Processo nº 36/2010
(Autos de recurso contencioso)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A e B, vêm, em representação do filho menor de ambos, C, interpôr recurso contencioso do despacho pelo EXM° SECRETÁRIO PARA A SEGURANÇA proferido em 16.11.2009 e com o qual se indeferiu anterior recurso hierárquico pelos mesmos interposto da decisão do Exm° Comandante do C.P.S.P. que não autorizou a permanência em Macau do dito menor.
Alegam para, a final, produzir as conclusões seguintes:
“1) O despacho recorrido está incorrectamente fundamentado pois os factos aí enunciados estão errados;
2) Os recorrentes nunca declararam que apenas tinham um filho;
3) Ambos os pais do menor cuja autorização especial de permanência se requer têm empregos estáveis em Macau e são titulares de Título de Trabalhador Não Residente;
4) Auferem um salário total de MOP$15.300,00;
5) Os recorrentes vivem em Macau com o filho mais velho do casal, ao qual foi autorizada especialmente a sua permanência em Macau, apenas faltando para completar o agregado familiar o menor C;
6) O menor C não tem, nas Filipinas, nenhum familiar que dele se possa encarregar;
7) Existem fortes razões de natureza humanitária para deferir o pedido de autorização especial de permanência em Macau do filho mais novo dos recorrentes;
8) A recusa dessa autorização é um acto de crueldade e totalmente contrário ao espírito e à intenção da reunião das famílias previsto na legislação da R.A.E.M.
9) A situação deste menor encontra-se abrangida pela previsão do art° 8° da Lei n° 4/2003;
10) Por todos estes motivos se considera que o acto recorrido erro nos pressupostos de facto e violou, assim, a Lei pelo que deve ser ANULADO.”
Pedem que seja o recurso “julgado procedente, anulando-se o acto recorrido e substituindo-o por outro que permita a permanência em Macau e a junção ao seu agregado familiar do menor C”; (cfr., fls. 2 a 16).
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Citada, a entidade recorrida contestou para, em síntese, afirmar que inexiste qualquer vício que deva conduzir à peticionada anulação; (cfr., fls. 29 a 35).
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Oportunamente, juntou o Exm° Representante do Ministério público o seguinte Parecer:
“Independentemente de, a determinado passo do procedimento, a Administração poder ter, eventualmente, cometido lapso na referência sobre o facto de os recorrentes terem faltado à verdade quando, em requerimento formulado, ocultaram a existência de um outro filho, a verdade é que, da análise do acto propriamente dito, bem como do parecer a que anuiu (cfr fls 4 a 6 do instrutor) não se colhe como fundamento do decidido tal discrepância, pelo que tal matéria se revela, por si, inócua para a decisão a tomar.
Posto isto, os recorrentes, A e B de nacionalidade filipina, trabalhadores não residentes, respectivamente desde 2008 e 1995 impugnam o despacho do Secretário para a Segurança que confirmou decisão de indeferimento de pedido de junção familiar em Macau para o seu filho menor, C, fundando a sua alegação na ocorrência de erro nos pressupostos de facto subjacentes à decisão, entendendo que a situação sob escrutínio se encontrará abrangida pelo previsto no art° 8° da Lei 4/2003, pelo que mereceria deferimento o peticionado.
Porém, sem qualquer razão.
Inexiste, quer nos Despachos 12/GM/88 e 49/GM/88, quer na Lei 4/2003, qualquer definição do conceito de "trabalhador especializado", razão por que tal conceito indeterminado haverá que ser preenchido pela Administração consoante critérios por ela estabelecidos, competindo, no específico, tal preenchimento à Economia e Finanças (Direcção para os Serviços Laborais - DSAL), sendo certo que, por um lado, o facto de existirem trabalhadores que, consideradas as concretas condições do mercado, não se encontram normalmente disponíveis em Macau, não significa "per se" que tenham que ser considerados como "trabalhadores especializados" e, por outro, que tal qualidade, a existir, deverá constar do despacho de autorização de contratação de mão de obra não residente.
No caso, dúvidas não subsistirão sobre o facto de não ter sido atribuída aquela qualidade a qualquer dos recorrentes.
