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Processo nº 242/2010
(Autos de recurso jurisdicional em matéria administrativa, fiscal e aduaneira)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:




Relatório

1. A (XXX) com os sinais dos autos, veio recorrer da sentença proferida pelo Mm° Juiz do Tribunal Administrativo que julgou improcedente o recurso contencioso que aí tinha interposto e em que pedia a anulação da decisão proferida pelo Exm° Director Substituto dos Serviços de Identificação de Macau que lhe tinha indeferido um pedido de emissão de Certificado Comprovativo do seu Direito de Residência em Macau.

Nas suas alegações, oferece as conclusões seguintes:
“1. A Sentença do Tribunal Administrativo proferida em 5 de Novembro de 2009, decidindo em não anular o acto de indeferimento do pedido de certificado de confirmação do direito de residência proferido pela Director dos Serviços de Identificação com fundamento na sua legalidade, incorre em erro de direito.
2. Conforme o artigo 1.° n.° 1 alínea 2) e artigo 4.° n°.2 alínea a 2) da Lei n.° 8/1999, apenas não é emitido o Certificado de Confirmação de Direito de Residência, aqueles que permanecem Macau ilegalmente.
3. O Recorrente nasceu em Macau no dia XX/XX/XX e possui a nacionalidade chinesa considerando o princípio de Jure Sanguinis porque a mãe XXX é também de nacionalidade chinesa.
4. Altura essa, que conforme o artigo 1.° do D.L. 40/81/M de 11 de Novembro, o Recorrente de nacionalidade chinesa nascido e residido em Macau tem o direito em viver em Macau e a obter uma cédula de identificação policial, como todos os outros chineses nascidos em Macau antes da decada de 90's.
5. No dia 29 de Março de 1990, o Governo de Macau legalizou os indocumentados e seus descendentes que haviam residido antes daquela Operação.
6. Em 27 de Janeiro de 1992 aprovou o D.L. n.° 6/92/M que no seu artigo 5.° n.° 1 estabelece sobre o direito da residência dos menores em Macau que passou a ter esse direito "os residentes no Território os menores, naturais de Macau, filhos de indivíduos autorizados, nos termos da lei, a residir em Macau ao tempo do seu nascimento ".
7. O que clarifica que só a partir de entrada em vigor deste D.L. n.°6/92/M é que os naturais de Macau, filhos de indivíduos não autorizados ou ilegais, não tinham o direito de residência.
8. Ou seja, para os chineses nascidos antes da vigoração do D.L. n.° 6/92/M tinham direito plena de residência e os nascidos depois desta lei, só adquirem o direito consoante os pais serem ou não residentes de Macau.
9. No caso do Recorrente, tendo lugar de nascimento em Macau, e consoante o D.L. 40/81/M que, explicitamente, adoptava o princípio Jure Solis, permitindo então que como qualquer indivíduo de nacionalidade chinesa e/ou nascido em Macau seja legalizado, e automáticamente adquirindo plenamente o seu direito de residência.
10. Uma vez tendo já o direito de residência o Recorrente tem direito de viver, entrar e sair livremente Macau. O que falhou ao Recorrente é a regularização formal da sua cidadania, ou seja, o tratamento do seu "cartão de cidadão"
11. À data de nascimento do Recorrente, a mãe XXX estava em situação clandestina em Macau e abandonou posteriormente o Território, razão pela qual impossibilitou cuidar o Recorrente, inclusivamente para o posterior tratamento dos documentos de identificação.
12. O recorrente não podia aproveitar na Operação Indocumentada de 29 de Março de 1990 uma vez apenas aquela Operação se destinava exclusivamente para o recenseamento dos imigrantes clandestinas vindos da China Continental e não os nativos de Macau.
13. O recorrente só pôde regularizar a sua situação quando recentemente atingiu a maioridade.
14. O Recorrente é um residente habitual desta RAEM pois tem cá mais 20 anos o centro efectivo e estável da sua vida pessoal, e único, tal como dizem os n°.s 2 e 3 do artigo 30° do Código Civil de Macau.
15. Diz o artigo 1° da Lei n.8/1999 que: 1. São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente designada por RAEM: 2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM; 4) Os indivíduos nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da RAEM, de ascendência chinesa (...) que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau; 5) Os indivíduos de ascendência chinesa (...), que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente; 9) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente; 10) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 9), nascidos em Macau, de idade inferior a dezoito anos, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos na alínea 9), sendo que o nascimento em Macau prova-se por registo de nascimento emitido pela conservatória competente de Macau.
16. Não se verifica ao Recorrente nenhuma das situações de permanência ilegal previstas no artigo 4° da Lei n°.9/1999, uma vez nasceu e viveu em Macau desde o seu nascimento, em 1989, razão pela qual lhe foram emitidos os documentos de nascimento e autorizado a frequentar o ensino infantil e primário.
17. Nos termos do artigo 4° da Lei 8/1999, explicita mais uma vez sobre o conceito de residência habitual: Um indivíduo reside habitualmente em Macau, nos termos da presente lei, quando reside legalmente em Macau e tem aqui a sua residência habitual,
18. E só se considera em residir ilegalmente em Macau as seguintes situações: 1) Se entrou em Macau ilegalmente; 2) Se permanece em Macau ilegalmente; 3) Se apenas tem autorização de permanência; 4) Se permanece em Macau na qualidade de refugiado; 5) Se permanece em Macau na qualidade de trabalhador não residente; 6) Se é membro de posto consular recrutado não localmente; 7) Se, após a entrada em vigor da presente lei, for sujeito a prisão por sentença condenatória transitada em julgado ou a prisão preventiva, salvo posterior absolvição; 8) Outros casos previstos em diplomas legais.
19. No caso do Recorrente, legalizou o seu direito de residência logo no seu nascimento em Macau, e sómente não regularizou os documentos de identificação por ser menor e que não tem em Macau alguém que tenha legitimidade para exercer o poder paternal.
20. Nunca pode considerar ao Requerente de permanência ilegal no Território, pois o máximo é não estar legalizado.”; (cfr., fls. 86 a 92).

