processado".
10- E mesmo que se admitisse que alguma dificuldade teve na compreensão de "documentos jurídicos rigorosos ", certo é que, como mais à frente alega, durante o processo foi apoiada por um advogado por si escolhido, o que desde logo afastou essa eventual má compreensão.
11- Tanto mais que, como adiante também se verá, é a própria recorrente que invoca os seus conhecimentos jurídicos para justificar a sua decisão de não assinar os resumos escritos das reuniões de avaliação de desempenho, factos que estiveram na origem do procedimento disciplinar contra si instaurado.
12- Pelo exposto somos de parecer que nesta matéria não lhe assiste razão.
13- Analisados que estão os considerandos iniciais constantes das alegações do recurso em apreço, importa agora apreciar os fundamentos que a mesma invoca para requerer a revogação da decisão que lhe aplicou uma pena de multa.
14- Em síntese, a recorrente considera que a decisão padece do vício de ilegalidade, porquanto se fundou em factos "inventados", em distorções de textos, em interpretações absurdas, demonstrando mesmo falta de profissionalismo, parcialidade, injustiça e tratamento desigual, para além de que não teve em conta as provas por si carreadas para o processo.
15- Para sustentar esse seu entendimento, a recorrente, ao longo das suas alegações, historia todo o procedimento de avaliação de desempenho referente ao período que decorreu entre 1 de Agosto de 2007 e 31 de Dezembro do mesmo ano, dando conta das diversas ilegalidades que, de acordo com o seu entendimento, foram então praticadas pela sua notadora, as quais, ainda de acordo com o que pensa, legitimam o seu comportamento (recusa de assinatura dos mapas resumo das reuniões de avaliação) e nunca deveriam ter levado a que lhe fosse aplicada qualquer pena disciplinar.
16- Em traços gerais, das suas alegações e quanto ao que considera serem os seus fundamentos de facto, relevam o seguinte:
a) Em 11/01/2008, a ora recorrente compareceu perante a sua notadora, que nessa mesma data a convocara telefonicamente e só quando na presença daquela teve conhecimento que o objectivo era a realização das 1ª e 2ª reuniões de avaliação referentes ao período que decorreu entre 01/08/2007 e 31/12/2007;
b) Logo que teve conhecimento do objectivo da convocatória - o que, segundo a recorrente, aconteceu no momento em que compareceu perante a notadora - manifestou a sua indisponibilidade para a realização daquelas reuniões porquanto já havia sido ultrapassado largamente o prazo legalmente fixado para o efeito, tanto mais que era inexequível que em 2008 se fixassem os objectivos a atingir em 2007;
c) Ainda de acordo com as alegações de recurso, pretendeu a recorrente que dos Mapas Resumo das reuniões antes referidas constassem as razões pelas quais aquela se opunha à realização das reuniões e que a levavam a não assinar aqueles, o que, segundo ela, foi recusado pela notadora;
d) Em 14/01/2008, a recorrente foi convocada pela notadora para a realização conjunta da 3ª reunião de avaliação referente ao período de 2007 em questão e 1ª reunião de avaliação referente a 2008;
e) A recorrente, ainda segundo as suas alegações, terá recusado a realização da 3ª reunião de avaliação referente a 2007, porquanto nunca se haviam realizado as 1ª e 2ª reuniões referentes à avaliação de Agosto a Dezembro de 2007;
f) Recusou-se ainda a realizar a 1ª reunião de avaliação referente a 2008 e a assinar o respectivo Mapa Resumo, porquanto, nesse mesmo dia e em momento anterior à convocação da reunião havia requerido a substituição da notadora com o fundamento na sua falta de imparcialidade, nos termos do n.° 2 do artigo 3° do Regulamento Administrativo n.° 31/2004, entendendo, que por tal facto, estava obrigada a tal recusa;
