Processo n.º 258/2010
(Recurso Cível)
Data: 22/Julho/2010
Assuntos :
- Gravação das provas
SUMÁRIO :
A gravação das provas em audiência para relevar tem de ser oportunamente requerida pelas partes e autorizada ou ordenada oficiosamente por um despacho do Juiz.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 258/2010
(Recurso Civil e Laboral)
Data: 22/Julho/2010
Recorrentes: A
B
C
D
E
F
Recorrida: G
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. A, B, C, D, E e F, requeridos nos autos de providência cautelar interposta por G, interpõem o presente recurso da sentença proferida pelo Mmo Juiz Presidente do Colectivo do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, de 16 de Novembro de 2009, que decidiu:
- Proibir os Requeridos por qualquer meio de difundir televisivamente na R.A.E.M. os jogos da Barclays Premier League – Campeonato de Futebol da Divisão Principal da Liga Inglesa, mormente através da retransmissão do canal “True Visions”.
- Proibir os Requeridos de praticar qualquer acto em violação dos direitos da Requerente divulgarem em exclusivo os aludidos jogos de futebol.
2. No recurso interposto assacam-se diversos vícios à sentença proferida:
1. Violação das leis:
- Art.º 58º do Código de Processo Civil (a Requerente não tem legitimidade);
- Art.º 42º, art.º 7º, n.º 3 e art.º 39º do Código de Processo Civil (os 1º, 3º e 5º Réus não têm personalidade judiciária);
- Art.ºs 1º, 2º, 189º, 190º e 191º do Decreto-Lei n.º 43/99/M – “Aprova o regime do direito de autor e direitos conexos” (os jogos de futebol não são objectos de protecção do regime do direito de autor); - Art.º 128º do Código do Notariado (a Requerente não foi delegada para agir em juízo);
- Art.ºs 1º e 2º da Lei n.º 14/2001 – “Lei de Bases das Telecomunicações” (violadas as políticas de telecomunicações);
- Art.º 7º, al. b) do Decreto-Lei n.º 18/83/M – “Estabelece medidas referentes ao uso das radiocomunicações” (estão dispensados da autorização governamental os receptores do serviço de radiodifusão televisiva);
- Art.º 326º, n.ºs 1 e 2 e art.º 332º, n.º 2 do Código de Processo Civil (não se reúnem os requisitos do deferimento da decretação das providências cautelares e o prejuízo delas resultante para os Requeridos exceda consideravelmente o dano que com elas a Requerente pretende evitar); e,
- Art.º 3º do Regulamento Administrativo n.º 5/2006 – “Organização e funcionamento da Direcção dos Serviços de Regulação de Telecomunicações”, art.ºs 200º e 217º do Decreto-Lei n.º 43/99/M – “Aprova o regime do direito de autor e direitos conexos” e art.º 310º do Decreto-Lei n.º 97/99/M – “Regime Jurídico da Propriedade Industrial” (violado o poder administrativo).
2. Excesso de pronúncia (art.º 5º, 2ª parte da al. d) do n.º 1 do art.º 571º e n.º 3 do art.º 563º do Código de Processo Civil).
3. Impugnação deduzida contra a decisão de facto (art.º 599º e al. a) do n.º 1 do art.º 629º do Código de Processo Civil.
3. Nesse recurso, no entanto, a ora recorrida G levantou uma questão prévia referente à tempestividade do recurso e deserção do mesmo, questão que cabe agora, em Conferência, apreciar.
Alega, no essencial, que a gravação da prova não foi requerida em tempo, de qualquer modo não houve qualquer despacho que deferisse ou ordenasse tal gravação, donde não se poder impugnar a matéria de facto com base em prova gravada sem despacho que o permitisse.
Assim sendo, não podem os recorrentes beneficiar da prorrogação do prazo pala alegações de mais 10 dias conforme o previsto no art. 613º, n.º 6 do CPC, donde, vista a natureza do processo urgente, o prazo de alegações correr em férias e mostrarem-se as mesmas apresentadas fora de prazo.
