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Processo nº 80/2010
Data do Acórdão: 15JUL2010


Assuntos:
contrato de trabalho
irrenunciabilidade do direito
descansos semanais
descansos anuais
feriados obrigatórios
compensações do trabalho prestado em dias de descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios
gorjetas
salário justo
salário diário
salário mensal



SUMÁRIO

1. São elementos essenciais de uma relação de trabalho a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.

2. mesmo que houvesse acordo entre o trabalhador e a entidade patronal, nos termos do qual aquele renunciou o direito de gozo a aos descansos e feriados obrigatórios, o certo é que, por força da natureza imperativa das normas que confere ao trabalhador direito a compensações e nos termos do disposto no artº 6º da Lei nº 101/84/M e no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, a um tal acordo da natureza convencional nunca poderia ser reconhecida qualquer validade legal, dado que resulta nitidamente um regime menos favorável para o trabalhador.

3. Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.



O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 80/2010


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I

A, devidamente identificado nos autos, representado pelo Ministério Público, instaurou no Tribunal Judicial de Base acção de processo comum do trabalho, contra a SOCIEDADE DE TURISMO E DIVERSÕES DE MACAU, devidamente identificada nos autos, doravante abreviadamente designada STDM.

Citada a Ré, contestou pugnando pela improcedência da acção.

A final a acção foi julgada parcialmente procedente e condenada a Ré a pagar ao Autor A a quantia de MOP$172.815,63, acrescida de juros vencidos e vincendos, a contar do trânsito em julgado da sentença até integral pagamento.

Inconformada, recorreu a Ré e concluiu as suas alegações afirmando que:

