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Processo n.°: 37/2010 (Autos de revisão)
Requerentes:
A
B
Requerido:
C
Data: 29 de Julho de 2010

ASSUNTOS:
- Requisitos formais necessários para a confirmação


SUMÁRIO


1. Os requisitos necessários para a confirmação de decisão proferida por Tribunal do exterior de Macau são os constantes no artº 1200º do Código de Processo Civil.


Relator


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Tam Hio Wa
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.


Processo n.°: 37/2010 (Autos de revisão)
Requerentes:
A
B
Requerido:
C
Data: 29 de Julho de 2010



I. Relatório:

A e B, requerentes melhor identificados nos autos, vieram propor, nos termos do art.º 1199.º e seguintes do Código de Processo Civil, a presente “acção especial de revisão de sentença proferida por Tribunais do exterior de Macau”, contra o requerido C, melhor identificada nos autos, representado pelo Ministério Público, pedindo a revisão e confirmação da decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância da Região Administrativa Especial de Hong Kong, que decretou a incapacidade do Requerido e nomeou o respectivo Conselho de Curadores para administrar o seu património, com os poderes especificados nos parágrafos 2 a 15 da sentença a rever e confirmar.

Foi oportunamente citado o Ministério Público, na qualidade de representante do requerido, e este não deduziu qualquer oposição.

O Digno Magistrado do Ministério Público pronuncia-se no sentido de não vislumbrar obstáculo à revisão em causa.

Foram colhidos os vistos legais.


II. Fundamentação:

Pressupostos Processuais:
O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.

Factos:
Com relevo para a decisão a proferir, e atento o teor dos documentos juntos aos autos, dá-se como assente que:
- por decisão em 15.09.2009 proferida pelo Tribunal de Primeira Instância (The High Court) da Região Administrativa Especial de Hong Kong, Tribunal de Primeira Instância, Processo de Saúde Mental nº29 de 2009, foi decretada uma ordem judicial;
- na referida ordem judicial, foi decidido o seguinte :

