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Processo nº 407/2010
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os sinais dos autos, requereu ao Director dos Serviços de Identificação de Macau a emissão de um Certificado de Registo Criminal.

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Oportunamente, foi o peticionado certificado emitido com a menção de que o requerente tinha sido condenado pela prática de um crime de “usura”.

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Inconformado com o teor do mencionado certificado, o requerente reclamou, vindo a reclamação se ser indeferida.

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Novamente, inconformado com a decisão de indeferimento da sua reclamação, da mesma recorreu para o Mm° Juiz titular do processo no qual foi condenado pelo referido crime de “usura”.

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Por despacho, foi o mesmo rejeitado.

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Ainda inconformado, traz o mesmo requerente o presente recurso, alegando para concluir o que segue:
“(i) Fundamentação do Tribunal a quo
1. O Tribunal a quo indeferiu/rejeitou o “recurso” interposto pelo recorrente, cujos motivos são: primeiro, o acto recorrido não é um acto administrativo definitivo; e, segundo, o Tribunal a quo não é competente.
(ii) O acto administrativo recorrido é definitivo
2. Em primeiro lugar, segundo a estrutura administrativa vigente da R.A.E.M., a D.S.I. é um serviço ordinário hierarquicamente dependente da Secretária para a Administração e Justiça, e, nos termos do art.º 2º, n.º 1, al. (6) do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, a Secretária para Administração e Justiça exerce as competências na governação da área de identificação civil e criminal. Mais, as competências exercidas pela D.S.I. no mesmo assunto são desdobradas pormenorizada e rigorosamente por lei (vide art.º 2º do Decreto-Lei n.º 31/94/M).
3. Aparentemente, a D.S.I. exerce as competências que também exerce a Secretária para Administração e Justiça, pelo que, in casu, parece que o despacho da D.S.I. não é definitivo, uma vez que a referida Direcção exerceu a competência concorrente.
4. Contudo, podemos ilidir a suspeitada “resposta correcta” acima referida com base no art.º 33º do Decreto-Lei n.º 27/96/M, por outras palavras, in casu, o despacho da D.S.I. é definitivo, já que a referida Direcção estava a exercer as suas competências exclusivas.
5. À luz do art.º 2º, al. b) do Decreto-Lei n.º 31/94/M e do art.º 33º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 27/96/M, concluímos que o legislador pretende indicar nas referidas disposições que, de facto, a D.S.I. estava a exercer as suas competências exclusivas quando proferiu a decisão perante a aludida reclamação, caso contrário, o legislador não precisa de salientar que “cabendo recurso da sua decisão”.
6. Daí, verificamos que o despacho recorrido é um acto administrativo definitivo, por isso, é desnecessária a interposição do recurso hierárquico necessário previsto no Código do Procedimento Administrativo.
7. A par disso, perante as informações erradas fornecidas pela D.S.I., não se deve existir efeito que altera a disposição legal, sendo esta a ideia extraída do teor da página 8 do acórdão do processo de recurso n.º 130/2005 do T.S.I..
8. Pelo acima exposto, o despacho recorrido violou o disposto no art.º 33º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 27/96/M.
(iii) O Tribunal a quo com competência
9. A 2ª questão supramencionada foi resolvida automaticamente logo após a resolução da 1ª questão, já que o n.º 2 do art.º 33º do Decreto-Lei n.º 27/96/M dispõe expressamente que “o recurso sobre a legalidade da transcrição nos certificados de registo criminal é interposto para o tribunal com competência para a execução das penas e medidas de segurança, que decide em definitivo”; com esta disposição revela-se que o Juízo Criminal é competente para julgar o “recurso” interposto pelo recorrente.
10. Pelo exposto, o despacho recorrido violou o disposto no art.º 33º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 27/96/M.”

A final pede:
“- a revogação do despacho recorrido por padecer de erro na interpretação do disposto no art.º 33º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 27/96/M; e
- o reenvio dos autos ao Tribunal a quo para apreciação da questão do “recurso” interposto pelo recorrente.
Mais se requer aos Venerandos Juizes do T.S.I. que façam justiça como sempre.”; (cfr., fls. 4 a 7 e 33 a 44).

