Processo n.º 20/2011. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: A.
Recorrida: B.
Assunto: Prova plena. Documento particular. Recurso da matéria de facto.
Data do Acórdão: 1 de Junho de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.
SUMÁRIO:
Ainda que o juiz de 1.ª instância não considere provado facto alegado por uma das partes e que esteja provado por meio de prova plena – por exemplo, por força do artigo 370.º, n. os 1 e 2 do Código Civil - pode o Tribunal de Segunda Instância considerar tal facto como provado, ainda que não haja recurso da matéria de facto pelo recorrente ou impugnação da matéria de facto pelo recorrido, a título subsidiário.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
A requereu arresto de bens contra B, no montante de MOP$15.999.959,89.
O Ex. mo Juiz do Tribunal Cível decretou arresto, embora apenas pelo montante de MOP$1.306.858,68.
Em recurso interposto pela requerida – doravante designada por recorrida ou por requerida/recorrida - o Tribunal de Segunda Instância (TSI) concedeu provimento ao recurso, decretando o levantamento do arresto.
Inconformada, recorre agora a requerente – doravante designada por recorrente ou por requerente/recorrente - para este Tribunal de Última Instância (TUI), pedindo a revogação do Acórdão recorrido, para ficar a subsistir a decisão de 1.ª instância.
Para tal, formulou as seguintes conclusões úteis:
- O Tribunal de Segunda Instância por pressupor que o alegado no parágrafo 10.º da Oposição de fls. 788 e ss ficou demonstrado pelo acordo de 12/12/2007 (fls. 829 a 830), deu como provado (i) o teor integral do acordo de 12.12.2007, e (ii) que os gastos feitos pela requerente foram compensados pela acordada forma, ao mesmo tempo que deu como não provado o prejuízo da Recorrente resultante da diferença entre os gastos e os pagamentos efectuados.
- O que significa que Tribunal a quo modificou a decisão de facto subjacente à sentença recorrida, sem que essa alteração da matéria de facto tivesse suscitada por qualquer das partes.
- Ora, não tendo a Recorrida impugnado a decisão de facto contida na decisão do Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base, nomeadamente o facto de nela não terem ficado provados os factos alegado na Oposição de fls. 788 e ss., nomeadamente o alegado no seu parágrafo 10.°, não é de aceitar que a ora Recorrente possa agora ser surpreendida por um novo julgamento desfavorável da matéria de facto, quando nem ela nem a outra parte o impugnaram pela via do recurso (art. 599.° do CPCM) ou da ampliação do seu âmbito (art. 590.° do CPCM).
- Ao modificar a decisão de facto em que assentou a decisão do Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base, sem que essa questão tenha sido suscitada pelas partes, o acórdão ora recorrido incorreu na nulidade prevista no art. 571.°, n.º 1, alínea d), segunda parte, ex vi do art. 589.°, n.º 4, ambos do CPCM, pelo que deve ser revogado.
- Mesmo que assim não se entenda, não podia o Tribunal a quo ter considerado que «Face ao supra citado acordo teremos de aceitar que os gastos feitos pela requerente foram compensados pela acordada forma, não sendo legitimo presumir um prejuízo apenas por uma diferença entre os gastos e os pagamentos efectuados»
- Isto porque os elementos fornecidos pelo processo, designadamente o acordo de 12.12.2007 (fls. 829 a 830), não impunham decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.
- Assim, ao considerar que o supracitado acordo impunha a aceitação que os gastos feitos pela requerente foram compensados pela acordada forma, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 629.°, n.º 1, alínea b) do CPCM.
- Sem prescindir, o Tribunal de Segunda Instância revogou a decisão que decretou o arresto por ter julgado não existirem elementos que apontem para a comprovação do crédito reclamado, ou sequer do crédito declarado na douta decisão do Mmo Juiz, em termos de uma probabilidade razoável.
- Ora, salvo melhor entendimento, afigura-se que nada há a censurar à decisão revogada pelo Tribunal a quo.
- Desde logo, porque o acordo de 12.12.2007, de per si, não estabelece a inexistência de quaisquer outros créditos da Recorrente.