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Sem resposta, vieram os autos a este T.S.I..

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Em sede de vista, juntou o Exm° Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Encontramo-nos de acordo com as doutas considerações expendidas pelo Exmo Colega junto do tribunal "a quo" e sobre as quais repousou, na generalidade, o decidido, agora em escrutínio, revelando-se, a nosso ver, sem consistência o alegado pelo recorrente.
Na verdade, assenta o mesmo, no essencial, a argumentação quanto à sua legal permanência e residência na Região no disposto no art° 1° do Dec Lei 40/81/M de 11/1 que, no seu critério, consagraria, na altura, o que denomina de ''jure solis", "permitindo então que como qualquer outro indivíduo de nacionalidade chinesa e/ou nascido em Macau sejam legalizados e automaticamente adquirindo plenamente o seu direito de residência".
No entanto, tal diploma reporta-se apenas à obtenção de cédula de identificação pessoal, a emitir pelo CPSP, destinada apenas a "provar a identidade do seu titular perante quaisquer autoridades, repartições públicas ou entidades particulares", não detendo as virtualidades que o recorrente parece querer incutir-lhe, a nível de autorização de permanência ou residência em Macau.
É claro que a situação é algo bizarra, dado tratar-se de indivíduo filho de mãe chinesa, nascido em Macau e aqui residente, permanentemente, por mais de 20 anos e a quem, além do mais, foram, em tempos emitidos documentos de nascimento, sendo autorizado a frequentar o ensino infantil e primário.
Tal circunstancialismo, contudo, não tem, por si, o condão de afastar a correcção da análise da sua situação empreendida na douta sentença em crise, não se podendo concluir que o recorrente tem residido/permanecido em Macau de forma legal.
Trata-se de situação peculiar, a exigir, concerteza, tratamento consonante e daí, quiçá, a “sugestão” contida no acto recorrido, no sentido de o mesmo requerer autorização de residência no Serviço de Migração da PSP.
O que se não pode exigir é que as entidades competentes, perante situação não abrangida pelos parâmetros legais exigíveis, hajam que emitir o pretendido certificado de confirmação do direito de residência. E, é disso que se trata.
Daí que se nos afigure não merecer provimento o presente recurso.”; (cfr., fls. 119 a 120).

