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Recurso nº 594/2010
Data : 14 de Outubro de 2010
   
Assuntos: - Tráfico de estupefacientes
- Medida da Pena
- Atenuação Livre
- Erro notório na apreciação da prova
- Questão de direito

   
   
Sumário
1. A eventual falta de fazer subsumir os factos provados na previsão legal do disposto no artigo 18º da Lei 17/2009 não incorre no vício de erro notório na apreciação da prova, mas sim é meramente uma questão de direito.
2. O artigo 18° da Lei n° 17/2009 prevê um regime de atenuação especial livre da pena e até da isenção da mesma, àquele que delata às autoridades, auxiliando na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura dos outros responsáveis, e que presumivelmente tinha práticado os crimes relacionados ao tráfico de estupefaciente, crimes estes que são qualificados como crimes de gravidade notória e cominados legamente com penas mais pesadas.
3. Para quem tinha praticado este tipo do crime poder beneficiar esta atenuação livre pressupõe um contributo excepcional, um contributo significativo na repressão do tráfico de drogas, nomeadamente na descoberta e no desmantelamento de organizações ou redes que têm por fim traficar drogas, ou seja, tal contributo do agente de crimes de tráfico de drogas deve ser tão grande que, de alguma maneira, repara largamente o mal causado pelas próprias actividades criminosas.
4. Não é apto de beneficiar esta referida atenuação Livre o facto de que o agente indica às autoridades o seu fornecedor sem qualquer relevo estrutural.
O Relator,
Choi Mou Pan


Recurso nº 594/2010
Recorrente: A



Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
   O arguido A respondeu nos autos do Processo Comum Colectivo nº CR3-09-0257 perante o Tribunal Judicial de Base.
   
   Realizada a audiência do julgamento, o Tribunal Colectivo proferiu acórdão decidindo:
   Condenar o arguido A na pena de 9 anos e 6 meses de prisão efectiva pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 crime de tráfico ilícito de estupefaciente e de substâncias psicotrópicas previsto no n.º 1 do art. 8º da Lei n.º 17/2009.
   
