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Processo n.º 330/2010
(Recurso Penal)

Data: 22/Julho/2010

Recorrente: A (A)

Objecto do Recurso: Acórdão condenatório da 1ª Instância

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    
    I - RELATÓRIO
    1. A (A), arguido no processo supracitado, melhor identificado nos autos, inconformado com o acórdão do processo acima referido proferido pelo 2º Juízo Penal do Tribunal Judicial de Base em 6 de Novembro de 2009, que o condenou, pela prática em autoria material e na forma consumada de:
     - 1 crime de tráfico de drogas de quantidade diminuta, p. p. pelo art.º 9.º do DL n.º 5/91/M, na pena de prisão de 1 ano e 5 meses e na multa de MOP$5.000,00, ou em alternativa, 30 dias de prisão; e
     - 1 crime de detenção de drogas, p. p. pelo art.º 23.º al. a) do mesmo DL, na pena de prisão de 2 meses.
     Em cúmulo jurídico dos dois crimes, condena-se o arguido numa única pena de 1 ano e 6 meses de prisão efectiva e na multa de MOP$5.000,00, ou em alternativa, 30 dias de prisão,
    
    2. Vem interpor recurso, alegando em sínteses conclusiva:
    No acórdão recorrido, o recorrente foi condenado, pela prática em autoria material e na forma consumada de: 1 crime de tráfico de drogas de quantidade diminuta, p. p. pelo art.º 9.º do DL n.º 5/91/M, na pena de prisão de 1 ano e 5 meses e na multa de MOP$5.000,00, ou em alternativa, 30 dias de prisão; e 1 crime de detenção de drogas, p. p. pelo art.º 23.º al. a) do mesmo DL, na pena de prisão de 2 meses. Em cúmulo jurídico dos dois crimes, o recorrente foi condenado numa única pena de 1 ano e 6 meses de prisão efectiva e na multa de MOP$5.000,00, ou em alternativa, 30 dias de prisão.
    No acórdão recorrido, a “convicção do tribunal” foi feita principalmente com base nos depoimentos das 1ª e 2ª testemunhas, nas provas documentais, os objectos apreendidos e outras provas constantes dos autos.
    Salvo o devido respeito, o recorrente está inconformado com o acórdão recorrido, pelo que interpôs o presente recurso.
    Primeiro; a 1ª testemunha alegou que não tinha comprado drogas junto do recorrente; nem viu que o recorrente tinha comprado drogas junto das outras pessoas; foi notificada na audiência de julgamento de que o Ministério Público já solicitou a acusação contra o seu crime de falsas declarações, ainda insistiu firmemente em que os depoimentos na audiência de julgamento são a verdade.
    A 2ª testemunha é agente da PJ, não contou expressamente como é que o recorrente traficou drogas, especialmente os assuntos importantes como a forma, a quantidade e o número das pessoas envolvidas;
    Dos depoimentos das duas testemunhas pode-se ver que ambas as duas não disseram expressa e substancialmente que o recorrente praticou os actos de tráfico de drogas;
    Segundo a regra de experiência, um toxicodependente – ou qualquer outra pessoa – , em caso de não conhecer a outra pessoa – pelo menos não se revelou que o toxicodependente iria obter qualquer vantagem ou interesse – não presta depoimentos que se mostrarem obviamente diferentes do anterior auto de inquirição, e já foi informado de que as suas condutas o fizeram incorrer na responsabilidade penal de falsas declarações no anterior auto de inquirição do Ministério Público;
    A única ou a mais credível explicação é que, como a testemunha referiu, os depoimentos prestados na audiência de julgamento são verdadeiros e o que disse no auto de inquirição do Ministério Público são falsos por causa do ataque de toxicodependência;
    Em relação à outra testemunha (também agente da PJ), os seus depoimentos não podem verificar expressa e directamente que o recorrente praticou actividades de tráfico de drogas;
    Além disso, o recorrente admitiu no auto de inquirição do Ministério Público constante das fls. 78 e v dos autos que ele é consumidor de drogas;
    Para verificar que o recorrente fez as alegações acima referidas na audiência de julgamento, pediu-se ao Tribunal da Segunda Instância para, nos termos do art.º 415.º do Código de Processo Penal, proceder à renovação das provas supracitadas, especialmente o teor das alegações do recorrente nos dados de gravação da audiência de julgamento; assim pode-se averiguar melhor a verdade dos factos para a prática da justiça; também verifica-se que as duas testemunhas prestaram os depoimentos acima referidos.
