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Recurso nº 400/2007
Recorrente: A
Entidade recorrida: Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura
(社會文化司司長)




Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
  
A, residente em Macau, recorre contenciosamente do despacho do Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão, que lhe foi notificado a 18 de Maio de 2007 alegando que:
A. O recorrente tem legitimidade, está representado, em prazo, pelo que lhe é permitido interpor o presente recurso contencioso.
B. O acto proferido é nulo por Vício de Forma, designadamente carência absoluta de forma legal por total ausência de fundamentação, violando os mais elementares Direitos Fundamentais do recorrente – cfr, arts. 3º, 4º, 5º, 6º, 7º,113º, 114º, 115º, 121º e 122º do C.P.A., arts. 4º, 8º, 11º, 18º, 24º, 25º, 36º, 40º e 41º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau.
C. O Acto proferido é nulo por Vício de Forma, em função de preterição de formalidades essenciais, nulidade essa insuprível por ofensa clara e directa do Direito Fundamental do recorrido ser ouvido em processo disciplinar, dispondo da possibilidade de participar no procedimento – cfr. art. 298º, n.º 1 do ETAP, art. 122º do C.P.A. e arts. 4º, 8º, 11º, 18º, 24º, 25º, 36º, 40º e 41º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau.
D. O recorrente reserva-se o direito de, se e quando vier a conhecer o procedimento disciplinar, arguir novos Vícios que, por ora, não são do seu conhecimento, bem como a, em relação a estes, apresentar a prova que venha a considerar necessária à boa decisão dos Autos.
   Nestes termos, pede a declaração da nulidade pelos vícios apontados, dando assim provimento ao presente recuso.
   
Citada, a entidade recorrida veio responder ao recurso, alegando que:
1. O Recorrente teve conhecimento perfeito, completo e inequívoco da instauração do processo disciplinar e da respectiva Acusação, oportuna e devidamente notificadas, tendo-lhe sido, por isso, asseguradas todas as garantias de defesa;
2. Todos os argumentos invocados pelo Recorrente como fundamentos principais do recurso apresentado – desconhecimento do processo disciplinar contra si intentado, preterição das notificações devidas e do direito de audiência – não correspondem à verdade, conforme resulta da prova documental junta a esta contestação.
3. O Recorrente não exerceu o direito de audição nem o direito de contraditório por ter prescindido destes direitos informada, esclarecida, consciente e voluntariamente.
4. Portanto, não se verificou o vício de falta de audiência.
5. Apesar de não se ter indicado no despacho recorrido o número do processo disciplinar, o Recorrente tinha obrigação de saber a que processo ou caso o mesmo se referia, porquanto a notificação de 18 de Maio de 2007, já revelava expressamente como objecto o processo disciplinar instaurado pelo cometimento de 369 faltas injustificadas registadas no período entre 14 de Junho de 2004 e 17 de Junho de 2005, não havendo outros processos – ou, pelo menos, a entidade recorrida ignora que os haja ???? - a correr contra ele.
6. Constituem realidades jurídicas distintas o acto notificando – de que se recorre – e a notificação;
7. A não inclusão do relatório final do Instrutor – a que o acto recorrido adere por remissão – na notificação do acto administrativo não gera qualquer invalidade do acto, mas tão só irregularidade no acto de notificação;
8. Essa irregularidade é sanável por notificação posterior do relatório final, o que sucedeu em 9 de Julho de 2007.
   Nestes termos, deve ser negado provimento ao recurso.
   