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Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Vem dados como provados os factos seguintes (que não foram impugnados nem se mostram de alterar):
“O recorrente nasceu a XX de XXX de XXXX em Macau, onde tem residido habitualmente.
Por a mãe do recorrente não ter o estatuto de residente de Macau, voltou a viver no interior da China logo depois de ter dado à luz ele, e entregou-o ao cuidado dum amigo em Macau que se chama XXX(XXX).
Em 16 de Junho de 2008, o recorrente pediu ao Director dos Serviços de Identificação o Certificado de Confirmação do Direito de Residência através do seu advogado (vide anexos a fls. 17 a 24, aqui se dá por integralmente reproduzido o respectivo teor).
Em 3 de Setembro de 2008, o Director substituto dos Serviços de Identificação emitiu o ofício n.º 8599/DIR/2008, informando o recorrente do seguinte:
«... Em relação ao seu pedido do Certificado de Confirmação do Direito de Residência, por os seus pais não serem residentes de Macau na altura do seu nascimento, você não obteve o estatuto de residente de Macau por ocasião do seu nascimento. Você não foi autorizado a residir em Macau, o período da sua permanência em Macau não se considera como o da residência legal em Macau; você também não preenche o art.º 1.º, n.º 1, al. 1) e al. 2) da Lei n.º 8/1999 da RAEM, não tendo o estatuto de residente permanente de Macau. Pelo que a Direcção dos Serviços de Identificação não pode emitir-lhe o Certificado de Confirmação do Direito de Residência. Se queira residir em Macau, pode requerer a autorização de residência ao Serviço de Migração da Polícia de Segurança Pública.
Nos termos do art.º 5, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 7/1999, sendo para, querendo, deduzir a reclamação à Direcção dos Serviços de Identificação de acordo com o art.º 149.º do Código do Procedimento Administrativo ou recorrer a decisão nos termos do art.º 25 do Código de Processo Administrativo Contencioso ...»”; (cfr., fls. 75 a 77 e 107 a 117).

Do direito

3. Vem A recorrer da decisão proferida pelo Mm° Juiz do Tribunal Administrativo que julgou improcedente o recurso contencioso que aí tinha interposto e em que pedia a anulação da decisão proferida pelo Exm° Director Substituto dos Serviços de Identificação de Macau que, por sua vez, lhe tinha indeferido um pedido de emissão de Certificado Comprovativo do seu Direito de Residência em Macau, assacando, à dita decisão o vício de “erro de direito”.

Vejamos.

Sob a epígrafe “Confirmação do estatuto de residente permanente” prescreve o art. 7° da Lei n° 8/1999 que:
“1. O estatuto de residente permanente da RAEM é confirmado mediante um dos seguintes documentos válidos:
1) Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM;
2) Passaporte da RAEM;
3) Certificado comprovativo do direito de residência emitido pela DSI;
4) Certificado comprovativo do estatuto de residente permanente emitido pela DSI, nos termos do artigo 9.º.
2. Salvo disposição em contrário, os indivíduos que satisfaçam o disposto nas alíneas 2), 3) ou 6) do n.º 1 do artigo 1º, não portadores do BIR ou de documento de identificação da RAEM e residentes de outras regiões da China, com excepção da Região Administrativa Especial de Hong Kong e de Taiwan, para entrarem na RAEM com vista à fixação de residência devem possuir documento válido, emitido pelas autoridades competentes do Governo Popular Central para a fixação de residência em Macau, não sendo necessária a obtenção do certificado comprovativo do direito de residência.
3. Com excepção dos indivíduos referidos no número anterior, as demais pessoas que satisfaçam o disposto nas alíneas 2), 3), 5) ou 6) do n.º 1 do artigo 1.º, não portadores do BIR ou de documento de identificação da RAEM, devem requerer o certificado comprovativo do direito de residência.
4. As regras de emissão do certificado comprovativo do direito de residência são definidas por regulamento administrativo.”

