Processo n.º 624/2010
(Recurso Penal)
Data: 21/Outubro/2010
Assuntos :
- Condução sob influência do álcool; crime de desobediência; prisão efectiva
-Medida da pena; justificação da escolha da pena concreta
Sumário :
1. O vício do n.º 1 do art. 400 do Código de Processo Penal, ou seja, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nada tem que ver com a fundamentação que levou à escolha e à medida da sanção aplicada.
2. A opção pela pena concreta mostra-se fundamentada se se fica a perceber a razão porque se escolheu a pena de prisão, tendo-se em conta as finalidades da punição, as exigências da prevenção, a protecção dos bens jurídicos, a reintegração do agente, o passado criminal do arguido, o dolo engenhoso, a culpa, a ilicitude, o modo de execução, as consequências, a situação pessoal e económica, tudo isto plasmado nos critérios decorrentes dos artigos 40 e 65º do CP, tudo isto depois de, em sede própria, se terem fixados os factos integrantes daqueles pressupostos, bastando ir ao texto da sentença, para em sede da factualidade assente encontrar a base que suporta as conclusões encontradas.
3. Não há uma fórmula matemática que permita efetuar uma contabilização das circunstâncias judiciais. A pena é um conceito essencialmente ético. Não se concebe se possa dizer que o arguido teve 32% de culpa ou a conduta foi 77% ilícita ou a prevenção foi posta em causa em 58%. Isto seria perfeitamente ridículo. Mas já se pode dizer que a culpa foi grave, mais ou menos grave, mediana, a ilicitude foi acentuada, reduzida, as consequências provocaram grande, pequeno mal, indiferente, tudo apontando para uma graduação mais qualitativa e quantificando apenas o quantificável, como sejam, v.g., os danos materiais.
4. O que importa então é saber se a pena se mostra razoável, equilibrada, proporcionada, inserida numa bitola e padrão adoptados pela Jurisprudência e aceite pela comunidade jurídica de que o julgador deve ser o intérprete. Os crimes relacionados com a condução e o reforço do respeito pelas ordens das autoridades traduzem um desvalor que está muito presente e a que a Comunidade é muito sensível. O peso e a força da autoridade, aqui e agora, é um factor não estigmatizante, mas um valor muito preservado no nosso ordenamento jurídico.
O Relator,
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
Processo n.º 624/2010
(Recurso Penal)
Data: 21/Outubro/2010
Recorrente: A ou B
Objecto do Recurso: Sentença condenatória da 1ª Instância
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A, arguido nos autos à margem referenciados e neles melhor identificado, não se conformando com o acórdão condenatório nos autos supra identificados,
onde foi proferida decisão nos termos seguintes:
“Decisão:
Nestes termos e com os fundamentos acima expostos, o Tribunal julga a acusação integralmente procedente por provada e, em consequência:
- Condena o arguido A pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um “crime de desobediência qualificada”, p.p. pelo n.º 1 do art.º 92 da Lei do Trânsito Rodoviário em conjugação com o n.º 2 do art.º 312.º do Código Penal, na pena de sete meses de prisão.
- Decide a cassação da carta de condução do arguido.
- Em cúmulo jurídico com as penas condenadas nos Processos n.º CR4-09-0091-PSM e n.º CR1-10-0006-PSM, condena o arguido A, na pena única de um ano e dois meses de prisão.”