Nas suas alegações facultativas, o recorrente veio alegar que:
1. O acto proferido é nulo por Vício de Forma, designadamente carência absoluta de forma legal por total ausência de fundamentação, violando os mais elementares Direitos Fundamentais do Recorrente – cfr. artgs. 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 113º, 114º, 115º, 121º e 122º do CPA, artgs. 4º, 8º, 11º, 18º, 24º, 25º, 36º, 40º e 41º da Lei Básica da RAEM.
2. O acto proferido é nulo por vício de Forma, em função de preterição de formalidades essenciais, nulidade essa insuprível por ofensa clara e directa do Direito Fundamental do recorrido ser ouvido em processo disciplinar, dispondo da possibilidade de participar no procedimento – cfr. art. 298º n.º 1 do ETAP, art. 122º do CPA e art. 4º, 8º, 11º, 18º, 24º, 25º, 36º, 40º e 41º da Lei Básica da RAEM.
3. A notificação n.º 3/DAF/SRHEA/2007 é nula e não produz qualquer efeito jurídico, uma vez que a partir do momento em que o processo administrativo ora em causa pôs termo a uma relação jurídica controvertida, numa cadeia de hierarquia vertical, terminou o processo administrativo que lhe serve de base, não admitindo mais nenhuma intervenção, pelo que não é licíto à Recorrida praticar mais nenhum acto administrativo, seja por que forma fôr, donde a segunda notificação efectuada é nula porque não revoga o acto anterior, sendo certo que tudo quanto se aplica ao primeiro despacho, aplica-se também ao segundo despacho, pelo que não produz qualquer efeito jurídico, o que se requer seja declarado por este Tribunal.

E disse a entidade recorrida nas suas alegações facultativas:
1. O Recorrente teve conhecimento perfeito, completo e inequívoco da instauração do processo disciplinar e da respectiva Acusação, oportuna e devidamente notificadas, tendo-lhe sido, por isso, asseguradas todas as garantias de audição, de defesa e de constituição tempestiva de advogado;
2. Todos os argumentos invocados pelo Recorrente como fundamentos principais do recurso apresentado – desconhecimento do processo disciplinar contra si intentado, preterição das notificações devidas e do direito de audiência – não correspondem à verdade, conforme resulta da prova documental junta aos autos;
3. O Recorrente não exerceu o direito de audição nem o direito de contraditório por ter prescindido destes direitos informada, esclarecida, consciente e voluntariamente;
4. Sem embargo, tendo o Recorrente sido notificado editalmente e atento o disposto no n.º 4 do artigo 334º do ETAPM,《a falta de resposta, dentro do prazo marcado, vale como efectiva audiência do arguido para todos os efeitos legais》;
5. Portanto, não se verificou o apontado vício de forma por preterição de audi6encia;
6. O Recorrente omite deliberadamente factos relevantes para a decisão da causa, e também deduz pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar;
7. As afirmações feitas pelo Recorrente não são verdadeiras face ao termo de notificação e entrega da acusação, por este assinado, após ter sido devida e editalmente notificado, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 353º, no nº 2, do artigo 333º e no n.º 4 do artigo 334º, todos do ETAPM;
8. Apesar de não se ter indicado no despacho recorrido o número do processo disciplinar, aquele encontra-se bem identificado e o seu objecto inequivocamente delimitado na notificação, na qual se menciona:《369 faltas injustificadas registadas no período entre 14 de Junho de 2004 e 17 de Junho de 2005》;
9. Constituem realidades jurídicas distintas o acto notificando – de que se recorre - e a notificação;
10. Enquanto a notificação vale como requisito de eficácia do acto e funciona como o início da contagem do prazo para a sua impugnação administrativo e contenciosa, a fundamentação do acto é condição de validade deste, apenas a falta desta constitui vício de forma determinante da anulabilidade daquele;
11. A não inclusão do relatório final do Instrutor – a que o acto recorrido adere inequivocamente por remissão – na notificação do acto administrativo, não gera qualquer invalidade do acto, mas tão só irregularidade no acto de notificação e a insuficiência deste;
12. Essa insuficiência é sanável por notificação posterior do relatório final, oficiosamente ou a requerimento do interessado, o que sucedeu (oficiosamente) em 9 de Julho de 2007;
13. Não se pode dizer que, só por ter sido deficientemente notificado – o que é, aliás, motivo para o accionamento do mecanismo previsto no n.º 2 do artigo 27º do CPAC de Macau – o acto impugnado sofre do vício de forma por falta de fundamentação.
   Deve ser negado provimento ao recurso e o acto recorrido ser considerado válido e conforme à legislação aplicável, com a consequente improcedência do recurso contencioso.

