Processo n.º 754/2010 Data do acórdão: 2010-10-28
Assuntos:
– emissão de cheque sem provisão
– art.o 214.o do Código Penal
– proibição de ausência de Macau
– art.o 188.o do Código de Processo Penal
– princípio de adequação e proporcionalidade
S U M Á R I O
Basta a existência de fortes indícios de prática do crime doloso de emissão de cheque sem provisão, punível nos termos do art.o 214.o do Código Penal com pena de prisão de limite máximo superior a um ano, para permitir a aplicação da medida coactiva de proibição de ausência de Macau, desde que se preencham também os pressupostos legais do art.o 188.o do Código de Processo Penal, com observância simultânea do princípio de adequação e proporcionalidade referido no art.o 178.o deste Código.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 754/2010
(Recurso penal)
Recorrente: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
1. Inconformado com o despacho da Mm.a Juíza de turno do Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Base na concreta parte em que lhe impôs a medida de proibição de ausência de Macau, veio o arguido A recorrer para esta Segunda Instância, para pedir a revogação dessa medida coactiva (cfr. a motivação do recurso a fls. 2 a 11 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público (a fls. 26 a 28v), no sentido de manutenção da decisão recorrida.
Subido o recurso, foi emitido douto parecer pela Digna Procuradora-Adjunta (a fls. 136 a 137v), pugnando pela improcedência da pretensão do recorrente.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2. Para o efeito, é de relembrar aqui que a Mm.a Juíza autora da decisão ora recorrida fundamentou a aplicação nomeadamente da medida coactiva de proibição de ausência de Macau na entendida existência de fortes indícios da prática, pelo arguido, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.o 214.o, n.o 1, do Código Penal de Macau (CP), e de um crime de burla, p. e p. pelo art.o 211.o, n.o 4, alínea a), do mesmo Código, bem como na concluída simultânea verificação do perigo de perturbação do decurso do processo, do perigo de continuação da actividade criminosa e também do perigo de fuga.
3. Em face dessa fundamentação, é de verificar, de antemão, que não pode vir o arguido assacar à decisão recorrida a violação do dever de fundamentação a que alude o art.o 87.o, n.o 4, do Código de Processo Penal de Macau (CPP).
E quanto ao mérito ou não da decisão de imposição da proibição de ausência de Macau, é de afirmar, tal como considerou a Digna Procuradora-Adjunta no seu judicioso parecer, que basta a existência de fortes indícios de prática do crime doloso de emissão de cheque sem provisão, punível nos termos do art.o 214.o do CP com pena de prisão de limite máximo superior a um ano, para permitir a aplicação dessa medida, desde que se preencham também os pressupostos legais do art.o 188.o do CPP, com observância simultânea do princípio de adequação e proporcionalidade referido no art.o 178.o deste Código.
No caso, como o arguido não põe em causa o juízo de valor já emitido no despacho recorrido, no sentido de existência de fortes indícios da prática do crime de emissão de cheque sem provisão, é possível a este Tribunal de recurso ajuizar, para já, do mérito da decisão de imposição da medida de proibição de ausência de Macau mesmo com foco apenas nesse crime.
Nesta perspectiva, é de entender que no caso, há efectivamente perigo concreto de fuga a que alude o art.o 188.o, alínea a), do CPP, visto que diversamente do alegado pelo arguido na sua motivação, do exame dos autos do inquérito penal em questão, não se retira que ele, sendo um cidadão residente no exterior de Macau, tem vindo a colaborar com a justiça, pois ele foi interceptado pelo Serviço de Migração da Polícia de Segurança Pública a pedido da Polícia Judiciária, formulado depois de fracasso de várias tentativas de estabelecimento de contacto telefónico com ele (para constatar isto, veja-se o teor de fls. 64 a 70 dos presentes autos), por um lado, e, por outro, quando foi ouvido pela Polícia Judiciária sobre a matéria dos autos do inquérito, não prestou ele declarações claras sobre as coisas (veja-se o teor do auto de declarações de fls. 75 a 76 dos autos).
Aliás, não pode defender o arguido que ele próprio não tem meios de subsistência que lhe permitam permanecer em Macau, pois dos autos resulta que ele é sócio administrador de duas sociedades comerciais do ramo de construção civil registadas em Macau (veja-se o teor de fls. 43 a 55 dos autos).
E como nos cheques emitidos sem provisão, estive em causa, ao total, um valor pecuniário consideravelmente elevado, e atenta a postura não muito colaboradora do arguido, não se mostra inadequada ou desproporcional a medida de proibição de ausência de Macau, pelo que não se afigura real a tese de violação do princípio plasmado no art.o 178.o do CPP, ainda que no caso esteja em questão um crime semi-público.
Como se vê, o acima exposto já dá para decidir pela manutenção da medida de proibição de ausência de Macau, independentemente da indagação, que se mostra agora prejudicada por desnecessária, da questão de existência ou não de fortes indícios do crime de burla.
4. Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso do arguido A, com custas do recurso a seu cargo, com cinco UC de taxa de justiça.
Macau, 28 de Outubro de 2010.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Segunda Juíza-Adjunta)
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