   Inconformado com a decisão, recorreu o arguido A que motivou, em síntese, o seguinte:
1. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão que condenou o ora Recorrente pela prática do crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p.p. pelo n° 1 do artigo 8° da Lei n° 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de 9 anos e seis meses de prisão, pelo facto de tal condenação ter padecido de erro notório na apreciação da prova, nos termos da alínea c) do n° 2 do artigo 400° do CPP, o qual resulta da não aplicação in casu do disposto do n.º 2 do art. 18° do Decreto-Lei n.º 5/91/M;
2. Resulta do Douto Acórdão recorrido que “Na colaboração do arguido com a polícia Judiciária de Macau e com a polícia Judiciária de Hong Kong, a Polícia Judiciária de Hong Kong prendeu um suspeito que ia receber o pacote de droga em Hong Kong, e que de acordo com o art. 18°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 5/91/M, o arguido que fornecer provas importantes para deter outros criminosos, pode atenuar a pena, no entanto este disposto não é aplicável automaticamente para atenuar a pena ao arguido, para aplicar este disposto, o acto do arguido tem que ter o pressuposto que o acto é suficiente para praticar o facto.
No presente processo apesar do arguido ter ajudado a Polícia Judiciária, mas negou os crimes que foi acusado, o acto do arguido não é suficiente para atenuar a culpa cometida, portanto não está em condições para ser-lhe aplicada a atenuação prevista no referido artigo.” - Tradução livre.
3. Na decisão Recorrida está bem presente a colaboração do arguido, bem como, o decisivo contributo para a detenção do referido individuo, pois sem o seu contributo não era possível a sua detenção.
4. Tendo sido a conduta do arguido de uma importância vital na detenção de um indivíduo deveras importante no tráfico de estupefacientes, atenta a quantidade de estupefaciente apreendida.
5. E a sua conduta integra-se e preenche os requisitos legais do art. 18, n.º 2 do Decreto Lei n.o 5/91/M, aí estabelecendo o legislador um regime especial de atenuação da pena para o agente do crime, que mergulha a sua consagração em razões de política criminal, visando a eficácia do combate ao tráfico de estupefacientes, atenta da sua repressão e desarticulação.
6. Não se deslumbra no referido comando legal que o mesmo não seja aplicável ao ora Recorrente, conforme incorrectamente ficou determinado no acórdão recorrido.
7. Por não ter o legislador prevista expressamente a situação de excluir da aplicabilidade de tal normativo os casos de agentes do crime que venham a negar o cometimento dos factos.
8. Devendo o ora Recorrente ser havido como agente para os efeitos do artigo 18°, n.° 2, independentemente de aceitar in toto a acusação se encontra aí referida, ou ao invés defender-se dos factos da acusação que sejam inverdadeiros;
9. Relevando, para efeitos da aplicação da atenuação especial da pena previstos na lei, o comportamento demonstrado em toda a fase de investigação criminal, que conduza efectivamente à identificação ou captura de outros responsáveis, talqualmente aconteceu nos vertentes autos;
10. Tendo o Douto Tribunal recorrido dado como provado que a conduta de colaboração do ora Recorrente com as Polícias Judiciárias de Macau e Hong Kong conduziu à prisão de um suspeito que ia receber o pacote de estupefacientes em Hong Kong.
11. Situação que se enquadra na previsão legal do art.º 18, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, e que deveria determinar que ao recorrente fosse aplicada a atenuação especial da pena, o que se pugna venha a ser consagrado no Douto acórdão a ser proferido por esse Venerando Tribunal.
12. Atendendo à moldura penal do crime porque vinha acusado o ora Recorrente, e atendendo ao dispositivo legal do art. 67º do Código Penal de Macau, deverá determinar a aplicação em concreto numa pena de prisão nunca superior a quatro anos de prisão, tendo em atenção também que o recorrente é primário.
13. Laborou assim o acórdão recorrido em erro na apreciação da prova, previsto da alínea c) do n° 2 do artigo 400º do CPP, ao não subsumir os factos dados como provados na previsão legal do art. 18, n.° 2 do Decreto-Lei 5/91/M, pelo que deve ser revogado nessa parte, devendo ser proferido Douto acórdão por esse tribunal de recurso, que consagre a atenuação especial da pena imposta ao Recorrente, e em dosiometria concreta que não exceda os quatro anos de prisão.
   