(i) As gratificações ou gorjetas recebidas pelos empregados de casino dos clientes não fazem parte do salário.
(ii) A retribuição ou salário, em sentido jurídico (laboral), encerra quatro elementos essenciais e cumulativos: é uma prestação regular e periódica; em dinheiro ou em espécie; a que o trabalhador tem direito por título contratual e normativo e que corresponde a um dever jurídico da entidade patronal; como contrapartida pelo seu trabalho.
(iii) No caso dos autos, estando em causa gorjetas comprovadamente oferecidas por clientes de casino, dependendo o seu recebimento do espírito de animus donandi de terceiros, estranhos à relação jurídico-laboral, nunca poderia o(a) trabalhador(a) ter exigido à sua entidade empregadora o seu pagamento inexistindo aquela oferta por parte dos clientes.
(iv) O(a) Recorrido(a) sabia que a parte do rendimento respeitante às gorjetas dependia exclusivamente das liberalidades dos clientes de casino, nada podendo exigir ao(à) ora Recorrido(a) a esse título caso essa parte do seu rendimento fosse zero.
(v) Na Jurisprudência e Doutrina de Portugal, é entendimento maioritário que as gorjetas oferecidas pelos clientes não constituem parte do salário. E, na verdade, a única diferença relevante entre os dois sistemas é a circunstância de as regras / critérios de distribuição das gratificações / gorjetas serem definidas, em Macau, pela entidade empregadora, enquanto que em Portugal, esses critérios / regras encontram-se definidas pelo membro do Governo responsável pelo sector do turismo, ouvidos os representantes dos trabalhadores.
(vi) Também em Portugal os trabalhadores dos casinos estão proibidos de fazerem suas, a título individual, as gorjetas recebidas, devendo depositá-las, após o recebimento, em caixa própria, sendo as ditas gorjetas distribuídas, posteriormente, pelos trabalhadores de acordo com os ditos critérios definidos por via legislativa.
(vii) Cremos que o facto de a definição dos critérios de distribuição das gorjetas caber, em Macau, à entidade empregadora não altera a natureza não salarial daquelas prestações, até porque, nem quando começou a trabalhar para a ora Recorrente, nem durante toda a relação contratual, o(a) Recorrido(a) alguma vez se interessou por esta questão, aceitando tais critérios sem questionar.
(viii) Dispõe o artigo 25º, n.º 1 do RJRT que “Pela prestação dos seus serviços ou actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo.”.
(ix) Salvo o devido respeito por opinião contrária, analisando a certidão de rendimentos do(a) Recorrido(a), não pode dizer-se que ao(à)A. não foi proporcionado um rendimento justo, maxime porque os rendimentos globais auferidos eram claramente superiores à média do rendimento / remuneração auferida por cidadãos de Macau com formação académica e profissional equivalente às suas que não trabalhassem em casino, os quais eram mais que bastantes para prover a uma vida digna e decente do(a) Recorrido(a) e sua família.
(x) Deste modo, entende a ora Recorrente que as gratificações ou gorjetas recebidas pelos empregados de casino dos clientes não fazem parte do salário, pelo que se requer seja o Acórdão recorrido revogado quanto a esta parte, e os cálculos da compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal, anual, feriados obrigatórios, e eventual licença de maternidade, efectuados com base no salário base auferido pelo(a) Recorrido(a).
Ainda concluindo
(xi) Com o devido respeito, o Tribunal a quo não podia ter calculado as indemnizações por não gozo de dias de descanso sem considerar que ficou provado que o(a) A. foi remunerado(a) pelos dias de descanso que deveria ter gozado e em que trabalhou, pelo que deve ser subtraída uma parcela em todos os cálculos indemnizatórios, sob pena de manifesto enriquecimento sem causa.
(xii) Salvo mais douto entendimento, são as seguintes as fórmulas aplicáveis para aferir das compensações adicionais devidas:
a. Trabalho prestado em dias de descanso semanal:
a.a. DL 101/84/M: salário diário x1. Porém, como o(a) A., ora Recorrido(a), foi pago(a) pelo dias em que prestou trabalho, a R., aqui Recorrente, não deve nada ao(à)A. Assim, a fórmula aplicável será salário diário x 0;
a.b. DL 24/89/M: salário diário x2. Contudo, como acima se alega, uma parcela já foi paga, pelo que a fórmula aplicável será salário diário x 1;
a.c. DL 32/90/M: salário diário x 1. Contudo, como acima se alega, uma parcela já foi paga, pelo que a fórmula aplicável será salário diário x 0;
b. Trabalho prestado em dias de descanso anual,
b.a. DL 101/84/M:salário diário x1. Porém, como o(a) A., ora Recorrido(a), foi pago pelo dias em que prestou trabalho, a Recorrente, não deve nada ao(à)A.. Assim, a fórmula aplicável será salário diário x 0;
b.b. DL 24/89/M e DL 32/90/M: DL 24/89/M: salário diário x2 (não ficando provado o “impedimento” por parte da R., a compensação deveria ser x2). Contudo, como acima se alega, uma parcela já foi paga, pelo que a fórmula aplicável será salário diário x 1;
c. Trabalho prestado em dia feriado obrigatório
c.a. DL 101/84/M: salário diário x1. Porém, como o(a) A., ora Recorrido(a), foi pago(a) pelo dias em que prestou trabalho, a R., ora Recorrente, não deve nada ao(à)A.. Assim, a fórmula aplicável será: salário diário x 0;
c.b. DL 24/89/M e DL 32/90/M: salário diário x2. Contudo, como uma parcela já foi paga, a fórmula a aplicar será salário diário x 1.

Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida, fazendo V. Exas., mais uma vez, a devida e costumada

JUSTIÇA!

II

Ficaram provados na primeira instância os seguintes factos:

O Autor começou a trabalhar para a Ré em 01 de Julho de 1995.
E essa relação laboral cessou em 12 de Maio de 2000.
Como contrapartida da sua actividade laboral, como empregado de casino (財練生), desde o início da relação laboral até à data da sua cessação, o Autor recebia da Ré uma quantia fixa diária e outra parte variável, em função do dinheiro recebido dos clientes de casinos vulgarmente designado por «gorjetas».
A quantia salarial fixa do Autor era de MOP$15.00 por dia, desde do seu início do trabalho até à data da cessação de funções.
E as «gorjetas» eram distribuídas pela Ré a todos os trabalhadores dos seus casinos, e não apenas aos que têm «contacto directo» com os clientes nas salas de jogo, segundo um critério por esta fixado.
Desde a data em que a Ré iniciou a actividade de exploração de jogos de fortuna e azar e até à data em que cessou a sua actividade as gorjetas oferecidas a cada um dos seus colaboradores pelos seus clientes eram reunidas e contabilizadas, na presença de, entre outros, um fiscal do governo, um membro do departamento de tesouraria da Ré, um "fl00r manager"(gerente do andar) e um ou mais trabalhadores da Ré.
Os empregados que não trabalhavam directamente nas mesas ou os que não lidavam com os clientes tinham também direito a receber a distribuição das gorjetas.
Na sua distribuição interna, os trabalhadores recebiam quantitativo diferente, consoante a respectiva categoria, tempo de serviço e o departamento em que trabalha, fixada previamente pela entidade patronal.
Tanto a parte fixa como a parte variável (as gorjetas) relevavam para efeitos de imposto profissional.
As «gorjetas» eram provenientes do dinheiro recebido dos clientes dos casinos, dependentes do espírito de generosidade desses mesmos clientes, de cuja contabilização (do seu quantitativo) era feita exclusivamente pela Ré.
Os rendimentos efectivamente recebidos pelo Autor entre os anos de 1995 a 2000 foram de:
a) 1995=46,914.00
b) 1996=96,057.00
c) 1997=99,158.00
d) 1998=99,367.00
e) 1999=86,894.00
f) 2000=35,625.00.
O Autor prestou serviços em turnos, conforme os horários fixados pela entidade patronal, sendo a ordem e o horário dos turnos rotativamente os seguintes:
1) 1º e 6º turnos: das 07H00 até 11H00, e das 03H00 até 07H00;
2) 3º e 5º turnos: das 15H00 até 19H00, e das 23H00 até 03H00 (dia seguinte);
3) 2º e 4º turnos: das 11H00 até 15H00, e das 19H00 até 23H00.
O Autor sempre prestou serviços nos seus descansos semanais.
E não foi compensado com outro dia de descanso pela Ré por cada dia de descanso semanal não gozado.
O Autor prestou serviços também nos feriados obrigatórios de 1 de Outubro do ano 1995, bem como 1 de Janeiro, 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro dos anos 1996, 1997, 1998 e 1999, bem como 1 de Janeiro, 3 dias do Ano Novo Chinês e 1 de Maio do ano 2000.
O Autor prestou também serviços nos restantes feriados obrigatórios de 1 dia de Chong Yeong do ano 1995, 1 dia de Cheng Meng, 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao e 1 dia de Chong Yeong dos anos 1996, 1997 e 1999, 1 dia de Cheng Meng, 10 de Junho e 1 dia de Chong Chao do ano 1998, bem como 1 dia de Cheng Meng do ano 2000.
Ao Autor nunca tinha sido pago qualquer compensação salarial dos serviços prestados quer nos feriados obrigatórios remunerados, quer não remunerados.
O Autor prestou serviços à Ré nos seus descansos anuais.
O Autor nunca gozou descansos anuais, respeitantes ao período compreendido entre 01 de Julho de 1995 e 12 de Maio de 2000.
A Ré nunca procedeu ao pagamento de qualquer quantia ao trabalhador (ora Autor) quer por descansos semanais quer por descansos anuais e feriados obrigatórios não gozados, quer remunerados quer não remunerados.
O Autor tinha direito de pedir licenças, mas essas licenças, sendo concedidas, não eram remuneradas, quer no que se refere a salário diário, quer em «gorjetas».
Sempre que um trabalhador quisesse gozar de um ou mais dias de descanso requeria junto da Ré que, caso a caso, deferia de acordo com um critério por si estabelecido.
O Autor gozou de 1 dia de descanso em 1995, 5 dias de descanso em 1996, 7 dias de descanso gozado em 1997, 12 dias de descanso em 1998, entre eles 1 dia de feriado obrigatório não remunerado de 18 de Outubro de 1998, 14 dias de descanso gozados em 1999 e 1 dia de descanso em 2000.