vem, interpor recurso para este Tribunal de Segunda Instância, alegando em síntese conclusiva:
Vem o presente recurso interposto do acórdão que condenou o ora recorrente como autor material, pela prática, na forma consumada, de um crime de desobediência qualificada, previsto e punido pelo artigo 312.º , n.º 2, alínea I) do Código Penal de Macau, na pena de sete meses de prisão e na cassação da licença de condução;
Imputa o recorrente à decisão recorrida o vício do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, qual seja, o erro de direito, assim, como o da desproporcionalidade da pena, que cabe no n.º 1 do mesmo artigo e o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que cabe no n.º 2 do citado dispositivo legal;
Com efeito, o acórdão recorrido é omisso quanto aos fundamentos que levaram à escolha e à medida da sanção aplicada. Não existe uma qualquer exposição ainda que concisa, a falta de fundamentação é absoluta;
Para além deste inultrapassável vício, a sentença recorrida não especificou os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada ao crime por que o recorrente veio a ser condenado, o que constitui irregularidade face ao disposto no artigo 356.º, n.º 1 do CPPM;
A omissão do tribunal a quo inviabiliza qualquer juízo crítico a respeito como foram valoradas na decisão a culpa do agente e as exigências de prevenção criminal, o grau de ilicitude, o modo de execução, a gravidade das consequências, o grau de violação dos deveres impostos, a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados, a sua motivação, as suas condições pessoais e económicas, o comportamento anterior e posterior e demais circunstancialismo apurado;
Paralelamente, entende o recorrente estarem reunidos os pressupostos legais para a suspensão da execução da pena de prisão;
"Pois sempre importará considerar que a pena de prisão - especialmente a pena curta de prisão - tem os mais perniciosos efeitos, pelo que só razões que largamente superem este mal poderão ser invocadas pelo juiz para não usar dos poderes conferidos pelo artigo 86º”, (Eduardo Correia, Direito Criminal, vol. II, reimpressão, Almedina 2000, p. 394);
"Ninguém desconhece que a pena de prisão correccional, pelo modo como se cumpre, nem reprime, nem educa, nem intimida, mas perverte, degrada e macula. É um verdadeiro estágio de corrupção moral. É mister, pois, que se economize esta pena, e que não se ponha um delinquente, que infringiu a lei, pela primeira vez, num momento de paixão ou de fraqueza, um delinquente ainda não ferreteado pela aplicação da pena anterior, em contacto com a vil escória dos cárceres e num meio tão nocivo fisicamente como moralmente.
A condenação condicional não deixa, porém, de funcionar com uma eficácia retributiva e preventiva e, portanto, como uma pena.
Efectivamente, averiguado o facto e aplicada a pena, o agente tem sempre a clara consciência da censura que mereceu o facto e viverá sob a ameaça, agora concreta, e portanto mais viva, da condenação" (ibid., p. 396 e 397)";
Tendo sido o recorrente condenado, em cúmulo jurídico, na pena de um ano e dois meses de prisão, era de esperar a suspensão da execução da pena de prisão;
Sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, o juiz tem o dever de suspender a execução da pena: esta é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico;
Conforme escreveu Jescheck - citado no Acórdão do STJ de 30 de Junho de 1993, in BMJ 428,353 - «na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose favorável ao agente, baseada num risco prudencial. A suspensão da pena funciona como um instituto em que se une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença penal com o apelo, fortalecido pela ameaça de executar no futuro a pena, à vontade do condenado em se integrar na sociedade. O Tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudente.»;
Paralelamente, o recorrente tem a seu cargo toda a sua família;
Pelo que o cumprimento efectivo da pena de prisão irá repercutir-se na sua família;
Considera, assim, o ora recorrente que foi violado o disposto no artigo 48.° do Código Penal;
Por outro lado, para se ter chegado à conclusão que a condenação anterior não foi advertência suficiente para o recorrente não continuar a delinquir era preciso quesitar esse facto e sobre ele fazer-se a necessária prova, lançando mão dos meios de prova legalmente admissíveis;
Com efeito, a lei exige uma avaliação judicial concreta das circunstâncias que levaram o douto Colectivo a concluir pela insuficiência da advertência contida na condenação anterior;
Pelo que, a mera falta de prova do requisito de que a condenação anterior não foi advertência suficiente para o ora recorrente não continuar a delinquir constitui vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, constante da alínea a), n.º 2 do artigo 400.°, com a cominação do artigo 418.°, n.° 1, ambos do Código de Processo Penal de Macau;
No presente caso, e em face do princípio geral ínsito no artigo 64.° do citado diploma legal, nada justifica que se remova o recorrente da comunidade onde está estavelmente inserido, para a qual tem contribuído com o seu trabalho, quebrando as suas ligações familiares, retirando-o do convívio afectivo da sua família que dele precisa, espiritualmente mas acima de tudo materialmente.
Termos em que, entende, deve ser dado provimento ao presente recurso, condenando-se o ora recorrente em pena de prisão, suspensa na sua execução pelo período que vier a ser considerado conveniente, ainda que em conjugação com a sujeição a deveres ou imposição de regras de conduta, nos termos legais - cfr. artigos 49.º e 50.º do Código Penal - anular-se o mesmo por falta de fundamentação ou o reenviar-se o processo para novo julgamento.
