Processo n.º 316/2009
(Recurso laboral)
Data: 29/Julho/2010
Recorrente: A
Recorrida: S.T.D.M.
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A, não se conformando com a sentença que, em sede de Acção Laboral interposta pelo A. contra a “S.T.D.M., S.A.”, proferiu o MMº Juiz a quo,, absolvendo a R. de todos os pedidos formulados pela A., ora recorrente, dela vem interpor recurso, alegando, em sede conclusiva:
O Tribunal a quo proferiu sentença absolutória com fundamento num acórdão da Jurisprudência comparada, no qual (em suma) se defende que:
a) "Os direitos emergentes de contrato de trabalho deixam de ser indisponíveis a partir da extinção da relação laboral". (sublinhados nossos)
b) A declaração feita pelo trabalhador é válida quando "... quer pela sua situação de subordinação económica e jurídica em que o trabalhador se encontra face ao empregador, que o pode inibir de tomar decisões verdadeiramente livres em resultado do temor reverencial em que se encontram face aos seus superiores ou medo de represálias ou de algum modo poder vir a ser prejudicado na sua situação profissional." (sublinhados nossos)
Para além da fundamentação supra, o Tribunal a quo na sua douta sentença absolutória indicou os seguintes normartivos : art.64° do CPT, art. 209°,210°, 216° e 854° do CC.
O Tribunal a quo, contudo, desconsiderou em absoluto o art. 33° do RJRL e matéria fáctica carreada para os autos pela banda do Autor.
Em Portugal a lei laboral é substancialmente diferente da RAEM; assim, há matérias que são diemetralmente reguladas por estas leis, in concreto, no que à "cedência de créditos diz respeito" temos o seguinte:
a) Na RAEM, "O trabalhador não pode ceder, nem a qualquer outro título alienar, título gratuito ou oneroso, os seus créditos ao salário, salvo a favor de fundo de segurança social, desde que os subsídios por este atribuídos sejam de montante igualou superior ao dos créditos." (33º RJRL sublinhados nossos)
b) Em Portugal, "O trabalhador não pode ceder, a título gratuito ou oneroso, os seus créditos a retribuição na medida em que estes sejam impenhoráveis" (art. 271° do Código do Trabalho de Portugal, sublinhado nosso)
Na RAEM, o Legislador tomou a posição de defesa quase absoluta dos créditos laborais do trabalhador admitindo, contudo, como única excepção, os casos em que se materializassem em favor do trabalhador. (cfr. 33º RJRL)
Isto é, na RAEM a cedência de créditos laborais por parte do seu titular não está na disponibilidade do seu titular, "salvo a favor de fundo de segurança social" e "desde que os subsídios por este atribuídos sejam de montante igualou superior ao dos créditos."
Ou seja, na RAEM a excepção é tão restritiva nesta matéria que até comporta dois requisitos positivos e cumulativos.
Em Portugal, o Legislador impôs duas únicas limitações o terminus do vínculo laboral e a medida da impenhorabilidade; e foi, perante este quadro legal, que a Jurisprudência superior citada foi produzida.
A qual é inquestionável perante o regime jurídico vigente em Portugal mas inaplicável em Macau em razão das diferenças normativas.
O artigo 33º do RJRL é matéria de interesse público e, em regra, indisponível.
Ao contrário, o art. 854° do C.C. é aplicando em casos onde vigora o princípio da igualdade inter partes e onde haja disponibilidade de direitos; aliás, o art. 854° do C.C. refere expressamente a natureza contratual da remissão.
O Tribunal a quo desconsiderou matéria fáctica alegada pelos AA.onde se referia vícios contratuais.
E, no que a vícios contratuais respeita, ensina a Jurisprudêncio que:
I. Assinada pelo trabalhador-credor uma declaração escrita à máquina pela entidade patronal, em que declara ter recebido a quantia de 31576$00, onde ainda se lê que "nada mais tem a receber da sua entidade empregadora, seja a que título for", está-se em face de um recibo de quitação apenas da quantia mencionada.