E, nos termos do art. 1° do Regulamento Administrativo n° 7/1999, denominado “Regulamento para a Emissão do Certificado de Confirmação do Direito de Residência:
“1. Os indivíduos que declarem ter o direito de residência na Região Administrativa Especial de Macau, doravante designada por RAEM, nos termos das alíneas 2), 3), 5) e 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 da Região Administrativa Especial de Macau e não sendo titulares do Bilhete de Identidade de Residente de Macau válido ou do documento de identificação da RAEM válido, devem requerer o certificado de confirmação do direito de residência na Direcção dos Serviços de Identificação da RAEM, doravante designada por DSI, com excepção dos indivíduos referidos no n.º 2 do presente artigo.
2. Salvo disposição em contrário, os demais indivíduos que preencham os requisitos previstos nas alíneas 2), 3) ou 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 da Região Administrativa Especial de Macau e residam noutras regiões da República Popular da China, excepto na RAEHK e em Taiwan, devem, quando pretendam residir na RAEM, ter um documento válido para efeitos de residência emitido pelas autoridades competentes do Governo Popular Central, não lhes sendo exigido o certificado de confirmação do direito de residência.
3. Não é exigido a obtenção do certificado de confirmação do direito de residência aos indivíduos referidos nas alíneas 3) e 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 da Região Administrativa Especial de Macau, se no dia da apresentação do pedido forem menores e à data do seu nascimento a mãe já residia legalmente em Macau ou tenha adquirido o direito de residência em Macau.
4. O pedido para a emissão do certificado de confirmação do direito de residência é apresentado:
1) Pelo interessado ou seu representante legal;
2) Pelo pai, mãe ou tutor do interessado, por outras pessoas que exercem o poder paternal ou pelo curador ou representante legal do interessado, caso seja interdito ou inabilitado.”

Indeferido que foi o seu pedido de emissão do “Certificado” referido na alínea 3 do n° 1 do art. 7° da lei n° 8/1999, e julgado improcedente o recurso contencioso que de tal decisão de indeferimento interpôs para o Tribunal Administrativo, traz o recorrente o presente recuso jurisdicional, imputando, como se referiu, à decisão do Mm° Juiz a quo o vício de “erro de direito”.

Sem se deixar de reconhecer que a situação do ora recorrente não deixa de ter contornos trágicos, somos porém de opinião que, face ao quadro legal que incide sobre a matéria em questão, censura não merece a decisão recorrida, passando-se a expôr este nosso ponto de vista.

Pois bem, atenta a factualidade provada (e não impugnada), e recuando um pouco no tempo, importa aqui começar por atentar que, por Diploma Legislativo n° 1796, publicado no Boletim Oficial de Macau, n° 27 de 05.07.1969, também designado de “Regulamento sobre a entrada, permanência e fixação de residência na (então) província de Macau”, se estatuía que “Regem-se pelas disposições deste regulamento, a entrada, permanência e fixação de residência na província de Macau, de chineses e indivíduos de outras nacionalidades”; (cfr., art. 1°), e que “Salvo declaração expressa em contrário, as disposições deste regulamento não são aplicáveis aos:
a) Chineses provenientes da República Popular da China;
b) Chineses titulares do «Hong Kong Identity Cards» e do «Hong Kong Re-entry Permit»;
c) Chineses titulares da Cédula de Identificação Policial de Macau.”; (cfr., art. 2°).

Por sua vez, e certo sendo que logo no preâmbulo do dito regulamento se afirmava que “São excluídos do âmbito do presente diploma, com ressalva de algumas situações especiais, os chineses provenientes da República Popular da China, os chineses titulares do «Hong Kong Identity Card» e do «Hong Kong Re-entry Permit» e os chineses titulares da cédula de identificação Policial de Macau, todos eles sujeitos, há muito, a um regime especial mo que respeita à entrada, permanência e fixação de residência em Macau”, não é de olvidar que, nos termos do art. 20°, n° 1, se preceituava que:
“A fixação de residência na Província poderá ser autorizada aos chineses que reúnam as seguintes condições:
a) Possuam passaporte ou documento equivalente e autorização de regresso ou de entrada noutro país ou território, válidos por período não inferior a seis meses, a contar da data do respectivo pedido;
b) Estejam caucionados nos termos deste regulamento;
c) Tenham garantida, através do fiador constituído, a sua manutenção durante o período de residência provisória na Província e o seu repatriamento quando for caso disso (mod. 4)”, sendo de se salientar que, ao ora recorrente, (e ao abrigo deste diploma legal), nunca foi “autorizada” a sua fixação de residência em Macau.

O referido “Diploma Legislativo n° 1796” veio a ser revogado pelo D.L. n° 28/89/M de 02.05, (cfr., art. 49°), (sendo de referir também que por D.L. 40/81/M de 11.11, se regulamentou sobre a “cédula de identificação policial”, que nos termos do seu art. 2°, constituía apenas “documento bastante para provar a identidade do seu titular...”, e não, o “direito de residência”, notando-se porém que o ora recorrente também nunca foi titular deste documento).

