Processo n.º 256/2010
(Recurso Penal)
Data: 29/Julho/2010
Assuntos:
- Ofensas corporais; suspensão de execução da pena de prisão
- liquidação em execução de sentença
Sumário :
1. Não obstante alguma gravidade da agressão de um vendilhão a uma vizinha de banca, causando-lhe dez dias de doença, cometida com um pau e um parão, não obstante sete anos antes ter agredido a mesma ofendida, a sua idade avançada de 73 anos e o seu débil estado de saúde facilitam um juízo de prognose favorável à salvaguarda das finalidades da punição e assim é possível suspender a pena de prisão de quatro meses por um período de quatro anos, com a condição de pagar a indemnização à ofendida.
2. Se a demandante do pedido cível alegou os seus rendimentos e actividade profiisional e o Tribunal julgou não provada essa factualidade não estamos perante uma situação de insuficiência de matéria provada, não havendo nada para liquidar em execução de sentença.
O Relator,
Processo n.º 256/2010
(Recurso Penal)
Data: 29/Julho/2010
Recorrentes: A
B
Objecto do Recurso: Acórdão condenatório da 1ª Instância
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A, réu no processo supracitado, inconformado com o acórdão que o condenou pela prática de um crime de ofensa simples à integridade física, p. p. pelo art.º 137.º n.º 1 do Código Penal de Macau, vem recorrer alegando, em síntese conclusiva:
O presente recurso é interposto contra o acórdão do tribunal a quo.
De acordo com o acórdão supracitado, o réu foi condenado, pela prática dum crime de ofensa simples à integridade física, na pena de prisão efectiva de 4 meses.
No presente processo, o réu não é delinquente primário, mas o conflito só foi provocado pela disputa entre os idosos, e considerando as circunstâncias do crime, os danos causados à lesada, o réu mantinha bons comportamentos depois da prática do crime e não praticou qualquer infracção.
É obviamente grave demais a pena condenada pelo tribunal a quo, e de acordo com o princípio de correspondência entre crime e punição, a pena de prisão efectiva de 4 meses imposta ao réu não corresponde à sua culpa.
Além disso, o réu tem mais de 70 anos, sofrendo com hipertensão, doença cardíaca coronária, doença pulmonar obstrutiva crónica e variz. Nos últimos seis meses sofreu de várias doenças, e ultimamente surgiram-se-lhe os sintomas de tosse e asma devido à doença pulmonar. A sua saúde está cada vez pior e ele precisa de receber tratamento a longo prazo e ser cuidado pela sua cônjuge.
No fim, a saúde do réu não lhe permite cumprir a pena de 4 meses na prisão.
Como a pena de prisão aplicada ao réu não é superior a 3 anos, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que deve-se julgar procedente o recurso e suspender a execução da respectiva pena de prisão.
2. O Digno Magistrado do Ministério Público responde doutamente, dizendo fundamentalmente:
A conduta do Recorrente é altamente censurável uma vez que condenado em 1997 pela prática do crime de ofensas à integridade física voltou a praticar o mesmo crime contra a mesma ofendida em 2004;
Entretanto, a primeira condenação e a prática do novo crime decorreu 7 anos, e o julgamento realizou 6 anos depois da última;
Considerando o distanciamento do tempo e a avançada idade do Recorrente, é de prever que a simples ameaça da prisão possa afastar-lhe da prática do crime pelo que não nos opomos à aplicação da suspensão da pena.
Nesses termos não se opõe ao provimento do recurso.
3. O Exmo Senhor Procurador Adjunto emite o seguinte douto parecer:
Acompanhamos as criteriosas explanações do nosso Exmº Colega, relativamente ao recurso do arguido (aquele em relação ao qual nos cumpre emitir parecer).
Atento o "quantum" da pena, há que chamar à colação o comando do art. 44° do C. Penal.
O que equivale a afirmar, também, que estão em causa essencialmente - ou até, mesmo, exclusivamente - razões de prevenção especial de socialização.
E afigura-se possível, efectivamente, na esteira da resposta do MºPº, uma prognose favorável à luz dessa finalidade da punição.
As exigências de prevenção geral, por seu turno - a serem tidas em conta - devem considerar-se mitigadas, considerando o tempo decorrido desde a condenação anterior.