   No acórdão recorrido não se reconheceu exactamente a credibilidade dos depoimentos das duas testemunhas; e de acordo com a regra de experiência, os factos supracitados têm uma ligação causal com os factos e crimes acusados neste processo, ou seja se deve absolver o recorrente dos crimes, assim também se pode evitar devolver os autos ao Tribunal Judicial de Base para julgamento de novo;
    Pelo que o Tribunal da Segunda Instância deve, nos termos do art.º 415.º do Código de Processo Penal, depois de proceder à renovação das provas e ouvir os depoimentos do recorrente nos dados de gravação subidos nos próprios autos,
    declarar-se que, na apreciação das duas provas mais importantes supracitadas, o acórdão recorrido violou a regra de experiência e padece do “vício de erro notório na apreciação da prova”, previsto pelo art.º 400.º n.º 2 al. c) do Código de Processo Penal; razão pela qual é anulado o acórdão recorrido;
    e absolver o recorrente dos crimes porque não há provas de que o recorrente praticou actividades de tráfico de drogas.
    Se não entender assim, o recorrente ainda está inconformado e tem seguintes fundamentos;
    Segundo; Como acima referido, o tribunal entendeu que existiu óbvia contradição entre os depoimentos prestados pela 1ª testemunha na audiência de julgamento e o auto de inquirição elaborado pelo Ministério Público;
    O recorrente entende que, se uma testemunha preste depoimentos contrários aos seus depoimentos anteriores, de acordo com o princípio fundamental do direito penal de “in dubio pro reo”, tanto os depoimentos anteriores como os posteriores não devem ser acreditados e não podem constituir convicção do tribunal;
    Mas o acórdão recorrido não entendeu assim; pelo que violou o princípio fundamental do direito penal de “in dubio pro reo” na apreciação da prova, padecendo do vício de “interpretação errada da lei” previsto pelo art.º 400.º n.º 1 do Código de Processo Penal;
    bem como o vício de “erro notório na apreciação da prova” previsto pelo art.º 400.º n.º 2 al. c) do mesmo Código; e deve ser anulado pelo tribunal;
    O recorrente entende que, na aplicação mais correcta do princípio fundamental do direito penal de “in dubio pro reo”, deve-se não adoptar ambos os depoimentos da 1ª testemunha; declarar anulado o acórdão recorrido e absolver o recorrente dos crimes por falta de outras provas directas e substanciais.
    Mais; se não entender assim, o recorrente ainda está inconformado e tem seguintes fundamentos;
    Como acima referido, o recorrente foi condenado, pela prática dum crime de tráfico de drogas de quantidade diminuta e dum crime de detenção de drogas, na pena única de 1 ano e 6 meses de prisão e na multa de MOP$5.000,00, ou em alternativa, 30 dias de prisão;
    Mas tendo em conta que o arguido veio do Interior da China para praticar crime em Macau e as consequências do crime são graves, não se pode concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, por isso o acórdão recorrido decidiu não suspender a execução da pena de prisão aplicada.
    Porém, o réu é delinquente primário; e não há provas de que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição; além disso, na determinação da medida da pena e ao considerar se suspender a execução da pena, residente de Macau não é um requisito constitutivo legal;
    pelo que em concurso dos dois crimes, a suspensão da execução da pena aplicada ao recorrente também satisfaz as necessidades de prevenções geral e especial, mas o acórdão recorrido não suspendeu a execução da pena de prisão aplicada ao recorrente;
    Por isso, o acórdão recorrido violou os dispostos nos art.º s 48.º a 55.º e o espírito legislativo do Código Penal de Macau, padece do vício de “interpretação errada da lei” previsto pelo art.º 400.º n.º 1 do Código de Processo Penal, e deve ser anulado;
    O recorrente entende que para aplicar mais plenamente os dispostos nos art.º s 48.º a 55.º do Código Penal de Macau, deve-se suspender a execução da pena de prisão.
    Em fim, o recorrente solicita ao tribunal competente o conhecimento oficioso do vício da ilegalidade e que faça justiça; e
    solicita que independentemente do decaimento do presente recurso, a procuradoria ao defensor oficioso do recorrente seja paga ou adiantada pelo GPTUI.
   
