Processo nº 495/2010
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, com os sinais dos autos, veio recorrer do Acórdão proferido pelo Colectivo do T.J.B. com a qual foi condenado pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um “crime de roubo”, p. e p. pelo art.º 204º, n.º 2, al. b) do Código Penal, na pena de 4 anos e 9 meses de prisão efectiva; (cfr., fls. 590 a 595 e 742 a 759).
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Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou apresentando as seguintes conclusões:
“1) O recorrente considera que existe no acórdão a questão de direito indicada no art.º 400, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal, ou seja, erro notório na apreciação da prova, o que resulta a nulidade do acórdão em apreço.
2) Referido nos factos provados da página 7 do acórdão recorrido: “Após ter confirmado que o ofendido tinha trazido o dinheiro, o 1º arguido A aproveitou a desatenção do ofendido e lançou repentinamente o gás pimenta à cara e aos olhos do mesmo, causando-lhe dores insuportáveis nos olhos, pelo que o ofendido não conseguiu manter os olhos abertos. (...)”
3) Isto significa que devia ter deixado na garrafa do gás pimenta as impressões digitais que fossem coincidentes com uma das impressões digitais do recorrente.
4) Contudo, segundo o relatório do exame das impressões digitais que se fundamenta o acórdão recorrido (vide fls. 227 a 232 dos autos), após ter confrontado o vestígio das impressões digitais, recolhido no quarto n.º XXXX do Hotel Wynn onde se ocorreu, em 20 de Maio de 2008, o crime de roubo, com as impressões digitais dos dez dedos do recorrente, averigua-se que não existe coincidência entre as referidas impressões digitais.
5) O recorrente negou os factos e apresentou a contestação, alegando que o 2º arguido foi quem roubou o dinheiro ao ofendido e que, na dada altura, por ser embriagado, não sabia como é que o 2º arguido tinha praticado o crime, mais dizendo o recorrente que está sempre doente e sofre da deslocação articular habitual, proveniente das lesões graves obtidas no treino militar (vide fls. 211 a 214 dos autos), por isso, não tinha condições físicas para atacar o ofendido e praticar roubo.
6) Por estar arrependido, o ofendido dirigiu da Coreia, sucessivamente, em 19 de Agosto de 2008 e em 5 de Setembro de 2008, duas cartas ao Ministério Público, alegando sobre o verdadeiro decurso do acontecimento (vide as escrituras públicas de fls. 193 a 196 e 199 a 202v. dos autos), nas quais referiu que, de facto, o recorrente A não era o autor do crime nem lhe tinha roubado o dinheiro, por isso, não devia ter sido internado na prisão.
7) As aludidas duas cartas enviadas da Coreia para o MºPº, em que se referiu sobre o verdadeiro decurso do acontecimento, devem ser legalmente consideradas como documentos com força probatória plena, já que estas foram apuradas pela Embaixada da República Popular da China na República da Coreia e que as assinaturas constantes daquelas cartas foram, também, notarialmente reconhecidas.
8) Nos termos do art.º 154º do Código de Processo Penal, consideram-se provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa.
9) Pelo exposto, o Tribunal Colectivo deve admitir os documentos autenticados elaborados pelo ofendido na Coreia, sendo estes considerados como verdadeira declaração de vontade do ofendido. Se não entender assim, deve-se absolver o recorrente do crime por força do princípio in dubio pro reo, uma vez que, nos termos do art.º 400º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal, o Tribunal Colectivo cometeu erro notório na apreciação da prova.
10) Referido meramente na parte da determinação da pena do acórdão recorrido: “In casu, o 1º arguido negou os factos; e, é primário. Atendendo a que o crime de roubo praticado pelo arguido provocou influências negativas à paz social, bem como aos bens e à integridade física de outras pessoas, e, também, tendo em consideração que o valor da coisa roubada é consideravelmente elevado, ora, vislumbra-se que o grau da intensidade do dolo do arguido é alto e a conduta deste é manifestamente grave, pelo que (...)”. O acórdão recorrido violou o princípio da culpa, o espírito do art.º 65º do Código Penal e a disposição do n.º 1 do art.º 356º do Código de Processo Penal, por não ter atendido efectivamente a algumas circunstâncias da medida da pena.