- E mesmo que - por hipótese de raciocínio - tivesse ficado provado que a Recorrida cumpriu o acordo de 12.12.2007, tal facto em nada afectaria os fundamentos com base nos quais a providência foi decretada.
- Isto porque não ficou provado o alegado na Oposição de fls. 788 e ss., nomeadamente o alegado no seu parágrafo 10.°, nem o acordo de 12.12.2007 estabelece que o mesmo respeita a todos os créditos da Recorrente sobre a Recorrida relativos à execução da obra subcontratada, com exclusão de quaisquer outros.
- Ao dar como provado contra a Recorrente que os gastos feitos pela requerente foram compensados pela acordada forma, ou seja, pela forma descrita no acordo de 12.12.2007, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 370.°, n.º 2 do CCM e, por conseguinte, o disposto nos arts. 558.°, n.º 1 e 437.°, n.º 1, ambos do CPCM, dado, nesse acordo, não ter a ora Recorrente aceite que o valor de MOP4.681.706,00 correspondesse à totalidade dos valores em dívida, com exclusão de quaisquer outros.
- Por último, entende o Tribunal a quo, que a existir algum crédito resultante do não pagamento desse acordo de 12.12.2007, então, ai, esse facto tinha que ser alegado e assim sendo já estaremos perante uma outra causa de pedir que não vem alegada nos autos.
- Sucede que, na perspectiva da ora Recorrente, o incumprimento do acordo de 12.12.2007 é independente do incumprimento do contrato de subempreitada de 1/11/2007, no sentido de que aquele o não consome nem a ele se substitui.
- Tal factualidade, porque essencial à procedência da excepção oposta pela Recorrida nas Oposição que deduziu nos termos e para os efeitos do disposto no art. 333.°, n.º 1, alínea b) do CPCM, teria que ter sido alegada e provada pela Recorrida, mas não foi.
- Isto porque a Recorrida se limitou a apresentar o acordo de 12/12/2007 sem requerer a produção de prova susceptível de demonstrar a finalidade que as partes tiveram em vista quando o celebraram.
II – Os factos
O Tribunal de Segunda Instância considerou provados os seguintes factos:
1. A providência foi decretada com base nos seguintes fundamentos de facto:
«Dos elementos existentes nos autos consta que:
a) Em 1 de Novembro de 2007 foi celebrado entre a Requerente e a requerida o contrato de obras de decoração que consta de folhas 57/58 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
b) A execução das obras relativamente ao contrato supra referido havia sido iniciada em Julho de 2007 – depoimento das testemunhas -.
c) Pela requerida foi pedida a realização de trabalhos a mais relativamente ao contrato referido em a) no valor de MOP$ 5.455.479,89 – cfr. fls. 117 e depoimento das testemunhas -;
d) A Requerente em 12 de Dezembro de 2007 abandonou a obra invocando que a requerida não lhe efectuava os pagamentos – depoimento das testemunhas -;
e) Até à data referida no item anterior a requerente havia realizado 100% dos trabalhos do quarto nº 5 do 23º andar, 74,22% das obras do 24º andar e 73,62% das obras do 25º andar – cf. doc. de fls. 147 a 151 -;
f) A Requerente incorreu na realização da obra em custos no valor de MOP$13.154.463,78 – cf. fls. 162 -;
g) A Requerida efectuou pagamentos à requerente por conta dos trabalhos realizados no valor de MOP$11.847.605,10 nas datas e nos valores indicados a folhas 152 que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais
h) Instada por várias vezes a proceder ao pagamento das obras a requerida não efectuou outros pagamentos para além dos indicados no item anterior – depoimento das testemunhas -;
i) A requerente não efectuou pagamentos aos demais subempreiteiros com quem contratou para a execução da obra – depoimento das testemunhas -;
j) Não são conhecidos bens à requerida para solver as dividas aos subempreiteiros para além de dinheiro depositado em conta bancária – depoimento da primeira testemunha ouvida -.»