II. Tata-se de uma declaração unilateral que não pode valer como remissão abdicativa, uma vez que o contrato de remissão implica um acordo de vontades, que neste caso não existe.
III. Assim, não se deu a extinção de outros créditos do trabalhador." (Ac. da RL, de 10.1.1990: Col. Jur., 1990, sublinhados nossos)
Ensina a Jurisprudência comparada que "Não é legalmente possível a renúncia a prestação que integram retribuição ainda não vencidas" (Ac. RL, de 25.2. 1980: BMJ, 300º-442), ora, mutatis mutandis, não pode alguém renunciar a "eventuais direitos" mesmo que o documento tenha sido escrito pela entidade empregadora.
Especialmente quando esses direitos tem como elemento teleológico a disposição absoluta protecção da retribuição dos trabalhadores. (art. 33° da RJRT)
Quanto aos recibos de quitação assinados pelos AA., ensina a Jurisprudência comparada que:
Constitui um recibo de quitação apenas da quantia mencionada, não coartando uma posterior exigência, pois que não se trata de uma remissão abdicativa, aquele em que um trabalhador subscreveu e em que declara ter-lhe sido entregue determinada quantia e que "nada mas tem a receber da sua entidade empregadora seja a que título for" (Ac. da RL, de 1.10.1992, BMJ, 420°-632)
Aliás,
I. A declaração em "documento particular de que se encontra integralmente pago e satisfeito" equivale a formular um mero juíz o de valor, uma conclusão, e não confessar um facto. II. Para que os recibos tenham força probatória, como quitação, é necessário que os mesmos indiquem concretamente quais as quantias recebidas e a que título (Ac. da RL, de 2.12.1993: Cal. Juri., 1993, 5°-190)
E, quanto ao valor probatório do recibo de quitação assinado pelos Autores
"Nada impede que se recorra à prova testemunhal para demonstrar a falta ou vício da vontade, com base nos quais se impugna a declaração constante de documento particular com força probatória plena." (Ac. STJ, de 4.6.1997, Proc. n.º 30/97, 4° Secção: Sumários, 12°-104; BMJ)
Pois que "Um negócio jurídico perfeito pressupõe uma vontade formada com liberdade, esclarecimento e ponderação. Ao esclarecimento da verdade opoe-se o erro, que se define como ignorância ou falsa representação de uma realidade no momento da formação do negócio jurídico, que interveio ou podia ter intervindo entre outros motivos determinantes da declaração negocial" (A.c. RL de 19.10.2005: Proc.711/2005-4dgsi.Net)
O Tribunal a quo entendeu que:
a declaração feita pelo trabalhadores, em documentos por si assinados, concedendo à Ré, sua entidade empregadora "são normalmente emitidas após a cessação do contrato de trabalho" em sentido liberatório. (sublinhado nosso)
Contudo, o Tribunal a quo não averiguou se a declaração emitida pelo ora Recorrente tinha esse sentido usual ou, pelo contrário, se fora emitido em circunstâncias excepcionais. Pois que, não se funda em factos concretos que permitam descobrir essa normalidade laboral.
Tanto assim que o Tribunal a quo nem sequer valorou o facto a licença de exploração atribuído à Ré ter terminado ope legis em 31 de Março de 2002 e os recibos de quitação terem assinados em 20/07/03, ou seja:
a) Para quem trabalhavam os AA. dessa data?!
b) Que relação económica existe entre a Ré e a SJM?!
c) Tinham, ou não, os M. um temor reverencial e uma dependência económica para com a SJM, ergo, com a Ré?!
Em todo Macau se conhece perfeitamente a relação económica da STOM/SJM e quem pretenda ignorar as razões pelas quais a SJM foi criada, as relações entre esta e a Ré, a transição dos trabalhadores da Ré para a sociedade domindada (terá a liberdade de defender acérrimamente que ignora tal situação) mas, com certeza, que não o estará fazendo em conformidade com o milenar princípio romano de honeste vivere...
