打印全文
Recurso nº 867/2009
Recorrente: Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, SARL
(澳門旅遊娛樂有限公司)
Recorrida: A





Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
   A, devidamente identificada nos autos, instaurou no Tribunal Judicial de Base acção de processo comum do trabalho, contra a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, devidamente identificada nos autos, doravante abreviadamente designada STDM.
   
   Citada a Ré, contestou pugnando pela improcedência da acção.
   
   A final a acção foi julgada parcialmente procedente e condenada a Ré a pagar à Autora A a quantia de MOP$910.600,00, acrescida de juros vencidos e vincendos, a contar do trânsito em julgado da sentença até integral pagamento.
   Inconformada, recorreu a Ré, tendo por via de recurso arguido a nulidade da sentença ora recorrida, por omissão da pronúncia, nos termos do artº 571º/1-d) do CPC.
   Nessa parte do recurso, concluiu alegando:
i. A Sentença de que ora se recorre é nula por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n° 1 do artigo 571º do Código de Processo Civil.
ii. Constando da matéria assente duas alíneas em que se considera provado que "Em meados de Julho de 2003, a Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego enviou à Autora o ofício junto aos autos a fls. 109 a 113, cujo teor se dá por reproduzido." - alínea M) da matéria assente - e que "A 18 de Julho de 2003, a Autora emitiu a declaração junta aos autos a fls. 99, cujo teor se dá por integralmente reproduzido." - negro nosso - ,
iii. E tendo os factos constantes daqueles Ofício e Declaração sido alegados pela Ré como fundamento da excepção peremptória de pagamento, e bem assim, da remissão da dívida, com o devido respeito, deveria o Tribunal ter-se pronunciado sobre o teor de tais documentos, designadamente, sobre a verificação, ou não, da existência da excepção peremptória de pagamento.
   
   Após a sentença proferida, a autora desistiu do pedido parcial, nos seus termos do requerimento da fl. 290, a que foi homologado pela Mmª Juiz titular do processo (fl.324v).
   
   Foram colhido os vistos legais.
   Cumpre conhecer.
   
   Em primeiro lugar, vimos essa alegada nulidade de sentença, pois a sua eventual procedência influi na sorte das restantes questões levantadas pela recorrente.
   Compulsando os autos, verifica-se que a Ré deduziu, em sede contestação, excepção peremptória do pagamento de todas as quantias alegadamente em dívida à Autora e da renúncia expressa da Autora a quaisquer outras quantias.
   A propósito dessa excepção, a Mmº Juiz titular do processo determinou no saneador que se relegasse o seu conhecimento para momento posterior.
   Devidamente processada, veio a acção culminar na decisão de 1ª instância, ora recorrida, em que todavia não se pronunciou o Tribunal a quo por essa excepção peremptória.
   Efectivamente estamos perante a omissão da pronúncia, geradora da nulidade da sentença.
   É de declarar nula a sentença ora recorrida.
   Por força do princípio da substituição consagrada no artº 630º/1 do CPC, este Tribunal de recurso deve conhecer directamente da excepção peremptória cuja apreciação o tribunal recorrido omitiu.
   Tal como vimos supra, a Ré deduziu uma excepção peremptória do pagamento de todas as quantias alegadamente em dívida à Autora e da renúncia expressa da Autora a quaisquer outras quantias.
   Na réplica, a Autora pugna pela improcedência da excepção com fundamento quer na ilegalidade da declaração constante das fls. 99 dos presentes autos, por serem indisponíveis e irrenunciáveis os créditos laborais nela alegadamente abdicados, quer na anulabilidade da declaração por causa do erro-vício na assinatura da mesma.
   A este propósito ficou provado que:
   ......
L) 2003年7月中旬,勞工暨就業局向原告寄出一封信函,信函載於本卷宗第109頁至113頁,其內容在此全文轉錄。
M) 2003年7月18日,原告發出一份聲明,該聲明載於本卷宗第99頁,其內容在此全文轉錄。