O Digno Magistrado do MºPº deu o seu douto parecer, que se transcreve o seguinte:
“Vem A impugnar o despacho de 16/05/07 do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura que, em sede disciplinar, lhe aplicou pena de demissão, assacando-lhe vícios de forma, por total ausência de fundamentação e preterição de formalidade essencial por falta de audição e defesa no processo disciplinar, e de violação de lei, por atropelo dos princípios fundamentais da Legalidade, Protecção dos Direitos e Interesses dos Residentes, Igualdade, Proporcionalidade, Justiça, Imparcialidade e Contraditório.
Começando precisamente por estes últimos, dir-se-á que o recorrente, em boa verdade, se limita a enumerar os princípios em questão, não se preocupando, minimamente, em os caracterizar ou consubstanciar, aflorando-os como mera consequência da alegada falta de fundamentação, não revestindo, consequentemente, aquela invocação qualquer autonomia, a carecer de maiores considerações ou delongas da nossa parte.
No que tange à invocada falta de fundamentação, estimando-se as doutas noções, gerais e abstractas, dos contornos do dever em causa, a que gostosamente aderimos, termos como evidente que, no que se revela essencial, o recorrente acaba por confundir duas realidades completamente distintas: a fundamentação do acto e a sua notificação, querendo fazer repercutir naquela as deficiências desta.
Na verdade, vista a argumentação a esse propósito apresentada, constata-se reportar-se a mesma ao facto de, aquando da notificação do despacho sancionatório, não ter sido fornecida ao recorrente cópia do relatório final do processo disciplinar, no qual constam as conclusões do instrutor a que o acto aderiu e para que remeteu, sendo a partir dessa falta que aquele empreende, elabora e tece toda a tese da assacada deficiência e ausência de fundamentação.
Ora, a deficiência, ou mesmo ausência de notificação do acto, enquanto circunstância externa e posterior ao mesmo, não contende com a respectiva validade: se o acto era válido, assim permanecerá, independentemente das contingências ou vicissitudes da notificação, a qual vale apenas como requisito da eficácia, funcionando, em termos práticos, além do mais, como o início da contagem do prazo para a impugnação administrativa ou contenciosa, sucedendo, portanto, que o acto não é eficaz enquanto a notificação se não tornar perfeita, o que, como bem acentua a recorrida “determina apenas a não preclusão do direito ao recurso”.
No caso, é inquestionável que a notificação, ao reportar ao recorrente apenas o conteúdo do despacho propriamente dito, o qual, em termos de fundamentação, se limita a concordar “com as conclusões do instrutor”, não lhe fornecendo cópia dessas mesmas conclusões, se apresenta manifestamente insuficiente, sendo que, porém, também o recorrente não lançou mão da faculdade, a tal propósito prevista no n.º 2 do artº 27º, CPAC.
Seja como for, certo é que, posteriormente, a 9/7/07, foi o recorrente, novamente, pessoalmente notificado, tendo-lhe, desta feita, sido dado conhecimento do teor integral do despacho e relatório final donde constam as conclusões do instrutor, tendo, pelo menos a partir dessa data, ficado em condições de conhecer das razões que presidiram à sua punição e, querendo, impugná-las, já que, nos termos legais, deteria prazo para o efeito, encontrando-se, pois, tal irregularidade já sanada.
Não deixará, contudo, de se referir que, analisadas as “conclusões do instrutor” a que o acto em crise anuiu e para que remeteu, se constata conterem as mesmas, de forma expressa, suficiente, clara e congruente, as razões, de facto e de direito que sustentaram a punição, e que se prendem, no fundamental, com a existência de faltas injustificadas ao serviço por um período consecutivo de 369 dias, ficando um cidadão médio em perfeita condições de as apreender, o que não deixou de suceder com o recorrente, para além de que aquele “Relatório Final”, dá plena conta, quer da identificação, quer do objecto do processo disciplinar em questão, pelo que, manifestamente, carece o recorrente de razão neste específico.
Relativamente à alegada falta de audição do recorrente no decurso do processo disciplinar, analisados os elementos constantes dos autos e respectivo instrutor apenso, pode seguramente concluir-se que:
- Em 3/11/06 o recorrente foi pessoalmente notificado da abertura do processo disciplinar e para a prestação de declaração em 20/11/06, tudo conforme o preceituado no n.º 3 do art.º 329º, ETAPM;
- O recorrente não compareceu na data designada;
- Após a dedução da acusação, o instrutor tentou, várias vezes, notificá-lo, quer pessoalmente, quer por via postal, não o tendo conseguido, razão por que, uma vez que aquele se encontrava suspenso das funções por um período de 240 dias no âmbito de um outro processo disciplinar, procedeu, em 7/3/07, à notificação edital, através de publicação de “Aviso” no B.O. n.º 10, II Série e nos jornais “Ou Mun” e “Ponto Final”, nos precisos termos do contemplado no n.º 2 do artº 333º do citado diploma legal;
- Na sequência, o recorrente acabou por comparecer, em 9/3/07 no local mencionado no dito “Aviso”, tendo, nessa ocasião, sido advertido para o prazo de apresentação da defesa, recebendo cópia da Acusação e sendo-lhe facultada consulta do processo;
- Porém, decorrido o prazo legalmente estipulado no nº 2 do artº 352º do mesmo diploma, não apresentou o recorrente qualquer defesa.
Nestes parâmetros, é lícito concluir que, pese embora a sujeição à notificação edital, o recorrente teve perfeito conhecimento da existência e contornos específicos do processo disciplinar contra si instaurado e do conteúdo da respectiva acusação, razões por que, na verdade, se não entendem as “dúvidas”, “ignorâncias” e “perplexidades”, com que se pretende vitimizar: o não exercício de defesa e contraditório ficaram a dever-se exclusivamente à sua vontade, livre e consciente, ao que acresce que, perante a notificação edital, valendo a falta de resposta, dentro do prazo marcado, como efectiva audiência do arguido para todos os efeitos legais – artº 334º, n.º 4, ETAPM – não se alcança a assacada preterição de qualquer formalidade e, muito menos, essencial, a nível do direito de audiência do recorrente no processo disciplinar.
Razões por que, não se descortinando a ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, somos a pugnar pelo não provimento do presente recurso.