Perante as volumosas conclusões na motivação do recurso, é de frisar que ao tribunal não cabe debater com as partes, recorrente ou recorrida, todos os argumentos por elas deduzidos para sustentar a sua posição face às questões por elas ou contra elas levantadas, mas sim só as questões que, face à lei processual, devam e possam constituir o objecto do recurso, assim como as questões de conhecimento oficioso.

Assim, de acordo com o globalmente alegado nas conclusões do recurso, são as seguintes questões, elencadas numa relação subsidiária, que delimitam o thema decidendum na presente lide recursória, para além da questão que a recorrente levantou acerca da falta da prova dos factos demonstrativos da ilicitude da acção ou omissão da Ré.

Ora, quanto a esta última questão que se prende com a matéria de facto, a ora recorrente não fez mais do que sindicar a livre apreciação de prova feita pelo Tribunal a quo.

Atendendo às provas produzidas e examinadas no julgamento da matéria de facto e tendo em conta a regra estabelecida no artº 558º/3 do CPC, não se vê que existe erro grosseira na apreciação de prova nem violação de quaisquer regras da prova legal.

Improcede assim essa parte.

Passemos então apreciar as seguintes questões de direito.

1. da existência do contrato de trabalho;
2. do direito de gozo de descansos semanais e anuais, e de feriados obrigatórios;
3. da nartureza das “gorjetas” e do salário justo e adequado;
4. do salário diário ou mensal; e
5. dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.

1. da existência de contrato de trabalho

A noção do contrato de trabalho encontra-se legalmente definido como “é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta” – cf. artº 1152º do CC de 1966 e artº 1079º do CC de 1999.

São portanto elementos essenciais de uma relação de trabalho, objecto de um contrato de trabalho, a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.

Globalmente interpretada a matéria de facto assente, verifica-se a demonstração dos factos susceptíveis de integrar no conceito desses três elementos constitutivos de uma relação de trabalho estabelecida entre o trabalhador e a entidade patronal STDM.

De facto, dessa relação resulta por um lado que, o trabalhador se obrigava a prestar uma actividade ou pelo menos se encontrava à disposição da entidade patronal para o exercício dessa actividade, sob as ordens, directivas e instruções da entidade patronal, e por outro lado que a entidade patronal STDM organizava e dirigia essa actividade a prestar pelo trabalhador, mediante a emissão dessas ordens, directivas e instruções, com vista a um resultado que está fora da relação entre eles travada, que é justamente a exploração dos casinos e obtenção de lucros.

Verificam-se assim os elementos da prestação do trabalhador e a subordinação jurídica.

Quanto ao elemento de retribuição, vimos na matéria de facto assente que em troca da actividade por ele prestada ou da disponibilidade da força do seu trabalho, o trabalhador recebia da entidade patronal STDM, como contrapartida dessa actividade ou disponibilidade uma retribuição pecuniária, consubstanciada no pagamento periódico de uma quantia fixa (HKD$15,00 diariamente) e de uma outra variável (as gorjetas, qualificadas como parte integrante do salário por razões que se expõem infra)

Verificados os três elementos essenciais de uma relação de trabalho, é evidente que estamos perante um contrato de trabalho celebrado entre a entidade patronal STDM e o trabalhador A.

Cremos assim que as questões a ser apreciadas infra deverão ser enquadradas no âmbito de aplicação do diploma regulador das relações de trabalho então vigente, que é o D. L. Nº 24/89/M, consoante a localização temporal dos factos com relevância à solução das questões que delimitam o objecto do presente lide recursória.

2. do direito de gozo de descansos semanais e anuais, e de feriados obrigatórios

Aqui, para excluir a sua responsabilidade pelas compensações do trabalho prestado em dias de descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios remunerados, a entidade patronal invocou a renunciabilidade do direito de gozo desses descansos e feriados para sustentar a ausência da ilicitude do seu comportamento no âmbito da execução do contrato de trabalho celebrado com o trabalhador.