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Respondendo, pugna o Exm° Magistrado do Ministério Público pela rejeição do recurso.
Em sede de conclusões, afirma que:
“1- A transcrição e o acesso à informação, no âmbito do DL no. 27/96/M, são realidades distintas;
2- A transcrição consiste no lavrar dos factos constantes do art. 3° materializado pela remessa dos boletins do registo criminal que é da responsabilidade do escrivão de direito da secção nos termos do art. 5° n°. 2;
3- Enquanto o acesso à informação é o conhecimento dos factos referidos, e anteriormente transcritos, através de várias formas sendo a mais vulgar o certificado de registo criminal ao abrigo do art. 10° no. 1 al. b).
4- Nos termos do no. 2 do art. 33° o recurso sobre a legalidade da transcrição é competência do tribunal de execução das penas, o que é lógico e razoável, ou seja, um juiz de primeira instância a conhecer um acto do escrivão que reveste de natureza judicial;
5- O deferimento de acesso e o seu conteúdo é manifestamente um acto administrativo cuja reclamação cabe ao Director dos SIM nos termos do art. 33° no. 1, pelo que o seu recurso só pode revestir de carácter administrativo, ou seja, um tribunal administrativo a conhecer a decisão de um órgão administrativo;
6- In casu, o pedido de certificado de registo criminal cujo conteúdo o Recorrente entendeu como "excessivo", é manifestamente uma questão de acesso à informação e do seu conteúdo que deve enquadrar no âmbito do no. 1 do art. 33°;
7 - Pelo que não é da competência do tribunal de execução das penas - o Tribunal Judicial de Base;
8- O Recorrente invocou erroneamente o 2 do art. 33° do DL no. 27/96/M.”;(cfr., fls. 8 a 9-v).

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Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I..

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Em sede de vista, emitiu o Exm° Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Assenta o recorrente ''parte de leão" da sua argumentação sobre questão que, bem vistas as coisas, se revela absolutamente inócua para devida análise do douto despacho em crise.
Com efeito, tendo o recurso pelo mesmo interposto para o tribunal com competência para execução de penas sido rejeitado por incompetência do mesmo, deferindo tal competência para a instância administrativa, revela-se irrelevante o escrutínio sobre a existência ou formação de eventual acto administrativo, se o mesmo é ou não verticalmente definitivo e qual a influência da (porventura) indevida notificação efectuada a tal propósito : a única. questão a dirimir, na presente fase, é se o tribunal "a quo" é ou não competente para a apreciação do recurso interposto, quedando-se as questões apontadas com eventual interesse quando e se a questão vier a ser apreciada na sede própria, em sede administrativa.
Posto isto, quanto àquela questão fundamental, afigura-se-nos assistir inteira razão ao Exmo Colega junto da 1ª instância, ao vaticinar que o recorrente, para efeitos da argumentação respectiva, terá confundido o acesso à informação e seu conteúdo com a transcrição dos boletins de registo criminal.
O recorrente não contesta que o que se mostra transcrito no seu boletim corresponde ao que, efectivamente, ali havia que ser registado em face da sua condenação : o que se não conforma é com o facto de, tendo já cumprido a pena respectiva e mostrando-se expirado o período de interdição de entrada nos casinos da Região, continue a existir acesso a tal conteúdo no certificado de registo criminal que requereu, para efeitos de permanência na RAEM.
Trata-se, pois, inequivocamente, de situação abrangida pelo n° 1, que não pelo n° 2 do art° 33° do Dec Lei 27/96/M, a ser dirimida por via administrativa, pelo que não merece, em nosso critério, reparo o decidido.”;(cfr., fls. 46 a 47).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

2. O presente recurso tem como objecto o despacho do Mmº Juiz do T.J.B. que perante o recurso pelo ora recorrente interposto do despacho do Director dos Serviços de Identificação que indeferiu reclamação pelo mesmo apresentada, decidiu não admitir o recurso, por entender que para tal, competente era o Mmº Juiz do Tribnal Administrativo, e dado que o acto em causa não era um “acto administrativo definitivo”.

