Processo n.º 473/2010
(Recurso Penal)
Data: 21/Outubro/2010
Assuntos :
- Condução sob influência do álcool
- Medida da inibição de condução
Sumário :
1. Não se pode aceitar que pelo facto de uma dada contravenção ter sido cometida antes daquela em que lhe foi cominada a inibição de um ano e seis meses e por ter sido a primeira vez que conduziu sob influência do álcool a sanção devia ser tabelada pelo mínimo legal.
2. O Mmo Juiz, ao fixar em 4 meses de inibição de conduzir, não terá deixado necessariamente de ter em conta o cadastro estradal do transgressor composto já por inúmeras infracções à Lei do Trânsito Rodoviário e o demais circunstancialismo apurado, nomeadamente o grau de álcool no sangue, que também não era o mínimo da respectiva tabela típica.
O Relator,
Processo n.º 473/2010
(Recurso Penal)
Data: 21/Outubro/2010
Recorrente: A
Objecto do Recurso: Sentença condenatória da 1ª Instância
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
A, transgressor, melhor identificado nos autos no processo contravencional que integra os autos acima referidos, foi condenado pela prática de uma contravenção de condução sob influência de álcool p. e p. pelo artigo 96.º n.ºs 1 e 3 da Lei do Trânsito Rodoviário e de uma contravenção de excesso de velocidade p. e p. pelos artigos 31.º e 98.º n.º 3 alínea 3) da mesma Lei numa pena de multa cujo pagamento já foi efectuado e nas penas acessórias de inibição de condução respectivamente de 4 meses e de 1 ano, e, em cúmulo jurídico, na pena acessória de inibição de condução pelo período de 1 ano e 2 meses.
Inconformado, recorre dessa sentença, alegando em síntese conclusiva:
No processo n.º CR1-09-0209-PSM, o recorrente foi condenado na pena de 3 meses de prisão, substituída por 90 dias de multa e na pena acessória de inibição de condução pelo período de 1 ano e 6 meses.
No presente processo contravencional, o recorrente foi condenado na pena de inibição de condução pelo período de 4 meses pela prática de contravenção de condução sob influência de álcool p. e p. pelo artigo 96.º n.ºs 1 e 3 da Lei do Trânsito Rodoviário.
A aludida contravenção foi praticada antes do acto cometido no processo n.º CR1-09-0209-PSM e na determinação da medida da pena, nenhuma das circunstâncias do recorrente previstas no artigo 65.º do Código Penal foi considerada.
Pelo que, na altura em que praticou a aludida contravenção, o recorrente não tinha nenhum registo de condução em estado de embriaguez, por isso, o recorrente é primário e a taxa de álcool no sangue do recorrente foi relativamente baixa. Depois de considerar os fundamentos acima referidos, deve apenas aplicar ao recorrente a pena acessória mínima, isto é, inibição de condução pelo período de 2 meses.
Por outro lado, em 1 de Julho de 2009, o recorrente conduziu em excesso de velocidade - 132 km/h e conforme os registos de condução em excesso de velocidade do recorrente, o Departamento de Trânsito acusou ao recorrente da prática de contravenção de excesso de velocidade p. e p. pelos artigos 31.º e 98.º n.º 3 alínea 3) da Lei do Trânsito Rodoviário, que deve ser punida com a pena de inibição de condução pelo período de 1 anos a 3 anos.
Contudo, em 1 de Julho de 2009, o recorrente foi interceptado pela polícia por ter conduzido à velocidade de 132 km/h, e posteriormente, foi também verificado que a taxa de álcool no sangue do recorrente excedeu o máximo limite legal, por isso, o recorrente foi encaminhado para o tribunal no mesmo dia e foi aí julgado e foi condenado na pena de inibição de condução pelo período de 1 ano e 6 meses (Processo n.º CR1-09-0209-PSM).
Devido à natureza do referido processo, foi o mesmo julgado em processos diferentes. Quanto ao crime de condução em estado em embriaguez acima referido, o recorrente foi julgado no processo n.º CR1-09-0209-PSM e foi condenado na pena acessória de inibição de condução pelo período de 1 ano e 6 meses.