Aliás, mesmo que tal sucedesse, isso não significa "per se" que dessa qualificação tivesse necessariamente que se retirar a conclusão de que a respectiva contratação tenha sido "no interesse da RAEM", para os efeitos contemplados no n° 5 do art° 8° da Lei 4/2003 : as noções não se fundem ou confundem e a ocorrência de uma situação não implica necessàriamente a ocorrência da outra, podendo perfeitamente suceder a contratação de trabalhador considerado "especializado ", a seu pedido e interesse e não sob proposta da RAEM, não se podendo, obviamente, concluir ter tal contratação ocorrido "no interesse da RAEM", o qual, no caso específico em análise também se não retira, quer do conteúdo dos respectivos despachos de autorização de contratação de mão de obra não residente, quer da natureza das funções exercidas, já que, não discutindo a respectiva relevância, o Tribunal não poderá deixar de aceitar o juízo e aferição que a Administração das mesmas fará, relativamente ao facto de aquelas, por si, preencherem ou não aquele conceito de contratação no interesse da RAEM, isto é, não competirá, concerteza, ao Tribunal, imiscuindo-se em tal matéria, contrariar o pela Administração propugnado, a menos que face a erro grosseiro ou injustiça manifesta nos encontrássemos, o que se nos não afigura ser o caso.
Claro está que, pese embora a ocorrência da situação apontada, à Administração não estava vedada legalmente a possibilidade de proferir despacho de deferimento, fundada, designadamente, em circunstâncias excepcionais de índole humanitária (até pelo facto de, anteriormente, ter já sido permitida a reunião familiar de um irmão daquele menor, D), matéria que, como é óbvio, nos não passa despercebida e a que não somos incólumes : deparamo-nos, porém, perante situação em que os normativos aplicáveis deixam ao órgão decisor ampla liberdade de apreciação àcerca da conveniência e da oportunidade das decisões encontrando-nos, assim, face a acto produzido no exercício de poderes discricionários, sendo que, por norma, nesta área, a intervenção do julgador ficará reservada, como já se frisou, apenas para casos de erro grosseiro ou injustiça manifesta, o que se não vislumbra.
Donde, por não ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, sejamos a pugnar pelo não provimento do presente recurso.”; (cfr., fls. 43 a 46).
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Nada obstando, cumpre apreciar.
Fundamentação
Dos factos
2. Consideram-se assentes os seguintes factos com interesse para a decisão a proferir:
– em 20.05.2009, deduziram os ora recorrentes pedido de autorização especial de permanência em Macau para o seu filho C, nascido nas Filipinas, em 18.04.2002;
– em sede de apreciação do referido pedido, foi a recorrente notificada do expediente com o teor seguinte:
“CORPO DE POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
SERVIÇO DE MIGRAÇÃO
NOTIFICAÇÃO PARA AUDIÊNCIA ESCRITA
(Art.°s 93° e 94° do Código do Procedimento Administrativo)
N.° Mig.380/2009/TNR
Requerente: B (titular do TI/TNR n.° 86713/1996)
Objecto do requerimento: Autorização Especial de Permanência de Agregado Familiar
Filho: C
Data do requerimento: 20/05/2009
Para efeitos dos Art.°s 93° e 94° do Código do Procedimento Administrativo, notifica-se V. Ex.ª, do sentido provável da decisão de indeferimento do seu pedido, nos termos da informação elaborada neste serviço, que é do seguinte teor:
1. A requerente, na qualidade de trabalhadora-não-residente na RAEM, contratada ao abrigo do Despacho n.° 49/GM/88, para trabalhar para um residente da RAEM, como ajudante familiar, solicita Autorização Especial de Permanência na RAEM, para o seu filho;
2. O seu marido, A é trabalhador não-residente, ao abrigo do Despacho n°.12/GM/88, para trabalhar na "E", como bagageiro;
3. No n.°1 do Art.° 8° da Lei n.° 4/2003 refere que a permanência na RAEM pode ser especialmente autorizada para fins de reagrupamento familiar e outros similares julgados atendíveis. O n.° 5 do mesmo artigo refere a autorização de permanência do agregado familiar do TNR especializado, cuja contratação tenha sido de interesse da RAEM, é concedida pelo período pelo qual o referido trabalhador estiver vinculado, sob parecer da entidade competente para a autorização de contratação de mão-de-obra não-residente;
4. O parecer do Gabinete para os Recursos Humanos foi de teor negativo, atendendo que não obstante tratar-se de TNR contratada ao abrigo do Despacho n°.49/GM/88, não se pode considerar de particularmente especializada, e não se mostre benefício para a RAEM;