Ficou provado que:

O Autor prestou serviços em turnos, conforme os horários fixados pela entidade patronal, sendo a ordem e o horário dos turnos rotativamente os seguintes:
1) 1º e 6º turnos: das 07H00 até 11H00, e das 03H00 até 07H00;
2) 3º e 5º turnos: das 15H00 até 19H00, e das 23H00 até 03H00 (dia seguinte);
3) 2º e 4º turnos: das 11H00 até 15H00, e das 19H00 até 23H00.
O Autor sempre prestou serviços nos seus descansos semanais.
E não foi compensado com outro dia de descanso pela Ré por cada dia de descanso semanal não gozado.
O Autor prestou serviços também nos feriados obrigatórios de 1 de Outubro do ano 1995, bem como 1 de Janeiro, 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro dos anos 1996, 1997, 1998 e 1999, bem como 1 de Janeiro, 3 dias do Ano Novo Chinês e 1 de Maio do ano 2000.
O Autor prestou também serviços nos restantes feriados obrigatórios de 1 dia de Chong Yeong do ano 1995, 1 dia de Cheng Meng, 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao e 1 dia de Chong Yeong dos anos 1996, 1997 e 1999, 1 dia de Cheng Meng, 10 de Junho e 1 dia de Chong Chao do ano 1998, bem como 1 dia de Cheng Meng do ano 2000.
Ao Autor nunca tinha sido pago qualquer compensação salarial dos serviços prestados quer nos feriados obrigatórios remunerados, quer não remunerados.
O Autor prestou serviços à Ré nos seus descansos anuais.
O Autor nunca gozou descansos anuais, respeitantes ao período compreendido entre 01 de Julho de 1995 e 12 de Maio de 2000.
A Ré nunca procedeu ao pagamento de qualquer quantia ao trabalhador (ora Autor) quer por descansos semanais quer por descansos anuais e feriados obrigatórios não gozados, quer remunerados quer não remunerados.
O Autor tinha direito de pedir licenças, mas essas licenças, sendo concedidas, não eram remuneradas, quer no que se refere a salário diário, quer em «gorjetas».
Sempre que um trabalhador quisesse gozar de um ou mais dias de descanso requeria junto da Ré que, caso a caso, deferia de acordo com um critério por si estabelecido.
  
Ora, independentemente da qualificação ou não das “gorjetas” como parte integrante do salário, o trabalho prestado em dias de descanso semanal e anual e de feriados obrigatórios na vigência do Decreto-Lei nº 24/89/M deve ser sempre compensado pelo pagamento de retribuição correspondente nos termos fixados na lei.

Não tendo o trabalhador recebido da entidade patronal STDM as correspondentes retribuições pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal e anual e de feriados obrigatórios, tal como imperativamente consagrados na lei, tem agora o trabalhador direito a reclamar, por via da acção cível, da entidade patronal as compensações devidas.

Pois, mesmo que houvesse acordo entre o trabalhador e a entidade patronal STDM, nos termos do qual aquele renunciou o direito de gozo a esses descansos e feriados obrigatórios, o certo é que, por força da natureza imperativa dessas normas que confere ao trabalhador direito a compensações e nos termos do disposto no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, a um tal acordo da natureza convencional nunca poderia ser reconhecida qualquer validade legal, dado que resulta nitidamente um regime menos favorável para o trabalhador.

O que é gerador da nulidade do acordo, por violação da lei imperativa – artº 274º do CC de 1999 e artº 281º do CC de 1966.

Eis a ilicitude do comportamento da entidade patronal, que a faz incorrer na responsabilidade de indemnizar o trabalhador.

3. da nartureza das “gorjetas” e do salário justo e adequado

Da materialidade fáctica assente resulta que:

* o trabalhador recebia uma quantia fixa, no valor de HKD$15,00 por dia, na constância da relação de trabalho estabelecida com a entidade patronal STDM;

* recebia uma quantia variável proveniente das gorjetas dadas pelos clientes, as quais são distribuídas segundo um critério fixado pela entidade patronal STDM;
* As gorjetas oferecidas pelos clientes eram reunidas e contabilizadas pela Ré; e
* As gorjetas eram distrituídas pela Ré a todos os trabalhadores dos seus casinos, e não apenas aos que têm contacto directo com os clientes nas salas de jogo, segundo um critério fixada pela Ré de acordo com a categoria, tempo de serviço e o departamento onde trabalha o trabalhador beneficiário;

O D. L. nº 24/89/M impõe que o salário seja justo.

