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Processo n.º 124/2010
(Recurso civil e laboral)

Data: 29/Julho/2010

RECORRENTE :
Recurso Final
Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L. (澳門旅遊娛樂有限公司)

Recurso Interlocutório
Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L. (澳門旅遊娛樂有限公司)

RECORRIDO :
A

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    
    I - RELATÓRIO
1. A STDM, melhor identificada nos autos, em acção laboral interposta por A, também melhor identificado nos autos interpõe dois recursos: do saneador, na parte em que a Mma Juiz não relevou a declaração de recebimento de fls 91, considerando-a nula por falta de forma, e da sentença proferida a final, nos termos da qual a ré STDM foi condenada a pagar dada quantia ao A., a título de créditos laborais.
2. A recorrente STDM conclui as suas alegações em relação ao recurso interlocutório da forma seguinte:
    I. O presente recurso versa sobre o despacho da Mma. Juiz a quo, de 23 de Janeiro de 2009 e constante de fls. 122 a 124, que julgou improcedente a excepção peremptória de pagamento e remissão, invocada pela Ré, ora Recorrente, nos artigos 1º a 34º da sua Contestação, e que extingue todos os créditos laborais peticionados nos presentes autos.
    II. Na sua Contestação, a R. sustentou que pagou todas as quantias em dívida ao A. e que este renunciou expressamente a quaisquer outras quantias, através da assinatura da declaração junta à Contestação como Doc. n.º 1.
    III. No despacho de que se recorre, a Mma. Juiz a quo veio, como se referiu supra, a entender que o que existiu entre as partes foi uma transacção a qual levou à emissão da declaração de fls. 91.
    IV. Com o devido respeito, em primeiro lugar, não se concorda com a tese de que o que existiu entre as partes foi uma transacção. Em segundo lugar, mesmo que se entenda que as partes celebraram uma transacção, não se vêem que medida é que se pode entender que esta não foi celebrada segundo a forma legalmente exigida.
    V. Salvo melhor entendimento, o douto Tribunal a quo, deveria ter qualificado a declaração da autora como uma remissão ou, em alternativa, como uma quitação acompanhada de reconhecimento negativo de dívida. Não o tendo feito, violou o artigo 776.º do CC.
    VI. Cabe aqui recordar que relativamente a casos em tudo idênticos ao presente existe jurisprudência firmada do Tribunal de Última Instância (TUI), coincidente com a posição maioritária no Tribunal de Segunda Instância (TSI), com a qual a decisão recorrida colide frontalmente.
    VII. A título de exemplo, vejamos o que foi dito a propósito desta matéria pelos Venerandos Juízes do TUI no Acórdão de 30 de Julho de 2008, no Processo n.º 27/2008: a declaração que a autora assinou tratava-se de uma quitação ou recibo, que é a declaração do credor, corporizada num documento, de que recebeu a prestação, prevista no art. 776.º do Código Civil.
    VIII. Mais se refere no mencionado acórdão que o reconhecimento negativo da dívida pode, de outra banda, "ser elemento de uma transacção, se o credor obtém, em troca do reconhecimento, uma concessão; mas não o é, se não se obtém nada em troca, havendo então um contrato de reconhecimento ou fixação unilateral, que se distingue da transacção por não haver concessões recíprocas".
    IX. Refere-se também que a transacção preventiva ou extra judicial não dispensa "uma controvérsia entre as partes, como base ou fundamento de um litígio eventual ou futuro: uma há-de afirmar a juridicidade de certa pretensão, e a outra negá-la".
    X. No caso deste recurso do TUI (como de resto acontece nos presentes autos, e diversamente do defendido no douto despacho recorrido), os Venerandos Juizes julgaram, e bem, que "nem da declaração escrita, nem das alegações das partes no processo, resulta tal controvérsia.".
    XI. E, quanto a esta matéria, conclui o identificado aresto da seguinte forma:
    "Em conclusão, afigura-se-nos mais preciso qualificar a declaração da autora como uma quitação acompanhada de reconhecimento negativo de dívida.
    Seja como for, trate-se de quitação, de remissão ou de transacção, os efeitos são semelhantes, já que, como se verá, se está perante direitos disponíveis, uma vez que a relação laboral já havia cessado, pelo que a consequência é a inexistência do direito de crédito contra a ré.". (negro e sublinhado nosso)
    XII. Assim, a Mma. Juiz a quo, ao não ter qualificado a declaração da autora como uma quitação acompanhada de reconhecimento negativo de dívida violou o artigo 776º do CC.
    XIII. O douto despacho recorrido interpretou e aplicou erradamente os artigos 1.174° e 212º do CC e é nulo por falta de fundamentação, devendo ser revogado por V. Exas. em conformidade.
    XIV. Salvo o devido respeito por opinião contrária, parece duvidoso que dos factos dados como provados nos autos se possa concluir que a data da assinatura da declaração junta à contestação como Doc. n.º 1 existisse um litígio entre as partes.
    XV. Mas, como se viu supra, a Mma. Juiz a quo considerou que o que existiu foi um transacção entre as partes. Ora, salvo. o devido respeito, ao decidir neste sentido, a Mma. Juiz aplicou erradamente o artigo 1.174º do CC, pois no caso dos autos não existiu qualquer transacção.
    XVI. Mas ainda que se admitisse a hipótese da existência de uma transacção, tal não implicaria a improcedência da excepção alegada pela R..
    XVII. Vejamos: também da hipótese do negócio celebrado entre A. e R. configurar uma transacção cuidou o supra referido acórdão proferido pelo Venerando TUI em 30 de Julho de 2008, no processo n.º 27/2008. Com efeito, e conforme se transcreveu anteriormente, pode ler-se no referido acórdão: "Seja como for, trate-se de quitação, de remissão ou de transacção, os efeitos são semelhantes, já que como se verá, se está perante direitos disponíveis, uma vez que a relação laboral já havia cessado, pelo que a consequência é a inexistência do direito de crédito contra a ré". (negro e sublinhado nosso)
    XVIII. Sucede que o douto Tribunal recorrido interpretou erradamente os artigos 1.174° e 212° do CC, ao defender que "a transacção acima referida não foi celebrada segundo a forma legalmente exigida, ao abrigo do disposto no artigo 212° do CC", concluindo dessa afirmação que "a mesma é nula e, como tal, não produtora de qualquer efeito."
    XIX. Ora, salvo o devido respeito, que é, como se adivinha, muito, não se compreende como é o despacho recorrido pode considerar que a hipotética transacção não foi celebrada segundo a forma legalmente exigida, nem, salvo melhor opinião, o referido despacho fundamentou tal decisão.
    XX. Como se sabe, e bem se refere no despacho recorrido, nos termos do artigo 1.174° do CC, "A transacção preventiva ou extra judicial deve constar de escritura pública quando dela possa derivar algum efeito para o qual a escritura seja exigi da, e deve constar de documento escrito nos casos restantes".
    XXI. Ora, salvo mais douta opinião, da a1egada transacção celebrada pela A. e pela R. não derivou, nem era suposto derivar, qualquer efeito para o qual escritura pública seja exigida.
    XXII. Por outro lado, não se vê como é que se pode entender que o referido negócio não consta de documento escrito, pois, como se sabe, o Doc. n.º 1 junto à Contestação corporiza o acordo celebrado entre A. e R., quer se entenda que este se trata de uma remissão, um instrumento ou documento de quitação ou de reconhecimento negativo de dívida.
    XXIII. Com o devido respeito, não se pode aceitar que simultaneamente se diga que tendo existido uma transacção entre as partes, tal transacção levou à emissão da declaração de fls. 91, sendo esta declaracão mero acto posterior àquela, e fundamentar a nulidade da transacção na falta de forma do negócio! (negro sublinhado nosso)
    XXIV. Isto é, não se aceita que se afirme que o documento (escrito), de onde consta a declaração do A., de que "nenhum outro direito decorrente da relação de com B subsiste e, por consequência, nenhuma quantia é por si exigível, qualquer forma, à mesma empresa", é um "mero acto" posterior à transacção, para depois se concluir que a transacção é nula por falta de forma.
    XXV. Neste contexto, o douto despacho recorrido interpretou e aplicou erradamente os artigos 1.174º e 212º do CC, e é nulo por falta de fundamentação na parte que respeita à falta de forma da transacção, devendo ser revogado por V. Exas. em conformidade.
    