g) Ainda nesse mesmo dia 14/01/2008, pelas 16h00, por convocação da notadora, a recorrente compareceu a uma reunião em que estavam presentes mais duas pessoas que identifica, as quais foram testemunhas que ela se havia recusado a realização da 3ª reunião referente a 2007 e a 1ª de 2008, bem como a assinatura do mapa resumo das reuniões de avaliação de 2007, a ficha de avaliação e o Mapa Resumo da 1ª reunião de 2008;
h) Dessa reunião havida com a notadora e com testemunhas, não foi assinada a acta porquanto a recorrente terá pretendido que na mesma fosse acrescentado o que ocorrera em 11 de Janeiro do mesmo ano, o que a notadora recusou;
i) E, posteriormente, terá aquela elaborado um auto de ocorrência de onde constava que a recorrente se havia recusado a assinar os Mapas Resumos, ao contrário do que havia acontecido, já que ela se recusara a realizar as reuniões;
j) Entretanto, a recorrente foi colocada noutro Departamento da DSF, sendo que já se realizou com o novo notador a 1ª reunião referente a 2008, pelo que a reunião que ela se recusou a fazer com a anterior notadora deixou de ter, segundo ela, qualquer relevância;
k) De qualquer forma, é entendimento da recorrente que todo este processo padece desde logo de um vício que legitima todo o seu comportamento, qual seja o de a convocatória das reuniões não respeitar o disposto no artigo 19° do Código do Procedimento Administrativo, o qual no seu n.° 3 estipula que a convocatória da reunião deve ser feita com a antecedência de 48 horas, sendo que do artigo 23° do mesmo diploma legal se conclui que a ilegalidade resultante do não cumprimento das regras de convocação das reuniões só se considera sanada quando todos os membros do órgão compareçam à reunião e não suscitem oposição à sua realização;
1) Assim sendo, de acordo com a recorrente, apenas existiram convocatórias para reuniões, ilegais por não respeitarem o prazo de convocação fixados na lei, nunca se tendo realizado qualquer reunião pelo que nada havia para assinar;
m) Ao que acresce que, no caso da 3ª reunião referente a 2007, a mesma nunca se poderia realizar já que não se tinham realizado a 1ª e 2ª para além de que a 1ª referente a 2008, nunca se poderia realizar já que aquela não iria ser imparcial;
n) Sendo que, segundo alega a recorrente, o que era da responsabilidade da notadora - a não realização das 1ª e 2ª reuniões referentes ao desempenho de 2007 - acabou por penalizar quem não tinha qualquer responsabilidade, já que sobre si é que recaíu a acusação de "recusa subjectiva e dolosa da assinatura";
o) Em abono da sua tese e como prova que aquelas reuniões nunca se realizaram, solicita que seja verificado no respectivo processo se os Mapas Resumo da 1ª e 2ª reuniões existem e, caso estes não tenham sido assinados pela notadora, fica, segundo ela, demonstrado que as referidas reuniões nunca existiram;
p) Mais solicita que se apure se foi intaurado procedimento disciplinar contra a notadora por não ter assinado tais documentos, à semelhança do que aconteceu com ela e à luz "do principio da igualdade, previsto na Lei Básica ... ";
q) Caso, por outro lado, existam tais documentos assinados pela notadora - os Mapas Resumo da 1ª e 2ª da avaliação em questão - então, ainda de acordo com a recorrente, aquela terá praticado um crime de falsificação de documentos, uma vez que não existiu qualquer reunião;
r) Alega também a recorrente que, apesar de, a seu pedido, lhe terem sido facultadas cópias dos Mapa Resumo da 3ª reunião referente ao período em questão e do mesmo documento referente à 1ª reunião da avaliação de 2008 - o que aconteceu em 16/01/2008 - o prazo de reclamação quanto à sua avaliação de 2007, começou a contar de 14/01/08, pelo que também aqui foi prejudicada;
s) Termina esta sua fase das suas alegações repetindo argumentos e factos já anteriormente descritos e relatando situações análogas de colegas que não procederam como ela porque não tinham formação jurídica;
17- Quanto a esta parte das suas alegações, com o devido respeito e salvo melhor opinião, é nosso entendimento que não assiste razão à recorrente.