“1. B e A sejam nomeados para o Conselho de Tutores do património de XXX nesta matéria, com os poderes apenas concedidos por esta Ordem Judicial ou por qualquer outra subsequente ordem, instrução ou autoridade do Tribunal.
2. O Conselho de Tutores seja autorizado, em nome e representação de XXX, a dar quaisquer avisos necessários para proceder a levantamentos, a receber e a dar quitação de: -
(a) toda ou qualquer soma de dinheiro creditada a XXX quer em conta corrente, conta de depósito, depósito a prazo ou outra, junto de qualquer banco autorizado, sociedade de investimento, banco privado, sociedade tomadora de depósitos, sociedade fiduciária a operar em Hong Kong ou noutra parte, quer sejam detidos em nome de XXX; conjuntamente com outros, ou por sociedades detidas por outrem em nome de XXX, e quaisquer investimentos detidos em nome de mandatários em qualquer instituição financeira, quer esta última se encontre em Hong Kong ou noutro local;
(b) todos e quaisquer valores mobiliários, acções, acções preferenciais e outros bens semelhantes detidos por XXX (quer seja individualmente; conjuntamente com outros ou por sociedades detidas por outrem em nome de XXX) e quaisquer investimentos detidos em nome de mandatários em qualquer instituição financeira, quer tal esta última se encontre em Hong Kong ou noutro local; e
(c) todos os dividendos, juros, pagamentos de fideicomissos, rendas, taxas de licenças, benefícios da segurança social e quaisquer outros rendimentos seja qual for a sua natureza ou origem, as quais XXX tenha direito (quer seja individualmente; conjuntamente com outros ou por sociedades detidas por outrem em nome de XXX), quer o acima referido se encontre em Hong Kong ou noutro local, ou conforme instruído pelo Tribunal.
3. O Conselho de Tutores seja autorizado a revogar, em nome e em representação de XXX, todos os mandatos e poderes dados por XXX conjuntamente com outros, a qualquer banco autorizado, sociedade de investimento, banco privado, sociedade tomadora de depósitos, corretor de bolsa, gestor de fundos, consultor financeiro ou administrador e outros que levem a cabo negócios em Hong Kong ou noutro local.
4. O Conselho de Tutores seja autorizado a abrir e a tratar de obter a abertura de quaisquer cofres de aluguer bancário em Hong Kong e outros locais, registados em nome de XXX (quer sozinho ou em conjunto com outros) e transferir os seus conteúdos para qualquer cofre de aluguer bancário (ou cofres) em nome do Conselho de Tutores os quais estão desde já autorizados a abrir.
5. O Conselho de Tutores seja autorizado a negociar com quaisquer dinheiros sob seu controle e pertencentes a XXX, bem como com quaisquer montantes recebidos pelo mesmo ao abrigo desta ordem judicial, da seguinte forma: -
(a) Pagar quaisquer tratamentos médicos; custos de cuidados de saúde e para o sustento diário de XXX;
(b) pagar quaisquer dívidas de XXX;
(c) continuar a manter e providenciar para as despesas dos filhos de XXX; Sra D; Sr. E; Sr. F e Sr. G, para preservar a situação verificada antes da hospitalização de XXX;
(d) pagar todas as despesas incidentais à manutenção dos bens imóveis e das sociedades pertencentes a XXX da forma e maneira que o Conselho de Tutores julgue apropriada;
(e) pagar as custas desta petição, como estipulado infra; e
(f) investir o excesso de acordo com as disposições do Regulamento Fiduciário (“Trustee Ordinance”), Cap 29.
6. O Conselho de Tutores seja autorizado a abrir conta ou contas bancárias e contas de títulos e/ou de investimento em nome do Conselho.
7. O Conselho de Tutores seja autorizado, de tempos em tempos, a contratar corretores de bolsa, agentes de bancos de investimento, consultores fiscais, contabilistas, procuradores e advogados que julguem necessários para prestarem consultoria relativamente aos bens e bens prévios de XXX (incluindo bens e bens prévios detidos conjuntamente com outros ou por sociedades detidas por outrem em nome de XXX), a quaisquer negócios ou transferências de bens e bens prévios (incluindo bens e bens prévios detidos conjuntamente com outros ou por sociedades detidas por outrem em nome de XXX), a investimentos e à gestão do património de XXX, à conduta deste Conselho de Tutores, e ainda, em geral, quanto a assuntos relacionados ou incidentais ao cumprimento dos deveres do Conselho de Tutores nos termos desta ou de qualquer outra ordem judicial subsequente e pagar com os bens de XXX os custos de todos esses consultores pelos actos que praticarem. Estes poderes e autorizações são aplicáveis em Hong Kong ou noutro local. Mais, o Conselho de Tutores deverá informar este Tribunal dentro de um prazo de 120 dias, oude qualquer outro que este tribunal venha a indicar, sobre os investimentos nos bens pessoais de XXX.
8. O Conselho de Tutores seja autorizado a tomar as medidas que julgue necessárias ou apropriadas para certificar e verificar a extensão dos bens de XXX situados em Hong Kong e noutros locais (incluindo bens detidos conjuntamente com outros ou em nome de sociedades detidaspor XXX em nome de outrem) e sejam autorizados a efectuar as diligências em nome e representação de XXX que considerem apropriados para tais fins.
9. Para evitar dúvidas, o Conselho de Tutores será indemnizado, a partir dos bens de XXX, de todos os custos e despesas razoáveis e apropriadas incorridas relativamente ou referentes ao cumprimento dos seus deveres na administração do património de XXX, incluindo todos os custos com consultores ou agentes profissionais contratados pelo Conselho de Tutores com o objectivo de cumprir os seus deveres na administração do património de XXX.
10. O Conselho de Tutores deverá apresentar um relatório de contas ao tribunal e fa-lo-á sempre que for necessário, desde que o faça pelo menos uma vez em cada ano civil a partir da data desta ordem e desde que, igualmente, o primeiro de tais relatórios de contas será referente ao período que finda a 27 de Agosto de 2010 e tal relatório de contas será submetido no prazo de 120 dias ou dentro de outro prazo conforme o tribunal venha a instruir no final daquele prazo.
11. O Conselho de Tutores seja autorizado a tomar posse de todas as procurações concedidas por XXX e todos os testamentos e averbamentos feitos por XXX e para efectuar as diligências em nome e representação de XXX, conforme considerar conveniente, relativamente ao teor de tais procurações, testamentos e averbamentos e instruções relacionadas com os mesmos, qualquer parecer (incluindo parecer jurídico) prestado a XXX em conexão com os mesmos e às circunstâncias em que tais procurações, testamentos e averbamentos.
12. Quaisquer valores mobiliários e quaisquer escrituras que pertençam a XXX deverão ser depositados em nome do Conselho de Tutores num cofre de aluguer bancário e deverão assim permanecer sujeitos a instruções do tribunal.
13. O Conselho de Tutores agirão sem prestar caução da qual ficam dispensados.
14. Nenhuma informação relacionada com estes autos, nem esta, nem qualquer outra ordem subsequente nestes autos será publicada, salvo se necessário para produzir os seus efeitos ou para poderem ser implementados os seus termos, ou ainda conforme venha a ser expressamente autorizado por uma ordem deste Tribunal.
15. O Conselho de Tutores seja autorizado a conduzir quaisquer procedimentos judiciais em nome ou representação de XXX e seja livre de instruir, às custas de XXX, procuradores e advogados em Hong Kong e no estrangeiro, que sejam, em geral, relacionados com ou incidentais ao cumprimento dos seus deveres ao abrigo desta ordem ou outra posterior a esta.
16. Sujeito a melhor especificação a requerimento das partes.”