2. Mais resulta dos autos, que entre a requerente e a requerida em 12 de Dezembro de 2007 foi celebrado o seguinte acordo:
“ACORDO
Devido ao problema da escassez do capital e dos recursos humanos ocorrido nessa Companhia na realização das obras, esta Companhia comunicou diversas vezes, por via verbal e escrita, a essa Companhia, solicitando que seja reparado o andamento das obras e, também, sejam reforçados os seus recursos humanos, contudo, não se verificou qualquer melhoramento da situação e resultou o grande atraso nas obras dos quartos de amostra n.º 5, sitos nos 24º, 25º e 23º andares do [Hotel (1)]. Conferidas diversas vezes no período compreendido entre 15 de Outubro e 8 de Novembro de 2007, enfim, essa Companhia concordou em que as despesas das obras, no total de MOP$1.980.955,00, fossem pagas pela B aos seguintes sub-empreiteiros:
(1) Sub-empreiteiro dos artigos de madeira: MOP$287.940,00
(2) Sub-empreiteiro de tinta: MOP$132.000,00
(3) Sub-empreiteiro das placas de gesso: MOP$520.000,00
(4) Salários dos trabalhadores no período compreendido entre Novembro e 3 de Dezembro: MOP$585.900,00
(5) Sub-empreiteiro de torneiras: MOP$34.600,00
(6) Sub-empreiteiro dos artigos de ferro: MOP$80.700,00
(7) Grupos dos Sub-empreiteiros de mármores: MOP$114.288,00 + $48.160,00 + $37.375,00 + $50.632,00 (quatro grupos)
(8) Removimento, de forma vertical, de materiais para os pisos superiores do prédio: MOP55.188,00
(9) Cimentos “Portland”: MOP$34.172,00
A partir de 3 de Dezembro de 2007, os salários dos grupos de trabalhadores e dos empregados substitutos seriam pagos pela A, e, todos os salários dos grupos de trabalhadores e as despesas de materiais resultantes das obras realizadas depois de 4 de Dezembro seriam pagos pela B.
Face à quantia adiantada pela A na fase anterior, ao [Hotel (1)], a B irá proceder à restituição, em prestação, do montante MOP$4.681.706,00 (após a celebração do presente acordo será pago o montante da 1ª fase, no valor de MOP$2.681.706,00), e a quantia remanescente, MOP$2.000.000,00, será paga durante a semana após a conclusão das obras em causa e a verificação destas pelo dono da propriedade. A ficará com 60% e B. com 40% do total do lucro. Os desgastes surgidos após o término das obras serão responsabilizados pelas A e B com comparticipação a 50% de cada parte.
Os expedientes relacionados com as obras em causa serão assinados pelos representantes da A e da B, ambas as partes serão responsáveis pelo tratamento das obras, colaborando no aceleramento do procedimento das mesmas.
As cláusulas supramencionadas são admitidas e executadas pelas ambas as partes, e, não permite que sejam cessadas unilateralmente, senão as partes podem remeter o caso ao Órgão Judicial local para a arbitragem, ficando a parte inadimplente suportada todas as despesas surgidas.”
III – O Direito
1. As questões a resolver
A primeira questão a resolver é a de saber se o Acórdão recorrido incorreu em excesso de pronúncia – provocando nulidade da decisão – ao ter considerado provado o acordo celebrado em 12 de Dezembro de 2007 e constante do n.º 2 da matéria de facto provada, bem como que os gastos feitos pela requerente foram compensados pela acordada forma, ao mesmo tempo que não deu como provado o prejuízo da recorrente resultante da diferença entre os gastos e os pagamentos efectuados.
O segundo grupo de questões consiste em saber se é de censurar o Acórdão recorrido por ter julgado “não existirem elementos que apontem para a comprovação do crédito reclamado, ou sequer do crédito declarado na douta decisão do M.mo Juiz, em termos de uma probabilidade razoável”.
2. Excesso de pronúncia. Prova plena.
Como se disse, a primeira questão a resolver é a de saber se o Acórdão recorrido incorreu em excesso de pronúncia – provocando nulidade da decisão – ao ter considerado provado o acordo celebrado em 12 de Dezembro de 2007 e constante do n.º 2 da matéria de facto provada, bem como que os gastos feitos pela requerente foram compensados pela acordada forma, ao mesmo tempo que não deu como provado o prejuízo da recorrente resultante da diferença entre os gastos e os pagamentos efectuados.