5. Assim, não vêm alegadas razões eventualmente atendíveis de um ponto de vista humanitário e de interesse público.
6. Pelo exposto, ao abrigo da disposição legal invocada, se propõe o indeferimento do pedido.
Mais se notifica que poderá dizer o que se lhe oferecer, por escrito, no prazo de 10 dias, a contar do dia seguinte da presente notificação, podendo o processo ser consultado neste Serviço de Migração, todos os dias úteis, durante as horas normais de expediente.
Macau, ao, 21 de Julho de 2009.
(...)”;
– seguidamente, e na ausência de resposta, por despacho de 19.08.2009 do Comandante da P.S.P. foi o pedido indeferido;
– em sede do recurso hierárquico do assim, decidido, elaborou-se a seguinte:
“INFORMAÇÃO
ASSUNTO: PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO/RECURSO HIERÁRQUICO
REQUERENTE/RECORRENTE: A e B
TERMOS LEGISLATIVOS: ART° 159º DO CPA
1. Os recorrentes, ambos trabalhadores não residentes não especializados (o marido desde 2008 e a esposa desde 1995), vêm impugnar a decisão que indeferiu o pedido de junção familiar para o seu filho menor de nome C, nascido e a residir nas Filipinas, invocando que
2. não têm ninguém nas Filipinas a quem deixar a sua guarda, uma vez que os avós paternos do menor já faleceram e os maternos não têm condições para tomar conta dele pois o avô tem problemas de saúde e o menor fica entregue à avó,
3. e não compreendem o indeferimento porque anteriormente foi autorizada a junção familiar do outro menor da família,
4. pedindo assim a revogação acto e a consequente autorização de junção familiar.
5. Os recorrentes são trabalhadores não residentes não especializados, e as leis que regulam a situação e permanência destes trabalhadores (com quais eles expressa ou implicitamente acordaram em observar), não permitem a junção de membros do agregado familiar.
6. Por outro lado, os trabalhadores não residentes, não devem endossar os seus problemas particulares para as autoridades da RAEM os resolver, pois não foram estas que deram causa à sua origem.
7. Assim, além de se considerar que não existir razões para modificar a decisão anteriormente tomada dado a situação não atingir a excepcionalidade como foi o caso da autorização de permanência para o outro menor, e o acto recorrido não enfermar de qualquer vício que possa levar à sua anulabilidade, não deve ser concedido provimento ao presente recurso.
8. À consideração de V.Exa .
CPSP, aos 30 de Setembro de 2009.
(...)”;
– seguidamente, e por despacho de 16.11.2009 do Exm° Secretário para a Segurança, foi a decisão recorrida confirmada; (sendo este o acto administrativo objecto do presente recurso contencioso).
Do direito
3. Vem interposto recurso do despacho (supra referido) do Exm° Secretário para a Segurança que confirmou a decisão de indeferimento do pedido de autorização de permanência em Macau de C, filho dos ora recorrentes, imputando-se ao mesmo acto recorrido o vício de “erro nos pressupostos de facto”, e “violação de lei”, mais concretamente, do art. 8° da Lei n° 4/2003.
Da reflexão que nos foi possível efectuar, (e ainda que nos pareça ser a situação dos ora recorrentes “pouco feliz”), cremos que o recurso não merece provimento.
De facto, mostra-se-nos de subscrever as doutas considerações expostas no Parecer do Exm° Magistrado do Ministério Público que aqui se dão desde já como reproduzidas.
Contudo, não se deixa de dizer o que segue.
— O assacado “erro nos pressupostos de facto” deve-se, na opinião dos recorrentes, ao facto de no despacho recorrido se ter feito constar que tinham os recorrentes alegado ter apenas 1 filho, (a quem já foi autorizada a permanência em Macau).