18- Antes de mais refira-se que, ao contrário do que alega, não estava a notadora obrigada a convocar as reuniões em questão com 48 horas de antecedência, já que a norma por si invocada só é aplicável às reuniões dos órgãos colegiais, o que manifestamente não é o caso de reuniões entre notadora e notada num processo de avaliação de desempenho.
19- Daí que as reuniões em questão nunca possam ser consideradas ilegais com tal fundamento.
20- Acresce que o facto de as duas primeiras reuniões terem sido convocadas para data em que já estava largamente ultrapassado o prazo legalmente fixado para a realização das mesmas, não obsta à realização daquelas, pode é, quando muito, determinar a invalidade do processo de avaliação de desempenho.
21- Isto porque estamos perante realidades diversas. Uma, a reunião e o prazo legalmente fixado para a sua realização; outra, o dever de assinar a acta da reunião cuja convocatória não padecia de qualquer vício.
22- Daí que o procedimento adequado da recorrente fosse o de assinar as referidas actas e, quando muito, delas fazer constar que as mesmas se realizavam fora do prazo legalmente fixado para o efeito, o que até seria desnecessário, uma vez que das actas constaria, certamente, a data da sua realização.
23- E, posteriormente, se assim o entendesse, deveria proceder em conformidade com o disposto na legislação aplicável ao processo de avaliação de desempenho.
24- E o mesmo se diga quanto ao procedimento adequado no que à 3ª reunião e ao Mapa Resumo, diz respeito.
25- Já quanto ao facto de não ter assinado a acta referente à 1ª reunião do processo de avaliação referente a 2008, com o fundamento que a notadora não seria imparcial - sem que tenha apresentado quaisquer factos - apenas se dirá que o dever de assinar a que a recorrente estava vinculada nunca pode ser afastado por meras conjecturas.
26- Nada se nos oferece dizer quanto ao pretendido apuramento da existência de eventual processo disciplinar à notadora, alegando a recorrente, para o efeito o princípio da igualdade consagrado na Lei Básica, tão manifesto que é o despropósito de tal pedido e a sua desconformidade com a lei.
27- Apresenta como seus fundamentos de direito, em síntese, os seguintes:
a) Invocando o disposto no artigo 277° do ETAPM - que determina a aplicação suplectiva ao procedimento disciplinar do Código Penal - e acolhendo as teses de um criminalista de Taiwan, pretende demonstrar que sendo a ordem ilegal nenhuma responsabilidade pode ser assacada aos funcionários inferiores pelo seu não cumprimento, uma vez que não estão habilitados para avaliarem da sua ilicitude, razão pela qual aos seus colegas que assinaram os Mapas Resumo que lhes foram presentes pela notadora, embora tenham agido de forma ilícita nenhuma responsabilidade lhes pode ser assacada;
b) Tendo ela, recorrente, conhecimentos jurídicos - é, tanto quanto se sabe, licenciada em Direito - estava obrigada a conhecer "da ilicitude substancial da realização de uma reunião fora de prazo", pelas razões anteriormente apontadas, sendo que o "cumprimento do dever de não praticar acto ilícito é superior hierarquicamente ao cumprimento do dever de assinar" cessando o dever de obediência hierárquica quando este conduz à prática de um crime, tudo isto nos termos dos n.°s 1 e 2 do artigo 35° do Código Penal;
c) Ora, uma vez que sabia que seria ilegal a realização da 1ª e 2ª reunião antes referida, por extemporânea e que conhecia a intenção da notadora na prática do crime de falsificação de documentos, entendeu que não devia praticar o crime nem colaborar com aquela na sua prática, pois que com a sua assinatura ajudaria a notadora a praticar um crime de falsificação de documentos;
d) Continuando a alegar, a recorrente volta a invocar neste capitulo que denominou de "Fundamentos de direito", a questão do seu desconhecimento da língua portuguesa, considerando que na fase de instrução a instrutora abusou da sua confiança, fazendo-a assinar uma declaração onde constava a sua "confissão de ter infringido a lei", quando ela o que tinha afirmado é que tinha tomado "conhecimento para assinar, mas não assinei" ;
e) Ainda nesta fase a recorrente faz uma exposição exaustiva das diversas fases do processo de avaliação de desempenho, concluindo que, por facto imputável à notadora, a realização em 2008 das 1ª e 2ª reuniões referentes ao período de 2007, padecia do vício de ilicitude, o que diga-se, antes já havia feito;
f) Considerando mesmo que a notadora teve azar porque ela não sabe "engraxar" e não a ajudou a praticar um crime;
g) Voltando então, nas suas alegações, a suscitar a questão da responsabilidade única da notadora em todo este processo de avaliação;
h) Pelo que, "Como o acto da notadora é nulo, não tenho qualquer dever de obediência", pelo que não tinha o dever de assinar.