Recordemos brevemente como as coisas se passaram.
A requereu arresto de bens de B, no montante de MOP$15.999.959,89.
O Ex. mo Juiz de 1.ª instância decretou o arresto na quantia de MOP$1.306.858,68.
A requerida/recorrida deduziu oposição e juntou o documento mencionado no n.º 2 da matéria de facto provada pelo TSI e que consiste num acordo celebrado pelas partes do processo, em 12 de Dezembro de 2007.
A requerente/recorrente foi notificada deste documento e doutros documentos juntos com a oposição, a fls 859, e não impugnou nem a letra nem as assinaturas do mesmo.
Na decisão que conheceu da oposição deduzida pela requerida/recorrida e que manteve o arresto nos termos decretados, o Ex. mo Juiz diz o seguinte:
“O acordo realizado em 12.12.2007 a que a Requerida alude, o abandono da obra e a realização de trabalhos com vícios, são questões, umas que foram consideradas na decisão que decretou o arresto e outras que por estarem relacionadas com a execução do contrato de empreitada, face aos fundamentos com base nos quais se decretou o arresto em nada afectam o decidido”.
E o Acórdão recorrido deu expressamente como provado a celebração de tal acordo, bem como os factos constantes do mesmo.
Para a ora recorrente, o TSI não podia tê-lo feito, uma vez que não foi interposto recurso da matéria de facto, pela então recorrente, nem a então recorrida utilizou a faculdade prevista no n.º 2 do artigo 590.º do Código de Processo Civil (impugnação da matéria de facto, a título subsidiário, pelo recorrido).
A requerente/recorrente não tem razão.
Em primeiro lugar, o próprio Tribunal de 1.ª instância considerou provado o acordo, ao dizer na decisão que conheceu da oposição ao arresto e que o manteve, ao dizer: “O acordo realizado em 12.12.2007 a que a Requerida alude, o abandono da obra e a realização de trabalhos com vícios, são questões, umas que foram consideradas na decisão que decretou o arresto e outras que por estarem relacionadas com a execução do contrato de empreitada, face aos fundamentos com base nos quais se decretou o arresto em nada afectam o decidido”.
Ainda que assim não fosse, isto é, ainda que o Ex. mo Juiz de 1.ª instância não tivesse considerado a existência de tal documento, qualquer Tribunal – incluindo até o TUI que não conhece, em regra, de matéria de facto – pode considerar provados factos cuja prova resulte da lei, isto é, factos que resultem de meios de prova com força probatória pleníssima, plena ou bastante.
É o que resulta, quanto ao TUI, do disposto no artigo 649.º, n.º 2, do Código de Processo Civil:
“A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.
E quanto ao TSI, tal possibilidade resulta do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 629.º do Código de Processo Civil:
“1. A decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância:
a) ...
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;1
...”.
Ora, como é sabido, a letra e assinatura dos documentos particulares que não sejam impugnadas pela parte contra quem são apresentados consideram-se verdadeiras (artigo 368.º, n.º 1 do Código Civil).
E o documento particular cuja autoria tenha sido reconhecida – nos termos da norma atrás mencionada – faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (artigo 370.º, n.º 1 do Código Civil), sendo que os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante (artigo 370.º, n.º 2 do Código Civil).
Logo, as declarações da requerente/recorrente constantes do documento consideram-se como tendo sido efectuadas e os factos reportados neste acordo, contrários aos interesses da requerente/recorrente consideram-se provados, porque não impugnou a letra e assinatura do documento e antes o aceitou expressamente na sua (contra-) alegação de recurso para o TSI (artigo 1.º).
Por serem factos que resultem de meio de prova com força probatória plena podiam ter sido considerados pelo Tribunal, como foram.
Não há, pois, qualquer excesso de pronúncia.
3. O acordo de 12 de Dezembro de 2007. Existência do crédito reclamado.
As restantes questões suscitadas pela requerente/recorrente – relacionadas com a questão de saber se é de censurar o Acórdão recorrido por ter julgado “não existirem elementos que apontem para a comprovação do crédito reclamado, ou sequer do crédito declarado na douta decisão do M.mo Juiz, em termos de uma probabilidade razoável” - não procedem.