    Nestes termos, defende, a final, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão interlocutória contida no despacho saneador recorrido.
3. Veio ainda a ser interposto recurso da sentença proferida a final, por banda da STDM, recurso esse de que só se conhecerá, se a recorrente não tiver vencimento no primeiro, pois que se aí obtiver vencimento os créditos reclamados por essa via mostrar-se-ão extintos.
    4. Foram colhidos os vistos legais.
    II - FACTOS
    Com pertinência para a decisão da presente questão, resulta dos autos a factualidade seguinte:
   O A. manteve uma relação laboral com a R. estabelecida em 1 de Fevereiro de 1978.
   Tal relação cessou em 21 de Julho de 2002 .
    No dia 17 de Julho de 2003, o Autor subscreveu a declaração cujo teor consta de fls. 91, com o seguinte teor : “Eu, (.........) titular do BIR n.º5/036250/8 recebi, voluntariamente, a título de prémio de serviço, a quantia de MOP$ 29,790.10 da STDM, referente ao pagamento de compensação extraordinária de eventuais direitos relativos a descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios, eventual licença de maternidade e rescisão por acordo do contrato de trabalho, decorrentes do vínculo laboral com a STDM.
    Mais declaro e entendo que, recebido o valor referido, nenhum outro direito decorrente da relação de trabalho com a STDM subsiste e, por consequência, nenhuma quantia é por mim exigível, por qualquer forma, à STDM, na medida em que nenhuma das partes deve à outra qualquer compensação relativa ao vínculo laboral”.
    
    III - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso (da decisão interlocutória) passa pela análise das seguintes questões:
    - Da observância da forma legal
    - Da aplicação do Código Civil em detrimento do DL 87/89/M de 3/Abril
    - Da natureza, validade e alcance da declaração e da disponibilidade ou indisponibilidade dos direitos
    - Do princípio do favor laboratoris
- Da validade da declaração
    
    Este recurso, se improcedente, mostrando-se definitivamente julgada a excepção peremptória relativa à apreciação da declaração remissiva dos créditos anteriores prejudicará necessariamente a questão relativa à prescrição de dados créditos, pois que todos eles estão abrangidos por aquela declaração, donde, por razões de ordem lógica, se conhecerá previamente deste recurso final.
    