Nestes termos, requer se:
a) Revogue a sentença recorrida por omissão de pronúncia, al. d), n°1, art. 571° do C.P.C,;
b) Revogue a sentença recorrida por violação (por omissão) de norma imperativa, art. 33° do R.J.R.L.;
c) Revogue a sentença recorrida por error juris na aplicação do art. 854° do C.C.,
As contra alegações da STDM, em grande síntese:
Trabalhador e empregador celebraram livremente um negócio de remissão de créditos, finda a relação de trabalho anterior.
Não procede a invocação de nulidade da Sentença com base na errada aplicação do artigo 854º do Código Civil.
Não se aplica ao caso a norma do artigo 33º do RJRT.
A validade do negócio assenta na disponibilidade dos direitos sobre os quais incidiu a Remissão.
Uma vez cessada a relação laboral entre A. e R., nada justifica que o trabalhador não possa dispor dos eventuais créditos resultantes da relação laboral, da sua violação ou cessação.
Termos que, em seu entender, deverá o recurso apresentado pela recorrente ser considerado improcedente.
Foram colhidos os vistos legais.
II – FACTOS
Com pertinência para a decisão da presente questão, resulta dos autos a factualidade seguinte:
De acordo com as informações dos autos, o autor começou a trabalhar para a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM) desde 1986, e cessou as relações laborais com desta em Dezembro de 2002, passou imediatamente a prestar serviços à Sociedade de Jogos de Macau.
Após a cessação das relações laborais com a STDM, o autor, em 2003, chegou a assinar uma declaração cujo teor é o seguinte :
“Venho por este meio declarar que :
Eu, A, portador do BIRM n.º XXX, recebi, voluntariamente, a título de bónus de serviço, a quantia de MOP$44,072.67 da Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (doravante designada por STDM), referente ao pagamento de compensação extraordinária de eventuais direitos relativos a todas as férias (dia de descanso semanal, anual, feriados obrigatórios e eventual licença de maternidade) durante o período em que prestava serviço na STDM, bem como, do término das relações laborais acordado com a STDM.
Mais declaro e entendo que, recebido o valor referido, nenhum outro direito decorrente da relação de trabalho com a STDM subsiste e, por consequência, nenhuma quantia é por mim exigível, por qualquer forma, à STDM, na medida em que nenhuma das partes deve à outra qualquer compensação relativa ao vínculo laboral.
O declarante : (assinatura)”
BIR n.º XXX
Data : XX/XX/XXXX”
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
- Da aplicação do Código Civil em detrimento do DL 24/89/M de 3/Abril
- Da natureza, validade e alcance da declaração e da disponibilidade ou indisponibilidade dos direitos
- Do princípio do favor laboratoris
- Da validade da declaração
- Vício da vontade
2. O Mmo Juiz a quo julgou procedente e provada a excepção peremptória do pagamento e renúncia expressa do A. ao pagamento de quaisquer outras quantias por parte da Ré, considerando assim que ele renunciou ou abdicou dos créditos decorrentes do referido contrato a que eventualmente ainda tivesse direito.
Insurge-se a recorrente, que peticionou na acção o pagamento das compensações devidas pelo pretenso não gozo de determinados descansos (semanal, anual e feriados, licença de maternidade), durante os anos em que trabalhou para a Ré STDM, pela aplicação do artigo 854º do CC, tomada como remissão dos créditos a declaração acima referida, segundo a qual o trabalhador, aquando da cessação da relação laboral assinou uma declaração dizendo receber as quantias a que considerava com direito, mais dizendo que considerava não subsistir qualquer outro direito decorrente da relação laboral que então findava.
E por considerar que a situação não integra qualquer lacuna, já que regulada pelos artigos 1º e 33º, entre outros, do RJRL (DL24/89/M, de 3/4), não seria aplicável o regime geral que, no fundo, permite a disponibilidade dos créditos do trabalhador.
3. Antes de esmiuçar esta questão, importa caracterizar a natureza e alcance da declaração que o trabalhador assinou, para assim se ver se ela está ou não regulada no RJRL. Só se se concluir que se trata de uma renúncia de direitos indisponíveis abrangida por aquele regime se poderá afirmar a inaplicabilidade do regime geral consagrado na lei civil.