Diz o artº 27º da Lei nº 101/84/M que pela prestação dos seus serviços/actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo.

Estabelece no seu artº 7º, como um dos deveres do empregador, que o empregador deve, a título da retribuição ao trabalho prestado pelo trabalhador, paga-lhe um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.

A este dever da entidade patronal, o mesmo decreto faz corresponder simetricamente o direito do trabalhador de auferir um salário justo – artº 25º do mesmo decreto.

A retribuição pode ser certa, variável ou mista consoante seja calculada em função do tempo, do resultado ou daquele e deste (artº 26º do Decreto-Lei nº 24/89/M). E pode ser paga em dinheiro e, ou, em espécie (artº 25º, nº 3, do Decreto-Lei nº 24/89/M); mas apenas pode ser constituída em espécie até ao limite de metade do montante total da retribuição, sendo a restante metade paga em dinheiro (idem, artº 25º, nº3) – vide Augusto Teixeira Garcia, in Lições de Direito do Trabalho ao alunos do 3º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, 1991/1992, Capítulo III, ponto 1 e 2.

In casu, o trabalhador era remunerado em dinheiro.

Se levarmos em conta apenas a quantia fixa que o trabalhador recebia da entidade patronal STDM, ou seja, HKD$15,00 por dia, esta quantia é-nos obviamente muito aquém do critério imperativamente fixado na lei que impõe o dever ao empregador de pagar ao trabalhador um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.

Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.

Na esteira desse entendimento, a parte da quantia fixa (HKD$15,00) do rendimento que o trabalhadora auferia está muito longe de ser capaz de prover o trabalhador das suas necessidades mínimas, muito menos garantir-lhe a subsistência com dignidade ou permitir-lhe assumir compromissos financeiros.

Só não será assim se o salário do trabalhador estiver composto por essa parte fixa e por uma outra parte variável que consiste na quantia denominada “gorjetas”, que tendo embora a sua origem nas gratificações dadas pelos clientes, eram primeiro colectadas e depois distribuídas periodicamente pela entidade patronal ao trabalhador, segundo os critérios por aquele unilateralmente definidos, nomeadamente de acordo com a categoria e a antiguidade do trabalhador.

Ora, para qualquer homem médio, se o salário não fosse o assim composto, ninguém estaria disposto a aceitar apenas a quantia fixa (HKD$15,00 por dia) com seu verdadeiro e único salário, para trabalhar por conta da entidade patronal STDM, que como se sabe, pela natureza das suas actividades e pela forma do seu funcionamento exige aos seus trabalhadores, nomeadamente os afectados a seus casinos, a trabalhar por turnos, diurnos e nocturnos.

Pelo que, as denominadas gorjetas não podem deixar de ser consideradas parte integrante do salário, pois de outro modo, a entidade patronal STDM violava o seu dever legal de pagar ao trabalhador um salário justo e adequado.

4. do salário diário ou mensal

A entidade patronal defende que o trabalhador auferiu salário diário e não salário mensal.

Como a determinação da natureza diária ou mensal do salário que auferiu influi nos cálculos das compensações em causa, temos de nos debruçar sobre ela.

Ao contrário do que foi decidido na primeira instância, a recorrente defende que o trabalhador auferiu um salário diário e não mensal.

Ficou provada a existência de um horário de trabalho, fixado pela entidade patronal STDM, segundo o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:

1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 003h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00

Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas.

Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço.

Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário.

Sem mais considerações, improcede assim o argumento defendido pela entidade patronal de que o trabalhador auferia um salário diário.

5. dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.