    2. A Mma juiz considerou que a dita declaração consubstanciada no documento de fls 91 era nula por falta de forma, face ao disposto no artigo 1174º do CC, porquanto do que se tratou foi de uma verdadeira transacção - e não já de uma remissão - que pôs termo ao litígio que opunha a trabalhadora à entidade patronal.
    Importa então ver da natureza dessa declaração de forma a indagar se se observam ou não requisitos devidos quanto à forma da mesma.
    Insurge-se a recorrente contra quem fora pedido o pagamento das compensações devidas pelo pretenso não gozo de determinados descansos (semanal, anual e feriados), durante os anos em que trabalhou para a Ré STDM, pela aplicação do artigo 854º do CC, tomada como remissão dos créditos a declaração acima referida, segundo a qual o trabalhador, aquando da cessação da relação laboral assinou uma declaração dizendo receber as quantias a que considerava com direito, mais dizendo que considerava não subsistir qualquer outro direito decorrente da relação laboral que então findava.
    E por considerar que a situação não integra qualquer lacuna, já que regulada pelos artigos 1º e 33º, entre outros, do RJRL (DL24/89/M, de 3/4), não seria aplicável o regime geral que, no fundo, permite a disponibilidade dos créditos do trabalhador.
    3. Antes de esmiuçar esta questão, importa caracterizar a natureza e alcance da declaração que o trabalhador assinou, para assim se ver se ela está ou não regulada no RJRL. Só se se concluir que se trata de uma renúncia de direitos indisponíveis abrangida por aquele regime se poderá afirmar a inaplicabilidade do regime geral consagrado na lei civil.
    Analisando a transcrita declaração, os seus termos, em chinês e em português, são claros e o sentido que um declaratário normal - e, tal como se assinala na douta sentença recorrida, face ao disposto no artigo 228º do CC, é esse o sentido que há que relevar - dali retira é que o trabalhador, face à rescisão do contrato de trabalho, no que respeita à relação laboral subsistente até então, recebeu uma certa quantia, referente a compensações de eventuais direitos, nomeadamente relativos aos descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios, aceitando que nenhuma outra quantia fosse devida.
    Em linguagem simples, deu quitação da dívida.
    4. Mas vem agora o trabalhador demandar outros montantes, quantitativamente muito maiores, numa desconformidade que desde logo impressiona, em relação àqueles que aceitou receber. E impressiona, porque em face de tais montantes, se não se considerava pago, face ao prejuízo que se afigurava, não devia ter assinado essa declaração.
    Dir-se-á que não tinha consciência do montante dos créditos ou que foi induzido em erro; mas essa é uma outra questão que devia ter sido alegada e comprovada, não se deixando de adiantar que tal como agora ocorreu não havia razões para se aconselhar sobre o alcance dos créditos a que efectivamente teria direito.
    Essa, contudo, é questão que não importa agora apreciar.
    5. Nem se diga que se tratou de uma renúncia de direitos indisponíveis.
    Não releva a natureza indisponível dos direitos concedidos ao trabalhador, a natureza proteccionista daquele diploma em relação a tais direitos, a necessidade de protecção da parte mais fraca, a posição dominante da concessionária empregadora, a menor margem de liberdade do trabalhador.
    A protecção que deve ser dispensada ao trabalhador não pode ser absoluta nem fazer dele um incapaz sem autonomia e liberdade, ainda que aceitando os condicionamentos específicos decorrentes de uma relação laboral.
    É verdade que, desde logo, o RJRL ,no seu art. 1°, pugnando pela "observância dos condicionalismos mínimos" nele estabelecidos, prevê que “O presente diploma define os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre empregadores directos e trabalhadores residentes, para além de outros que se encontrem ou venham a ser estabelecidos em diplomas avulsos.”
     E no art. 33º do R.J.R.T. ”O trabalhador não pode ceder, nem a qualquer outro título alienar, a título gratuito ou oneroso, os seus créditos ao salário, salvo a favor de fundo de segurança social, desde que os subsídios por este atribuídos sejam de montante igual ou superior ao dos créditos.”
    Daqui decorre que nenhum desses artigos contempla ex professo a situação em apreço. Antes respeitam a situações diferentes, nomeadamente o artigo 33º o que prevê é a impossibilidade de renúncia a um salário e não já às compensações devidas por trabalho indevido.
    Tais preceitos dispõem sobre a regulação do exercício de uma relação laboral ainda em aberto, compreendendo-se que por essa via, ao trabalhador sejam garantidos aqueles mínimos que o legislador reputa como as condições mínimas de exercício humano, digno e justo do trabalho a favor de outrem.
    Tais cautelas já não são válidas quando finda essa relação, como aconteceu no caso presente.
    E também não são válidas quando já não está em causa o exercício dos direitos, mas apenas uma compensação que mais não é do que a indemnização pelo não gozo de determinados direitos.
    Não deixaria de ser abusivo e contrário à autonomia da vontade e liberdade pessoal, próprias do direito privado, que alguém, incluindo o trabalhador, não pudesse ser livre quanto ao destino a dar ao dinheiro recebido, ainda que a título de compensações recebidas por créditos laborais.