Analisando a transcrita declaração, os seus termos, em chinês e em português, são claros e o sentido que um declaratário normal - e, tal como se assinala na douta sentença recorrida, face ao disposto no artigo 228º do CC, é esse o sentido que há que relevar - dali se retira que o trabalhador, face à rescisão do contrato de trabalho, no que respeita à relação laboral subsistente até então, recebeu uma certa quantia, referente a compensações de eventuais direitos, nomeadamente relativos aos descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios, aceitando que nenhuma outra quantia fosse devida.
Em linguagem simples, deu quitação da dívida.
4. Mas vem agora demandar outros montantes, quantitativamente muito maiores, numa desconformidade que desde logo impressiona, em relação àqueles que aceitou receber. E impressiona, porque em face de tais montantes, se não se considerava pago, face ao prejuízo que se afigurava, não devia ter assinado essa declaração.
Dir-se-á que não tinha consciência do montante dos créditos ou que fora induzidos em erro; mas essa é uma outra questão que devia ter sido alegada e comprovada, não se deixando de adiantar que tal como agora ocorreu não havia razões para se aconselhar sobre o alcance dos créditos a que efectivamente teria direito.
Essa, contudo, é questão que não importa agora apreciar.
5. Pretende a recorrente que se tratou de uma renúncia de direitos indisponíveis.
E para tanto invoca a natureza indisponível dos direitos concedidos ao trabalhador, a natureza proteccionista daquele diploma em relação a tais direitos, a necessidade de protecção da parte mais fraca, a posição dominante da concessionária empregadora, a menor margem de liberdade do trabalhador.
Invoca toda uma filosofia que diz plasmada no RJRL e expressamente nos artigos 1º e 3º .
Não tem razão a recorrente.
Não obstante ser verdade o que diz quanto à enunciação daqueles princípios, a protecção que deve ser dispensada ao trabalhador não pode ser absoluta nem fazer dele um incapaz sem autonomia e liberdade, ainda que aceitando os condicionamentos específicos decorrentes de uma relação laboral.
É verdade que, desde logo, o RJRL, no seu art. 1°, pugnando pela "observância dos condicionalismos mínimos" nele estabelecidos, prevê que
“O presente diploma define os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre empregadores directos e trabalhadores residentes, para além de outros que se encontrem ou venham a ser estabelecidos em diplomas avulsos.”
E no art. 33º do R.J.R.T.
”O trabalhador não pode ceder, nem a qualquer outro título alienar, a título gratuito ou oneroso, os seus créditos ao salário, salvo a favor de fundo de segurança social, desde que os subsídios por este atribuídos sejam de montante igual ou superior ao dos créditos.”
Daqui decorre que nenhum desses artigos contempla ex professo a situação em apreço. Antes respeitam a situações diferentes, nomeadamente o artigo 33º o que prevê é a impossibilidade de renúncia a um salário e não já às compensações devidas por trabalho indevido.
Tais preceitos dispõem sobre a regulação do exercício de uma relação laboral ainda em aberto, compreendendo-se que por essa via, ao trabalhador sejam garantidos aqueles mínimos que o legislador reputa como as condições mínimas de exercício humano, digno e justo do trabalho a favor de outrem.
Tais cautelas já não são válidas quando finda essa relação, como acontece no caso presente.
E também não são válidas quando já não está em causa o exercício dos direitos, mas apenas uma compensação que mais não é do que a indemnização pelo não gozo de determinados direitos.
Não deixaria de ser abusivo e contrário à autonomia da vontade e liberdade pessoal, próprias do direito privado, que alguém, incluindo o trabalhador, não pudesse ser livre quanto ao destino a dar ao dinheiro recebido, ainda que a título de compensações recebidas por créditos laborais.
A não se entender desta forma, pese embora a aberração do argumento, ter-se-ia de obrigar o trabalhador a aceitar o dinheiro e, mais, importaria seguir o destino que ele lhe daria.
