Processo n.º 636/2010 Data do acórdão: 2010-10-28
Assuntos:
– furto qualificado
– art.o 198.o, n.o 2, alínea g), do Código Penal
– suspensão de execução da pena de prisão
– confissão dos factos
– atenuação especial da pena
– apoio judiciário
– art.o 4.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 41/94/M
S U M Á R I O
1. São elevadas as necessidades de prevenção sobretudo geral do crime de furto qualificado previsto no art.o 198.o, n.o 2, alínea g), do Código Penal de Macau, especialmente quando praticado por pessoas não locais, pelo que não é de suspender a execução da pena de prisão aplicada.
2. A confissão dos factos, por si só, não basta, no caso, fazer accionar o mecanismo de atenuação especial da pena a que alude o art.o 66.o do Código Penal, uma vez que não consegue diminuir por forma acentuada, e pelo menos, a necessidade da pena para o tipo de crime em questão, quando praticado por pessoas não locais.
3. Não sendo residente legal de Macau, não pode a recorrente gozar do benefício de apoio judiciário, independentemente de demais indagação sobre a sua situação económica (cfr. o disposto no art.o 4.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 41/94/M, do Primeiro de Agosto, a contrario sensu).
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 636/2010
(Autos de recurso penal)
Recorrentes: A, B e C
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I - RELATÓRIO
No Primeiro de Junho de 2010, foi proferido acórdão em primeira instância no âmbito do Processo Comum Colectivo n.° CR1-09-0341-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, condenatório da 1.a arguida A na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão, por cometimento, em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.o 198.o, n.o 2, alínea g), do Código Penal de Macau (CP), e também condenatório do 2.o arguido D, da 3.a arguida B, da 4.a arguida C e do 5.o arguido E, todos igualmente como co-autores materiais de um mesmo crime consumado de furto qualificado, na idêntica pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão (cfr. o teor desse acórdão, a fls. 665 a 677 dos presentes autos correspondentes, que se dá por aqui integralmente reproduzido).
Inconformadas, vieram as supra identificadas 1.a, 3.a e 4.a arguidas interpor recurso para esta Segunda Instância.
Aos recursos, respondeu o Ministério Público no sentido de manutenção do julgado, para além de suscitar a questão prévia de extemporaneidade dos recursos.
Subidos os autos, emitiu o Digno Procuradoro-Adjunto douto parecer no sentido de subscrever a posição já assumida pelo Ministério Público na Primeira Instância.
Procedeu depois o relator ao exame preliminar, em sede do qual mandou notificar as três recorrentes para, querendo, responder à questão prévia levantada pelo Ministério Público.
Veio responder apenas a 4.a arguida, pugnando pela tempestividade do seu recurso.
Por determinação subsequente do relator, a decisão sobre a tempestividade dos recursos ficou relegada para final.
Corridos os vistos legais, procedeu-se à audiência em julgamento com observância do formalismo previsto no art.° 414.° do Código de Processo Penal de Macau.
Cumpre, pois, decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
De antemão, e após examinado o processado anterior, a fls. 678 a 737 dos autos, é de julgar como tempestivos os três recursos em questão, sobretudo porque a contagem do prazo legal de dez dias para interposição de recurso chegou a ser materialmente suspensa por decisão concreta de 30 de Junho de 2010 do Mm.o Juiz titular do processo na Primeira Instância (cfr. o despacho judicial de fl. 712v), decisão essa que notificada em 2 de Julho de 2010 ao Ministério Público (cfr. fl. 713), não foi por este Órgão Judiciário impugnada a tempo, pelo que já se formou, há muito, caso julgado formal nessa matéria no âmbito do presente processo.
Há, pois, que conhecer do mérito dos recursos.
A 1.a arguida começou por imputar à decisão recorrida a violação do princípio da igualdade na medida concreta da pena.
Contudo, de uma leitura atenta da fundamentação fáctico-jurídica do acórdão recorrido, resulta que:
– em comparação com outros arguidos e arguidas condenados no mesmo crime de furto qualificado, foi concretamente provado que a 1.a arguida chegou a praticar mais três casos de furto, a saber: no dia 8 de Março de 2009, na loja do pronto-a-vestir “F”; no dia 10 de Abril de 2009, numa loja de artigos desportivos sita na Rua do Campo, e no dia 12 de Abril de 2009, na loja de pronto-a-vestir “G”;
– enquanto os outros arguidos e arguidas condenados confessaram os factos, a 1.a arguida só confessou parte dos factos.
Assim, essas diferenças dão perfeitamente para justificar uma dose mais pesada da pena para a 1.a arguida, pelo que improcede desde já o recurso dela nessa parte.
Sendo-lhe, pois, mantida a pena concreta de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão aplicada no acórdão recorrido, é inviável a pretensão, formulada pela 1.a arguida na remanescente parte do seu recurso, de suspensão de execução da pena de prisão, sem mais indagação, por ociosa, da verificação, ou não, de outros pressupostos previstos no art.o 48.o do CP.
A 3.a arguida aqui também recorrente pede unicamente a suspensão da execução da sua pena.
Embora tenha confessado os factos, não é de suspender-lhe a execução da pena, já que são elevadas as necessidades de prevenção sobretudo geral do tipo de crime em questão, especialmente quando praticado por pessoas não locais.
Naufrga, pois, in totum, o recurso desta 3.a arguida.
Por outra banda, a 4.a arguida pede, a título principal, a atenuação especial da pena.
Mas, sem razão, visto que a confissão dos factos, por si só, não basta, no caso, fazer accionar o mecanismo de atenuação especial da pena a que alude o art.o 66.o do CP, uma vez que não consegue diminuir “por forma acentuada”, e pelo menos, a necessidade da pena para o tipo de crime em questão, quando, repita-se, praticado por pessoas não locais.
Outrossim, pretende a 4.a arguida igualmente a suspensão da execução da sua pena de prisão. Mas, por motivos já aduzidos a propósito do pedido idêntico da 3.a arguida, é de improceder também esta parte do seu recurso.
Finalmente, pede esta arguida o apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de custas. Contudo, como não é residente legal de Macau, não pode gozar ela desse benefício, independentemente de demais indagação, por desnecessária, sobre a sua situação económica (cfr. o disposto no art.o 4.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 41/94/M, do Primeiro de Agosto, a contrario sensu).
Em suma, hão-de improceder os três recursos em questão.
III – DECISÃO
Em sintonia com o exposto, acordam em:
– considerar tempestivos os recursos da 1.a arguida A, da 3.a arguida B e da 4.a arguida C;
– negar provimento a esses três recursos;
– e indeferir o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa total de custas formulado pela 4.a arguida C.
Custas dos recursos pelas respectivas recorrentes, com quatro UC de taxa de justiça individual para as 1.a e 4.a arguidas, e três UC de taxa de justiça individual para a 3.a arguida, devendo as 1.a e 3.a arguidas pagar, cada uma delas, mil patacas de honorários ao seu Ilustre Defensor, e a 4.a arguida pagar mil e seiscentas patacas de honorários ao seu Ilustre Defensor, honorários todos esses a serem adiantados pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 28 de Outubro de 2010.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Segunda Juíza-Adjunta)
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