    A não se entender desta forma, pese embora a aberração do argumento, ter-se-ia de obrigar o trabalhador a aceitar o dinheiro e, mais, importaria seguir o destino que ele lhe daria.
    6. Diferentes são as coisas quando o trabalhador está em exercício de funções e a sociedade exige que as condições de trabalho sejam humanas e dignificantes, não se permitindo salários ou condições concretas de exercício vexatórias e achincalhantes, materializando a garantia da sua subsistência e do seu agregado familiar. Essa tem de ser a inspiração do intérprete relativamente ao princípio favor laboratoris, mas que não pode ir ao ponto de converter o trabalhador num incapaz de querer, entender e de se poder e dever determinar.
    Nem aquele princípio, consagrado no artigo 5º do mesmo supra citado Regime nos seguintes termos “1. O disposto no presente diploma não prejudica as condições de trabalho mais favoráveis que sejam já observadas e praticadas entre qualquer empregador e os trabalhadores ao seu serviço, seja qual for a fonte dessas condições mais favoráveis. 2. O presente diploma nunca poderá ser entendido ou interpretado no sentido de implicar a redução ou eliminação de condições de trabalho estabelecidas ou observadas entre os empregadores e os trabalhadores, com origem em normas convencionais, em regulamentos de empresa ou em usos e costumes, desde que essas condições de trabalho sejam mais favoráveis do que as consagradas no presente diploma.” , poderá ter o alcance que se pretende, de limitar a capacidade negocial do trabalhador de forma tão extensa.
    O princípio do tratamento mais favorável "...assume fundamentalmente o sentido de que as normas jurídico-laborais, mesmo as que não denunciem expressamente o carácter de preceitos limitativos, devem ser em princípio consideradas como tais. O favor laboratoris desempenha pois a função de um prius relativamente ao esforço interpretativo, não se integra nele. É este o sentido em que, segundo supomos, pode apelar-se para a atitude geral de favorecimento do legislador - e não o de todas as normas do direito laboral serem realmente concretizações desse favor e como tais deverem ser aplicadas"1
    Noutra perspectiva2, considera-se que tratamento mais favorável ao trabalhador deve ser entendido em termos actualistas, como o conjunto dos valores que o Direito do Trabalho, de modo adaptado, particularmente defende e entre os quais, naturalmente, avulta a protecção necessária ao trabalhador subordinado. Quando haja um conflito hierárquico entre fontes do Direito do Trabalho, aplicam-se as normas que estabelecem tratamento mais favorável para o trabalhador, sejam elas quais forem; tal não se verificará quando a norma superior tenha uma pretensão de aplicação efectiva, afastando a inferior.
    Donde decorre que o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador não é erigido para sufragar toda e qualquer interpretação que permita o alargamento de uma tutela proteccionista injustificada, tendo antes na sua génese a exclusão de um regime, entre dois ou mais aplicáveis, que lhe seja menos favorável.
    7. Nesta conformidade falece ainda eventual invocação do artigo 6º do RJRL ”São, em princípio, admitidos todos os acordos ou convenções estabelecidos entre os empregadores e trabalhadores ou entre os respectivos representantes associativos ainda que disponham de modo diferente do estabelecido na presente lei, desde que da sua aplicação não resultem condições de trabalho menos favoráveis para os trabalhadores do que as que resultariam da aplicação da lei”,
     tendo-se como condições de trabalho, nos termos do art. 2º, al. d) todo e qualquer direito, dever ou circunstância, relacionados com a conduta e actuação dos empregadores e dos trabalhadores, nas respectivas relações de trabalho, ou nos locais onde o trabalho é prestado.
    Isto porque, como se disse, já não se trata de conduta e actuação no local de trabalho e exercício de funções.
    Tal é a situação dos autos, em que se mostrou cessada a relação laboral e assim se tem entendido em termos de Jurisprudência comparada.3
    8. Quanto à natureza e validade da declaração.
    Afastando-se, como se viu, a aplicabilidade do RJRL em relação à proibição de tal estipulação, importa atentar na natureza que assume a declaração emitida pelo trabalhador aquando da cessação da relação laboral.
    Em termos gerais, a remissão de dívida traduz-se na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação, feita com o acordo do devedor.
A primeira questão que se coloca é a de saber se o documento em causa constitui realmente um contrato de remissão. Pode-se entender que a referida declaração não configura um contrato de remissão, pois que tal implicaria uma identificação e reconhecimento de créditos de que prescindiria.
    Mas, o certo é que tal documento contém, pelo menos, uma declaração de quitação que, dada a sua amplitude, abrange todos os créditos resultantes da relação laboral em causa, incluindo os que eventualmente pudessem resultar da sua cessação.
    A remissão é uma das causas de extinção das obrigações e traduz-se na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação que lhe é devida, feita com a aquiescência da contraparte4, revestindo, por isso, a forma de contrato, como claramente se diz no art.º 854º, n.º 1, do C.C.: "O credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor."