No art. 1° deste D.L. n° 28/88/M, estatuía-se que:
“1. O presente diploma regula a entrada, permanência e fixação de residência no território de Macau.
2. Exceptuam-se da aplicação deste diploma os casos abrangidos por legislação ou regulamentação especial.”

E, prescrevia o seu art. 2° que:
“1. Sem prejuízo do disposto no artigo 15.º, n.º 1, alínea g), do Estatuto Orgânico de Macau, é livre a entrada, permanência e fixação de residência de cidadãos portugueses no território de Macau.
2. O disposto no número anterior aplica-se aos naturais de Macau, filhos de indivíduos autorizados, nos termos da lei, a residir no Território a título definitivo ao tempo do seu nascimento.”

Este D.L. n° 28/89/M, foi também revogado pelo D.L. n° 2/90/M de 30.01, (cfr., art. 51°), preceituando o seu art. 1° o mesmo que constava de idêntico preceito do anterior D.L. n° 28/89/M.

Porém, no seu art. 2°, estatuía-se que:.
“É livre a entrada, permanência e fixação de residência no Território dos naturais de Macau, filhos de indivíduos autorizados, nos termos da lei, a residir em Macau ao tempo do seu nascimento.”

Ora, atento o estatuído no n° 2 do art. 2° do D.L. n° 28/89/M, e sendo que a mãe do ora recorrente, não estava “legalmente autorizada a residir no Território a título definitivo ao tempo do seu nascimento”, evidente é a resposta, pois que afastada fica eventual conclusão favorável à pretensão do mesmo recorrente ao abrigo do diploma legal em questão.

Por sua vez, atenta também a redacção do art. 2° do D.L. n° 2/90/M, igual solução se nos mostra de adoptar.

Continuando, (e sem perder de vista a factualidade provada e atrás retratada), verifica-se também que ao recorrente nunca foi (sequer) emitido um “título de permanência temporária.”

De facto, e sendo tal matéria regulada pelo D.L. n° 49/90/M de 27.08, prescrevia, sob a epígrafe “Concessão”, o art. 2° deste diploma que:
“1. O título de permanência temporária, de modelo aprovado pelo Despacho n.º 49/GM/90, de 30 de Abril, será emitido pelas Forças de Segurança de Macau, através da Polícia de Segurança Pública, atentos os critérios fixados.
2. Aos filhos dos portadores de título de permanência temporária, nascidos no Território, que, nos termos da legislação em vigor não tenham direito a outro documento, será igualmente concedido o título de permanência temporária.
3. O título de permanência temporária é válido por um ano e renovável por períodos idênticos.
4. A emissão de segunda via do documento a que se refere este artigo só é permitida quando se prove, de forma inequívoca, a sua inutilização, roubo ou extravio.”

Ora, nesta conformidade, atento o n° 2 do preceito em questão, e certo sendo que não era a mãe do ora recorrente portadora de “título de permanência temporária”, óbvio nos parece que ao recorrente não podia ser emitido tal documento.

Sucede porém que o D.L. n° 2/90/M, veio também a ser revogado pelo D.L. n° 55/95/M de 30.10; (cfr., art. 41°).

Porém, atento o estatuído no seu art. 2°, onde se prescrevia que “É livre a entrada, permanência e fixação de residência no Território dos naturais de Macau, filhos de indivíduos autorizados, nos termos da lei, a residir em Macau ao tempo do seu nascimento.”, bem se vê que nenhuma alteração ocorreu no sentido de se poder acolher a pretensão do ora recorrente. (Note-se também que a redacção do art. 5° do D.L. n° 6/92/M de 27.01 que regula as regras para a “emissão do bilhete de identidade de residente”, não permitem outra solução, pois que aí se prescrevia que:
1. Consideram-se residentes no Território os menores, naturais de Macau, filhos de indivíduos autorizados, nos termos da lei, a residir em Macau ao tempo do seu nascimento.
2. Para efeitos de concessão de BIR a prova de residência dos menores a que se refere o número anterior faz-se pela apresentação de documento que, nos termos da legislação em vigor, comprove a residência no Território, à data do nascimento, de um dos pais.)

Continuando, e sendo de agora se voltar a verificar o regime da Lei n° 8/1999, também denominada “Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência na Região Administrativa Especial de Macau”, vejamos.