11) O comportamento do recorrente foi sempre bom, tem emprego ordinário e receita estável, é o principal agente económico da família, bem como tem os pais, a esposa e um irmão mais novo a seu cargo.
12) A saúde dos pais do recorrente é má. O pai do recorrente sofre de diabetes graves e de neurose, ficando permanentemente submetido a tratamento médico (vide fls. 215 a 218 dos autos); e, a mãe dele sofre de surdez (vide fls. 219 a 222 dos autos).
13) O recorrente considera que o art.º 65º do Código Penal tem o espírito de exigir o tribunal a referir expressamente os fundamentos na determinação da pena concreta, mormente, na sentença são expressamente referidas as circunstâncias articuladas no n.º 2 do art.º 65º do Código Penal, em vez de fundamentar a determinação da pena pelas expressões genéricas e conclusivas do conceito jurídico, tais como “atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele” ou “atendendo às circunstâncias concretas de crime”.”
A final pede que:
“1. Absolvam o recorrente do crime de roubo por ter verificado que o acórdão recorrido padece de vício previsto na al. c) do n.º 2 do art.º 400º do Código de Processo Penal; ou
2. Remetam o processo ao T.J.B. para a reapreciação do objecto da acção.
3. Se não concordarem com o ponto 1 do pedido, solicita-se que emendem o acórdão recorrido por ter violado os dispostos nos art.ºs 40º e 65º do Código Penal, bem como voltem a determinar a pena aplicada ao recorrente e apliquem-lhe a suspensão da execução da pena.”; (cfr., fls. 629 a 632 e 760 a 764).
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Respondendo, diz o Exm° Magistrado do Ministério Público que:
“1- O facto de não ter encontrado impressões digitais do Recorrente não lhe afasta, de per si, o cometimento do crime de roubo, nomeadamente quando o ofendido relatou claramente a ocorrência nas declarações para a memória futura devidamente lida na audiência bem como os factos foram verificados no quarto arrendado em nome do mesmo, pelo que não há erro notório na apreciação da prova;
2- As declarações do ofendido mesmo feitas perante um Notário Coreano certificado pelo Consulado da RPC, não tem valor probatório por força dos art. 336° n°. 1 e 2 conjugado com o art. 337° do CPPM;
3- Perante as circunstâncias tais como o plano tinha sido pré-meditado, houve emprego de arma aparente, houve ofensa num órgão frágil – olhos do ofendido - com "pepper stray", o valor envolvido foi consideravelmente elevado, etc., só pode concluir que houve um dolo muito intenso e culpa muito elevada do Recorrente;
4- A medida concreta de 4 anos e 9 meses de prisão perante uma moldura de 3 a 15 anos é, de facto, muito benevolento. ”; (cfr., fls. 637 a 638-v).
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Remetidos os autos a este T.S.I. e em sede de vista, emitiu o Exm° Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Acompanham-se as judiciosas considerações do Exmo colega junto da 1ª Instância que, por ocioso, nos dispensaremos de reproduzir, que atestam, plenamente, a falta de fundamento do alegado e pretendido pela recorrente.
Na verdade, a mera circunstância de não terem sido encontradas impressões digitais do recorrente nas garrafas de "pepper spray" utilizadas no cometimento da infracção, só atesta isso mesmo, não tendo o condão de afastar, abalar ou afectar a validade da convicção alcançada pelo colectivo àcerca da prática dos factos pelo recorrente, sendo fácil descortinar no douto aresto em crise que os julgadores tiveram a preocupação de expressar, reportando-se, inclusivé, especificamente aos diversos tipos de prova carreados para os autos, quais os motivos, quais os fundamentos em que alicerçaram essa convicção, a qual, embora pessoal, é objectivável e motivável, capaz de se impor.
Analisada, a decisão recorrida na sua globalidade, constata-se, pois ser a mesma lógica e coerente, não tendo o Tribunal decidido em contrário ao que ficou provado ou não provado, contra as regras da experiência ou em desrespeito dos ditames sobre o valor da prova vinculada ou das "legis artis", não passando a invocação do erro notório da apreciação da prova de uma mera manifestação de discordância no quadro do julgamento da matéria de facto, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, insindicável em reexame de direito.