A Digna Magistrada do Ministério Público apresentou douta resposta, dizendo, em suma:
O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não tem nada a ver com a fundamentação da escolha e à medida da sanção aplicada.
Existem fundamentos que levaram à escolha e à medida da sanção aplicada na sentença recorrida.
Não se verificou qualquer vício nem violação do disposto do art. 48 do Código Penal de Macau.
Pelo exposto, defende, deve-se negar provimento ao recurso.
O Exmo Senhor Procurador Adjunto emite o seguinte douto parecer:
A nossa Exmª Colega demonstra, cabalmente, a insubsistência da motivação do recorrente.
Inexiste, desde logo, a invocada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Não se vislumbra, na verdade, atento o objecto do processo, qualquer lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada.
O Tribunal cumpriu, por outro lado, o comando do art. 356º, n.º 1, do C. P. Penal.
Mostram-se devidamente especificados, realmente, “os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada”.
A pena de prisão, finalmente, não deve ser suspensa na sua execução.
No âmbito dos fins das penas, há que ter em conta, com particular acuidade, razões de prevenção especial.
E há que atentar, a propósito, em especial, no passado criminal do arguido.
Esse passado traduz-se numa condenação em 5 meses de prisão.
E tendo beneficiado, então, da suspensão da respectiva execução, acabou por praticar o crime dos autos – bem como o do proc. n.º CR1-10-0006-PSM – no período dessa suspensão.
Deve ter-se como grave, assim, a sua “desatenção ao aviso de conformação jurídica da vida” ínsito na condenação em questão (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 253).
O reparo merece, entretanto, a douta sentença recorrida.
A mesma, efectivamente, efectuou o cúmulo jurídico da pena imposto com as penas aplicadas nos processos n.ºs CR4-09-0091-PSM e CR1-10-0006-PSM.
E só o deveria ter feito, a nosso ver, com a do segunda processo.
Deve, pois, proceder se a reformulação desse cúmulo, tendo-se presente, nessa perspectiva, a proibição de “reformatio in pejus”.
Este o nosso parecer.
Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Com pertinência, respiga-se o seguinte da sentença recorrida:
“(...)
Discutida a causa, provaram-se os seguintes factos:
Do Processo Sumário n.º CR2-09-0135-PSM do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base de Macau resulta que em 8 de Maio de 2009, o arguido foi condenado pela prática de crime de condução em estado de embriaguez, na pena de inibição de conduzir pelo período de um ano e dois meses (cfr. a sentença constante nas fls. 14 a 17 dos autos).
Em 19 de Junho de 2009, o arguido, conforme a sentença acima referida, entregou a sua carta de condução de Macau ao CPSP (cfr. o certificado constante nas fls. 19 dos autos), mas não entregou a sua carta de condução de Hongkong cujo portador é C.
Em 12 de Janeiro de 2010, pelas 00h28 à noite, perto de Istmo de Ferreira do Amaral de Macau, n.º policial 6n.º, os agentes do CPSP interceptaram o veículo ligeiro de matrícula n.º MF-XX-XX, cujo condutor é o arguido A.
Com o propósito de ocultar o facto de condução durante o período de inibição de conduzir, o arguido exibiu aos agentes o seu Bilhete de Identidade de Residente de Hongkong e a sua carta de condução de Hongkong cujo portador é C.
Durante o período de verificação de documentos, os agentes descobriram que o arguido tinha conduzido em estado de embriaguez, pelo que levaram o mesmo aos Comissariados de Trânsito para efeito de averiguação.
Em seguida, o arguido foi entregue ao Ministério Público, transferido ao Tribunal Judicial de Base para desencadear o processo sumário e condenado imediatamente na pena de seis meses de prisão.
Ao proceder ao registo criminal do arguido pelo DSI de Macau, verifica-se que o arguido possuía o Bilhete de Identidade de Residente de Macau cujo portador é A, à seguir, os Comissariados de Trânsito, de acordo com este dado, denunciaram o facto de inibição de conduzir do arguido.
O arguido agiu, com dolo, de forma livre e consciente, os actos supracitados.
O arguido sabia bem que não pode conduzir veículo durante o período de suspensão da validade de licença de condução, ainda fazê-lo.