   Cumpre conhecer.
   Foram colhidos os vistos legais.
   
   Como resulta expressamente das conclusões, para o recorrente, o acto recorrido enfermou dos seguintes vícios:
   - Vício de forma por falta de fundamentação, o que conduz a nulidade do acto recorrido;
   - Falta de audição do recorrente em qualquer fase do procedimento disciplinar, o que conduz a nulidade por preterição de formalidade essencial.
   Nas sua alegações facultativas, o recorrente invocou ainda a nulidade da notificação nº 3/DAF/SRHEA/2007, que fez juntar o relatório final do instrutor (fls. 48 a 68).
   Vejamos.
   
   1. Falta de fundamentação
   Sabemos que, o artigo 114º do Código de Procedimento Administrativo impõe ao acto administrativo o dever de fundamentação, e, esta dita fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo embora consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integral do respectivo acto – nº 1 do artigo 115º do CPA, sem conter obscuridade, contradição, de modo a esclarecer por forma clara e suficiente a motivação do acto, sob pena de o acto ser considerado pela falta de fundamentação – artigo 115º nº 2.
   Ou seja, nestes termos constituem requisitos da fundamentação os seguintes:1
   a) Indicação dos motivos de facto e de direito;
   b) Indicação expressa (embora sucinta) dos fundamentos;
   c) Clareza (sem obscuridade);
   d) Suficiência; e
   e) Congruência (sem contradição)
   Na fundamentação, a Administração indicará qual o regime ou disciplina jurídica (premissa maior) que tem por aplicável no caso concreto, com a indicação dos factos que tem por ocorridos (premissa menor) e que o levaram de acordo com as razões de direito invocadas a praticar aquele acto (conclusão).
   Podemos afirmar que esta exigência da fundamentação se traduz em requisito formal do acto administrativo, de modo a ser exigível uma fundamentação expressa, clara, suficiente e sem contradição.
   A falta de fundamentação não contende com a falta de fundamentos, nem se traduz à deficiência dos fundamentos, pois trata-se a falta de fundamentação uma omissão formal absoluta de fundamentar as razões de decisão. A falta ou deficiência dos fundamentos não contende com o vício da forma mas sim com os próprios fundamentos, suficientes ou não para uma decisão conscienciosa do Administrador, e tal vício não conduz à nulidade do acto, mas sim à (in)adequação do mérito da decisão.
    Noutra banda, é admissível exprimir uma fundamentação por referência, feita com remissão, mesmo parcial até essencialmente, expressa e inequívoca, de concordância acolhe as razões informadas que passam a constituir parte integrante do acto, nos termos do artigo 115º nº 1 do CPA.
    A fundamentação incorporadora de uma informação e uma proposta, chama a si os argumentos que justificam e motivam o acto impulsionador.
    E havendo uma linha sequente da informação e proposta, sucessivamente incorporados, tudo se passa como se o autor do acto administrativo final tivesse produzido toda aquela argumentação antes expressa, assim criando a decisão administrativa, assim de modo a poder através dela conhecer-se o iter lógico jurídico que culminou com a decisão.2
O acto recorrido que aderiu nos fundamentos e nas conclusões do relatório final do Senhor Instrutor, não deixará de se referir as razões, de facto e de direito que sustentaram a punição, e que se prendem fundamentalmente com a existência de faltas injustificadas ao serviço por um período consecutivo de 369 dias e que para um cidadão médio, sem qualquer problema de as compreenderem