Deve ser efectuado o cúmulo jurídico desta pena acessória de inibição de condução com a imposta pela prática de contravenção de excesso de velocidade do presente processo, em vez de condenar o recorrente nas duas penas de inibição de condução pelo mesmo acto.
No Processo n.º CR1-09-0209-PSM, o recorrente foi condenado na inibição de condução pelo período de 1 ano e 6 meses enquanto pela prática da contravenção de excesso de velocidade do presente processo, o recorrente foi condenado na pena de inibição de condução de 1 ano.
Efectuando-se o cúmulo jurídico, a moldura penal da inibição de condução deve ser de 1 ano e 6 meses a 2 anos e 6 meses e o recorrente entende que é o mais adequado condená-lo na pena de inibição de condução pelo período de 1 ano e 7 meses.
Além disso, da Notificação do Departamento de Trânsito n.º 000878/2009, resulta que a condução sob influência de álcool pela qual o recorrente foi condenado na pena de inibição de condução foi praticada antes do acto cometido no processo n.º CR1-09-0209-PSM, por isso, também deve ser efectuado o cúmulo jurídico das referidas penas de inibição de condução, e assim, a moldura penal da pena de inibição de condução deve ser de 1 ano e 7 meses a 1 ano e 9 meses.
Pelo acima exposto é mais adequado condenar o recorrente na inibição de condução pelo período de 1 ano e 8 meses.
Pelo que solicita se julgue procedente o presente recurso.
O Digno Magistrado do MP oferece douta resposta, pronunciando-se pela sem razão do recorrente em termos que se acompanham de perto na fundamentação abaixo desenvolvida.
O Exmo Senhor Procurador Adjunto emite o seguinte douto parecer:
Acompanhamos as judiciosas considerações do nosso Exmº. Colega.
A pena acessória aplicada pela contravenção do n.º 1 do art. 96°, da L TR, desde logo, mostra-se justa e equilibrada, considerando as circunstâncias apuradas (e, em especial, o cadastro estradal do transgressor).
É incontroversa, por outro lado, a bondade da autonomização do excesso de velocidade, em relação à contravenção, que foi objecto de condenação no processo n.º CRI-09-0209-PSM.
Inexiste, designadamente, a propósito, a violação de qualquer princípio ou regra.
Relativamente ao propugnado cúmulo jurídico das penas dos presentes autos com a do referido processo, há que sublinhar que este Tribunal se pronunciou, recentemente, no sentido dessa possibilidade (cfr. ac. 22-07-2010, proc. n.º 540/2010).
A tese que fez vencimento, estribada em reputada Doutrina, merece a nossa concordância.
E, nessa perspectiva, nada parece obstar a que a correspondente pena única seja fixada nesta Segunda Instância.
Este o nosso parecer.
Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Com pertinência, respiga-se da acta onde foi proferida a sentença o seguinte:
”(...)
O Ministério Público, substituiu a apresentação da acusação pela leitura das notificações n° N000878/2009 e n° N000982/2009 junta aos autos, nos termos do art. 370°, n.º 3 do C.P.P.
Sendo este Tribunal o competente e o processo o próprio, e tendo o Ministério Público legitimidade, e na ausência de outras questões prévias ou acidentais susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa de que se pudesse, desde logo, conhecer, procedeu-se à produção da prova pela forma e ordem seguintes:
Previamente, porém, foi o transgressor advertido, nos termos do art. 323°, n° 3 do C.P.P., de que apenas era obrigado a falar e com verdade às perguntas sobre a sua identidade, antecedentes contravencionais e existência de qualquer outro processo contravencional em curso contra ele, sob pena de não o fazendo ou fazendo-o falso, poder incorrer em responsabilidade penal
INTERROGATÓRIO DO TRANSGRESSOR
Quanto à sua identidade, o transgressor disse chamar-se: A, solteiro, empreiteiro de obra, natural de Hong Kong, nascido em XX/XX/19XX, filho de XXX e de XXX, titular do B.I.R.M. n° XXXXXX(X) e residente na Taipa, na Rua de XX, edf. XX, bloco XX, XXº andar XX (氹仔XX街XX第XX座XX樓XX), Tel:XXX ou XXX.