Daí, dever o recurso ser julgado deserto
4. Os recorrentes responderam e contraditaram esta argumentação, dizendo, em suma, que foi autorizada a consulta do suporte audio da gravação produzida, “CD”, e que o Mmo Juiz determinou em audiência que se procedesse a tal gravação.
5. Foram colhido os vistos legais.
II - FACTOS
Com pertinência, para a resolução da presente questão importa reter:
Os requerentes da providência não pediram a gravação da prova e os requeridos apenas pediram a gravação dos depoimentos no requerimento de 10 de Outubro de 2009, a fls. 533 dos autos, em que igualmente pediram a alteração do requerimento de prova que haviam apresentado com a oposição, não tendo feito aquando da apresentação das provas.
Sobre esse requerimento não recaiu qualquer despacho.
Nem, por outro lado, o Tribunal ordenou oficiosamente a gravação da prova.
Nem, aliás, sequer, consta da acta ou da gravação que se mostra junta aos autos, qualquer ordem ou menção por parte do Juiz que presidiu à audiência que os depoimentos iriam ser, estavam a ser ou tinham sido gravados.
Aos recorrentes foi enviada notificação do despacho de admissão do recurso em 27 de Novembro de 2009.
As alegações de recurso apenas foram apresentadas em 6 de Janeiro de 2010, tendo os recorrentes pedido que fossem dadas sem efeito as alegações apresentadas em 4 de Janeiro de 2010.
III - FUNDAMENTOS
1. Há uma questão prévia ao conhecimento do recurso e que se prende com a sua admissibilidade, questão que vem levantada pela recorrida e ainda não conhecida expressamente.
Basicamente sustenta a recorrida que a gravação da prova não foi oportunamente requerida, só o vindo a ser mais tarde, aquando da alteração do rol e esse requerimento não foi objecto de deferimento.
Por outro lado não sobreveio despacho que ordenou oficiosamente essa gravação, donde não se poder atender à gravação que na prática acabou por ser feita e assim sendo as alegaçõe de recurso foram extemporâneas, porquanto não devem ser acrescidas do prazo de 10 dias a que alude o n.º 6 do art. 613º do CPC.
Por se tratar de processo urgente que corre em férias as alegações seriam extemporâneas.
Contrapõem os recorrentes, dizendo que houve um despacho oral, em audiência, de gravação da prova e tendo sido requerida a consulta do disco respectivo que suporta a documentação da prova tal foi deferido pelo Mmo Juiz respectivo.
2. Trata-se de uma questão algo sensível e que importa apreciar.
No fundo, há que apurar se a gravação da prova para poder relevar tem de ser ordenada ou, não obstante a inexistência de um despacho que a determine, se ela for feita, poderá mais tarde relevar.
Atentemos no quadro normativo pertinente.
O art. 329°/3 do CPC determina que é subsidiariamente aplicável aos procedimentos cautelares o disposto nos artigos 244° a 246°, relativos aos incidentes da instância.
Nestes preceitos relativos aos incidentes não existe regra específica sobre a matéria. Neles apenas é disciplinada, nos nºs. 3 e 4, do art. 246°, a gravação dos depoimentos em incidentes que não devam ser instruídos e julgados conjuntamente com a matéria da causa, o que não ocorreu no presente caso
Assim parece que tem de se recorrer à regra geral do art. 431°/1, do CPC, nos termos do qual o pedido de gravação da audiência de discussão e julgamento deve ser feito no requerimento de prova.
E nos procedimentos cautelares o requerimento de prova é apresentado no requerimento inicial e na oposição, nos termos do art. 245°/1, do CPC, aplicável, ex vi art. 329°/3, do CPC.
3. Acontece que nos presentes autos não foi requerida atempadamente pelas partes a gravação dos depoimentos prestados em audiência. A recorrida não a requereu e os recorrentes requereram-na extemporaneamente, apenas em de 10 de Outubro de 2009, a fls. 533 dos autos, em que igualmente pediram a alteração do requerimento de prova que haviam apresentado com a oposição.