Pelo que vimos, ficam decididas a irrenunciabilidade dos descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios, a responsabilidade de indemnização por parte da entidade patronal pelo trabalho prestado nos dias de descansos e de feriados, a inclusão das “gorjetas” no conceito do salário e a natureza mensal do salário que o trabalhador auferia, cremos que é altura para apurar os factores de multiplicação para efeitos de cálculos das quantias devidas pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.

a) compensação do trabalho em descansos anuais

Nos termos do disposto no artº 21º/1 do Decreto-Lei nº 24/89/M, os trabalhadores têm direito a seis dias úteis de descanso anual, sem perda de salário, em cada ano civil.

Nos termos do disposto no artº 24º do mesmo diploma, o empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar.

In casu, não resulta da matéria de facto provada que o trabalhador foi impedido pela entidade patronal de gozar os seus descansos anuais, não se deve aplicar assim a forma de multiplicação a que se refere o citado artº 24º.

E na falta de norma expressa para compensar o trabalhador pelo não gozo de dias de descanso anual mas sem impedimento por parte da entidade patronal, afigura-se-nos correcto aplicar por analogia o regime previsto para a situação análoga no caso de descanso semanal, prevista no artº 17º/5 e 6.

Isto é, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de descanso anual, sem constrangimento da entidade patronal, deve dar analogicamente ao trabalhador o direito de ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual, vencidos mas não gozados, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados, caso o trabalhador não tenha sido impedido pela entidade patronal de os gozar.

b) compensação do trabalho em descanso semanal

No âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.

Diz o artº 17º deste diploma que:

1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.

4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.

c) compensação do trabalho em feriado obrigatório

No âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho em feriados obrigatórios e a forma das suas compensações encontram-se regulados no artº 20º que prescreve:

1. O trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias de feriado obrigatório, referidos no nº 3 do artigo anterior, dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal e só pode ser executado:
a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a um acréscimo de trabalho não previsível;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável para garantia a continuidade do funcionamento da empresa, nos casos em que, de acordo com os usos e costumes, esse funcionamento deva ocorrer nos dias de feriados.
2. Nos casos de prestação de trabalho em dia feriado obrigatório não remunerado, ao abrigo da alínea b) do nº 1, o trabalhador que tenha concluído o período experimental tem direito a um acréscimo de salário nunca inferior a 50% do salário normal, a fixar por acordo entre as partes.

Nos termos do disposto no artº 19º/3, os trabalhadores têm direito à retribuição nos seis dias de feriado obrigatório (1 de Janeiro, os primeiros 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro).

Perante a materialidade fáctica assente, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de feriados obrigatório integra-se justamente na circunstância prevista no artº 20º/1-c), pois o trabalhador estava afectado aos casinos explorados pela entidade patronal, que como vimos supra, se obrigava legalmente a manter os seus casinos em funcionamento contínuo.

Assim, ao abrigo do disposto no artº20º/1, o trabalhador tem direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal.

A propósito da interpretação da expressão “acréscimo salarial”, ensina o Dr. Augusto Teixeira Garcia que “......A prestação de trabalho nestes dias dá o direito aos trabalhadores de receberem um acréscimo de retribuição nunca inferior ao dobro da retribuição normal (artº 20º, nº1). Assim, se um trabalhador aufere como remuneração diária a quantia de MOP$100, por trabalho prestado num dia feriado obrigatório e remunerado ele terá o direito de auferir MOP$300, ou seja, MOP$100 que corresponde ao dia de trabalho mais MOP$200, correspondente ao acréscimo salarial por trabalho prestado em dia feriado.” – vide, op. cit., Capítulo V, ponto 9.2.

Cremos que essa é única interpretação correcta da expressão “acréscimo salarial”.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado, a fórmula é:

3 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em feriado obrigatório remunerado, nas situações previstas no artº 20º/1-c).

Verificando-se que os factores de multiplicação aqui enunciados por nós são exactamente os que foram aplicados na sentença ora recorrida, o presente recurso não pode deixar de improceder in totum.

III

Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso da Ré, mantendo-se na íntegra a sentença de 1ª instância.

Custas pela Ré.

RAEM, 15JUL2010



Lai Kin Hong
(Relator)


Choi Mou Pan
(Primeiro Juiz-Adjunto)


José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)

Ac. 80/2010-1