Vejamos se o assim decidido merece censura.

— Começa-se por dizer que o acto em questão deve ser considerado um “acto administrativo definitivo”, pois que proferido em sede de reclamação e no uso de competência própria de quem o praticou.

— Todavia, tal não resolve a questão colocada, pois que para se saber se o recurso apresentado ao Mmº Juiz do T.J.B. devia ser admitido importa ainda ver se era o mesmo competente para a sua apreciação.

Ora, preceitua o art. 33º do D.L. nº 27/96/M de 03.06 que:
“1. Compete ao director dos SIM decidir sobre as reclamações respeitantes ao acesso à informação em matéria de identificação criminal e seu conteúdo, cabendo recurso da sua decisão.
2. O recurso sobre a legalidade da transcrição nos certificados de registo criminal é interposto para o tribunal com competência para a execução das penas e medidas de segurança, que decide em definitivo.”

E, atento o assim estatuído, (e na sua resposta) é o Exmº Magistrado do Ministério Público de opinião que “o Recorrente confunde os conceitos de "acesso à informação" (查閱) e "transcrição" (轉錄), objectos de recurso em instâncias distintas constantes dos no. 1 e 2 do art. 33°”.

Considerando também que “In casu, o Requerente pede um certificado de registo criminal cujo conteúdo se entendeu como "excessivo" (過度), e embora tal expressão seja ambígua, seguramente se enquadra no âmbito de "acesso à informação e questão do seu conteúdo") previsto no no. 1 e nunca uma questão de "transcrição" previsto no no. 2.”.

Conclui assim que “a competência do recurso não é do tribunal de execução da pena - o Tribunal Judicial de Base.”.

Sem prejuízo do muito respeito por entendimento em sentido diverso, cremos porém que não é de subscrever o assim considerado, pois que, para além do demais, outro é o nosso entedimento sobre a expressão “transcrição”.

De facto, atente-se no preceituado no art. 27º do mesmo diploma legal, onde, sob a epígrafe “Não transcrição das decisões” se estatui que:
“1. Os tribunais que condenem em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se refere o artigo 21.º
2. No caso de ter sido aplicada qualquer interdição, apenas será observado o disposto no número anterior findo o prazo da mesma.
3. O cancelamento previsto no n.º 1 é revogado automaticamente no caso de o interessado incorrer em nova condenação por crime doloso.”

Em conformidade com o assim disposto, e sendo que o mencionado art. 21º também se refere a “certificados de registo criminal”, parece-nos razoável concluir que a “transcrição” em causa será a actividade levada a cabo pelos Serviços de Identificação, e que consiste em “transpor” para o certificado de registo criminal os dados que dispõe de acordo com as informações que lhe foram remetidas pelos serviços ou autoridades competentes.

Por sua vez, também a própria redacção do art. 33º, cremos nós, inculc a a ideia de que o “recurso sobre o conteúdo do registo criminal” referido no seu n° 1, é o mesmo “recurso” referido no seu n° 2, sobre a “legalidade da transcrição”, sendo o caso dos presentes autos.

Por fim, afigura-se-nos igualmente que faz também sentido que seja o “Tribunal com competência para a execução das penas” o competente para reconhecer do recurso em questão, pois que, não obstante tratar-se de um “acto praticado por um órgão administrativo” – o que também sucede, v,g., com os “recursos judiciais sobre marcas” que são apreciados pelo Juiz Civil do T.J.B. – é de facto aquele Tribunal o que, (em princípio), mais bem informado estará sobre as condenações proferidas e que devem constar do (ou ser transcritas para o) certificado de registo criminal.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos expostos, acordam julgar procedente o recurso;

Sem tributação.

Honorários ao Ilustre Defensor no montante de MOP$1,800.00.

Macau, aos 22 de Julho de 2010

José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
João A. G. Gil de Oliveira
Proc. 407/2010 Pág. 14

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