E, de facto, assim é, pois que na decisão recorrida fez-se efectivamente tal referência; (cfr., fls. 19).
Porém, não nos parece de “culpabilizar” a entidade administrativa pela “incorrecção” em questão, pois que, em nossa opinião, foi a mesma induzida em erro pelos ora recorrentes.
Com efeito, em expediente que a recorrente apresentou em 14.04.2005 (cfr., fls. 129 do P.A. referenciado com o n° 173492 e ora em apenso), declarou a mesma que o seu agregado familiar era composto por 3 elementos, a própria, o seu cônjuge A, e filho de nome, D, de 10 anos, certo sendo que, na data de tal declaração, nascido já estava o filho cuja permanência em Macau agora pretende.
Seja como for, e ainda que outro seja o entendimento sobre tal aspecto, há que dizer que tal “consideração” por parte da entidade recorrida se revela inócua, já que a decisão recorrida assenta em fundamento jurídico que lhe é alheio.
— Dito isto, vejamos então do vício de “violação da Lei”, mais concretamente, do art. 8° da Lei n° 4/2003.
Preceitua o referido art. 8° que:
“1. A permanência na RAEM pode ser especialmente autorizada para fins de estudo em estabelecimento de ensino superior, de reagrupamento familiar ou outros similares julgados atendíveis.
2. O pedido de autorização de permanência para fins de estudo é instruído com documento comprovativo de inscrição ou matrícula em estabelecimento de ensino superior da RAEM, e documento que ateste a duração total do curso respectivo.
3. A autorização de permanência para fins de estudo é concedida pelo período normal de duração do curso pretendido frequentar, sendo renovável pelo período máximo de 1 ano.
4. Tratando-se de curso com duração superior a 1 ano, a autorização é obrigatoriamente confirmada pelo menos uma vez por ano, sendo para tal tidos em conta a efectiva frequência do curso e o aproveitamento escolar.
5. A autorização de permanência do agregado familiar de trabalhador não-residente especializado, cuja contratação tenha sido do interesse da RAEM, é concedida pelo período pelo qual o referido trabalhador estiver vinculado, sob parecer da entidade competente para a autorização da contratação de mão-de-obra não-residente.
6. Na pendência de pedido de fixação de residência pode o Serviço de Migração prorrogar a autorização de permanência do interessado a seu requerimento, uma ou mais vezes, até 30 dias após a decisão final sobre aquele pedido.”
“In casu”, o que levou à decisão ora recorrida foi o facto de serem os ora recorrentes “trabalhadores não residentes não especializados”, invocando-se, expressamente, na mesma, o n° 5 do transcrito comando legal.
E, assim, sendo (também) precisamente este o preceito pelos ora recorrentes considerado violado, (cfr., art. 43° da p.i.), não nos parece que tenha a entidade recorrida incorrido no imputado “vício”.
Com efeito, e como se pode ler no citado n° 5, a ali referida “autorização de permanência” diz respeito ao agregado familiar de trabalhador não residente “especializado, cuja contratação tenha sido do interesse da R.A.E.M.”, o que, como bem se vê, não é o caso dos ora recorrentes.
Nesta conformidade, e não sendo a situação dos ora recorrentes subsumível ao preceituado no art. 8°, n° 5 da Lei n° 4/2003, (comando legal pelos mesmos recorrentes considerado violado), visto está que o presente recurso não pode proceder, (sendo ainda de notar que a decisão ora recorrida constitui a manifestação do poder discricionário por Lei atribuído às autoridades administrativas da R.A.E.M. – atente-se, no n° 1 do preceito – e a factualidade considerada provada e atrás retratada não permite que se considere que aquela mesma decisão seja “manifestamente injusta” para efeitos da sua anulação).
Decisão
4. Nos termos e fundamentos que se deixaram expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas, pelos recorrentes, com taxa de justiça que se fixa em 6 UCs.
Macau, aos 8 de Julho de 2010
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José Maria Dias Azedo Vitor Manuel CarvalhoCoelho
(Relator) (Presente)
(Magistrado do M.oP.o)
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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)
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