   Nessa declaração constante das fls. 99, a ora Autor declarou ter recebido voluntariamente da entidade patronal STDM, a título de prémio de serviço, a quantia de MOP$29.790,10, referente ao pagamento de compensações extraordinárias de eventuais direitos relativos a descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios, eventual licença de maternidade e rescisão por acordo do contrato de trabalho , decorrentes do vínculo laboral com a STDM e mais declarou ter entendido que, recebido o valor referido, nenhum outro direito decorrente da relação de trabalho com a STDM subsiste e, por consequência, nenhuma quantia é por si exigível, por qualquer forma, à STDM, na medida em que nenhuma das partes deve à outra qualquer compensação relativa ao vínculo laboral.
   Como prevê expressamente o artigo 571º nº 1 do Código de Processo Civil que é nula a sentença quando o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
   Trata-se de uma excepção peremptória invocada na contestação, questão essa que tinha sido relegado para a apreciação posterior oportuna, quiçá, por ter necessidade de apurar mais outros factos pertinentes para a apreciação do erro-vício na declaração ou da declaração.
   E essa questão prévia obstava o conhecimento do mérito da causa, do objecto da acção, sem ter ultrapassado a mesma, o tribunal incorreria como incorreu efectivamente, no vício de omissão de pronúncia, vício este que conduz à nulidade da sentença.
   Pelo que, é de julgar procedente a arguição da nulidade por omissão da pronúncia, declarando nula a sentença recorrida.
   Ao abrigo do disposto no artigo 630º nº 1 do Código de Processo Civil, cumpre este Tribunal apreciar a excepção peremptória, questão cuja apreciação estava em falta.
   
   Quanto à questão contida na excepção, há dois entendimentos identicamente diferentes nas decisões neste Tribunal.
   Para umas, tal como as conclusões resumidas no acórdão de 24 de Julho de 2008 do processo n° 491/2007 (também dos recentes acórdãos de 11 de Setembro de 2008 do processo n° 546/2007, de 18 de Setembro de 2008 dos processos n°s 207/2008, 249/2008, 335/2008, 380/2008, 407/2008 e 427/2008):
    “1. A protecção que deve ser dispensada ao trabalhador não pode ser absoluta nem fazer dele um incapaz sem autonomia e liberdade, ainda que aceitando os condicionamentos específicos decorrentes de uma relação laboral.
    2. Maiores razões proteccionistas do trabalhador já não são tão válidas quando não está em causa o exercício dos direitos, mas apenas uma compensação que mais não é do que a indemnização pelo não gozo de determinados direitos.
    3. A remissão de dívida traduz-se na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação, feita com o acordo do devedor.
    4. A declaração do trabalhador, aquando da cessação de uma relação laboral, em que aceita uma determinada quantia para pagamento de créditos emergentes dessa relação e em que declara prescindir de quaisquer outros montantes, não deixa de consubstanciar valida e relevantemente uma declaração de quitação em que se consideram extintos, por recíproco pagamento, ajustado e efectuado nessa data, toda e qualquer compensação emergente da relação laboral, o que vale por dizer que todas as obrigações decorrentes do contrato de trabalho tinham sido cumpridas.”
    Para outras, nomeadamente nos acórdãos, entre outros, de 19 de Julho de 2008 nos processo n°s 294/2007, de 11 de Junho de 2008 dos processo n° 14/2008 e 17/2008, de 11 de Setembro de 2008 dos processos n°s 493/2008 e 400/2008, considerando essencialmente nula a convenção contrária aos direitos ou às garantias conferidas por lei, nomeadamente as normas que conferem aos trabalhadores os direitos irrenunciáveis nos termos do artigo 6° do D.L. n° 24/89/M de 3 de Abril.
    O Tribunal de Última Instância no seu acórdão, entre outros, de 27 de Fevereiro de 2008 no processo n° 46/2007, decidiu nos seguintes termos:
    1) – A remissão consiste no que é vulgarmente designado por perdão de dívida.
    2) A quitação (ou recibo, no caso de obrigação pecuniária) é a declaração do credor, corporizada num documento, de que recebeu a prestação.
    3) O reconhecimento negativo de dívida é o negócio pelo qual o possível credor declara vinculativamente, perante a contraparte, que a obrigação não existe.
    4) O reconhecimento negativo da dívida pode ser elemento de uma transacção, se o credor obtém, em troca do reconhecimento, uma concessão; mas não o é, se não se obtém nada em troca, havendo então um contrato de reconhecimento ou fixação unilateral, que se distingue da transacção por não haver concessão recíprocas.
    5) A remissão de crédito do contrato de trabalho é possível após extinção das relações laborais.”
    