28- E, por força do que ficou exposto, conclui que:
a) Não é verdade que se tenha recusado a assinar os mapas resumos das reuniões de avaliação de desempenho, conforme se refere no ponto 5 da Decisão, porquanto não houve qualquer reunião onde "se formasse consentimento" apenas tendo entrado na sala onde se encontrava a notadora e se existem os Mapas Resumo dessas reuniões é porque foram falsificados por aquela e não podem ter qualquer valor;
b) Se não existem os Mapas Resumo quanto à 1ª e 2ª reunião, então só podem existir os da 3ª reunião, mas como não houve uma fase de discussão nesse encontro com a notadora, não se pode dizer que houve uma reunião, logo não havia qualquer obrigação de assinar;
c) Até porque o seu dever de obediência cessou quando a notadora tentou falsificar os documentos;
d) Recusou assinar porque a isso estava obrigada e não por divergência de formalidades quanto às mesmas;
e) Impugna ainda a parte desse ponto 5 da Decisão em que se refere que revelou negligência e má compreensão dos deveres funcionais, porquanto não se trata de entender erradamente os seus deveres funcionais. Na verdade, não assinou porque não houve qualquer reunião;
f) Inpugna ainda o mesmo ponto 5 da Decisão porquanto aquele contradiz os pontos 6, 7 e 8 daquele mesmo documento, pois neles se refere que conhecia o seu dever de assinar e restantes direitos e deveres;
g) O que aconteceu foi que, ciente dos seus deveres, evitou, de forma bem sucedida, que a notadora cometesse um crime;
h) E agiu sempre de forma a que ficasse bem demonstrado que conhecia os seus deveres funcionais, designadamente solicitando uma reunião à Senhora Directora e recorrendo à Comissão Paritária, tendo sempre agido com lealdade;
i) Impugna também o ponto 6 da Decisão porquanto ao não ter assinado não violou qualquer lei, já que, por força do artigo 277° do ETAPM, aplica-se subsidiariam ente ao procedimento disciplinar o Código Penal, designadamente as normas que se referem à exclusão da culpa e da ilicitude;
j) No fundo, de acordo com o que alega, ao não assinar cumpriu um dever imposto por lei, pois assim não procedeu a um acto ilegal, já que o seu dever de assinar cessou porquanto tinha o dever de não cometer um crime de falsificação;
k) Não entendeu, pois, erradamente os seus deveres funcionais, antes os cumpriu com super zelo. Por ter entendido correctamente os seus direitos e deveres recusou a violação, obediência cega e assinatura indevida;
l) Ainda quanto a todos os outros pontos da decisão que "impugna" considera que os mesmos assentam em factos inventados já que a realidade é aquela que relatou anteriormente, daí resultando que não violou qualquer dever, antes agiu correctamente de forma a evitar a prática de ilegalidades por parte da notadora;
m) Mas mesmo que assim se não entendesse que agiu em conformidade, então todos os trabalhadores que não. assinaram deveriam ter sido punidos de igual forma, de acordo com o princípio da igualdade consagrado no artigo 25° da Lei Básica;
n) E, por isso mesmo, entende que deverão ser consultados todos os processos de avaliação de 2007, de forma a apurar quem não assinou e não foi punido de modo idêntico;
o) Acabando por concluir que, assentando todo o processo em acto nulos e sendo eles insusceptíveis de produzirem efeitos nunca lhe poderiam ser assacadas responsabilidades por não ter assinado um documento quando se tratava de um acto nulo;
p) Concluindo que a decisão só tem palavras "ocas" imputando-lhe factos sem qualquer fundamento;
q) Pelo que requer a revogação do referido Despacho n.° 18/DlR/98 e que a Ex.ma Senhora Directora dos Serviços de Finanças lhe peça desculpas publicamente.