   Renovação da prova nos termos do art.º 415.º do Código de Processo Penal
   
   Para verificar que os factos nos artigos 7.º, 9.º e 11.º desta petição de recurso são verdades;
   E a verificação dos factos supracitados é necessária para a averiguação dos factos para a prática da justiça;
   Por isso, deve o Tribunal da Segunda Instância, ao abrigo dos dispostos no art.º 415.º do Código de Processo Penal, proceder à renovação da prova;
   Ou seja que deve-se ouvir os dados da gravação da audiência de julgamento subidos nos presentes nestes autos, especialmente o teor das alegações prestadas pelo recorrente na audiência de julgamento.
   
    A final, formula o seguinte pedido:
    :
   (1) Se admita a presente petição de recurso e os seus anexos; e
   (2) submetam os dados da gravação da audiência de julgamento, de forma adequada, ao Tribunal da Segunda Instância; e
   (3) o Tribunal da Segunda Instância proceda à renovação da prova ao abrigo dos dispostos no art.º 415.º do Código de Processo Penal, e ouvir as alegações do recorrente nos dados da gravação subidos nos autos; e
   (4) declare que, na apreciação das duas provas mais importantes supracitadas, o acórdão recorrido violou a regra de experiência e padece do “vício de erro notório na apreciação da prova”, previsto pelo art.º 400.º n.º 2 al. c) do Código de Processo Penal, e deve ser anulado; e
   (5) declare que absolver o recorrente dos crimes porque não há provas de que o recorrente praticou actividades de tráfico de drogas.
   
Se não entender assim,
   (6) declare que o acórdão recorrido violou o princípio fundamental do direito penal de “in dubio pro reo” na apreciação da prova e padece dos vícios de “interpretação errada da lei” e de “erro notório na apreciação da prova” previstos pelo art.º 400.º, n.º 1e n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal; deve o acórdão recorrido ser anulado pelo tribunal; e
   (7) declare anulado o acórdão recorrido e absolver o recorrente dos crimes por falta de outras provas directas e substanciais.
Se não entender assim,
   (8) declare que o acórdão recorrido violou os dispostos nos art.º s 48.º a 55.º e o espírito legislativo do Código Penal de Macau e padece do vício de “interpretação errada da lei” previsto pelo art.º 400.º n.º 1 do Código de Processo Penal, razão pela qual é anulado; e declarar que suspender a execução da pena aplicada ao recorrente.
   (9) Admita o pedido do conhecimento oficioso do vício da ilegalidade apresentado pelo recorrente ao tribunal competente e fazer justiça.
   (10) Aprove que independentemente do decaimento do presente recurso, a procuradoria ao defensor oficioso do recorrente seja paga ou adiantada pelo GPTUI.