O arguido tem conhecimento de que a sua conduta é proibida e punida por lei de Macau.
*
Mais se provou:
Na audiência de julgamento, o arguido confessou totalmente, sem reservas, o facto de crime.
Com base na Certidão do Registo Criminal:
1. Do Processo n.º CR2-09-0135-PSM (n.º CR4-09-0091-PSM actual) resulta que em 8 de Maio de 2009, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de cinco meses de prisão, com suspensão da execução da pena por dezoito meses, e na pena de inibição de conduzir pelo período de um ano. Foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão em 11 de Maio de 2010 pelo facto de crime cometido pelo arguido no Processo n.º CR1-10-0006-PSM no período de suspensão da execução da pena de prisão . A sentença supracitada já foi transitada em julgamento em 18 de Maio de 2010.
2. Do Processo n.º CR1-10-0006-PSM resulta que em 12 de Janeiro de 2010, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de seis meses de prisão efectiva, o arguido não se conformou e interpôs recurso, o Tribunal de Segunda Instância rejeitou o recurso, mantendo a sentença da 1.ª Instância. A sentença supracitada foi transitada em julgamento em 18 de Março de 2010.
*
Factos não provados:
Nenhum facto importante ficou por assinalar.
*
Convicção do Tribunal baseou-se em:
O arguido prestou declaração na audiência de julgamento, confessando, de livre vontade e sem nenhuma ameaça, todos os factos imputados.
O juízo dos factos foi feito por este Tribunal com base em que o arguido tinha se proposto fazer uma confissão de livre vontade e sem reservas e nas provas documentais revisados na audiência de julgamento constantes nos autos, pelo que, isso basta para julgar com as provas suficientes dos factos acima referidos.
(...)”
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões, tal como configuradas pelo recorrente:
- Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
- Desproporcionalidade da pena
Muito embora o recorrente impute à decisão recorrida o vício do n.° 1 do artigo 400.° do Código de Processo Penal, qual seja, o erro de direito, assim, como o da desproporcionalidade da pena, que diz caber no n.° 1 do mesmo artigo e o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que cabe no n.° 2 do citado dispositivo legal, acaba, no essencial, por atacar a medida da pena, dizendo, em linguagem forte, que a sentença carece em absoluto de fundamentação, de forma a não poder aquilatar-se do acerto da escolha da pena aplicada ao arguido.
2. Não tem razão o recorrente.
O vício do n.º 1 do art. 400 do Código de Processo Penal, ou seja, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nada tem que ver com a fundamentação que levou à escolha e à medida da sanção aplicada.
A falta de fundamentação aludida estará contida na previsão do n.º 2 do artigo 355º do CP e no n.º 1 do art. 356º do CPP.
E atente-se que só a primeira daquelas faltas acarreta a nulidade da sentença nos termos da alínea) do art. 360º.
3. Então, perguntar-se-á, não deve o Tribunal fundamentar a pena escolhida?
É certo que sim, face ao supracitado comando, mas não vindo fulminada com a nulidade máxima tal incorrecção, o que importa averiguar é se a matéria de facto e os critérios usados pelo Tribunal comportam ou se adequam à pena concretamente aplicada.
Vejamos então.
O Mmo Juiz foi muito explícito sobre esse assunto e dedicou-lhe um capítulo com as seguintes palavras:
“ (...)
Medida concreta:
Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição ou visar a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. (vide art.ºs 64.º e 4n.º do Código Penal).
Neste processo, o arguido não é delinquente primário, usando deliberadamente a sua outra identidade para evitar sanção da inibição de conduzir, podemos ver a sua elevada intensidade de dolo, pelo que, este Tribunal entende que a pena não privativa da liberdade não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Conforme os art.ºs 4n.º e 65.º do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal, ao mesmo tempo, o tribunal deve considerar o grau de ilicitude do facto, o modo execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e a posterior a este e outras circunstâncias já determinadas.
Neste processo, embora o arguido confesse o facto de crime, tendo em consideração que o mesmo não é delinquente primário e sendo elevada a intensidade de dolo, é preciso condená-lo na pena de prisão com efeito de ameaça.