   Ao recurso respondeu o Ministério Público que concluiu que:
1. O recorrente questionou o douto acordão do tribunal a quo, recorrendo o vício por erro na apreciação da prova por o tribunal a quo não ter aplicada a atenuação especial da pena ao recorrente apesar ter entendido que o recorrente tenha ajudado a Polícia Judiciária pela detenção de um indivíduo em Hong Kong.
2. Como se sabe, a aplicação da atenuação especial da pena ou da dispensa da pena, prevista naquele preceito n.º 2 do art°. 18° do citado diploma legal não é automática, pois esse mecanismo é feita em função da livre resolução do julgador, tendo em conta as circunstâncias apuradas na situação concreta considerada, a serem avaliadas caso a caso.
3. Para que ao abrigo do preceituado do n.º 2 do art°. 18° do D.L. 5/91/M, se pondere na possibilidade de atenuação especial da pena ao autor de um crime de tráfico de estupefacientes, necessário é que tenha o mesmo contribuído significativamente na repressão de tal ilícito, contribuído, nomeadamente na descoberta e desmantelamento de organizações ou grupos que se dedicam à sua prática.
4. Anota-se que a aplicação da atenuação especial é configurada como uma atenuação extraordinária e só deve operar quando existir um circunstancialismo anterior ou posterior ao crime, ou contemporâneo dele, que diminua por forma atenuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
5. No caso sub judice, o recorrente apesar ter colaborado com a Polícia Judiciária pela detenção de um indivíduo em Hong Kong, de facto, negou os factos que lhe foram imputados na acusação.
6. Sem confissão integral e sem reservas dos factos, não existe qualquer sincero arrependimento do recorrente e atendendo as quantidades da droga em questão nos autos e as circunstâncias fácticas provadas, reclama sempre a necessidade da pena, pelo que nunca seria possível accionar o mecanismo em si não automático, de atenuação especial da pena prevista no art°. 18° n°. 2 daquele diploma legal.
7. Como tem sido entendido, “A atenuação especial da pena a que se refere o art°. 18° n° 2 do D.L. 5/91/M é medida de caracter excepcional, e assenta em razões de política criminal no combate ao tráfico de estupefacientes. Visa, (nomeadamente), premiar os membros dos grupos que colaboram com as autoridades, permitindo a captura dos restantes membros, não sendo de se aplicar a arguidos que apenas denunciam o seu fornecedor, e que, posteriormente, em audiência de julgamento, se mantém em silêncio.(Acor. do T.S.I. n° 80/2004, de 2004/4/29).”
8. “1. Em processo penal, inexiste, da parte do arguido, um dever de colaboração com a justiça, devendo prestar declarações quando para tal solicitado. Todavia, se é certo que o seu silêncio em nada o deve prejudicar ou desfavorecer, não deve, também, beneficiá-lo. 2. Assim, se em audiência de julgamento, assumiu o arguido uma posição de absoluto silêncio, e ainda em sede de inquérito tenha colaborado na identificação de um seu co-arguido, não deve o mesmo beneficiar da atenuação especial da pena prevista no art°. 18° do D.L. 5/91/M, já que patente é a sua falta de confissão e de arrependimento.
9. Pelo exposto, o tal fundamento deve ser rejeitado.
Nestes termos e nos demais de direito, deve V. Excelências Venerandos JuÍzes julgar o recurso improcedente, mantendo o douto acordão recorrido em Íntegra.
   
   Nesta instância, a Digna Procurador-Adjunto apresentou o seu douto parecer que se o seguinte:
   Subscrevemos as judiciosas considerações vertidas na resposta à motivação.
   Vejamos.
   Coloca-se, “in casu”, a questão da aplicação da norma do art. 18° da Lei n.º 17/2009 - correspondente à do art. 18º, nº 2, do Dec-Lei nº 5/91/M.
   Está em causa a interpretação do seguinte segmento dessa norma:
   “... se o agente ... auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou haver lugar à dispensa de pena”.
   Conforme se sabe, a disposição premial em apreço mergulha em razões de política criminal, visando a eficácia do combate ao tráfico de estupefacientes, atenta a necessidade da sua repressão e desarticulação.
   E, como tem decidido o nosso mais Alto Tribunal - reportando-se ao comando do art. 18°, n.º. 2, do Dec-Lei n.º 5/91/M – “aplica-se sobretudo àquele que delata às autoridades, auxiliando na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura dos outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações que se dediquem ao tráfico de estupefacientes.” (cfr. acs. proferidos nos procs. nºs. 21/2003, 22/2003 e 16/2003, os dois primeiros em 8-10-2003 e o terceiro em 15-10-2003).
   Pode aplicar-se, entretanto, igualmente, “àquele que permita a identificação ou captura de simples indivíduos (um ou mais) que, pela sua particular danosidade social - designadamente, por aliciarem menores, pela dimensão do tráfico, pela duração da actividade criminosa, pelos meios utilizados, pela sua sofisticação - justifique a concessão do benefício ao delator” (cfr. acs. cits.).
   Ora, é patente, no caso presente, que a mencionada delação não merece a concessão do benefício em análise.
   A disposição em questão, por outro lado, está associada, naturalmente, à figura do “arrependido”.
   E o arrependimento pressupõe, necessariamente, a confissão.
   Ora, na hipótese vertente, o arguido não assumiu a sua responsabilidade.
   A pena aplicada, tudo ponderado, não pode deixar de ter-se como justa e equilibrada.
   A favor do recorrente, desde logo, nada de significativo se apurou. O facto de ser primário, nomeadamente, tem um valor despiciendo.
   Em termos agravativos, há que destacar, em especial, a grande quantidade de droga apreendida.
   Deve, pelo exposto, o recurso ser julgado manifestamente improcedente (com a sua consequente rejeição, nos termos dos artºs. 407°, n.º 3-c, 409°, n.º 2-a e 410°, do C. P. Penal).
   