    9. O que verdadeiramente caracteriza o contrato de remissão é a renúncia do credor ao poder de exigir a prestação que lhe é devida pelo devedor. Ao contrário do que acontece com o cumprimento (em que a obrigação se extingue pela realização da prestação devida) e ao contrário do que acontece na consignação, na compensação e na novação (em que o interesse do credor é satisfeito, não através da realização da prestação devida, mas por um meio diferente), na remissão, tal como na confusão e na prescrição, o direito de crédito não chega a funcionar. O interesse do credor a que a obrigação se encontra adstrita não chega a ser satisfeito, nem sequer indirecta ou potencialmente e, todavia, a obrigação extingue-se.5
O direito romano admitia a acceptilatio (remissão de uma obrigação verbal, mediante reconhecimento de se ter recebido a prestação, remissão que extinguia o crédito ipso jure), o pactum de non petendo (convenção pela qual o credor prometia ao devedor que não faria valer o crédito, definitiva ou temporariamente, contra todos - pactum in rem - ou contra determinada pessoa - pactum in provissem, produzindo o pacto o efeito de atribuir uma exceptio contra o crédito) e o contrarius consensus (convenção pela qual se extinguia toda uma relação obrigacional, derivada de um contrato consensual, o que só era possível se nenhuma das partes tinha ainda cumprido6
    Pode-se dizer, num certo sentido que, hoje, na remisão, - artigo 854ºdo Código Civil - extinguindo-se a obrigação, o interesse do credor não se satisfaz, nem sequer indirecta ou potencialmente.