Não repugna aceitar, assim, a suspensão da execução da prisão.
Este o nosso parecer.
4. B, assistente nos autos à margem epigrafados e neles melhor identificada, vem também recorrer, alegando, no essencial:
Circunscreve o recurso à parte civil.
Imputa a recorrente à decisão recorrida o vício da alínea a) do n.º 2 do art. 400.º do CPP.
Mau grado tenha identificado a arguida como vendilhã, o tribunal não levou esse facto à factualidade provada.
Desse facto (incongruente) resultou que o tribunal tenha descurado a necessidade de apurar os rendimentos por si auferidos no exercício dessa actividade, o que era essencial à decisão de direito, no segmento imposto pelo facto de haver a assistente formulado, no seu pedido cível, um pedido indemnizatório a título de lucros cessantes.
Ficou, em consequência desse vício, por apurar o rendimento diário por si auferido, facto totalmente omisso no Ac. recorrido, e que obviamente essencial para a fixação da indemnização que lhe era devida.
Na fixação de danos emergentes, o artigo 558º do Código Civil manda atender aos prejuízos sofridos pela lesada a que corresponde uma diminuição do seu património, o que impunha ao tribunal esse apuramento.
Por força do disposto no art. 71.º do CPP, quando entenda que não tem elementos bastantes para fixar a indemnização, o juiz condena no que se liquidar em execução de sentença, opção a que deveria ter deitado mão quando apurasse, se esse tivesse sido o caso, não dispôr dos elementos suficientes para decidir o pedido cível enxertado no processo.
A recorrente alegou que «sofreu de medo e ansiedade, no seu dia a dia, sobretudo devido ao receio de vir a ser novamente agredida pelo mesmo», facto que foi dado por não provado.
Porém, para além da agressão objecto destes autos, a assistente fora já, antes, objecto de uma outra agressão cometida pelo mesmo indivíduo, em 1997, pela qual fora já condenado, por sentença de 1998, facto do qual decorre, por si só, a demonstração do «medo e ansiedade» por si invocados e «o receio de vir a ser novamente agredida pelo mesmo», o que é uma conclusão imposta pelas regras da experiência comum.
Importava que tal facto tivesse sido dado como provado.
A decisão recorrida violou, nomeadamente, a norma do art. 558.º do C. Civil, ao não atender aos lucros cessantes da assistente pelos quais tinha o direito de ser reparada; violou, ainda, a norma do art. 71.º do CPP na parte em que deveria ter decidido condenar o arguido em montante a liquidar em execução de sentença, quando concluísse não ter elementos bastantes para a decisão do pedido formulado pela assistente.
Termos em que, pede, deve ser concedido provimento ao recurso, revogada a decisão recorrida e ordenado o reenvio do processo para novo julgamento ou decidida a liquidação da indemnização em execução de sentença.
5. Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Com pertinência, respiga-se do acórdão recorrido o seguinte:
”(...)
Após a audiência de julgamento, deram-se como provados os seguintes factos:
Em 2 de Maio de 2004, cerca das 20 horas, na banca de frutas na zona de vendedores sita na junção da Rua de Brás da Rosa com a Rua da Emenda, o arguido A achou que a criança da banca vizinha estava a provocar distúrbios, pelo que insultou C (melhor identificada nas fls. 13 dos autos) da banca vizinha com palavrões, razão pela qual entraram em disputa as duas partes.
B (a lesada, melhor identificada nas fls. 14 dos autos), mãe da C, veio a conciliar as duas partes. Naquele momento, o arguido apanhou um pau e bateu a cabeça da lesada, razão pela qual as duas partes entraram de novo em conflito.
Para evitar o agravamento do conflito, a lesada puxou o seu filho D (melhor identificado nas fls. 12 dos autos) e a sua filha C para dentro da banca, durante este período, o arguido tirou da sua banca uma faca de frutas e pretendeu assaltar C, mas não teve sucesso.
A examinação do pau e da faca de frutas utilizados pelo arguido consta da fls. 39 dos autos como parte integrante da presente acusação.
As condutas supracitadas do arguido resultam directamente e sem dúvida na contusão dos tecidos moles da cabeça da B, cuja condição da lesão consta das fls. 10 e 31 dos autos como parte integrante da presente acusação.