    II. Quanto a nós, não podemos deixar de acompanhar o entendimento encontrado no primeiro grupo das decisões e a jurisprudência corrente do Tribunal de última Instância.
    No fundo, o que é essencial é de saber se a declaração do trabalhador de “quitação” constitui a renúncia do direito indisponível e consequente causa de nulidade de declaração por vício de vontade.
    Como resulta dos autos, tinha o autor assinou a declaração cujo teor consta dos autos nos termos seguintes:
“本人 A,持澳門居民身份證編號XXX,自願收取由澳門旅遊娛樂有限公司(以下簡稱“澳娛”)發放的服務賞金MOP$(澳門幣)29,790.00,作為支付本人過往在“澳娛”任職期間一切假期(周假、年假、強制性假日及倘有之分娩假期)及協議終止與“澳娛”的僱傭關係等所可能衍生權利的額外補償。
同時,本人聲明及明白在收取上述服務賞金之後,本人因過往在“澳娛”任職而可能衍生之權利已予終止,因此,本人不會以任何形式或方式,再行向“澳娛”追討或要求任何補償,即本人與“澳娛”就僱傭關係補償的問題上,從此各不拖欠對方。
特此聲明。
聲明人(O Declarante):A (assinatura)
澳門居民身份證編號(BIR nº):XXX
日期(Data):2003-7-18 1

    Desta declaração, podemos ver, o trabalhador, face à rescisão do contrato de trabalho, no que respeita à relação laboral que durava e vinculava, recebeu uma certa quantia, referente a compensações de eventuais direitos, nomeadamente relativos aos descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios, aceitando que nenhuma outra quantia fosse devida. Isto, tal com sempre afirmamos, deu quitação da dívida.
    Mas vem agora o trabalhador pedir outros montantes, quantitativamente muito maiores.
    Esta situação, não podemos deixar de implicar o seguinte, como uma pessoa normal podia fazer a sua leitura: o trabalhador não considerava pagos por não ter conformado com aquele que tinha recebido.
    Pode-se dizer que face ao montante que recebeu e o prejuízo eventualmente existente, não deveria assinar a mesma declaração.
    Seria, porém, outra coisa que não tinha consciência do que aceitou ou tinha sido induzido em erro, ou por outro motivo que formou o vício de vontade, isto pressupõe a alegação e a comprovação, para já, nos presentes autos não se encontra em condição de a apreciar (não bastando uma mera alegação nesta sede do recurso, tal como foi assim efectivamente no recurso, na parte in fine das conclusões).
    Trata-se de uma remissão que se traduz uma causa de extinção das obrigações e na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação que lhe é devida, feita com a aquiescência da contraparte,2 revestindo, por isso, a forma de “contrato”, como claramente se preceitua no artigo 854º nº 1 do Código Civil, onde consta que o credor por remitir a dívida por contrato com o devedor”, ou, tal como entende o Alto Tribunal de Última Instância, de uma questão de “quitação acompanhada de reconhecimento negativo de dívida” que se prevê no disposto no artigo 776° do Código Civil e (no acórdão acima referido), de uns direitos disponíveis.
    Seja que for o nome que se chama, visa a mesma declaração a produção dos efeitos de fazer extinguir a dívida do devedor e a reconhecimento definitivo de inexistência da prestação devida ao credor.
    No caso sub judicio, com a declaração assinada, e uma vez que está cessada a relação laboral com a ré, impõe-se considerar que se encontra a quitação dos créditos e a ré não deve mais nada ao autor.
    Têm invocado o direito indisponível ou irrenunciável. Vejamos então.
    O RJRL, no seu artigo 1° prevê-se que:
    “O presente diploma define os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre empregadores directos e trabalhadores residentes, para além de outros que se encontrem ou venham a ser estabelecidos em diplomas avulsos.”
    E no art. 33º do R.J.R.T.:
    “O trabalhador não pode ceder, nem a qualquer outro título alienar, a título gratuito ou oneroso, os seus créditos ao salário, salvo a favor de fundo de segurança social, desde que os subsídios por este atribuídos sejam de montante igual ou superior ao dos créditos.”
    Como podemos ver claramente, são distintas as situações em que se encontramos no presente caso e o que prevê neste artigo 33°. Digamos que este artigo 33º dispõe da impossibilidade de renúncia a um salário e não já às compensações devidas por trabalho indevido.
    Pois, não se está em causa o exercício de direitos, mas apenas uma indemnização pelo não gozo de determinados direitos, tais como a compensação do trabalho prestado nos dias de descansos não gozados após de cessão da relação laboral.
    Não se compreende como se pode invocar esta questão de irrenunciabilidade dos créditos, que só faria sentido “quando o trabalhador está em exercício de funções, “o que justifica, quer pela natureza da retribuição, entendida como crédito alimentar, indispensável ao sustento do trabalhador e da sua família, quer pela subordinação económica e jurídica em que o trabalhador se encontra face ao empregador, que o pode inibir de tomar decisões verdadeiramente livres, em resultado do temor reverencial em que se encontra face aos seus superiores ou do medo de represálias ou de algum modo vire a ser porejudicado na sua situação profissional”.3
    Nestes termos, mostra-se falível a invocada irrenunciabilidade dos crédito.
De resto subscrevendo as conclusões tidas no Acórdão deste Tribunal de Segunda Instância e de Última Instância, acima referidos, mantendo-se o decidido do Tribunal a quo, julgando procedente a deduzida excepção peremptória de rescisão dos créditos e consequentemente devia a ré ter sido absolvido do pedido.
Dá-se assim a procedência ao recurso.