   Cumpre conhecer.
   Foram colhidos os vistos dos juizes-adjuntos.
   
   À matéria de facto, foi dada por assente a factualidade que consta das fls. 321 a 324v. 1
1. No dia 3 de Maio de 2009, por volta das 11h30, os agentes da Polícia Jurídica interceptaram o arguido A na área de bagagens do edifício de posto fronteiriço do Aeroporto Internacional de Macau, levaram-no posteriormente ao gabinete da PJ no aeroporto para feitos de averiguação. O arguido acabou de chegar ao Aeroporto Internacional de Macau por volta das 11 horas no voo n.º XXXX da AirMacau, vindo de Banguecoque da Tailândia.
2. No gabinete da PJ no aeroporto, os agentes encontraram na divisão interna da parte inferior da mala preta, de marca “Ameirican Tourister”, levada pelo arguido A, um saco de pó branco embrulhado pelo adesivo preto; e encontraram ainda na posse do arguido A um telemóvel de marca “NOKIA”, dois telemóveis de marca “SONY ERICSSON”, quatro cartões SIM, três baterias, dois documentos de bilhetes electrónicos, uma etiqueta de bagagem, um canhoto do bilhete de avião e dois papéis de nota.
3. Submetido a exame laboratorial, ficou provado que o pó branco acima referido continha substância de Heroína, que é abrangida pela Tabela I –A da lista anexa ao Decreto-Lei n.º 5/91/M, com peso líquido de 2077,12 gramas (Após o análise de métodos quantitativos, o peso de “Heroína” era de 1643,63 gramas).
4. As referidas drogas foram colocadas na divisão interna da parte inferior da mala por indivíduo não identificado, entregues depois ao arguido A, para que este as traria a Macau e, em seguida, transportá-las-ia para Hong Kong para entregar a indivíduo não identificado.
5. O arguido A, bem sabia que estavam escondidas drogas na divisão interna da parte inferior da mala acima referida, trouxe ainda as aludidas drogas a Macau no intuito de transportá-las para Hong Kong para entregar a indivíduo não identificado.
6. Os telemóveis (incluindo cartões) e bilhetes electrónicos supra mencionados foram entregues ao arguido X por indivíduo não identificado, servindo de aparelhos de comunicação e bilhetes de avião relativos à prática de tráfico supra referido; os papéis de nota supra mencionados foram usados pelo arguido A para registar a trajectória de tráfico de drogas.
7. O arguido A agiu livre, voluntária e consciente e deliberadamente.
8. O arguido A não tinha autorização legal para assim proceder.
9. O arguido A sabia perfeitamente que as condutas supra referidas eram proibidas e punidas por lei.
Ficam provados ainda os seguintes factos:
Segundo o registo criminal, o arguido é delinquente primário.
- O arguido, antes de ser peso, exercia função de técnico de informática, auferindo mensalmente MYR $1.500,00 a MYR$2.000,00, tendo a seu cargo os pais, a esposa e dois filhos menores; possui como habilitações o curso secundário complementar.
Factos não provados:
Não há nenhum facto importante susceptível de comprovar.
   