    3. Responde doutamente o Digno Magistrado do MP no sentido da sem razão do recorrente e pronunciando-se pela improcedência do recurso.
    4. O Exmo Senhor Procurador Adjunto emitiu o seguinte douto parecer:
    O nosso Exmo. Colega demonstra, cabalmente, a insubsistência da motivação do recorrente.
    E nada temos a acrescentar, de relevante, às suas criteriosas explanações.
    O arguido vem, além do mais, requerer a renovação da prova.
    Conforme tem entendido este Tribunal, essa renovação pressupõe :
    - que tenha havido documentação das declarações prestadas oralmente perante o Tribunal ;
    - que o recorrente indique as provas a renovar, com menção relativamente a cada uma delas dos factos a esclarecer e das razões justificativas da sua renovação;
    - que se verifique qualquer dos vícios referidos no n.º 2 do art. 400º do C. P. Penal; e
    - que haja razões para se crer que a renovação permitirá evitar o reenvio do processo.
    (cfr., entre outros, ac. de 12-6-2003, proc. n.º 107/2003).
    E, encontrando-se preenchido o primeiro requisito, mostram-se inverificados o segundo e o terceiro.
    Vejamos.
    Divisa-se, desde logo, o incumprimento do comando do art. 402º, n.º 3 do citado C. P. Penal.
    Não se mostra feita, de facto, a indicação a que o mesmo se refere.
    Não se antolha, por outro lado, a existência de qualquer dos vícios em apreço.
    O recorrente chama à colação o erro notório na apreciação da prova.
    Mas mais não faz, realmente, do que discordar do julgamento da matéria de facto, afrontando flagrantemente a regra da livre apreciação da prova consagrada no art. 114º do mesmo Diploma.
    Quanto à pretendida suspensão da execução da prisão, não pode concluir-se, efectivamente, a nosso ver, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
    O que vale por dizer, também, que não se verifica o pressuposto material exigido pelo art. 48º, n.º 1, do C. Penal.
    Deve, pelo exposto, o recurso ser julgado improcedente.
    
    5. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
Com pertinência, respiga-se o seguinte do acórdão recorrido:
     