Direito:
Os requisitos necessários para a confirmação de decisão proferida por Tribunal do exterior de Macau são os constantes no artº 1200º do Código de Processo Civil.

Prevê o artigo 1200º do Código de Processo Civil :
“1.Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”

Analisada a decisão em causa, constata-se que não se suscitam dúvidas sobre a autenticidade do documento porque se trata de um documento autêntico devidamente selado e traduzido, certificando-se uma decisão proferida em recurso pelo Tribunal de Primeira Instância (The High Court) da Região Administrativa Especial de Hong Kong, Tribunal de Primeira Instância, em 15.09.2009, e mostrando-se-nos ser o seu conteúdo compreensível e inteligível, e, assim, satisfeito o requisito estatuído na al. a) do citado art. 1200º.

Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, dispõe o artigo 1204º do Código de Processo Civil :
“O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”.
Tal entendimento já existia no domínio do regime anterior, previsto no art.1101º do Código de Processo Civil de 1961, entendendo-se que, quanto àqueles requisitos, geralmente, bastaria ao requerente a sua invocação, ficando dispensado de fazer a sua prova positiva e directa, já que os mesmos se presumiam1.
É este, igualmente, o entendimento que tem sido seguido pela Jurisprudência de Macau.2
Ora, nada resulta dos autos ou do conhecimento oficioso do Tribunal, no sentido da não verificação desses requisitos.

Já a matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau está prevista no artigo 20º do Código de Processo Civil :
“A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Macau;
b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.”
Ora, facilmente se observa que nenhuma das situações contempladas neste preceito se verifica no caso presente, tratando-se aqui da revisão de uma decisão judicial que decretou a incapacidade do requerido por anomalia psíquica e nomeou o respectivo Conselho de Curadores para administrar o seu património.

Quanto ao requisito da ordem pública, prevista na al.f) do art.1200º do Código de Processo Civil, no caso em apreço, em que se pretende confirmar a sentença que decretou a incapacidade do requerido por anomalia psíquica e nomeou o respectivo Conselho de Curadores para administrar o seu património, não se verifica qualquer violação ou incompatibilidade com os princípios fundamentais do ordenamento jurídico da RAEM, e, consequentemente, não contraria a ordem pública de Macau, porquanto é também nesta admitido, nos termos dos art.s 122º a 139º do Código Civil.

Pelo exposto, é de proceder o pedido de confirmação de sentença do Exterior.


III. Decisão:

Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder a solicitada revisão, confirmando-se a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância (The High Court) da Região Administrativa Especial de Hong Kong, que decretou a incapacidade do Requerido por anomalia psíquica e nomeou o respectivo Conselho de Curadores para administrar o seu património, nos seus precisos termos.

Custas pelos requerentes.
Notifique.






29 de Julho de 2010


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Tam Hio Wa (Relator)


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Lai Kin Hong (Primeiro Juiz-Adjunto)


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Choi Mou Pan (Segundo Juiz-Adjunto)
1 - Alberto dos Reis, Processos Especiais, Vol.II, Coimbra Editora, pg.163 e Acs do STJ de 11/2/66, BMJ, 154-278 e de 24/10/69, BMJ, 190-275
2 - cfr. Ac. TSI de proc.187/2001 de 21/3/2002, de proc. 134/2002 de 24/4/2002, de proc.21/2003 de 30/10/2003, de proc.308/2006 de 7/12/2006, entre outros
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37/2010 p.1/14