Segundo a perícia médico-legal, B precisou de 10 dias para recuperar-se da lesão (vide as fls. 135 a 138 e 145 dos autos).
O arguido agiu de forma voluntária e consciente ao espancar a lesada, causando lesões ao seu corpo.
O arguido sabia bem que as sua condutas violaram a lei e eram punidas por lei.
O arguido é vendedor e aufere mensalmente MOP$1.800,00.
O estado civil do arguido não é verificado e este não tem ninguém a seu cargo.
O arguido não confessou os respectivos factos e não é delinquente primário.
Esta lesão causou prejuízo económico da assistente, ou seja as custas médicas no valor de MOP$4.993,00.
Esta lesão causou danos físico e mental à assistente.
Os factos no art.º 30.º do pedido cível constante das fls. 197 a 204 dos autos.
Factos não provados: Os factos importantes constantes da acusação, do pedido cível e da contestação mas não correspondentes aos factos provados, e:
Os factos nos art.º s 22.º, 24.º, 25.º, 27.º, 28.º, 31.º e 32.º do pedido cível constante das fls. 197 a 204 dos autos.
Os factos no art.º 19.º da contestação constante das fls. 237 a 240 dos autos.
A convicção do tribunal:
A convicção dos factos foi feita com base nas declarações prestadas pelo arguido e pela assistente B na audiência de julgamento, nos depoimentos prestados pelas testemunhas C, D, E, F e pelas testemunhas do arguido na audiência de julgamento, no relatório médico da assistente (vide as fls. 10, 31, 135 a 138 e 145 dos autos), no auto de examinação (vide as fls. 39 dos autos) e nas outras provas documentais.
(...)”
III - FUNDAMENTOS
A - Recurso do arguido A
1. O objecto do presente recurso passa fundamentalmente por saber se a pena do arguido é adequada e se deve ser suspensa.
2. Quanto à primeira questão, medida da pena, contrariamente ao que defende, a pena mostra-se adequada.
A pena concreta não deixa de reflectir os critérios plasmados nos artigos 40º e 65º do C. Penal.
A lei aponta quais as finalidades das penas no artigo 40º do C. Penal:
“ 1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.”
A lei aponta quais as finalidades das penas no artigo 40º do C. Penal:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. (...)”
Dentro da moldura abstracta, estabelecer-se-á o máximo constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do agente e o mínimo que resulta do “quantum” da pena imprescindível à tutela dos bens jurídicos e expectativas comunitárias (“moldura de prevenção”). E será dentro desta moldura de prevenção que irão actuar as considerações de prevenção especial (função de socialização, advertência individual ou segurança).1 2
Na quantificação da medida da pena, estabelece o n.º 2 do artigo 65º que “o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo do crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”. E concretiza nas alíneas seguintes, exemplificativamente, algumas dessas circunstâncias relativas à gravidade da ilicitude, à culpa do agente e à influência da pena sobre o delinquente.
3. Ponderando e projectando todos este factores no caso concreto, vista a culpa concreta, a gravidade já com algum significado da actuação, os meios utilizados, as situações pessoais familiares económicas, não esquecendo os antecedentes criminais do arguido, a pena afigura-se adequada e bem andou a Mmo Juiz na ponderação a que procedeu.
Nem se queira desvalorizar os dias de doença, procurando desdizer o que comprovado vem no sentido de que foram 3 os dias de doença e não 10, pois que não se mostra abalada essa formulação a que o Tribunal chegou.
A experiência anterior de contas com a Justiça parece que as não liquidou de vez, no sentido de afastar o arguida dessas condutas agressivas..
A pena de 4 meses de prisão mostra-se por tudo isso adequada ao caso.
4. Quanto à suspensão da execução de tal pena.
4.1. Invoca a seu favor o facto de terem passado alguns anos após a última condenação, ocorrida no ano de 1997, o facto de as lesões não terem sido tão graves quanto o declarado em termos de dias de doença, o circunstancialismo e a motivação da conduta, acima de tudo a provecta idade do arguido e o seu débil estado de saúde, apelando para o humanismo inerente à ordem normativa interna.