   Conhecendo.
   O recorrente alega que nunca poderia ser condenado na pena que lhe foi aplicada por ter prestado auxilio concreto na recolha de provas decisivas na captura de um suspeito que ia receber o pacote de estupefacientes em Hong Kong, com a sua colaboração com as Polícias Judiciárias de Macau e Hong Kong, violando-se por isso o disposto no artigo 18° do D.L. n° 5/91/M.
   Como o recorrente concluiu na parte final do recurso que o Tribunal violasse ao disposto no artigo 400º nº 2 al. c) do Código de Processo Penal, incidente no vício de erro notório na apreciação de prova, por não subsumir os factos dados como provados na previsão legal do referido artigo 18º, vemos esta questão primeiro, por ser uma questão do vício da matéria de facto.
   Mas não tem razão.
   O recorrente confundiu a matéria de facto com a matéria de prova, pois, só há erro notório na apreciação de prova quando o Tribunal deu como provado ou não provado facto com provas que conduziria notoriamente à outra conclusão no julgamento de facto, erro este que não passará pelos olhos de um homem médio.
   Ainda por cima a não fazer subsumir factos provados é uma questão de direito, da aplicação da lei, ou do enquadramento jurídico dos factos, e não do próprio julgamento da matéria de facto, pois o que prevê no artigo 400º nº 2 do Código de Processo Penal é vício consistente no julgamento da matéria de facto.
   Avancemos.
   O que o recorrente pretende é que pede o Tribunal aplicasse o regime de atenuação especial nos termos do artigo 18º nº 2 do D.L. nº 5/91/M. (De facto, a nova Lei nº 17/2009 também dispõe o mesmo regime no seu artigo 18º, que é aplicável nos presentes autos)
   Dispõe o artigo 18° da Lei n° 17/2009:
  “No caso de prática dos factos descritos nos artigos 7º a 9º, se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela causado ou se esforçar seriamente por consegui-lo, auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, de organizações ou de associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou haver lugar à dispensa de pena. ”
   Independentemente de saber se os factos referidos apenas na fundamentação do acórdão podia ou não considerar como assentes para a decisão da causa por da factualidade não consta dos mesmos, não podemos deixar de concluir a improcedência dos fundmaentos do recurso.
   O artigo 18° da Lei n° 17/2009 prevê um regime de atenuação especial livre da pena e até da isenção da mesma, àquele que delata às autoridades, auxiliando na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura dos outros responsáveis, e que presumivelmente tinha práticado os crimes relacionados ao tráfico de estupefaciente, crimes estes que são qulificados como crimes de gravidade notória, ao mesmo nível dos crimes violentos – artigo 193° do Código de Processo Penal, e cominados legamente com penas mais pesadas.
   Logicamente, para quem tinha praticado este tipo do crime poder beneficiar esta atenuação livre pressupõe um contributo excepcional.
   Tal como entendeu o Tribunal de Última Instância, nos dois acórdãos de 8 de Outubro de 2003, dos processos n.°s 21/2003 e 22/2003 e de 15 de Outubro de 2003 do processo n° 16/2003, “a atenuação especial ou isenção da pena a que se refere o n.º 2 do art.° 18.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M (correspondente ao artigo 18° da Lei 17/2009) pode aplicar-se àquele que permita a identificação ou captura de simples indivíduos (um ou mais) que, pela sua particular danosidade social – designadamente, por aliciarem menores, pela dimensão do tráfico, pela duração da actividade criminosa, pelos meios utilizados, pela sua sofisticação - justifique a concessão do benefício ao delator”, frisando no entanto que “deve, em princípio, ser de utilização excepcional, não é qualquer delação pode merecer a concessão do benefício. Não faz sentido favorecer o delator que entrega um traficante da sua dimensão, sobretudo quando esta não é considerável.”
   Explicando o Alto Tribunal que, “não é o auxílio às autoridades na identificação ou captura de um qualquer traficante de drogas que pode justificar a redução ou isenção da pena, sem prejuízo de considerar a colaboração com as autoridades como uma circunstância atenuante simples na graduação da pena.
   De facto, ... , exige-se que o objecto do auxílio constitua provas decisivas para a identificação ou captura dos outros responsáveis do tráfico de drogas, especialmente de estrutura organizativa.
   Assim, à concessão da atenuação da pena, e particularmente a sua isenção, tem de corresponder contributo significativo na repressão do tráfico de drogas, nomeadamente na descoberta e no desmantelamento de organizações ou redes que têm por fim traficar drogas.
   Isto é, tal contributo do agente de crimes de tráfico de drogas deve ser tão grande que, de alguma maneira, repara largamente o mal causado pelas próprias actividades criminosas, pois só assim se pode justificar a atenuação e até isenção de penas muitas vezes pesadas, por exemplo, de oito a doze anos de prisão para o crime de tráfico de drogas previsto no art.° 8.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 5/91/M. Certamente não é o caso quando o agente indica às autoridades o seu fornecedor sem qualquer relevo estrutural.”
   Este entendimento merece a nossa atesão, nomeadamente para a decisão do presente recurso.
   O contributo do recorrente consiste em fornecer informações à polícia para capturar o traficante de produtos estupefacientes em Hong Kong a quem o produto por si transporte seria entregue.
   Não só não está provado a dimensão da actividade do tráfico de droga daquele suspeito em Hong Kong, longe de ser comparável com um responsável de grupos ou organizações de tráfico de drogas, nem está provado que o recorrente confessou os factos por si praticados, acompanhando o arrenpendimento, (nesta parte concordamos com o douto parecer do Ministério Público) não podia o recorrente, beneficiar deste regime de atenuação livre ou isenção de pena previstas no artigo 18°, da Lei n° 17/2009.