No termos do art. 1° desta Lei:
“1. São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente designada por RAEM:
1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM;
3) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 1) e 2), de nacionalidade chinesa e nascidos fora de Macau, se à data do seu nascimento o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos nas alíneas 1) ou 2);
4) Os indivíduos nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da RAEM, de ascendência chinesa e portuguesa, que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
5) Os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
6) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 4) e 5), de nacionalidade chinesa ou que ainda não tenham feito opção de nacionalidade, nascidos fora de Macau e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, satisfazia os critérios previstos nas alíneas 4) ou 5);
7) Os portugueses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe já residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
8) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
9) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
10) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 9), nascidos em Macau, de idade inferior a dezoito anos, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos na alínea 9).
2. O nascimento em Macau prova-se por registo de nascimento emitido pela conservatória competente de Macau.”

Por sua vez, estatui o seu art. 4° que:
“1. Um indivíduo reside habitualmente em Macau, nos termos da presente lei, quando reside legalmente em Macau e tem aqui a sua residência habitual, salvo o previsto no n.º 2 deste artigo.
2. Considera-se que um indivíduo não reside em Macau numa das seguintes situações:
1) Se entrou em Macau ilegalmente;
2) Se permanece em Macau ilegalmente;
3) Se apenas tem autorização de permanência;
4) Se permanece em Macau na qualidade de refugiado;
5) Se permanece em Macau na qualidade de trabalhador não residente;
6) Se é membro de posto consular recrutado não localmente;
7) Se, após a entrada em vigor da presente lei, for sujeito a prisão por sentença condenatória transitada em julgado ou a prisão preventiva, salvo posterior absolvição;
8) Outros casos previstos em diplomas legais.
3. Para os efeitos do estatuto de residente permanente referido nas alíneas 2), 5), 8) e 9) do n.º 1 do artigo 1.º e da perda do direito de residência referida no n.º 2 do artigo 2.º, a ausência temporária de Macau não determina que se tenha deixado de residir habitualmente em Macau.
4. Para a determinação da residência habitual do ausente, relevam as circunstâncias pessoais e da ausência, nomeadamente:
1) O motivo, período e frequência das ausências;
2) Se tem residência habitual em Macau;
3) Se é empregado de qualquer instituição sediada em Macau;
4) O paradeiro dos seus principais familiares, nomeadamente cônjuge e filhos menores.
5. Os sete anos consecutivos referidos nas alíneas 8) e 9) do n.º 1 do artigo 1.º, são os sete anos consecutivos imediatamente anteriores ao requerimento do estatuto de residente permanente da RAEM.”

E, como “norma transitória”, preceitua o art. 9° desta mesma Lei que:
“1. O BIR válido, que os residentes de Macau possuem antes do estabelecimento da RAEM, mantém-se válido depois de 20 de Dezembro de 1999, até à sua substituição por novo documento de identificação.
2. São considerados residentes permanentes da RAEM, os cidadãos chineses titulares do BIR emitido antes de 20 de Dezembro de 1999 que preencham um dos seguintes requisitos:
1) Constar do BIR que o local de nascimento é Macau;
2) Ter decorrido sete anos desde a data da primeira emissão do BIR;
3) Ser titular do Título de Residência Permanente emitido pelo Serviço de Migração do Corpo da Polícia de Segurança Pública de Macau.
3. Presumem-se residentes permanentes da RAEM os indivíduos referidos nas alíneas 4), 5) e 6) do nº 1 do artigo 1.º, titulares de BIR emitido antes de 20 de Dezembro de 1999 e que preencham um dos requisitos constantes do número anterior.
4. Para serem residentes permanentes, presume-se terem domicílio permanente em Macau, os indivíduos referidos nas alíneas 7) e 8) do n.º 1 do artigo 1.º que preencham um dos requisitos constantes no n.º 2, sem prejuízo da observação do disposto no n.º 1 do artigo 8.º, aquando da obtenção do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM.
5. Os indivíduos referidos na alínea 9) do n.º 1 do artigo 1.º, que preencham um dos requisitos constantes do n.º 2, para serem residentes permanentes, devem declarar ter domicílio permanente em Macau, nos termos dos números 1 e 2 do artigo 8.º.
6. Antes da substituição pelo Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM, o BIR de que os residentes com estatuto de residente permanente sejam titulares, tem o mesmo efeito do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM.
7. Antes da emissão do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM, os portadores do BIR podem requerer à DSI, de forma fundamentada, a emissão do certificado comprovativo do estatuto de residente permanente.
8. O certificado comprovativo do estatuto de residente permanente da RAEM deixa de ter validade logo após a emissão de Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM ao mesmo titular ou findo o processo para substituição do BIR pelo Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM.”

