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Processo n.º 545/2010 Data do acórdão: 2010-9-20
 Assuntos:
– art.o 355.o, n.o 2, do Código de Processo Penal
– análise crítica das provas
S U M Á R I O
O art.o 355.o, n.o 2, do Código de Processo Penal não impõe a obrigatoriedade da feitura, na parte da fundamentação da sentença, da análise crítica das provas, mas sim já a obrigatoriedade da indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
O relator,

Chan Kuong Seng

Processo n.º 545/2010
(Recurso penal)
Recorrentes: A e B
Tribunal a quo: 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
1. A e B, arguidos já melhor identificados no processo comum colectivo n.º CR3-09-0103-PCC do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, vieram recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, do acórdão aí proferido em 26 de Maio de 2010, que nomeadamente os condenou como co-autores materiais, na forma consumada, de dois crimes de lenocínio, p. e p. pelo art.o 163.o do Código Penal de Macau (CP), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão por cada, e de um crime de exploração de prostituição, p. e p. pelo art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 6/97/M, de 30 de Julho, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, e de três crimes de acolhimento, p. e p. pelo art.o 15.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto, na pena de 7 (sete) meses de prisão por cada, e ainda de um crime agravado de acolhimento, p. e p. pelo art.o 15.o, n.o 2, da mesma Lei n.o 6/2004, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, e, assim, em cúmulo jurídico de todos os sete crimes referidos, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão (cfr. o teor do acórdão em causa, a fls. 594 a 603 dos presentes autos correspondentes).
Para o efeito, a 1.a arguida A colocou materialmente duas questões seguintes na sua motivação (de fls. 610 a 618v dos autos), para rogar a invalidação da decisão recorrida e a sua abolvição:
– 1.a) falta de fundamentação, geradora da nulidade da decisão condenatória);
– 2.a) e insubsistência fáctica da sua condenação.
Enquanto o 2.o arguido B, na sua motivação (de fls. 621 a 634), para além de arguir o vício de falta de fundamentação nos mesmos termos colocados pela 1.a arguida, imputou também ao Tribunal a quo o vício de erro notório na apreciação da prova com simultânea violação do princípio in dubio pro reo, a fim de pedir a revogação do acórdão recorrido e a sua absolvição, ou, subsidiariamente, a anulação do julgamento, ou o reenvio do processo para novo julgamento.
Aos recursos respondeu a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal a quo, pugnando pela improcedência (cfr. o teor das respostas a fls. 639 a 641v e a fls. 642 a 646v dos autos).
Subidos os recursos para esta Segunda Instância, a Digna Procuradora-Adjunta emitiu douto parecer (a fls. 657 a 658v), no sentido de manifesta improcedência dos recursos.
Feito o exame preliminar (em sede do qual se entendeu deverem ser rejeitados os recursos por manifestamente infundados) e corridos os vistos, cumpre decidir.
2. Para o efeito, e após examinados todos os elementos constantes dos autos, mormente o teor da fundamentação fáctico-jurídica do acórdão recorrido (cujo teor se dá aqui por totalmente reproduzido para todos os efeitos legais), mostra-se indicada, por razões a expor infra, a rejeição dos dois recursos sub judice, devido à evidente improcedência das questões objecto dos mesmos.
A propósito da primeira das duas questões colocadas como objecto do seu recurso, entende a 1.a arguida ora recorrente que a mera indicação dos elementos de prova não basta, pois impede a comprovação se na decisão recorrida se terá seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova e se a mesma decisão não seja uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum na apreciação da prova. Outrossim, entende também que o acórdão recorrido é manifestamente omisso quanto aos fundamentos que levaram à escolha e à medida da sanção aplicada, porque aí se limitou a indicar o art.o 65.o do CP.