   Ex adbundantio, a pena aplicada ao recorrente, perante o facto de ter traficado 1.6 quilos de peso líquido de heroína, levou apenas 9 anos e 6 meses, mesmo com a ponderação, em termos geral da medida de pena, do seu auxílio à identificação ou captura do suspeito do traficante em Hong Kong, a pena não se afigura ser desproporcional e inadequada, nada há que censurar.
   É de improceder o recurso.
   
   Pelo exposto acordam neste Tribunal de Segunda Instância em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A, mantendo-se a decisão.
   Custas pelo recorrente, com a taxa de justiço em 7 UC’s, assim como o honorário a favor do seu defensor oficioso nomeado que se fixa em MOP$2000.
   RAEM, aos 14 de Outubro de 2010
Choi Mou Pan (Relator)
José Maria Dias Azedo (Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng (Segundo Juiz-Adjunto)
   
1 A matéria de facto consignada na versão chinesa é o seguinte:
- 2009年5月3日11時30分許,在澳門國際機場入境大堂行李提取區內,司警人員將乘搭澳門航空公司XXXX號航班、從泰國曼谷起飛、剛剛於11時許抵達澳門國際機場的嫌犯A截停,並將其帶往司警在澳門國際機場的辦公室進行檢查。
- 在澳門國際機場的司警辦公室內,司警人員當場在嫌犯A攜帶的一個牌子為“Ameirican Tourister”黑色行李箱的底部夾層內搜獲一包以黑色膠紙包裝的白色粉末;並在嫌犯A身上搜獲一部牌子為“NOKIA”的手提電話、兩部牌子為“SONY ERICSSON”的手提電話、四張SIM卡、三枚電池、兩份電子機票文件、一張行李牌、一張機票票尾及兩張筆記紙。
- 經化驗證實,上述白色粉末含有第5/91/M號法令附表一A所管制的“海洛因”成份,淨重2077.12克(經定量分析,“海洛因”之重量為1643.63克)。
- 上述毒品是身份不明之人放於上述行李箱底部夾層內,並交予嫌犯A,讓其帶入澳門及帶往香港轉交給身份不明之人。
- 嫌犯A明知上述行李箱底部夾層內藏有毒品,其將上述毒品帶入澳門,目的是將之帶往香港交予身份不明之人。
- 上述手提電話(含卡)及電子機票是身份不明之人給予嫌犯A從事上述販毒活動的聯絡工具及機票;上述筆記紙是嫌犯A用作記錄運毒路綫之紙張。
- 嫌犯A是在自由、自願及有意識的情況下故意作出上述行為。
- 嫌犯A上述行為未得到任何法律許可。
- 嫌犯A明知法律禁止及處罰上述行為。
另外證明下列事實:
- 根據刑事紀錄證明,嫌犯為初犯。
- 嫌犯被羈押前任職電腦技術員,每月收入為馬來西亞幣1500圓至2000圓,需照顧父母、妻子及兩名未成年兒子;其學歷為高中畢業。
未獲證明之事實:
- 無其他對裁判重要之事實尚待證明。
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