Por outra banda, as declarações do ofendido, após audiência de julgamento e fora desta, ainda que prestadas perante notário coreano não têm valor probatório, por força do disposto nos n°s 1 e 2 do art° 336°, conjugado com o art° 337°, ambos do CPPM.
A não ser assim, escancarada se encontraria a porta para, após a efectivação de audiência de julgamento e prolacção da decisão, se dar cobertura a toda a panóplia de "démarches" que os visados entendessem por bem para satisfação dos interesses respectivos, com manifesta afectação da ordem e segurança jurídicas.
Finalmente, foram efectuadas correctas subsunção e integração jurídicas da factualidade tida como comprovada, usando o tribunal de doseometria penal justa.
Razões por que, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, somos a pugnar pelo não provimento do presente recurso.”; (cfr., fls. 767 a 768).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Vem dados como provados os factos seguintes:
“O 1º arguido A, sendo coreano, chegou a Macau nos meados do mês de Maio de 2008, a fim de jogar nos casinos. O coreano C (ora ofendido, identificado em fls. 116 dos autos) ajudou o referido arguido a trocar fichas. Enfim, o arguido acabou por perder HKD$3.000.000,00 nos casinos.
Regressado à Coreia, o 1º arguido A sentia descontente por ter perdido dinheiro em Macau e, além disso, sabia que o ofendido C tinha muito dinheiro, por isso, planeou deslocar-se novamente para Macau e roubar-lhe o dinheiro.
Para realizar o plano, o 1º arguido A contactou com o 2º arguido B, pedindo-lhe apoio, no sentido de ir com ele a Macau para resolver lá uns problemas.
Em 19 de Maio de 2008, os dois arguidos partiram da Coreia para Hong Kong por via aérea e, depois, por volta das 20H00 do mesmo dia, estes deslocaram-se de Hong Kong para Macau por via marítima.
Chegada a Macau, o 1º arguido A dirigiu-se logo, juntamente com o 2º arguido B, ao Centro Comercial New Yaohan e comprou lá uma pistola de brinquedo por HKD$140,00 (vide objecto apreendido indicado na linha 3 de fls. 51 e fotografia de fls. 52 dos autos).
Em seguida, o 1º arguido A confessou perante o 2º arguido B, dizendo que esta vez chegou a Macau por motivo de roubar ao coreano C, e tinha trazido da Coreia duas garrafas de gás pimenta, cabo plástico e fitas adesivas como instrumentos do crime.
Logo no início, o 2º arguido B julgava que isso era uma brincadeira, mas, quando confirmou a intenção verdadeira do 1º arguido A, recusou-se imediatamente colaborar com ele.
Após diversos pedidos feitos pelo 1º arguido A, o 2º arguido B acabou por aceitar a colaborar com o mesmo.
Em contrapartida, o 1º arguido A prometeu que iria partilhar com o 2º arguido B uma parte de dinheiro roubado como retribuição, mas não referiu nada sobre o montante exacto do dinheiro que iria partilhar.
Posteriormente, os dois arguidos alojaram-se no quarto n.º XXXX do Hotel Wynn que foi registado com o nome do 1º arguido A (vide fls. 5 a 8 dos autos).
No dia seguinte (20 de Maio de 2008), por volta das 11H00, o 1º arguido A telefonou ao ofendido C e mentiu que tinha trazido da Coreia grande número de moedas coreanas para serem convertidas em cerca de HKD$4.000.000,00, e, em seguida, pediu-lhe levar a quantia de HKD$4.000.000,00 até ao quarto n.º XXXX do Hotel Wynn para efectuar a troca cambial.
No mesmo dia, por volta do meio-dia, o ofendido C, acompanhado pelo amigo D (identificado em fls. 18 dos autos), levou HKD$5.000.000,00 até ao XXº andar do Hotel Wynn (vide fotografia constante da parte inferior de fls. 76 dos autos).