4.2. O Ministério Público nas diversas instâncias defende a possibilidade de suspensão.
4.3. Cabe agora apreciar e decidir, sendo que agora a solução se situa num daqueles campos em que o legislador, embora defina os parâmetros da actuação, faz impender sobre o intérprete, no caso, aplicador da lei, o ónus de encontrar a resposta no caso concreto exigida em função das finalidades da punição.
Importa apreciar se, neste caso, a simples censura de facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
O que vale por indagar se se verifica o pressuposto material exigido pelo art. 48°, n.° 1, do C. Penal que prevê:
“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão.”
4.4. Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável, ou seja, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e de que não cometerá no futuro nenhum crime3.
Se a ausência de antecedentes criminais por si só não chega para justificar uma suspensão de pena, como já tem sido afirmado pelos nossos Tribunais, não é menos certo que as condenações anteriores ou situações de reincidência não obstam decisivamente à possibilidade de se suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos, se se tiver como justificado formular a conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.4
É verdade que o tribunal deve correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente uma certeza. E se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa.5
Mas a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a três anos deve ter lugar, nos termos do artigo 50º do Código Penal, sempre que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico ressocializador, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores socialmente mais relevantes.
A ameaça da prisão, especialmente em indivíduos sem antecedentes criminais, mas também em indivíduos que nunca tiveram uma experiência prisional e se mostram socialmente integrados - pese embora algumas experiências criminógenas não consistentes - contém, por si mesma, virtualidades para assegurar a realização das finalidades da punição, nomeadamente a finalidade de prevenção especial e a socialização, sem sujeição ao regime, sempre estigmatizante e muitas vezes de êxito problemático, da prisão.
A suspensão da execução, acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como factores de inclusão, evitando os riscos de fractura familiar, social, laboral e comportamental como factores de exclusão.
A filosofia e as razões de política criminal que estão na base do instituto, radicam essencialmente no objectivo de afastamento das penas de prisão efectiva de curta e média duração, garantindo ainda, quer um conteúdo bastante aos fundamentos de ressocialização, quer exigências mínimas de prevenção geral e de defesa do ordenamento jurídico, afigurando-se nuclear neste instituto o valor da socialização em liberdade.
Não são, por outro lado, considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas.
A suspensão da execução da pena não depende de um qualquer modelo de discricionariedade, mas, antes, do exercício de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos formais e materiais.
Por outro lado, há que constatar que são os tribunais que lidam directamente com a arguido, que estão na normalidade dos casos em melhores condições para avaliar a personalidade do arguido e ajuizar da verificação ou não dos pressupostos da suspensão da execução da pena.
4.5. Projectando agora estes considerandos no caso concreto, dir-se-á que, abstraindo da gravidade do caso que não deixa de ser algo expressiva, e censurabilidade que o acompanha, há que relevar os aspectos concernentes à reinserção social do arguido, mais fácil num homem idoso, já com 73 anos de vida e doente, tendo deixado a sua vida activa e naquela fase da vida em que cessam, em princípio, todos os ímpetos e se moderam por natureza os impulsos e emoções.
O arguido está naquela fase da vida em que não pode desperdiçar uma oportunidade que lhe seja dada de forma a comportar-se correctamente, aceitando e pautando-se pelas regras da boa convivência social.
Para mais, como alega, se já deixou a sua actividade de vendilhão em que o negócio faz por vezes perder a razão e em que a doença começa a tomar conta dele.
Principalmente por essas razões, que na perspectiva do aplicador da lei são acima de tudo a prossecução e o respeito pelas finalidades da punição, se entende poder, no caso, suspender a execução da pena, mas por um período que seja desmotivador de quaisquer novas tentações agressivas e faça sentir ao agente a gravidade da sua conduta.
4.6. Suspender-se-á a pena por um período de quatro (4) anos com a condição de pagar a indemnização que venha a ser fixada à ofendida no prazo de 30 dias.
B - Recurso da demandante B
1. As questões que coloca são as seguintes:
- Insuficiência para a decisão da matéria de facto
- Questão do reenvio; reapreciação da indemnização
2. Sobre a primeira questão defende a recorrente que o Tribunal, tendo considerado que a ofendida desenvolvia uma actividade profissional de vendedeira, devia ter apurado quais os seus rendimentos.
Verificar-se-ia, assim, uma lacuna de elementos factuais indispensáveis para se poder arbitrar uma adequada indemnização à ofendida.