   Pelo exposto, acordam em julgar procedente a arguição da nulidade por omissão da pronúncia, declarando nula a sentença recorrida, e julgar, ao abrigo do disposto no artº 630º/1 do CPC, em substituição ao tribunal de 1ª instância, procedente a excepção peremptória identificada por 1 na contestação, absolvendo a ré dos pedidos.
   Custas pela autora, em ambas instancias.
Macau, RAE, aos 22 de Julho de 2010

蔡武彬
司徒民正
賴健雄 (Parcialmente vencido nos termos de declaração de voto que se junta.)

Processo n.º 867/2009
Declaração de voto de vencido
Subscrevo a parte do Acórdão antecedente que declarou a nulidade da sentença recorrida na parte que omitiu a apreciação da excepção peremptória, mas já fico vencido quanto à apreciação dessa mesma excepção peremptória, por razões que já expus na declaração de voto de vencido que juntei, nomeadamente, aos Acórdão tirados nos processos n.ºs 62/2008, 101/2008, 120/2008 e 252/2008 e que aqui dou por integralmente reproduzidas.

RAEM, 22 JUL 2010

O relator vencido,
Lai Kin Hong
1 Tradução:
“Eu, (……), titular do Bir n.º (......) recebi, voluntariamente, a título de prémio de serviço, a quantia de MOP$ (.......) da STDM, referente ao pagamento de compensação extraordinária de eventuais direitos relativos a descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios, eventual licença de maternidade e rescisão por acordo do contrato de trabalho, decorrentes do vínculo laboral com a STDM.
Mais declaro e entendo que, recebido o valor referido, nenhum outro direito decorrente da relação de trabalho com a STDM subsiste e, por consequência, nenhuma quantia é por mim exigível, por qualquer forma, à STDM, na medida em que nenhuma das partes deve à outra qualquer compensação relativa ao vínculo laboral.”
2 Vide Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. II, Coimbra Almedina, 7ª Edição, 1995, p. 203 e ss.
3 Neste sentido, vide os acórdãos, entre outros, do STJ de Portugal de 24 de Novembro de 2004 do processo nº 0452846; J.L. Amado, A Protecção do Salário, 1973, p. 196-222; J. Barros Moura, A convenção Colectiva entre as Fontes de Direitos, p. 210 e 212; J. Mesquita in RMP, ano I, TI, p. 43-47.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

TSI-867/2009 Página 1