29- Na análise de tudo o que anteriormente é alegado, apenas nos deteremos sobre os factos que relevam para a decisão que se pretende impugnar, dando como excessos, próprios de quem se defende em causa sua, todos os considerandos que faz sobre os comportamentos da notadora, da instrutora do processo disciplinar e até da Ex.ma Senhora Directora dos Serviços, a quem chega a exigir um pedido de desculpas público.
30- Quanto à questão da utilização no processo disciplinar da língua portuguesa e não da chinesa, tal matéria já foi objecto de análise em momento anterior (cfr. 7 a 10 da presente Informação), pelo que nos limitamos a remeter para aí a apreciação do mérito de tal argumento, reproduzindo aqui apenas a conclusão que é nosso entendimento que nessa parte não lhe assiste qualquer razão, sendo manifestamente abusiva e destituída de qualquer fundamento a alegação da existência de conduta menos própria da instrutora do processo disciplinar, alegação que se enquadra no entendimento que nos levou a considerar como irrelevantes e meros excessos de linguagem, alguns considerandos que formula.
31- Também nos mesmo âmbito se enquadram as acusações de falsificação que formula, até porque manifesto é que, tendo comparecido às reuniões, haveria que assinar a respectiva ficha do seu "Resumo", ainda que, por hipótese, da mesma apenas constasse a sua posição quanto à ilegalidade da mesma, como adiante se verá.
32- Aliás, toda a argumentação que apresenta para justificar a sua conduta com o dever de evitar a prática de um crime de falsificação por parte da notadora, é de tal forma absurda que pelo alegado só se pode concluir que a realização das reuniões constituiria um crime de falsificação, pois que em momento algum alega, antes pelo contrário, que a notadora pretendeu "viciar" as datas de realização das reuniões, não se vislumbrando de que outra forma tal tipo de crime poderia ser cometido.
33- Como anteriormente já se referiu, o facto de as reuniões em questão se realizarem em data posterior àquela que a lei para o efeito fixava, não é causa justificativa para afastar o seu dever de assinar os respectivos "Resumos".
34- Tal dever de assinar é inquestionável e a recorrente, à semelhança de qualquer notado, não pode, em circunstância alguma, eximir-se ao seu cumprimento, assistindo-lhe, no entanto, o direito de, em caso de desacordo, fazer constar dos "Resumos" de tais reuniões, as suas próprias conclusões, que, depois de assinados, são juntas ao processo de avaliação do notado (n.° 5 do artigo 16° do Regulamento Administrativo n.° 31/2004).
35- Com o devido respeito pelas alegações da ora recorrente, manifesto é que ela labora num vício de raciocínio, qual seja o de confundir a realização das reuniões de avaliação fora do prazo legalmente fixado - o que pode gerar, como efectivamente aconteceu, a declaração de nulidade do respectivo processo de avaliação por preterição de formalidade essencial- e o dever de assinar os "Resumos" de tais reuniões.
36- Ora, claro é que são realidades diferentes e para as quais a lei exige comportamentos diversos.
37- Para as reuniões de avaliação, determina a lei que, sejam elaborados "Resumos" das mesmas, assinados pelos intervenientes e juntos ao processo de avaliação do notado.
38- Sendo que, quando as reuniões não se realizem ou quando se realizem para além do prazo legalmente fixado para o efeito, assiste ao notado o direito de reclamar ou recorrer (artigos 20 e 23° do citado REGA), consoante a fase do processo em que se encontre, invocando, no caso em apreço; a preterição de formalidade essencial.
39- Em caso algum a lei reconhece à notada o direito de fundamentar o não cumprimento de um qualquer dever com base numa eventual nulidade.