    ”(...)
    1. Fundamentação
     Factos provados:
     Pelas duas horas e meia da tarde do dia 25 de Outubro de 2006, na entrada da loja “XX” que fica ao lado da entrada do parque de estacionamento do Centro Comercial XX, sito no Bairro Iao Hon, o arguido A (A) atirou um maço de cigarros da marca “Seong Hei” ao chão.
     Os agentes da PJ, de imediato, interceptaram o arguido A (A) para investigação.
     Os agentes da PJ encontraram, em flagrante, dentro do supracitado maço de cigarros, 17 parcelas de palhinha transparente (cada parcela tinha um comprimido azul e um pequeno grão de cor de iogurte), 4 comprimidos de cor azul, dois papeis de estanho, uma palhinha feita de papel; ao mesmo tempo, os agentes da PJ encontraram na posse do arguido A (A) duas mil patacas em numerário.
     Submetidos a exame laboratorial, os supracitados comprimidos revelaram tratar-se de “MIDAZOLAM”, substância abrangida pela tabela IV anexa ao DL n.º 5/91/M, com peso líquido de 4,390g; o grão de cor de iogurte acima referido revelou tratar-se de “heroína” e “FENOBARBITAL”, substâncias abrangidas respectivamente pelas tabelas I-A e IV anexas ao mesmo DL, com peso líquido de 0,393g; um dos papeis de estanho supracitados tinha vestígios de “heroína” e “FENOBARBITAL”, substâncias abrangidas pelas tabelas I-A e IV anexas ao mesmo DL, e o outro papel de estanho e a palhinha feita de papel tinham vestígios de “heroína”, substância abrangida pela tabela I-A anexa ao mesmo DL.
     O arguido A (A) adquiriu as supracitadas drogas junto dum indivíduo desconhecido, a fim de vender uma grande parte das drogas para obter vantagens e consumir a outra parte.
     Os papeis de estanho e a palhinha de papel são instrumentos utilizados pelo arguido A (A) para consumo e embalagem de drogas, e o dinheiro acima referido é o lucro obtido pela prática do tráfico de drogas.
     O arguido A (A) agiu de forma livre, voluntária e consciente ao praticar dolosamente as condutas supracitadas.
     O arguido conhecia perfeitamente as características e a natureza das drogas supracitadas.
     O arguido sabia bem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
    *
     Mais se provou:
     De acordo com o registo criminal, o arguido é delinquente primário.
     O arguido declarou que está desempregado e tem a seu cargo os pais, tendo como habilitações literárias ensino primário.
    *
     Factos não provados:
     Não há nenhum.
    *
     Convicção do Tribunal:
     O arguido faltou à audiência de julgamento, mas ao ser inquirido pelo Ministério Público, o arguido negou que o maço de cigarros e os objectos dentro apreendidos aos autos são propriedades dele. Segundo o pedido do arguido, leu-se na audiência de julgamento o auto de inquirição acima referido.
     A testemunha B (B) prestou declarações na audiência de julgamento, negando que tinha comprado drogas junto do arguido. Mas ao ser inquirida no Ministério Público, a testemunha contou expressamente o decurso de comprar drogas junto do arguido, confirmando, através do processo de reconhecimento de pessoas que o arguido é a pessoa que vendeu drogas a ele. Leu-se a respectiva declaração na audiência de julgamento.
     Os investigadores da PJ prestaram declarações na audiência de julgamento, contando expressa e objectivamente o decurso e o resultado da investigação da causa, tendo certeza de que testemunharam que o arguido atirou o maço de cigarros ao chão.
     O relatório do exame laboratorial constante dos autos verifica a composição e o peso das drogas apreendidas.
     Analisando objectivamente as declarações prestadas e lidas pelo arguido e pelas testemunhas na audiência de julgamento, combinando com as provas documentais, os objectos apreendidos e outras provas que foram examinados na audiência de julgamento, este Colectivo pode provar que o arguido praticou o facto de tráfico de droga que lhe foi imputado, bem como o facto de que o arguido deteve droga para consumo pessoal.
    *
     Motivos:
     Conforme os factos dados como provados, o arguido conhecia perfeitamente as características e a natureza das drogas, ainda agiu de forma livre, voluntária e consciente ao adquirir junto dum indivíduo de identidade desconhecida “MIDAZOLAM” com peso líquido de 4,390g, e “FENOBARBITAL” e “heroína” com peso líquido de 0,393g, a fim de vender uma grande parte das drogas para obter vantagens e consumir a outra parte. Por isso, o arguido cometeu em autoria material e na forma consumada 1 crime de tráfico de drogas, p. p. pelo art.º 9.º do DL n.º 5/91/M, que é punido com pena de prisão de 1 a 2 anos e multa de MOP$2.000,00 a MOP$225.000,00; o arguido ainda cometeu 1 crime de detenção de drogas, p. p. pelo art.º 23.º al. a) do mesmo DL, que é punido com pena de prisão de 1 a 3 meses e multa de MOP$500 a MOP$10.000,00.
     Por outro lado, apesar de provar-se que o arguido deteve papeis de estanho e palhinha de papel para consumir drogas, considerando que os papeis de estanho e palhinha de papel são consumíveis e não têm a durabilidade de utensílio ou equipamento prevista pelo art.º 12.º do DL n.º 5/91/M, pelo que os respectivos papeis de estanho e palhinha de papel não devem ser considerados como utensílio ou equipamento previsto pelo artigo supracitado. Por isso, as condutas do arguido não constituem 1 crime de detenção de instrumentos de consumo de drogas, p. p. pelo art.º 12.º do DL n.º 5/91/M, e deve-se absolver o arguido deste crime.
     (...)”
    
    III - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
    - erro na apreciação da prova
    - violaçãodo do princípio "in dubio pro reo";
    - da pena na vertente da sua suspensão de execução
    