Fizeram-no extemporaneamente? A resposta não pode deixar de ser afirmativa, sob pena de ter de se desvalorizar a regra ordenadora do processo e da produção da prova que regula expressamente o momento em que o acto é praticado.
E percebe-se que haja determinados actos que devam prévia e atempadamente ser previstos, de forma a que o Tribunal e as partes se possam dotar dos indispensáveis meios para a realização das diligências e actos pertinentes.
4. Nos presentes autos não só não houve lugar à aplicação da regra do art. 246°/3, do CPC, como também não houve lugar à gravação obrigatória dos depoimentos prestados em audiência nos termos estabelecidos no art. 331°/3, do CPC, porquanto os requeridos foram ouvidos antes de ser decretada a providência.
Por outro lado, e essa seria a possibilidade de gravação a que recorrentes apelam, é que se procedeu a uma gravação oficiosa.
Aqui divergem as partes. Enquanto a recorrida diz que nada houve nesse sentido, já não assim os recorrentes que alegam que o Mmo Juiz determinou a gravação.
Este dissídio não é despiciendo.
Somos a entender que o que releva é a existência de um despacho por parte do Juiz, que oficiosamente pode ordenar a gravação, até para seu próprio governo e ponderação da decisão, se necessário.
Mas sem esse despacho, se ocorrer uma gravação por mera inércia dos Serviços, que ligam a máquina durante o julgamento, sem que as partes sejam confrontadas com esse facto e procedimento, entendemos que essa gravação não pode relevar, pois como que ocorre à revelia e as partes interessadas não estão de sobreaviso de forma a poderem controlá-la, impugná-la ou supri-la, arguindo as competentes irregularidades que sobre esse acto venham a ser praticadas.
Numa óptica de justiça material seríamos levados a um raciocínio do tipo de aproveitamento de um acto que acabou por ser realizado e que poderia beneficiar no esclarecimento das provas e do apuramento da matéria de facto.
Só que há outros valores no processo, como seja o da segurança, da certeza de procedimentos e a necessidade de garantir o contraditório e os indispensáveis meios de controle sobre a produção e reprodução das provas que devem estar acobertadas por um despacho e autorização de quem preside à audiência.
Não se grava porque apetece ao funcionário ligar a máquina; grava-se porque tal foi ordenado por quem de direito.
Ora, o que se verifica é que nem existiu despacho judicial a deferir o pedido de gravação da prova, ainda que apresentado fora do prazo, nem, por outro lado, o Tribunal ordenou oficiosamente a gravação da prova, nos termos consentidos pelo art. 448°, do CPC.
Não obstante a afirmação dos recorrentes, o certo é que compulsando os autos, não se observa da respectiva acta qualquer despacho nesse sentido e essa decisão não deveria deixar de estar documentada em acta, quod non est in actiis non est in mundo.
Mas mesmo, perseguindo a alegação dos recorrentes, nem sequer do “CD” gravado se colhe que o Mmo Juiz se tenha pronunciado, deferido ou referido a essa gravação.
Assim se conclui que não está provado que alguma vez antes foi mencionado nos autos, ainda que verbalmente, nomeadamente durante qualquer das duas sessões de julgamento, que os depoimentos iriam ser, estavam a ser ou tinham sido gravados.
Nestes termos, desconsiderar-se-á a possibilidade de impugnação da decisão de facto com base na gravação dos depoimentos prestados em audiência, o que reconduz o prazo das alegações apenas a 30 dias e consequentemente à extemporaneidade do recurso.
5. Assim se passa a apreciar da questão relativa à deserção do recurso por não apresentação da respectiva alegação no prazo legal.
Os recorrentes foram notificados do despacho que admitiu o presente recurso em 27 de Novembro de 2009, pelo que se consideram notificados do mesmo em 30 de Novembro de 2009.