De facto, o recorrente, resultando das argumentações, confundiu necessariamente a fundamentação com a deficiência dos elementos constantes do acto de notificação, alegando que, aquando da notificação do despacho sancionatório, não ter sido fornecida ao recorrente cópia do relatório final do processo disciplinar, no qual constam as conclusões do instrutor a que o acto aderiu e para que remeteu, sendo a partir dessa falta que aquele empreende, elabora e tece toda a tese da assacada deficiência e ausência de fundamentação.
Porém, a deficiência, ou mesmo ausência de notificação do acto, como uma circunstância externa e posterior ao acto administrativo, não pode afectar a sua validade, pois um o acto válido permanecer-se-á válido, e quaisquer contingências ou vicissitudes da notificação relevam quanto muito para a consideração da eficácia do acto e enquanto a ineficácia se mantiver, o que será afectado, entre outros, se incide no início da contagem do prazo para a impugnação administrativa ou contenciosa. Conforme isto, pode-se dizer que o acto não é eficaz enquanto a notificação se não tornar perfeita, ficando sem ser tocada a validade do acto, a não ser por outro motivo.
Perante esta deficiência do acto da notificação, pode o recorrente sempre fazer uso da faculdade prevista no artigo 27º do CPAC, mas, não a fez.
Porém, não obstante desta omissão no uso da faculdade, veio a entidade decisor, posteriormente, a 9/7/07, notificou novamente o recorrente, pela Notificação nº 3/DAF/SRHEA/2007, tendo-lhe sido dado conhecimento do teor integral do despacho e relatório final donde constam as conclusões do instrutor. E nesta notificação deu constar plenamente quer da identificação, quer do objecto do processo disciplinar em questão, o que implica obviamente a carência da razão do recorrente nesta parte.
O que podemos dizer é que, pelo menos, a partir dessa data, ficado em condições de conhecer das razões que presidiram à sua punição e, querendo, impugná-las, já que, nos termos legais, deteria prazo para o efeito, encontrando-se, pois, tal irregularidade já sanada.

   2. Falta de audição
Relativamente à alegada falta de audição do recorrente no decurso do processo disciplinar, analisados os elementos constantes dos autos e respectivo instrutor apenso, pode consignar os seguintes factos assentes:
- Em 3/11/2006 o recorrente foi pessoalmente notificado da abertura do processo disciplinar e para a prestação de declaração em 20/11/2006, tudo conforme o preceituado no nº 3 do artigo 329º do ETAPM;
- O recorrente não compareceu na data designada;
- Após a dedução da acusação, o instrutor tentou, várias vezes, notificá-lo, quer pessoalmente, quer por via postal, não o tendo conseguido, razão por que, uma vez que aquele se encontrava suspenso das funções por um período de 240 dias no âmbito de um outro processo disciplinar, procedeu, em 7/3/2007, à notificação edital, através de publicação de “Aviso” no B.O. n.º 10, II Série e nos jornais “澳門日報” e “Ponto Final”, nos precisos termos do contemplado no nº 2 do artigo 333º do citado diploma legal;
- Na sequência, o recorrente acabou por comparecer, em 9/3/2007 no local mencionado no dito “Aviso”, tendo, nessa ocasião, sido advertido para o prazo de apresentação da defesa, recebendo cópia da Acusação e sendo-lhe facultada consulta do processo;
- Porém, decorrido o prazo legalmente estipulado no nº 2 do artigo 352º do mesmo diploma, não apresentou o recorrente qualquer defesa.