Depois, o ofendido C deslocou-se sozinho ao quarto n.º XXXX do referido piso. Até ali, o 1º arguido A abriu a porta do quarto e deixou entrar o ofendido.
Após ter confirmado que o ofendido tinha trazido o dinheiro, o 1º arguido A aproveitou a desatenção do ofendido e lançou repentinamente o gás pimenta à cara e aos olhos do mesmo, causando-lhe dores insuportáveis nos olhos, pelo que o ofendido não conseguiu manter os olhos abertos.
Em seguida, o 1ª arguido A e o 2º arguido B, que estava antecipadamente escondido no referido quarto, em conluio, ataram as mãos e os pés do ofendido com o cabo plástico, taparam-lhe os olhos com as fitas adesivas, entupiram a boca deste com a toalha e deixaram-no em cima da cama.
Os dois arguidos meteram HKD$5.000.000,00 numa mala de viagem e, ao mesmo tempo, subtraíram do ofendido o passaporte e dois telemóveis.
O 1º arguido A usou o seu nome para alojar o quarto do hotel, por isso, pediu ao 2º arguido B a depositar o dinheiro subtraído na tesouraria do Casino Crown, com o intuito de evitar que o referido dinheiro fosse descoberto pelo ofendido ou pela Polícia. Depois, os dois arguidos abandonaram separadamente o Hotel Wynn (vide fotografias de fls. 77 a 80 dos autos).
Mais tarde, quando se desapareceram as vozes dos dois arguidos, o ofendido cuspiu a toalha, tirou com os dentes as fitas adesivas da cor verde que estavam pegadas nas suas mãos e, enfim, conseguiu soltar-se.
Naquele momento, o ofendido reparou que já não estava ninguém no quarto, assim sendo, pegou no telefone do quarto e ligou aos trabalhadores do hotel para ajudar-lhe apresentar queixa à Polícia.
Após a chegada de agentes da P.J. ao referido quarto do hotel, encontraram-se lá duas garrafas de spray de marca Super 1, alguns papeis, umas fitas adesivas da cor verde, uma toalha branca, dois cabos plásticos da cor preta, dois rolos de fitas adesivas da cor verde e dois tubos enrolamentos de fitas adesivas (vide auto de apreensão de fls. 21 e 39 e fotografias de fls. 22 e 40 dos autos).
No mesmo dia, por volta das 13H00, segundo o plano, o 2º arguido B chegou ao Hotel Crown na Taipa, abandonando num caixote do lixo do lavatório do 38º andar do aludido hotel a pistola de brinquedo referido no 5º parágrafo do presente acórdão (vide fotografias de fls. 42 a 45 e auto de apreensão de fls. 51 dos autos). Em seguida, o 2º arguido B realizou as tramitações de depositar o montante no valor de HKD$4.800.000,00 na tesouraria do Casino Crown, pedindo aos trabalhadores do casino para transmitirem o respectivo montante para o Casino Melburne na Austrália que pertence também ao mesmo grupo empresarial do Casino Crown (vide relatório de visionamento de vídeos de fls. 82 a 83, fotografias de fls. 54 a 58 e 84 a 90 e fotocópia do recibo constante de fls. 63 dos autos).
À tarde do mesmo dia (20 de Maio de 2008), o 1º arguido A tentou ir de voo das 14H30 a Banguecoque, mas, ao tratar das tramitações da saída de fronteira, foi interceptado por guardas do Comissariado de Posto Fronteiriço do Aeroporto do Serviço de Migração e, depois, foi conduzido à P.J..
Agentes da P.J. realizaram uma revista corporal do 1º arguido A, com a conciliação do mesmo, e encontraram junto do saco de mão os seguintes objectos, procedendo imediatamente à respectiva apreensão (vide auto de revista e apreensão de fls. 37 e fotografia de fls. 38 dos autos):
1) Um telemóvel da cor prateada, de marca Samsung, modelo SGH-E258, n.º 353452/01/469835/7, acompanhado de uma bateria de marca Samsug.
2) Um telemóvel da cor vermelha fluorescente, de marca Samsung, modelo SGH-U608, n.º 353005/02/094151/6, acompanhado de uma bateria de marca Samsug.