Assim, o prazo legal de 30 dias de que dispunham para apresentar as alegações terminou em 30 de Dezembro de 2009.
Este prazo corre em férias, vista a natureza urgente do processo em causa - art. 327°, n° 1, do CPC - e tal como se tem decidido neste Tribunal. 1
O facto de a providência ter sido decretada não retira ao processo o carácter urgente.
Julga-se pertinente chamar aqui o entendimento já vertido por este Tribunal a propósito de uma situação idêntica:2
“(...)
E nas situações que restam? A providência já foi decretada e foi já ouvida a parte contrária?
É esta a situação dos autos.
Muito embora, a partir desse momento, a urgência e os interesses em jogo passem a ser outros, o interesse a tutelar passa a ser o do requerido que, com base numa decisão tomada a partir de uma prova indiciária, viu alterada uma situação que correra a seu contento e que de um momento para o outro, aida que por força judicial, foi modificada.
Embora com outra natureza, como já se afirmou, reconhece-se que este interesse merece ainda ser tutelado em termos de celeridade.
Há uma situação que importará reverter, ainda em termos de uma Justiça provisória, se for caso disso, e que deve ser analisada rapidamente, vistos os prejuízos daí decorrentes também para o requerido.
A urgência da reapreciação por via do recurso radicará exactamente na urgência que levou à inversão de uma situação e que caberá eventualmente reverter, também rapidamente, para mais quando tomada apenas a partir de um bonus fumus juris.
A isto acresce que a lei não distingue, referindo-se apenas ao carácter urgente na fase do recurso, muito embora se estabeleça um prazo para julgamento da providência em 1ª Instância e já não na fase do recurso, mantendo-se as razões da urgência e celeridade - cfr. art. 327º, n.º 2 do CPC
Mas desta diferença de prazos não se pode estabelecer um argumento definitivo e redutor da abrangência de todas as situações, pela razão simples de que naqueles casos onde parece existir consenso - casos da providência ainda não decretada - também aí essa diferença se mantém.
Em face do exposto, somos a concluir no sentido de que, tendo sido decretada a providência em causa, mesmo tendo tido a requerida oportunidade de exercer o contraditório, de fazer sopesar a real existência do perigo, do prejuízo e demais pressupostos, não cessam as razões que determinaram a urgência do processo. Já não as mesmas, seguramente, já não as da requerente; mas sim as da requerida que não deixa de ter um interesse relevante e sério no sentido da certeza em termos rápidos de uma consolidação daquela decisão, por natureza provisória e tomada porventura de uma forma menos segura.
A igualdade de armas deve operar ao mesmo nível para ambas as partes até à adopção da medida, até à apreciação da oposição que venha a ser deduzida ou até à comprovação recursória de uma decisão que tem um carácter provisório, tomada em termos indiciários e porventura, por isso, menos consistente.”
6. Face ao exposto, porque não foi tempestivamente requerida a gravação da prova, porque não sobreveio qualquer despacho a autorizá-la, ainda que intempestivamente requerida, porque não houve um despacho que a tivesse ordenado oficiosamente, porque não pode relevar uma gravação produzida sem despacho que processualmente a integre, porque sendo assim deixa de haver fundamento para impugnação da matéria de facto, sem prorrogação do prazo para alegações de recurso, porque este corre em férias, vista a natureza do processo, conclui-se no sentido de que a alegação extemporânea do recurso equivale à falta de alegação e implica a deserção do mesmo, nos termos do art. 598°, n.º 3 do CPC.
Nessa conformidade se decidirá.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em julgar deserto o recurso por falta de apresentação tempestiva das respectivas alegações.
Custas pelos recorrentes.
Macau, 22 de Julho de 2010,
João A. G. Gil de Oliveira
Tam Hio Wa
Lai Kin Hong
1 - Ac. de 2005-07-28, Processo n° 175/2005
2 - Ac. De 2009-07-23, Processo n.º 333/2009
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