Quanto à notificação, prevêem os artigos 333º e 334º do ETAPM que:
“Artigo 333º (Notificação do arguido)
1. Da acusação extrair-se-á cópia que será entregue ao arguido, mediante a sua notificação pessoal no prazo de 48 horas ou, não sendo possível, por carta registada com aviso de recepção, marcando-se-lhe um prazo de 10 a 20 dias para apresentar a sua defesa escrita.
2. Se não for possível a notificação nos termos do número anterior, designadamente por o arguido se encontrar ausente em parte incerta, será publicado aviso no Boletim Oficial, e em dois jornais diários, um em língua portuguesa e outro em língua chinesa, notificando-o para apresentar a sua defesa em prazo não superior a 45 dias, contados da data da publicação.
3. O aviso a que se refere o número anterior só deverá conter menção de que se encontra pendente contra o arguido processo disciplinar, do local onde o pode consultar, de que pode pedir cópia da acusação contra ele deduzida, e do prazo fixado para apresentar a sua defesa.
4. Quando o processo seja de comprovada complexidade, ou quando o arguido se encontre ausente do Território, poderá o instrutor conceder prazo superior ao do n.º 1, até ao limite de 45 dias, depois de autorizado nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 328.º”
Encontrava-se a situação em que devia a Administração a proceder a notificação edital ao arguido, e dos autos não se verificou qualquer preterição de formalidade essencial que podia influenciar a validade do acto.
Notificado da acusação, apesar da sujeição ao edital, a não apresentação da defesa produziria efeito nos termos do artigo 334º do mesmo diploma citado:
“Artigo 334.º (Exame do processo e apresentação da defesa)
1. Durante o prazo para a apresentação da defesa, e para esse efeito, podem o arguido e o advogado constituído examinar o processo a qualquer hora de expediente, podendo este requerer para o fazer no seu escritório por prazo não superior a 48 horas.
2. Na defesa escrita deve o arguido expor os factos e as razões da sua defesa, bem como juntar documentos, indicar o rol de testemunhas e requerer as diligências de prova.
3. Quando a resposta revelar ou se traduzir em infracções estranhas à acusação e que não interessem à defesa, será autuada e dela se extrairá certidão, a qual será considerada como participação para efeitos de novo processo.
4. A falta de resposta, dentro do prazo marcado, vale como efectiva audiência do arguido para todos os efeitos legais.
5. A resposta que for apresentada depois de decorrido o prazo marcado para a defesa não é aceite. (*)”
   (*) Redacção dada pelo artigo 1.º do Dec.-Lei n.º 62/98/M, de 28 de Dezembro.
Nesta conformidade, perante a notificação edital, valendo a falta de resposta, dentro do prazo marcado, como efectiva audiência do arguido para todos os efeitos legais. E por esta razão, não pode deixar de ser lícito concluir que o recorrente teve perfeito conhecimento da existência e contornos específicos do processo disciplinar contra si instaurado e do conteúdo da respectiva acusação, razões por que, o não exercício de defesa e contraditório ficaram a dever-se exclusivamente à sua vontade, livre e consciente.
Não se verificou a assacada preterição de qualquer formalidade e, muito menos, essencial, a nível do direito de audiência do recorrente no processo disciplinar.
É de improceder o recurso, por não se descortinar a ocorrência de qualquer dos vícios impugnados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer.
Pelo exposto acordam neste Tribunal de Segunda Instancia em negar provimento ao recurso interposto por A.
Custas pelo recorrente.
RAEM aos 8 de Julho de 2010
   
   
Choi Mou Pan Presente
(Relator) Vítor Manuel Carvalho Coelho
   
João A. G. Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
   
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
   
1 Mário Esteves Oliveira, Direito Administrativo, Vol. I, Lisboa, 1980, pp.471 a 475.
2 Cfr., a propósito, o Dr. Osvaldo Gomes, in Fundamentação do Acto Administrativo, p.121.
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