    2. Quanto à primeira questão, o arguido confunde erro na apreciação da prova com a divergência de convicções.
    Acompanhamos a lucidez da análise do Digno Magistrado do MP, enquanto diz que tal erro, do ponto de vista do recorrente, consiste no Tribunal, ao arrepio das regras da experiência comum, não ter acreditado no depoimento que a testemunha B prestou em julgamento e ter dado credibilidade a outras que esta testemunha anteriormente prestou.
    Teria o Tribunal a quo incorrido ainda em erro, porquanto não terá valorado devidamente o depoimento que o agente da PJ C prestou em audiência, nomeadamente quando diz que viu o arguido entregar ou receber qualquer coisa mas não conseguiu ver o que era.
    Ao depoimento da testemunha B que negou ter adquirido droga ao recorrente, faz sentido lembrar que, sob juramento, nos Serviços do MºPº, em sede de inquérito, dissera que lhe havia comprado heroína por cinco vezes ao preço de 40 patacas a dose, declarações essas que foram lidas em audiência e com as quais foi confrontado, como do texto do acórdão se retira.
    Aliás, como também da acta de fls. 239/242 se alcança, com vista a procedimento criminal pelo cometimento do crime de falsidade de testemunho, p. e p. p. art. 324º nºs 1 e 3 do C. Penal, foi extraída e remetida aos Serviços competentes do MP uma certidão processual.
    Em todo o caso, a análise das passagens em que o recorrente insiste sejam reexaminadas pelo Tribunal, no referido contexto e perante todo o circunstancialismo, não evidenciam a existência de um erro. Essas passagens não têm a virtualidade de infirmar categoricamente a conclusão fáctica que o Tribunal deu como provada.
    Donde se concluir pela inexistência de erro.
    O Tribunal apreciou e valorou a prova segundo o princípio da livre apreciação consagrado no art. 114º do C. P. Penal e fez constar detalhadamente, do capítulo Convicção do Tribunal do douto acórdão, os elementos de prova que serviram para formar a sua convicção, o que o fez segundo as regras da experiência comum e a sua livre convicção, logo insindicável.
    Por isso, se conclui no sentido de não assistir razão ao recorrente.
    
    3. Como não assiste na violação do aludido princípio in dubio pro reo intimamente ligado com o vício acima referido.
    A discordância do recorrente quanto à forma como o Tribunal apreciou a prova é irrelevante.
    Com isto estamos já a considerar que não existiu qualquer violação do referido princípio.
    Defende o recorrente que o tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo que, em seu entender, impunha que se desse como não provada a verificação dos factos que vêm descritos.
    Tratando de desenhar os contornos deste princípio e a sua relação com o da livre apreciação das provas pelo tribunal, a solução pro reo, nos casos de dúvida ou empate judicial, apresenta-se como uma quase constante teórica do património cultural da humanidade. A ideia segundo a qual é preferível absolver um culpado a condenar um inocente aparece, com estas mesmas palavras em inúmeros documentos do pensamento filosófico e jurídico.

    Mas o que deve entender-se por dúvida insanável a motivar uma decisão pro reo?

    Não é, naturalmente, qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido.
    Não é, naturalmente, qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido. Pode dizer-se que a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo, tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária. Por outras palavras, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal.
    A relação in dubio pro reo e prova livre começa deste modo a desenhar-se.
    É uma definição suficiente do que seja a dúvida que acciona o princípio e faz supor um entendimento objectivo da livre apreciação da prova. Enquanto se não afastar a compreensão do livre convencimento do juiz, como sinónimo de uma liberdade sem freio, a fronteira da dúvida oscilará sem critério, carecerá daquele mínimo de objectividade necessário para que o princípio que se propõe resolvê-lo possa considerar-se, com rigor, uma regra de direito.
    A uma convicção subjectiva corresponderá sempre uma dúvida subjectiva.
    Só a uma convicção objectivável e motivável terá de corresponder a uma dúvida também ela objectivável e motivável. Ao pedir-se ao juiz, para a prova dos factos, uma convicção objectivável e motivável está-se a impedi-lo de decidir quando não tenha chegado a esse convencimento; ou seja, quando possa objectivar e motivar uma dúvida.
     Espera-se deste modo, que a decisão convença. Convença o juiz, no seu íntimo, mas contenha em si igualmente a virtualidade de convencer o arguido e, nele, a inteira comunidade jurídica. Esta aspira a reconhecer na sentença a marca do socialmente considerado justo; mas já não se crê que essa solução brote de uma radical sinceridade do julgador, como se de alguém iluminado se tratasse. Deve ela confiar agora na razoabilidade da decisão, na limpeza da argumentação, que conduz ao veredicto final. Confiar nos mecanismos de recurso, que supõem e exigem que se fale a mesma linguagem, que a uma razão se possa contrapor outra. Olhar menos para a irrepetível singularidade do juiz da causa - não importa tanto saber se aquela concreta pessoa teve ou não dúvida sobre o facto - do que para a ciência e discernimento que deve possuir em comum com qualquer outro julgador e o há-de levar, portanto, a uma avaliação da prova admissível por todos, pelo menos no seu conteúdo essencial. Um juiz médio, um cidadão médio, ter-se-ia convencido da veracidade daquele testemunho, da autenticidade daquele documento, da espontaneidade daquela confissão? Ou, pelo contrário, não poderia deixar de duvidar, com razoablidade, da ocorrência de determinado facto perante a prova produzida?
    Livre convicção e dúvida que impede a formação da convicção são a face e contra-face de uma mesma intenção: a de imprimir a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva.1
Sobre o princípio processual da livre apreciação da prova e valoração desta segundo a livre convicção do juiz, face a tuo o que se vem dizendo, “Uma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável e portanto arbitrária da prova produzida.”2
    Assim se conclui que o princípio estabelecido no artigo 114° do CPP significa que o valor dos meios de prova não está legalmente pré-estabelecido, devendo o tribunal valorar os meios de prova de acordo com a experiência comum e com a concorrência de critérios objectivos que permitam estabelecer um substrato racional de fundamentação e convicção.
    Ora, das razões aduzidas no acórdão recorrido a convicção do Juiz mostra-se concretizada, objectivada em provas, apreensível por um homem médio, não se podendo dizer que se levantam quaisquer dúviads que abalem aquela convicção do Tribunal.
    Assim se conclui no sentido de que tal princípio não foi postergado.