3) Quatro cupões de valor HKD$1.000,00 do “Clube dos VIP XXX do Hotel Starworld”, numerados respectivamente como: 10957, 10958, 10959 e 10960.
4) Um cartão VIP.
Confirmado o ofendido C que os objectos apreendidos referidos no 23º parágrafo do acórdão eram todos pertencentes a ele (vide auto de reconhecimento de objecto de fls. 54 dos autos).
No mesmo dia, por volta das 16H30, o 2º arguido B conseguiu sair de Macau pelo Porto Exterior (vide registo de migração de fls. 67 dos autos) e não foi capturado até agora.
Findo o exame, verifica-se que as duas garrafas de spray contêm respectivamente 15ml e 5ml de líquido com capsaicina, sendo uma substância irritante que costuma ser utilizada no spray e que pode causar lesões na pele, nos olhos e nas vias respiratórias aos atacados (vide relatório do exame laboratorial urgente de fls. 25 dos autos).
Os dois arguidos agiram livre e conscientemente, em conjugação e deliberada o acto acima referido.
Os dois arguidos, com ilegítima intenção de apropriação para si, subtraíram, em conjugação de esforços e em premeditação, coisa móvel de valor consideravelmente elevado (HKD$5.000.000,00) do ofendido C, por meio de violência.
Os dois arguidos sabiam perfeitamente que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Antes de ser preso, o 1º arguido era comerciante, auferindo a remuneração mensal de MOP$30.000,00 a MOP$40.000,00.
O arguido é casado, tem os pais, a esposa e um irmão mais novo a seu cargo.
O arguido negou os factos; e, é primário.
O 2º arguido é primário, conforme o Certificado de registo criminal.”; (cfr., fls. 592-v a 594-v e 749 a 755).
Do direito
3. Como se consignou em sede de exame preliminar, o presente recurso apresenta-se como “manifestamente improcedente”, sendo, por isso, de rejeitar.
Passa-se a expor este nosso ponto de vista.
Entende a arguido, ora recorrente, que o Acórdão recorrido padece do vício de “erro notório na apreciação da prova” e que excessiva é a pena que lhe foi aplicada que sempre seria de ser suspensa na sua execução.
— Quanto ao “erro notório na apreciação da prova”.
Tem este T.S.I. entendido que:
“O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”; (cfr., v.g., Ac. de 14.06.2001, Proc. n° 32/2001, do ora relator).
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 20.09.2001, Proc. n° 141/2001, do ora relator).
E, perante isto, bem se vê que nenhuma razão tem o ora recorrente.
De facto, provado está que o ora recorrente planeou apoderar-se de quantias monetárias do ofendido C, e que, através de violência e em conjugação de esforços com B, (2.° arguido dos autos), subtraiu daquele a quantia de HKD$5,000.000.00 e outros objectos, contra a vontade do mesmo.
Na verdade, provado está que o ora recorrente, em conformidade com o plano previamente traçado, “atraiu” o ofendido para o seu quarto, alegando pretender com o mesmo trocar dinheiro, e, seguidamente, já no dito quarto, aproveitando-se de uma distracção daquele, descarregou na cara deste produto que o impediu de reagir para assim o imobilizar e apoderar-se do dinheiro e bens que o mesmo trazia consigo, o que concretizou.
Diz porém o recorrente que incorreu o Tribunal a quo em “erro notório na apreciação da prova”, alegando o que consta das suas conclusões 2.ª a 9.ª atrás transcritas e que aqui se dão como reproduzidas.
Ora, quanto às “impressões digitais” do ora recorrente, cabe dizer que não é a sua (mera) ausência que torna possível uma conclusão no sentido de que padece e decisão recorrida do imputado vício de “erro”.
Com efeito, e como é sabido, a ausência das ditas impressões pode dever-se a um variado conjunto da circunstâncias, nomeadamente, ao facto de ter o recorrente tomado certas providências, como usado luvas ou limpo as que deixou, não sendo de olvidar também que em certas situações, ainda que se consignam colher impressões digitais, estas podem não estar em (boas) condições para efeitos de identificação.