10. Mas mesmo que, ainda porventura por algum excesso de rigor formal, se considerasse que o documento em causa não pudesse ser qualificado de remissão, por se entender ser necessário que a declaração nele contida tivesse carácter remissivo, isto é, que a parte tivesse declarado que renunciava ao direito de exigir esta ou aquela concretizada prestação, não se deixará de estar sempre perante uma declaração de quitação em que se consideravam extintos, por recíproco pagamento, ajustado e efectuado nessa data, toda qualquer compensação emergente da relação laboral, o que vale por dizer que todas as obrigações decorrentes do contrato de trabalho tinham sido cumpridas.
    Como diz Leal Amado7., uma quitação com aquela amplitude é, sem dúvida, uma quitação sui generis, uma vez que os credores não se limitaram a atestar que receberam esta ou aquela prestação determinada. Ao declarar que recebia as compensações a determinado título e que mais nenhum direito subsistia, por qualquer forma, nada devendo reciprocamente, atestaram que receberam todas as prestações que lhe eram devidas. E essa forma de quitação, por saldo de toda a conta, não deixa de ser admitida em direito.
    Perante isto, em vez de se perguntar se o autor renunciou ao direito às prestações que eventualmente lhe seriam devidas em consequência da cessação da relação laboral, perguntar-se-á se essas prestações já se mostram realizadas ou se se mostram extintas, sendo que a resposta a esta última questão, tida como relevante, é seguramente afirmativa, perante a clareza daquela afirmação.
    Na verdade, como inequivocamente decorre do teor do documento, os direitos abrangidos pela declaração emitida são os emergentes da relação contratual de natureza profissional que entre A. e Ré se manteve até àquela data.
    11. Poder-se-á ainda dizer que a extinção da relação laboral acordada, tornou impossível o cumprimento da obrigação de pagamento ao Autor, do que ele solicita. Daí que ele passasse a ser titular de um outro direito; tal como já se assinalou, o crédito peticionado é o crédito à indemnização devida pelo incumprimento das obrigações que decorreram para a entidade patronal de lhe garantir os aludidos repousos enquanto para ele trabalhou.
    Esta perspectiva afigura-se particularmente relevante.
    É que não se trata da disponibilidade de direitos, mas sim da compensação pela sua não satisfação.
    Pelo contrato havido e comprovado, no âmbito do qual foi emitida aquela declaração, as partes acordaram sobre o montante de indemnização ou "compensação" devida ao Autor e, com o recebimento dessa quantia, a correspondente obrigação da Ré, surgida em substituição da obrigação inicial, extinguiu-se pelo pagamento de que o A. deu total quitação, sendo legítima a transacção extrajudicial sobre o conteúdo ou extensão de obrigação da Ré nos termos do artigo 1172º do CC, não abrangida já por qualquer indisponibilidade.
    12. Anota-se ainda que no aludido documento, para além de que não se deixaram de concretizar a que título ocorreu o acerto final, quais as compensações a que se procedia, deu-se até quitação de todas e eventuais prestações não abrangidas por aquele recebimento.
    Tem-se até noutros casos invocado o argumento de o trabalhador se encontrar em notória situação de inferioridade e dependência ao assinar o recibo, pelo que, não manifestando qualquer vontade negocial, não terá tomado uma opção livre e consciente, uma escolha livre no tocante à assinatura da referida declaração, estaríamos perante uma situação de erro vício previsto no artigo 240º do CC, face à indução da conduta pela entidade pública tutelar e viciação da vontade, por temor, vista a continuação numa sociedade subsidiária da primeira empregadora.
    Trata-se, no entanto, de questão que não é colocada.
    