6. Diferentes são as coisas quando o trabalhador está em exercício de funções e a sociedade exige que as condições de trabalho sejam humanas e dignificantes, não se permitindo salários ou condições concretas de exercício vexatórias e achincalhantes, materializando a garantia da sua subsistência e do seu agregado familiar. Essa tem de ser a inspiração do intérprete relativamente ao princípio favor laboratoris, mas que não pode ir ao ponto de converter o trabalhador num incapaz de querer, entender e de se poder e dever determinar.
Nem aquele princípio, consagrado no artigo 5º do mesmo supra citado Regime nos seguintes termos “1. O disposto no presente diploma não prejudica as condições de trabalho mais favoráveis que sejam já observadas e praticadas entre qualquer empregador e os trabalhadores ao seu serviço, seja qual for a fonte dessas condições mais favoráveis. 2. O presente diploma nunca poderá ser entendido ou interpretado no sentido de implicar a redução ou eliminação de condições de trabalho estabelecidas ou observadas entre os empregadores e os trabalhadores, com origem em normas convencionais, em regulamentos de empresa ou em usos e costumes, desde que essas condições de trabalho sejam mais favoráveis do que as consagradas no presente diploma.” , poderá ter o alcance que se pretende, de limitar a capacidade negocial do trabalhador de forma tão extensa.
O princípio do tratamento mais favorável "...assume fundamentalmente o sentido de que as normas jurídico-laborais, mesmo as que não denunciem expressamente o carácter de preceitos limitativos, devem ser em princípio consideradas como tais. O favor laboratoris desempenha pois a função de um prius relativamente ao esforço interpretativo, não se integra nele. É este o sentido em que, segundo supomos, pode apelar-se para a atitude geral de favorecimento do legislador - e não o de todas as normas do direito laboral serem realmente concretizações desse favor e como tais deverem ser aplicadas"1
Noutra perspectiva2, considera-se que tratamento mais favorável ao trabalhador deve ser entendido em termos actualistas, como o conjunto dos valores que o Direito do Trabalho, de modo adaptado, particularmente defende e entre os quais, naturalmente, avulta a protecção necessária ao trabalhador subordinado. Quando haja um conflito hierárquico entre fontes do Direito do Trabalho, aplicam-se as normas que estabelecem tratamento mais favorável para o trabalhador, sejam elas quais forem; tal não se verificará quando a norma superior tenha uma pretensão de aplicação efectiva, afastando a inferior.
Donde decorre que o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador não é erigido para sufragar toda e qualquer interpretação que permita o alargamento de uma tutela proteccionista injustificada, tendo antes na sua génese a exclusão de um regime, entre dois ou mais aplicáveis, que lhe seja menos favorável.
7. Nesta conformidade falece eventual invocação do artigo 6º do RJRL ”São, em princípio, admitidos todos os acordos ou convenções estabelecidos entre os empregadores e trabalhadores ou entre os respectivos representantes associativos ainda que disponham de modo diferente do estabelecido na presente lei, desde que da sua aplicação não resultem condições de trabalho menos favoráveis para os trabalhadores do que as que resultariam da aplicação da lei”, tendo-se como condições de trabalho, nos termos do art. 2º, al. d) todo e qualquer direito, dever ou circunstância, relacionados com a conduta e actuação dos empregadores e dos trabalhadores, nas respectivas relações de trabalho, ou nos locais onde o trabalho é prestado.
Isto porque, como se disse, já não se trata de conduta e actuação no local de trabalho e exercício de funções.
Tal é a situação dos autos, em que se mostra cessada a relação laboral e assim se tem entendido em termos de Jurisprudência comparada.3
8. Quanto à natureza e validade da declaração.
Afastando-se, como se viu, a aplicabilidade do RJRL em relação à proibição de tal estipulação, importa atentar na natureza que assume a declaração emitida pelo trabalhador aquando da cessação da relação laboral.
Em termos gerais, a remissão de dívida traduz-se na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação, feita com o acordo do devedor.