Considerando sistematicamente os factores e circunstâncias supracitadas, o Tribunal entende que é mais adequado condenar, o arguido, pela prática de um “crime de desobediência qualificada” p.p. pelo n.º 2 do art.º 312.º do Código Penal, conjugado com o n.º 1 do art.º 92.º da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de sete meses de prisão, com cassação da carta de condução do arguido.
Ao abrigo do art.º 48.º do Código Penal, atendendo às condições sociais do arguido, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às respectivas circunstâncias concretas deste, este Tribunal entende que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que, este Tribunal entende que a pena de prisão deve ser efectivamente executada.
*
Cúmulo jurídico:
Do processo n.º CR2-09-0135-PSM (n.º CR4-09-0091-PSM actual) resulta que em 8 de Maio de 2009, o arguido foi condenado pela prática de um “crime de condução em estado de embriaguez”, na pena de cinco meses de prisão, com suspensão da execução da pena de prisão por dezoito meses, e na pena de inibição de conduzir pelo período de um ano. Foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão em 11 de Maio de 2010 pelo facto de crime cometido pelo arguido no Processo n.º CR1-10-0006-PSM no período de suspensão da execução da pena de prisão. A sentença supracitada já foi transitada em julgamento em 18 de Maio de 2010.
Do Processo n.º CR1-10-0006-PSM resulta que em 12 de Janeiro de 2010, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de seis meses de prisão efectiva, o arguido não se conformou, interpondo recurso, o Tribunal de Segunda Instância rejeitou o recurso, mantendo a sentença da 1.ª Instância. A sentença supracitada foi transitada em julgamento em 18 de Março de 2010.
Como enquadra-se ao pressuposto do cúmulo jurídico previsto nos art.ºs 71.º e 72.º do Código Penal de Macau, ao abrigo dos respectivos dispostos, em cúmulo jurídico com as penas condenadas nos Processos acima mencionados, é punível com a pena de prisão entre sete meses e dezoito meses; pelo que, atendendo de forma adequada à conduta do crime e a sua personalidade do arguido, decide-se condenar o arguido na pena única de um ano e dois meses de prisão em cúmulo jurídico com as penas condenadas nos Processos n.º CR4-09-0091-PSM e n.º CR1-10-0006-PSM.
(...)”
4. É evidente que se fica a perceber a razão porque se escolheu a pena de prisão, tendo-se em conta as finalidades da punição, as exigências da prevenção, a protecção dos bens jurídicos, a reintegração do agente, o passado criminal do arguido, o dolo engenhoso, a culpa, a ilicitude, o modo de execução, as consequências, a situação pessoal e económica, tudo isto plasmado nos critérios decorrentes dos artigos 40 e 65º do CP, tudo isto depois de, em sede própria, se terem fixados os factos integrantes daqueles pressupostos.
Bastará ir atrás, ao texto da sentença, para em sede da factualidade assente aí encontrar a base que suporta as conclusões encontradas.
E que essa pena de 7 meses de prisão, efectiva, foi escolhida dentro de uma moldura abstracta de prisão até 2 anos.
Não sendo difícil descortinar igualmente as razões da efectividade da pena.
5. A Jurisprudência tem-se contentado com este tipo de fundamentação, sendo que dela se alcançam as razões que conduziram à pena concreta.
Não há uma fórmula matemática que permita efetuar uma contabilização das circunstâncias judiciais. A construção que orienta a fixação da pena-base decorre, assim, de máximas sedimentadas pela Jurisprudência e pela Doutrina.
Um maior aprofundamento, ainda que possível, por mais exaustivo que seja, não sendo recondutível a uma qualquer fórmula matemática, nunca conseguirá traduzir o apuramento a que se chegou, até pela carga subjectiva, emocional, até pela motivação não jurídica ínsita à Justiça humana.
A pena é um conceito essencialmente ético.1
Não se concebe se possa dizer que o arguido teve 32% de culpa ou a conduta foi 77% ilícita ou a prevenção foi posta em causa em 58%. Isto seria perfeitamente ridículo. Mas já se pode dizer que a culpa foi grave, mais ou menos grave, mediana, a ilicitude foi acentuada, reduzida, as consequências provocaram grande, pequeno mal, indiferente, tudo apontando para uma graduação mais qualitativa e quantificando apenas o quantificável, como sejam, v.g., os danos materiais.