3. Muito singelamente se dirá, tanto quanto a simplicidade da questão colocada se nos afigura, que não tem razão.
E não tem razão porquanto tendo a ofendida deduzido pedido cível, tendo alegado tal facto, incumbia-lhe tendencialmente provar aquilo que alegou, ou, pelo menos, cooperar nessa produção de prova, nomeadamente no artigo 22º do seu articulado, enquanto disse que a ofendida ganhava MOP 1.200,00 por dia e que deixou de trabalhar durante certo período de tempo.
Ora, o que resulta é que o tribunal não deixou de ponderar esse elemento, só que entendeu que tal factualidade não se mostrava comprovada, como fez expressamente consignar no acórdão produzido.
Não houve, pois qualquer insuficiência; o que houve foi falta de prova e perante isso nada há a fazer.
4. Perde ainda sentido o apelo a uma liquidação em execução de sentença. Esta só deve acontecer se provados os danos, inexistindo no momento da condenação elementos para a sua liquidação.
Ora, o que não se comprovou foram os danos em sede talhada processualmente para o seu apuramento. Não se trata de uma questão de cálculo, cômputo, liquidação, mas de comprovação de que existiram danos.
É certo que o natural é que uma determinada actividade profissional gere rendimentos. Só que o Tribunal a essa matéria não respondeu, nem sequer restritivamente, tomou uma posição clara, dizendo que não se comprovara. Perante isto, não se estando perante uma situação de erro na apreciação na prova, há que aceitar essa conclusão que o Tribunal formulou dentro do princípio da livre apreciação das provas.
Esta conclusão a que se chega tanto é válida para a determinação dos rendimentos, como para a cessação da actividade profissional da ofendida.
5. Quanto ao apuramento dessa actividade, digamos que ela não ganha relevância autónoma particular em relação às demais, sempre se depreendendo que a ofendida explorava a banca vizinha em relação à do arguido.
6. No pedido de reenvio formulado pela demandante está implícito um pedido de reapreciação da indemnização arbitrada.
Se tal não procede em relação aos danos patrimoniais, já não assim em relação aos danos morais.
A quantia arbitrada, de MOP 12.000,00 afigura-se escassa, face à gravidade dos danos, aos dias de doença, à violência, ao medo e ansiedade provocados, vistas até as relações de proximidade e de conhecimento, considerando que já não é a primeira vez que o arguido agride a ofendida.
Afigura-se, face ao disposto no artigo 489º do CC, mais adequado arbitrar a esse título uma indemnização de MOP 30.000,00 à ofendida.
Nesta conformidade, por tudo o que fica exposto, julgar-se-á parcialmente procedente o recurso interposto pela demandante.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder parcial provimento ao recurso do arguido e da demandante e nessa conformidade, nos termos e fundamentos expostos, em:
- A) Condenar o arguido A, pela prática em autoria material e na forma consumada, dum crime de ofensa simples à integridade física, p. p. pelo art.º 137.º n.º 1 do Código Penal de Macau, na pena de prisão de 4 meses, suspensa na sua execução por um período de quatro (4) anos, com a condição de pagar a indemnização fixada à ofendida em 30 (trinta) dias;
- B) Condenar o arguido a pagar à demandante B a indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais no montante de MOP$34.933,00 (trinta e quatro mil novecentos e trinta e três patacas), e este valor deve ser acrescido de juros legais contados a partir do trânsito em julgado do acórdão até integral e efectivo pagamento.
No mais se mantém o decidido.
Custas dos recursos pelo arguido com taxa de justiça que se fixa em 3Ucs e pela demandante em 2 Ucs.
Macau, 29 de Julho de 2010,
_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)
_________________________
Tam Hio Wa
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 Figueiredo Dias in Dto. Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, ob. cit., pág. 238 e 242.
2 Ac. STJ de 24/02/88, BMJ 374/229.
3 - JESCHECK, citado a fls. 137 do Código Penal de Macau de Leal-Henriques/Simas Santos
4 - Acs do STJ de 12/12/2002 e 17/2/2000, procs.4196/02- 5ª e proc. 1162/99-5ª
5 - Leal Henriques e Simas , Santos, ob. cit., 137
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