Quanto à primeira questão, claramente não assiste razão à recorrente, porquanto atento o teor concreto da fundamentação do acórdão recorrido, este já satisfaz todas as exigências obrigatórias formais do n.o 2 do art.o 355.o do Código de Processo Penal (CPP), segundo o qual ao relatório da sentença, se segue “a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”, norma processual essa que, de acordo com a abundante jurisprudência constante deste Tribunal de Segunda Instância, não impõe a obrigatoriedade da feitura, na fundamentação da sentença, da análise crítica das provas, mas sim já a obrigatoriedade da indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Por outro lado, lido o mesmo teor concreto da fundamentação do acórdão recorrido (veja-se os as Partes 3 e 4 desse texto decisório, a fls. 601 a 602 dos autos), também se pode concluir com facilidade que já foram explicitados os fundamentos da escolha e da medida da pena, sendo de frisar que o Tribunal recorrido não se limitou a indicar o art.o 65.o do CP para fundamentar a sua decisão na medida concreta da pena, mas sim deixou também consignado no seu aresto as considerações tidas por pertinentes à medida da pena (veja-se a seguinte metade da página 16 do acórdão recorrido, a fl. 601v dos autos).
Da mesma maneira, resulta do mesmo texto decisório ora recorrido a clara subsistência legal da condenação da arguida pela prática dos crimes por que vinha condenada pela Primeira Instância, por estarem verificados todos os pressupostos fáctico-jurídicos da sua condenação e da medida concreta da respectiva pena, nos termos já legal, sensata e equilibradamente feitos no acórdão impugnado.
Improcede, pois, manifestamente o recurso da arguida.
E agora no concernente ao recurso do 2.o arguido B, este opina que há falta de fundamentação e há erro notório na apreciação da prova (defendendo ele que da leitura atenta das declarações para memória futura constantes dos presentes autos, resulta que ele não obrigou as senhoras em questão à prática de quaisquer actos de natureza sexual, pelo que “a generalidade dos cidadãos, ao ser confrontada com a leitura das declarações para memória futura não pode deixar de considerar como não provados os crimes de exploração de prostituição e de lenocínio por que o ora recorrente foi condenado).
Ora, por força das mesmas considerações já acima tecidas na apreciação da primeira questão fundamento do recurso da 1.a arguida, não pode deixar de naufragar também a primeira parte do recurso deste arguido (alegada nos mesmos termos do que os da arguida), posto que não há, de facto, qualquer falta de fundamentação no acórdão recorrido.
E no tangente ao assacado erro notório na apreciação da prova, há que atender a que a livre convicção do Colectivo a quo não se formou através da apreciação isolada do conteúdo das declarações para memória futura (das senhoras em questão) constantes dos autos e lidas na audiência, mas sim mediante a análise crítica e global de todos os elementos então carreados aos autos, mormente essas declarações para memória futura e todas as declarações de outras pessoas prestadas na audiência contraditória (veja-se as explicações dadas a partir do 3.o parágrafo da página 13 e até ao 3.o parágrafo da página 15 do texto do acórdão impugnado, a fls. 600 a 601). E não se vislumbrando que o resultado do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal recorrido não esteja em conformidade com as regras da experiência da vida humana na normalidade de situações, ou com as legis artis neste tipo de tarefas jurisdicionais, e enquanto também não há nenhuma norma a impor no caso dos autos qualquer meio de prova com força probatória plena, não é sindicável a livre convicção a que chegaram, nos termos do art.o 114.o do CPP, os Mm.os Julgadores do Colectivo recorrido. Daí que também não pode ter havido in casu ofensa ao princípio in dubio pro reo.
É, assim, de rejeitar os dois recursos, como pugnou a Digna Procuradora-Adjunta no seu douto parecer.
  3. Dest’arte, acordam em rejeitar os recursos da arguida A e do arguido B, com custas pelos mesmos, com três UC de taxa de justiça individual e três UC de sanção individual pela rejeição.

Macau, 20 de Setembro de 2010.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Segunda Juíza-Adjunta)



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