40- E mesmo que declarado nulo o acto não deixa de existir a violação de um dever sempre que tal ocorre.
41- Isto tanto vale para o dever de assinar como para outro qualquer dever dos intervenientes processuais.
42- Por tudo o que fica dito, parece claro que não assiste razão alguma à recorrente quando pretende ver justificado o não cumprimento de um dever ( o de assinar), porquanto era seu entendimento que o acto era nulo.
43- Nem tão pouco poderá considerar justificada a violação do seu dever por efectivamente o ser.
44- No caso em apreço, como é bom de ver, não é ao notado que cabe decidir da legalidade da conduta da sua notadora, apenas lhe sendo facultado o direito de questionar a conformidade daquela com a lei através dos meios que a lei lhe faculta.
45- Ora em parte alguma da lei lhe é conferido o direito de recusa à assinatura, antes pelo contrário, é-lhe imposto tal dever, como antes se viu.
46- E bem se compreende que assim seja, pois que, não ser assim, isto é, a não existir tal dever de assinar os "Resumos" das reuniões, realizadas ou não dentro do prazo, poderia ficar em crise todo o sistema de avaliação de desempenho, na medida em que um mero entendimento de um notado, mesmo que sem qualquer cobertura legal, poderia fundamentar a sua recusa de assinatura e, em consequência, inviabilizar a realização tempestiva das reuniões, com as consequências legais.
47- Ora, manifesto é que, ao agir como agiu, a recorrente violou de forma intencional um dever no âmbito do processo de avaliação de desempenho. O que, aliás, ela mesmo reconhece.
48- Foi por esta sua conduta violadora de deveres no âmbito de um processo de avaliação de desempenho que lhe foi instaurado procedimento disciplinar e para o qual nada releva a validade ou invalidade dos actos praticados naquele.
49- Pelo que somos de opinião que também aqui nenhuma razão assiste à ora recorrente.
50- Concluindo:
a) Não assiste razão à recorrente quando invoca que existiu má-fé na condução do processo disciplinar, já que aquele correu seus trâmites em língua portuguesa, quando a sua língua materna é o chinês, porquanto não só a recorrente sempre se poderia fazer acompanhar de tradutora, nos termos legais, ao que acresce que durante o processo foi apoiada por advogado por si escolhido;
b) A convocatória para a realização das reuniões referentes ao processo de avaliação de desempenho do ano de 2007, não está ferida de qualquer vício, já que a obrigação da sua convocatória com 48 horas de antecedência apenas se verifica para as reuniões de órgão colegiais;
c) O facto de as reuniões terem sido convocadas para data posterior àquela que a lei fixava não obsta à sua realização nem afasta o dever de o notado comparecer às mesmas e proceder em conformidade com a lei, designadamente, assinando os "Resumos" das mesmas, podendo em caso de discordância, fazer dos mesmos constar o que entender por conveniente;
d) o incidente de suspeição sobre a isenção da notadora deve ser suscitado pelas vias próprias, não podendo ser considerado como causa justificativa de qualquer violação de um dever a mera conjectura sobre a imparcialidade da notadora;
e) Não assiste à recorrente o direito de ser informada sobre a existência de eventual procedimento disciplinar contra a notadora, ao abrigo do princípio da igualdade consagrado na Lei Básica, não só porque tal princípio não é aplicável ao caso em apreço, mas também porque a própria o lei o impede;
f) Em caso algum a lei reconhece à notada o direito de fundamentar o não cumprimento de um qualquer dever com base numa eventual nulidade processual.
g) E ainda que uma acto seja nulo, como de facto aconteceu, não se extingue a responsabilidade disciplinar por actos ou omissões praticadas no âmbito do procedimento em que tal nulidade se verificou;
h) Não é legítimo pretender que a impossibilidade da produção de efeitos jurídicos de um acto nulo praticado no âmbito de um determinado procedimento se estenda a procedimento completamente autónomo, ainda que na sua génese estejam comportamentos havidos no âmbito daquele;
i) Daí que a ora recorrente não possa pretender justificar com tal fundamento a violação dos seus deveres;
j) O Despacho n.° 18/DIR/98, não padece, pois, em nossa opinião, de qualquer vício.