A primeira questão que se coloca é a de saber se o documento em causa constitui realmente um contrato de remissão. Pode-se entender que a referida declaração não configura um contrato de remissão, pois que tal implicaria uma identificação e reconhecimento de créditos de que prescindiria.
Mas, o certo é que tal documento contém, pelo menos, uma declaração de quitação que, dada a sua amplitude, abrange todos os créditos resultantes da relação laboral em causa, incluindo os que eventualmente pudessem resultar da sua cessação.
A remissão é uma das causas de extinção das obrigações e traduz-se na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação que lhe é devida, feita com a aquiescência da contraparte4, revestindo, por isso, a forma de contrato, como claramente se diz no art.º 854º, n.º 1, do C.C.: "O credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor."
9. O que verdadeiramente caracteriza o contrato de remissão é a renúncia do credor ao poder de exigir a prestação que lhe é devida pelo devedor. Ao contrário do que acontece com o cumprimento (em que a obrigação se extingue pela realização da prestação devida) e ao contrário do que acontece na consignação, na compensação e na novação (em que o interesse do credor é satisfeito, não através da realização da prestação devida, mas por um meio diferente), na remissão, tal como na confusão e na prescrição, o direito de crédito não chega a funcionar. O interesse do credor a que a obrigação se encontra adstrita não chega a ser satisfeito, nem sequer indirecta ou potencialmente e, todavia, a obrigação extingue-se.5
O direito romano admitia a acceptilatio (remissão de uma obrigação verbal, mediante reconhecimento de se ter recebido a prestação, remissão que extinguia o crédito ipso jure), o pactum de non petendo (convenção pela qual o credor prometia ao devedor que não faria valer o crédito, definitiva ou temporariamente, contra todos - pactum in rem - ou contra determinada pessoa - pactum in provissem, produzindo o pacto o efeito de atribuir uma exceptio contra o crédito) e o contrarius consensus (convenção pela qual se extinguia toda uma relação obrigacional, derivada de um contrato consensual, o que só era possível se nenhuma das partes tinha ainda cumprido6
Pode dizer-se, num certo sentido que, hoje, na remisão, - artigo 854ºdo Código Civil - extinguindo-se a obrigação, o interesse do credor não se satisfaz, nem sequer indirecta ou potencialmente.
10. Mas mesmo que, ainda porventura por algum excesso de rigor formal, se considerasse que o documento em causa não pudesse ser qualificado de remissão, tal como considerado na douta sentença recorrida, por se entender ser necessário que a declaração nele contida tivesse carácter remissivo, isto é, que a parte tivesse declarado que renunciava ao direito de exigir esta ou aquela concretizada prestação, não se deixará de estar sempre perante uma declaração de quitação em que se consideravam extintos, por recíproco pagamento, ajustado e efectuado nessa data, toda qualquer compensação emergente da relação laboral, o que vale por dizer que todas as obrigações decorrentes do contrato de trabalho tinham sido cumpridas.
Como diz Leal Amado7., uma quitação com aquela amplitude é, sem dúvida, uma quitação sui generis, uma vez que os credores não se limitaram a atestar que receberam esta ou aquela prestação determinada. Ao declarar que recebia as compensações a determinado título e que mais nenhum direito subsistia, por qualquer forma, nada devendo reciprocamente, atestaram que receberam todas as prestações que lhe eram devidas. E essa forma de quitação, por saldo de toda a conta, não deixa de ser admitida em direito.
Perante isto, em vez de se perguntar se o autor renunciou ao direito às prestações que eventualmente lhe seria devida em consequência da cessação da relação laboral, perguntar-se-á se essas prestações já se mostram realizadas ou se se mostram extintas, sendo que a resposta a esta última questão, tida como relevante, é seguramente afirmativa, perante a clareza daquela afirmação.
Na verdade, como inequivocamente decorre do teor do documento, os direitos abrangidos pela declaração emitida são os emergentes da relação contratual de natureza profissional que entre A. e Ré se manteve até àquela data.