Que o transgressor disse confirmar a ficha de cadastro junto aos autos.
Quantos aos antecedentes criminais, o transgressor disse que foi condenado nos autos de processo sumário (CR1-09-0209-PSM) por um crime de condução em estado de embriaguez na pena de três meses de prisão, esta substituída por noventa dias de multa, à taxa diária de duzentas patacas
Foi o mesmo ainda 'condenado na pena acessória de inibição de condução por um período de um ano e meio
Tendo o mesmo procedido ao pagamento da multa em 17/07/2009
*
Nessa altura, o transgressor foi informado pelo Mmº Juiz nos termos do art. 324°, n.º 1 do CPP, de que tinha direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência, desde que eles se referissem ao objecto do processo, sem que no entanto a tal fosse obrigado e sem que o seu silêncio pudesse desfavorecê-lo.
E o mesmo prestou declarações e confessou assim de forma espontânea, integral e sem reserva dos factos que lhe são imputados.
Foi ouvido, ainda, o transgressor acerca da sua situação económica, pessoal e familiar
*
Seguidamente, o MMº Juiz procedeu ao exame dos documentos juntos aos autos nos termos e para os efeitos do art. 336°, n.º 1 do Código Processo Penal e à discussão da causa com observância de todo o formalismo legal
Finda a produção da prova, foi dada a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Público para alegações orais e foi dado cumprimento ao art. 342°, n.º 1 do CPP, ao transgressor para alegar o que tivesse por conveniente em sua defesa, após o que o Mmº Juiz declarou encerrada a discussão e ditou para a acta a seguinte:
SENTENÇA
Pela convicção fundada na prova documental produzida através do exame na audiência de documentos juntos aos presentes autos, resultaram provados os factos constantes das notificações de fls. 4 e 9, nomeadamente:
Em 11 de Junho de 2009, cerca das 03H49, o transgressor conduziu o automóvel ligeiro com chapa de matrícula MN-XX-XX, na Alameda Dr. Carlos d'Assumpção, com a taxa alcoolémia de 0.95 gramas por litro de sangue
Em 01 de Julho de 2009, cerca das 00H09, o transgressor conduziu o automóvel ligeiro com chapa de matrícula MN-XX-XX, na Estrada Almirante Marques Esparteiro na Taipa, à velocidade de 132 quilómetros por hora
Mais se provou que o transgressor praticou as contravenções referidas na ficha de cadastro juntos nos autos de fls. 3
Facto não provado: nada a assinalar
*
Relativamente ao comportamento do transgressor, o transgressor cometeu uma contravenção nos termos do art. 96°, n° 1° da lei de Trânsito Rodoviário, e pode ser punido na multa de MOP$6.000,00 até MOP$30.000,00 e além disso pode ser condenado na pena acessória de inibição de condução pelo período de 2 meses a 6 meses, nos termos do art° 96°, n° 3° da lei de Trânsito Rodoviário, bem como uma contravenção nos termos do art° 31° n° 1° da lei de Trânsito Rodoviário, conjugado com o art° 20° do R.T.R, e pode ser punido na multa de MOP$4.000,00 até MOP$20.000,00 e além disso pode ser condenado na pena acessória de inibição de condução pelo período de 1 ano a 3 anos, nos termos do art° 98°, n° 3°, ai. 3 da lei de Trânsito Rodoviário
*
Em face do exposto, o Tribunal julga a acusação procedente por provada e, em consequência, condena o transgressor A
a.) na pena acessória de inibição de condução pelo período de quatro (4) meses pela prática de uma contravenção prevista pelo art. 96°, n.º 1 da lei do Trânsito Rodoviário e punida pelo art. 96°, n.º 3 da mesma Lei
b.) na pena acessória de inibição de condução pelo período de um (1) ano pela prática de uma contravenção prevista e punida pelo art. 31°, n.º 1 da lei do Trânsito Rodoviário, conjugado com o art. 20° do R.T.R., e punida pelo art. 98°, n.º 3, al. 3 da lei do Trânsito Rodoviário
Operando o cúmulo jurídico, condena o transgressor na pena acessória de inibição de condução pelo período de um (1) ano e dois (2) meses
O transgressor tem de entregar à P.S.P. no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão a carta de condução, sob pena de cometer um crime de desobediência. (art° 121º, n° 7 e art. 143°, n° 1 da lei do Trânsito Rodoviário)
Adverte-se o transgressor que no caso de conduzir no período de inibição de conduzir cometerá um crime de desobediência qualificada nos termos do (art. ° da lei do Trânsito Rodoviário)
Mais o condeno nas custas do processo, com metade unidade de conta (1/2UC) de taxa de justiça e nos encargos do processo
Comunique à PSP e à DSAT para os efeitos tidos por convenientes
Comunique a sentença, com nota de trânsito aos autos de processo sumário n° CR1-09-0209-PSM
(...)”