    13. Não se deixa de referir que esta interpretação, não obstante algumas divergências, não tem deixado de ser acolhida nos Tribunais de Macau, conforme parte da Jurisprudência do TSI e a Jurisprudência do TUI.8
    Assim se conclui pela não existência dos apontados vícios, não sendo de manter a douta decisão proferida, o que prejudica necessariamente o recurso final.
14. Estamos, pois, em condições de concluir que o referido documento assume uma natureza de quitação e de remissão abdicativa pela qual ficou claro que o trabalhador renunciava a quaisquer direitos emergentes da relação laboral que então cessava.
Não se deixará ainda de referir que não só não se vê razão para considerar estarmos perante uma transacção como pretende a Mmma Juiz, enquadrável no art. 1174º do CC, como ainda, a considerar esse entendimento, não se vê razão para que o mesmo houvesse de ser celebrado por escritura pública já que a produção de efeitos dali decorrente não obriga a que se exija escritura pública, contentando-se essa declaração negocial com a forma escrita, tal como ocorreu e sendo que nem sequer o contrato principal ( o contrato de trabalho) tem de revestir tal forma.
15. Como está bem de ver, relevando-se o documento de fls 91, como se releva, procedente deve ser julgada a excepção peremptória invocada, deixando de fazer sentir a apreciação do recurso final, vista a renúncia expressa e relevante de quaisquer créditos sobre a Ré por parte da A.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, nos termos e fundamentos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso interlocutório interposto, revogando em conformidade o decidido no Saneador, julgando procedente a excepção relativa à renúncia dos créditos reclamados nos autos por parte do A., e, em consequência absolvendo a Ré, STDM, dos pedidos formulados na acção pelo trabalhador A, ficando assim prejudicado o conhecimento do recurso da sentença proferida a final.
Custas dos recursos pelo recorrido.

Macau, 29 de Julho de 2010,

João A. G. Gil de Oliveira (Relator)
Tam Hio Wa (Primeira Juiz-Adjunta)
Lai Kin Hong (Segundo Juiz-Adjunto)








Processo nº 124/2010
Declaração de voto de vencido


Vencido por razões que já expus na declaração de voto de vencido que juntei, nomeadamente, aos Acórdão tirados nos processos nºs 62/2008, 101/2008, 120/2008 e 252/2008 e que aqui dou por integralmente reproduzidas.

RAEM, 29JUL2009

O juiz adjunto



Lai Kin Hong




1 - Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 11.ª edição, pág. 118.
2 - Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, pág. 219.
3 - Acs. STJ de 20/11/03, proc. 01S4270, de 12/12/01, proc. 01S2271, de 9/10/02, proc. 3661/02
4 - A. Varela, Das obrigações em geral, Coimbra Editora, 2.ª ed., vol. II, pag. 203
5 - A. Varela - Ob. cit., pág. 204
6 - Professor Vaz Serra, BMJ 43, 57.

7 - A Protecção do Salário, pag. 225, eparata do volume XXXIX do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
8 - Acs do TUI46/07, de 27/2/08; 14/08, de 11/6/08; 17/08, de 11/6/08; TSI, proc. 294/07, de 19/7, entre muitos outros
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