    4. E porque não se verifica esse vício, assim como qualquer outro não cabe ponderar a possibilidade, atento o disposto no art. 415º, n.° 1 do C. P. Penal, de renovação da prova.
    Para já não falar sequer na falta de observância do requisito formal constante do art. 402º, n.º 3 do CPP.

    5. Resta-nos abordar a questão da suspensão da execução da pena.
     Importa apreciar se, neste caso, a simples censura de facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, de forma a suspender a execução da pena de prisão como pretende o recorrente.
    O que vale por indagar se se verifica o pressuposto material exigido pelo art. 48°, n.° 1, do C. Penal que prevê:

    “1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
    (...)”
    Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável à salvaguarda das finalidades da punição.
    Juízo de prognose que não se observa no presente caso.
    É certo que o arguido é primário, mas para além disso mais nada se observa em termos pessoais que deponha em seu benefício.
    Não confessou, não se mostra integrado social, profissional, familiarmente, sendo já um homem maduro e numa idade da vida em que se requerem cidadãos úteis e válidos à sociedade.
Noutra perspectiva, há que ponderar ainda um outro requisito, qual seja o decorrente da necessidade de salvaguarda das razões da prevenção criminal.
E sob este ponto de vista, suspender a pena a um traficante de droga, - ainda que legalmente seja admissível – entende-se que neste caso concreto e nesta conjuntura espacial e temporal, analisando o ordenamento sócio-jurídico de Macau, é muito inconveniente.
     Importa não esquecer que o legislador foi sensível a alguma desadequação e severidade das penas do tráfico de estupefacientes, logrando um maior equilíbrio e adequação com a referida Lei 17/2009. Para além desse sinal, que se vem traduzindo na maioria dos casos num abaixamento das penalidades, dar um sinal de que se pode ainda baixar de um nível compatível com a gravidade desses crimes, não esquecendo como é óbvio a ilicitude e culpas concretas, pode ser entendido como dando um sinal errado à Sociedade.
     Baixar o grau de severidade de uma dada pena em situações como a presente pode significar laxismo e desproteger a Sociedade.
     Razões por que, ainda aqui, não merece censura a pena concreta arbitrada o recorrente, não se vendo razões bastantes para suspender a execução da pena de prisão.
    
    IV- DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 6 Ucs.
    Fixa.se ao Exmo Defensor, a título de honorários, a quantia de MOP 1200,00, a adiantar pelo GABPTUI

Macau, 22 de Julho de 2010,


João A. G. Gil de Oliveira
(Relator)
   
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
   
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 - P. 4P2791 de 1/7/04 STJ
2 - Figueiredo Dias, Dto Processual Penal, reimp.2004, 202
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330/2010 1/21