11. Poder-se-á ainda dizer que a extinção da relação laboral acordada, tornou impossível o cumprimento da obrigação de pagamento à A. do que foi por ela solicitado. Daí que ela passasse a ser titular de um outro direito; tal como já se assinalou, o crédito peticionado é o crédito à indemnização devida pelo incumprimento das obrigações que decorreram para a entidade patronal de lhe garantir os aludidos repousos enquanto para ele trabalhou.
Esta perspectiva afigura-se particularmente relevante.
É que não se trata da disponibilidade de direitos, mas sim da compensação pela sua não satisfação.
Pelo contrato havido e comprovado, no âmbito do qual foi emitida aquela declaração, as partes acordaram sobre o montante de indemnização ou "compensação" devida à Autora e, com o recebimento dessa quantia, a correspondente obrigação da Ré, surgida em substituição da obrigação inicial, extinguiu-se pelo pagamento de que a A. deu total quitação, sendo legítima a transacção extrajudicial sobre o conteúdo ou extensão de obrigação da Ré nos termos do artigo 1172º do CC, não abrangida já por qualquer indisponibilidade.
12. Somos assim, face à caracterização jurídica do acordo celebrado, em considerar que a alegação sobre a vaguidade da declaração de reconhecimento de cumprimento e extinção de toda e qualquer prestação que fosse porventura devida não colhe, face à sua admissibilidade.
Para além de que não se deixaram de concretizar a que título ocorreu o acerto final, quais as compensações a que se procedia, dando-se quitação de todas e eventuais prestações não abrangidas por aquele recebimento.
13. Sobre a eventual situação de inferioridade e dependência ao assinar o recibo, pelo que, não manifestando qualquer vontade negocial, não tomou uma opção livre e consciente, uma escolha livre no tocante à assinatura da referida declaração, estaríamos perante uma situação de erro vício previsto no artigo 240º do CC, face à indução da conduta pela entidade pública tutelar e viciação da vontade, por temor, face à continuação numa sociedade subsidiária da primeira empregadora.
Trata-se de matéria irrelevante não invocada oportunamente nos autos, porquanto a A. não respondeu à matéria da excepção aduzida.
Para além de que dos termos da sua alegação sempre decorreria contradição insanável e que reside em saber o que viciou a vontade do declarante, se o erro, se o temor.
14. Não se deixa de referir que esta interpretação, não obstante algumas divergências, não tem deixado de ser acolhida nos Tribunais de Macau, conforme parte da Jurisprudência do TSI e a Jurisprudência do TUI.8
Assim se conclui pela não existência dos apontados vícios, sendo de manter a douta decisão proferida, o que prejudica necessariamente o recurso interlocutório, que não será de tributar até porque não respondido pelo A..
Assim se conclui pela não existência dos apontados vícios, sendo de manter a douta decisão proferida.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, nos termos e fundamentos expostos, acordam em negar provimento ao recurso ora interposto, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Macau, 29 de Julho de 2010,
_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)
_________________________
Tam Hio Wa
(Primeiro Juiz-Adjunto)
_________________________
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo nº 316/2009
Declaração de voto de vencido
Vencido por razões que já expus na declaração de voto de vencido que juntei, nomeadamente, aos Acórdão tirados nos processos nºs 62/2008, 101/2008, 120/2008 e 252/2008 e que aqui dou por integralmente reproduzidas.
RAEM, 29JUL2009
O juiz adjunto
Lai Kin Hong
1 - Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 11.ª edição, pág. 118.
2 - Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, pág. 219.
3 - Acs. STJ de 20/11/03, proc. 01S4270, de 12/12/01, proc. 01S2271, de 9/10/02, proc. 3661/02
4 - A. Varela, Das obrigações em geral, Coimbra Editora, 2.ª ed., vol. II, pag. 203
5 - A. Varela - Ob. cit., pág. 204
6 - Professor Vaz Serra, BMJ 43, 57.
7 - A Protecção do Salário, pag. 225, Separata do volume XXXIX do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
8 - Acs do TU I46/07, de 27/2/08; 14/08, de 11/6/08; 17/08, de 11/6/08; TSI, proc. 294/07, de 19/7, entre muitos outros
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316/2009 1/23