O que importa então é saber se a pena se mostra razoável, equilibrada, proporcionada, inserida numa bitola e padrão adoptados pela Jurisprudência e aceite pela comunidade jurídica de que o julgador deve ser o intérprete.
Assim se conclui pela inexistência do pretenso vício à sentença recorrida.
6. Com o desenvolvimento dada à questão que antecede se responde à linha argumentativa do recorrente que assaca à sentença violação das regras da fundamentação da escolha da medida da pena em termos formais.
7. E em termos substantivos?
A pena de 7 meses de prisão e a escolha da pena detentiva afiguram-se adequadas.
Os antecedentes do arguido, a culpa concreta, a dissimulação na forma do cometimento do crime, as razões de prevenção criminal associadas a uma premência muito forte na perseguição das situações de condução ilícita, os perigos daí decorrentes, numa cidade pequena e altamente congestionada como é Macau, são evidentes, a maturidade e experiência de vida, traduzida na idade do arguido, a irrelevância da confissão, tudo aponta para a aplicação de uma pena detentiva que não se pode considerar, de modo algum, exagerada na dosimetria concreta de 7 meses numa moldura de 1 mês a 2 anos.
8. Pugna o recorrente pela suspensão da execução da pena de prisão.
Ainda aqui sem razão.
Basicamente o critério que deve presidir à suspensão da execução da pena é o de um juízo em termos tais que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
O que decorre do disposto no art. 48° do C. Penal que prevê:
“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão.”
Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável, ou seja, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e de que não cometerá no futuro nenhum crime2.
Se a ausência de antecedentes criminais por si só não chega para justificar uma suspensão de pena, como já tem sido afirmado pelos nossos Tribunais, não é menos certo que as condenações anteriores ou situações de reincidência, ainda que não pesando definitivamente, não devem deixar de constituir um sério motivo de reflexão objectora a tal concessão.
Na verdade, esse passado criminal do arguido em nada o beneficia, não sendo possível, neste caso formular um juízo de prognose favorável.
Não é já e só a capacidade regenerativa do arguido - e mesmo aí temos dúvidas, visto que o cometimento deste crime está ligado aos anteriores; foi praticado para os dissimular. Ora isto é muito condenável e revela uma personalidade propensa ao desvio das regras comunitárias.
O arguido comprovou não ser merecedor de uma suspensão de que já beneficiou anteriormente.
Acrescem, neste caso, ainda fortes razões de prevenção geral pelas razões já acima avançadas.
Os crimes relacionados com a condução e o reforço do respeito pelas ordens das autoridades traduzem um desvalor que está muito presente e a que a Comunidade é muito sensível. O peso e a força da autoridade, aqui e agora, é um factor não estigmatizante, mas um valor muito preservado no nosso ordenamento jurídico.
A sociedade, acreditamos vivamente, não estaria descansada se este arguido não cumprisse a pena que lhe foi imposta.
Assim se afasta a possibilidade de suspensão, não merecendo qualquer censura a decisão recorrida.
9. Há, no entanto, uma questão que importa apreciar.
Respeita ao cúmulo que foi efectuado.
Como bem salienta o Exmo Senhor Procurador Adjunto a sentença efectuou o cúmulo jurídico da pena imposta com as penas aplicadas nos processos n.ºs CR4-09-0091-PSM e CR1-10-0006-PSM e só o deveria ter feito, com a do segundo processo, na medida que o que temos em relação ao primeiro dos crimes, cometido em 2009, é uma sucessão de crimes, não abrangida pelas situações passíveis de cúmulo contempladas no art. 71º do CP.
Só que tal questão não foi objecto de recurso interposto pelo MP, donde não dever este Tribunal mexer, ainda aí, nesse segmento do decidido na 1ª Instância.
Face ao exposto, manter-se-á o decidido.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo o que foi decidido no Tribunal Judicial de Base.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 8 Ucs.
Macau, 21 de Outubro de 2010,
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira (Relator)
Tam Hio Wa (Primeira Juiz-Adjunta)
Lai Kin Hong (Segundo Juiz-Adjunto)
1 - Giuseppe Bettiol, Dto Penal, IV vol., Coimbra 1977, 102
2 - JESCHECK, citado a fls. 137 do Código Penal de Macau de Leal-Henriques/Simas Santos
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624/2010 1/22