III - FUNDAMENTOS
1. O transgressor A veio interpor recurso da sentença que o condenou, em cúmulo jurídico, na pena acessória de inibição de condução pelo período de 1 ano e 2 meses, alegando severidade da pena numa das transgressões cometidas, pedindo a efectivação do cúmulo jurídico com a pena aplicada no Processo Sumário CR1-09-0209-PSM.
Sendo essas as questões a apreciar nesta sede, desde já se afirma que não assiste razão ao recorrente.
2. Quanto à alegada severidade da pena.
Acompanhamos aqui as judiciosas considerações dos Magistrados do MP, não se podendo aceitar que pelo facto de a dita contravenção ter sido cometida antes daquela em que lhe foi cominada a inibição de um ano e seis meses e por ter sido a primeira vez que conduziu sob influência do álcool a sanção devia ser tabelada pelo mínimo legal.
O Mmo Juiz, ao fixar em 4 meses de inibição de conduzir, não terá deixado necessariamente de ter em conta o cadastro estradal do recorrente composto já por inúmeras infracções à Lei do Trânsito Rodoviário e o demais circunstancialismo apurado, nomeadamente o grau de álcool no sangue, que também não era o mínimo da respectiva tabela típica.
Ora, tudo isto integra o circunstancialismo previsto nos artigos 40º e 65º do CP, donde não assistir razão ao recorrente na crítica injusta que assaca à sentença recorrida.
3. Já quanto à pena do excesso de velocidade por que o arguido vem condenado foi-lhe aplicada a pena mínima.
4. O cúmulo da pena acessória da inibição de conduzir pelo período de um ano e dois meses, aplicada na sentença recorrida, mostra-se correcta e não merece censura, à luz das citadas disposições e vista ainda a globalidade do circunstancialismo que vem apurado.
5. Numa outra parte da sua alegação o recorrente parece querer pôr em causa a sentença proferida no Processo Sumário CR1-09-0209-PSM ao dizer que "não devia ser condenado pela infracção de condução em velocidade excessiva, uma vez que esta foi causada pela influência do álcool".
Como é evidente, não é nestes autos que o recorrente pode pôr em causa aquela sentença.
Para a eventual elaboração do cúmulo foi ordenada oportunamente a comunicação da sentença sob recurso àquele Processo Sumário.
Não enferma, assim, a douta sentença de qualquer vício sendo a pena justa e equilibrada, pelo que se negará provimento ao recurso e se confirmará a sentença recorrida
Independentemente da questão da possibilidade legal de se poder proceder ao cúmulo jurídico das penas acessórias - vista até a divergência instalada na nossa Jurisprudência -, sempre a falta de elementos, nomeadamente a certidão da sentença proferida no processo sumário CR1-09-0209-PSM, bem como do CRC, não permitem a este Tribunal proceder a tal ponderação de eventual cúmulo face a condenação posterior ou referente a factos cometidos posteriormente.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 4 UCs.
Notifique e comunique ao processo CR1-09-0209-PSM .
Macau, 21 de Outubro de 2010,
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
473/2010 1/14