Aliás, a argumentação do recorrente vale tanto como a mera negação dos factos, ou, eventualmente, a dizer-se que como “o arguido não usou chapéu de chuva, por isso, naquele dia, não chovia...”
Por sua vez, útil é também recordar que fundamentando a sua convicção consignou o Colectivo a quo que “Tendo analisado sinteticamente as declarações prestadas pelo 1º arguido na audiência de julgamento, lido as declarações prestadas pelo 1º arguido no Juízo de Instrução Criminal (fls. 113 dos autos), ao abrigo do art.º 338º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal, e as declarações para memória futura prestadas pelo ofendido C (fls. 116 a 117 dos autos), ao abrigo do art.º 253º do mesmo Código, mais atendendo aos depoimentos dados na audiência pela testemunha E (trabalhadora da tesouraria do Casino Crown), por um agente da P.J. e pela testemunha apresentada pelo 1º arguido, bem como, tendo em conta o relatório de exame laboratorial da P.J. (fls. 264 a 271 dos autos), as fotografias constantes dos autos (fls. 42 a 45, 47 a 50, 72 a 81, 84 a 90 e 272 a 282 dos autos) e as demais provas documentais, este Tribunal Colectivo formou a convicção.”
Ociosas nos parecendo outras considerações sobre a questão, e motivos também não havendo para, com base nas “declarações prestadas perante notário”, posteriormente juntas pelo ora recorrente, se considerar que incorreu o Colectivo a quo no assacado “erro notório”, pois que, como acertadamente se diz no douto Parecer, “escancarada se encontraria a porta para, após a efectivação de audiência de julgamento e prolacção da decisão, se dar cobertura a toda a panóplia de "démarches" que os visados entendessem por bem para satisfação dos interesses respectivos, com manifesta afectação da ordem e segurança jurídicas”, evidente é pois a improcedência do recurso na parte em questão.
— Quanto à pena.
O crime em causa é punido com a pena de 3 a 15 anos de prisão.
Após qualificar a conduta do(s) arguido(s) e transcrever o preceituado no art. 65° do C.P.M., onde, como sabido é, estatuídos estão os critérios para a determinação da pena, consignou o Tribunal a quo o que segue:
“In casu, o 1º arguido negou os factos; e, os dois arguidos são primários. Atendendo a que o crime de roubo praticado pelos dois arguidos provocou influências negativas à paz social, bem como aos bens e à integridade física de outras pessoas, e, também, tendo em consideração que o valor da coisa roubada é consideravelmente elevado, ora, vislumbra-se que o grau da intensidade do dolo dos dois arguidos é alto e a conduta destes é manifestamente grave, pelo que este Tribunal Colectivo conclui que é mais adequado condenar cada um dos arguidos, pela prática de um crime de roubo, na pena de prisão de 4 anos e 9 meses.”
Merecerá o assim decidido censura?
Cremos pois que nenhuma censura merece a ponderação efectuada e a pena fixada.
De facto, intenso é o dolo, (tenha-se em conta o “plano efectuado” e o “modus operandi”), e, (nomeadamente), elevado o montante envolvido.
Assim, e para além de fundamentada estar a decisão, há que dizer que, atenta a moldura aplicável, excessiva não é a pena fixada, que se situa ainda assim próxima do limite mínimo, e que, por ser em medida “superior a 3 anos de prisão”, é insusceptível de suspensão da sua execução; (cfr., art. 48° do C.P.M.).
Nesta conformidade, e demonstrada que fica a manifesta improcedência do presente recurso, demonstrada fica igualmente a decisão de rejeição que se irá proferir.
Decisão
4. Nos termos que se deixam expostos, e em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n° 2, al. a) do C.P.P.M.).
Pagará o arguido a taxa de justiça de 6 UCs, e, pela rejeição, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n° 4 do C.P.P.M.).
Macau, aos 15 de Julho de 2010
José Maria Dias Azedo (Relator)
Chan Kuong Seng (Primeiro Juiz-Adjunto)
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira (Segundo Juiz-Adjunto)
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