Na sua petição de arresto, a requerente/recorrente invocou a existência de uma relação contratual entre as partes e respectiva execução, concluindo que a requerida/recorrida lhe ficou a dever o montante de MOP$15.999.959,89.
Omitiu o acordo de 12 de Dezembro de 2007 celebrado entre as partes, que, no fundo, pôs termo à relação contratual e estabeleceu a forma de cumprimento das questões pendentes, relacionadas com as obras executadas e seu pagamento.
Também alegou a requerente/ recorrente na petição de arresto que foi expulsa da obra pela requerida/recorrida (artigo 37.º da petição), sendo que o Ex. mo Juiz de 1.ª instância deu como provado que foi ela que abandonou a obra, embora sem extrair as consequências que, aparentemente, se imporiam, quando uma parte alega facto que não corresponde à verdade. Diz a requerente/recorrente na petição de arresto que a requerida se substituiu à requerente na execução da obra (artigo 39.º da petição), omitindo que isso resultou do mencionado acordo.
Tendo a requerida/recorrida vindo a juntar tal documento (redigido em chinês) e alegar a sua existência na oposição ao arresto, o Ex. mo Juiz de 1.ª instância não lhe deu a atenção suficiente, como justamente realçou o Acórdão recorrido, dizendo a seu respeito o que atrás transcrevemos, que foi pouco ou nada. Basta referir que, dominando apenas a língua portuguesa, não parece ter determinado a tradução escrita do acordo, de chinês para português, como fez com o articulado de oposição. Esta presunção é legítima, já que não consta dos autos que tenha determinado tal tradução, peça esta que só ficou a constar dos autos após o Ex.mo Relator do TSI ter providenciado para tal.
Ora, tal acordo é uma peça crucial na economia do contrato e tem alguma complexidade, pelo que a tradução verbal, a que o Ex. mo Juiz de 1.ª instância terá recorrido, se afigura claramente insuficiente.
Face ao conhecimento do acordo pelo TSI, a pretensão da requerente/recorrente entrou claramente em défice, já que a sua construção jurídica ficou sem suporte face à superveniência daquele facto/elemento de prova. Aliás, a sua tese ficara logo abalada com a decisão de arresto que, mesmo sem haver audição e contra-prova da parte contrária reduziu o alegado crédito de MOP$15.999.959,89 para MOP$1.306.858,68.
Diz a recorrente na alegação que o acordo de 12 de Dezembro de 2007 não estabelece a inexistência de quaisquer outros créditos da recorrente. Pois não, nem isso releva já que o acordo se refere aos créditos solicitados na petição de arresto. Se a recorrente tem outros créditos sobre a recorrida tem de requerer outra providência.
Segundo tal acordo de 12 de Dezembro de 2007, na interpretação do TSI, que este Tribunal tem de aceitar, por se tratar de interpretação de factos, os gastos feitos pela requerente/recorrente foram compensados pela forma prevista no acordo.
Se o acordo não foi cumprido é questão que não constitui objecto desta providência.
Como bem se diz no Acórdão recorrido, a existir algum crédito da recorrente resultante do não cumprimento do acordo estaremos perante outra causa de pedir. Matéria para outra providência e, provavelmente, para outra acção.
Diz ainda a recorrente que do acordo de 12 de Dezembro de 2007 não consta que o mesmo respeite a todos os créditos da recorrente sobre a recorrida relativos à execução da obra.
Mas também nesta matéria este Tribunal tem de aceitar a interpretação do Acórdão recorrido nessa matéria, que aponta para que o acordo respeite a todas as questões então pendentes atinentes à execução da obra, que constituísse o acerto final das contas, como é, aliás, normal que fosse, já que a requerente/recorrente cessou a execução dos trabalhos.
Não há, qualquer violação do disposto no artigo 370.º, n.º 2 do Código Civil nem das restantes normas referidas pela requerente/recorrente.
Bem andou o Acórdão recorrido ao concluir não ter ficado indiciariamente demonstrado o crédito da requerente/recorrente.
IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Macau, 1 de Junho de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
1 J. LEBRE DE FREITAS e A.RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, 2.ª edição, Volume 3.º, p. 123.
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