51- Pelo exposto, somos de parecer que o presente recurso hierárquico deve ser indeferido.
Mais se informa V. Ex.ª que, nos termos do disposto no parágrafo (2) da alínea 8) do artigo 36.° da Lei n.° 9/1999, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 9/2004, e na alínea a) do n.° 2 do artigo 25.° do Código de Processo Administrativo e Contencioso, do acto administrativo em apreço cabe recurso contencioso a interpor, no prazo de 30 dias a contar da data da notificação, junto do Tribunal de Segunda Instância da Região Administrativa Especial de Macau.”; (cfr., fls. 23 a 39).
– submetido o recurso e o transcrito parecer à apreciação do Exm° Secretário para a Economia e Finanças, proferiu o mesmo o seguinte despacho (objecto do presente recurso):
“Concordo com o parecer. Indefiro o referido recurso.”
Do direito
3. Vem A recorrer do despacho do Exm° Secretário para a Economia e Finanças que, apreciando o seu anterior recurso hierárquico que interpôs da decisão que a puniu disciplinarmente com a pena de 5 dias de multa, julgou-o improcedente.
Coloca a recorrente questões várias que identifica como a da “legitimidade e invalidade na instauração do processo disciplinar”, (cfr., concl. 7.ª), “violação do princípio do contraditório” por falta da sua audiência prévia, (cfr., concl. 9.ª e 12.ª), “violação do princípio da presunção da inocência, da legalidade, da proporcionalidade e da boa fé”, (cfr., concl. 25.ª e 27.ª) e “erro nos pressupostos de facto”; (cfr., concl. 31.ª).
Da reflexão que nos foi possível efectuar, e admitindo-se que sobre a questão passe haver outro entendimento, que se respeita, cremos que tem a recorrente razão, mostrando-se-nos de acompanhar a posição pelo Exm° Representante do Ministério Público assumida no seu Parecer que se deixou transcrito, e que, até por uma questão de economia processual, dá-se desde já aqui como reproduzido para todos os efeitos legais.
De facto, colhe-se dos autos que a ora recorrente foi punida disciplinarmente com 5 dias de multa, em virtude da conduta que teve no âmbito do seu processo de avaliação de desempenho do ano de 2007 e 2008, mais concretamente, por se ter recusado a assinar os resumos das 1.ª, 2.ª e 3.ª reuniões de avaliação do ano de 2007 e da 1.ª reunião do ano de 2008.
E, como provado (também) está, por despacho da Exm.ª Directora dos Serviços de Finanças de 01.04.2008, foi declarada a nulidade do referido processo de avaliação.
Nesta conformidade, e não se negando que uma coisa é o “processo de avaliação do desempenho”, e outra, o “procedimento disciplinar”, (sendo pois “processos distintos e autónomos”), cremos que evidente é também que se se declarou nulo o referido processo de avaliação, inadequado (ilegal) é dele extrair factos para efeitos de punição em sede de processo disciplinar.
Com efeito, se se declarou nulo o processo de avaliação, o mesmo, (em toda a sua extensão), deixou de existir, e, assim, como dar-se relevância a factos nele ocorridos para efeitos de sanção disciplinar?
Dest’arte, e necessárias não nos parecendo outras considerações, impõe-se a procedência do recurso com a consequente anulação do acto recorrido.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao presente recurso, anulando-se o acto administrativo recorrido.
Sem custas, por delas estar a entidade recorrida isenta.
Macau, aos 15 de Abril de 2010
Chan Kuong Seng (concordo com a decisão, pois a causa de declaração de nulidade do processo de avaliação esteve intimamente ligada à causa de “recusa de assinatura” da Parte Recorrente que tinha levado à prática do acto aqui recorrido contenciosamente).
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José Maria Dias Azedo Vitor Manuel CarvalhoCoelho
(Relator) (Presente)
(Magistrado do M.oP.o)
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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)
Proc. 703/2009 Pág. 2
Proc. 703/2009 Pág. 1