Ora, sem prejuízo do muito respeito por opinião em sentido diverso, não se vê que a situação do ora recorrente se enquadre em nenhuma das transcritas disposições, não vislumbrando nós assim nenhum “erro” que inquine a decisão recorrida.

De facto, não obstante nascido em Macau, a mãe do recorrente não “residia legalmente em Macau”, (pois que era “clandestina”), nem o ora recorrente residiu “habitualmente” em Macau, já que, para tal, e de acordo com o transcrito art. 4°, necessário era que fosse a mesma residência “legal”.

Por fim, não se olvida também que no art. 24°, da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau se preceitua que:
“São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau:
1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, bem como os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau;”

Assim, e à primeira vista, podia parecer que pelo facto de ser o ora recorrente “cidadão chinês”, e ter nascido em Macau, preenchidos estavam os pressupostos legais para se considerar o mesmo “residente permanente” da R.A.E.M..

Porém, não cremos que assim seja.

Importa atentar que em “nota justificativa” apresentada com a então “Proposta de Lei n° 6/I/1999-6”, e que hoje corresponde à Lei n° 8/1999, se fez constar o que segue:
“A presente Proposta de Lei é estabelecida de acordo com o artigo 24.° da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, os Esclarecimentos do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional sobre Algumas Questões relativas à Aplicação da Lei da Nacionalidade da República Popular da China na Região Administrativa Especial de Macau e o Parecer da Comissão Preparatória da Região Administrativa Especial de Macau quanto à aplicação do segundo parágrafo do artigo 24.° da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau.
De acordo com a Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, o conceito de residentes da Região Administrativa Especial de Macau abrange os residentes permanentes e os residentes não permanentes.
Considerando que, em Macau, o conceito de «residente permanente» só existirá oficialmente depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, é necessário definir claramente o conceito de residentes permanentes e residentes não permanentes, o conceito de direito à residência, a sua aquisição e perda, bem como as demais questões emergentes. A presente Proposta de Lei prevê disposições sobre a interpretação e a resolução das referidas matérias e questões.”

Assim, e em nossa opinião, há pois que proceder à leitura do transcrito comando do art. 24° da L.B.R.A.E.M. com as devidas cautelas, não sendo de se descurar o “complemento” que lhe é dado pela referida Lei n° 8/1999 e de onde resulta a solução que atrás se deixou consignada.

De facto, no referido “Parecer da Comissão Preparatória da Região Administrativa Especial de Macau da Assembleia Popular Nacional quanto à aplicação do parágrafo segundo do artigo 24.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China”, adoptado em 16 de Janeiro de 1999, pela Quinta Sessão Plenária da Comissão Preparatória da Região Administrativa Especial de Macau da Assembleia Popular Nacional, fez-se constar o que segue:
“Para efeitos de aplicação dos preceitos de residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau referidos no parágrafo segundo do artigo 24.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (doravante designada por Lei Básica), é elaborado o presente parecer para que seja tomado como referência ao elaborar a regulamentação da execução das leis pela Região Administrativa Especial de Macau:
1. Os bilhetes de identidade de residente de Macau válidos, cujos titulares sejam residentes de Macau antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, continuam a ser válidos até à sua renovação depois do dia 20 de Dezembro de 1999.
O residente de Macau, sendo cidadão chinês e titular do bilhete de identidade de residente acima mencionado, é considerado residente permanente da Região Administrativa Especial de Macau desde que reúna um dos seguintes requisitos:
1) ser natural de Macau, com menção no próprio bilhete de identidade;
2) ter completado sete anos, contados da data da primeira emissão do bilhete de identidade,
3) ser titular de Título de Residência Permanente de Macau válido ou de Atestado de Residência válido passado pelo Corpo de Polícia de Segurança Pública ou pela Direcção dos Serviços de Identificação de Macau, em que se comprova ter residido legalmente em Macau há sete anos consecutivos, se, entretanto, o bilhete de identidade de residente não puder comprovar que o seu titular tenha residido legalmente em Macau há sete anos consecutivos.
Os residentes de Macau, sendo portugueses ou de outra nacionalidade, só são considerados residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau se, para além de preencherem um dos três requisitos acima mencionados, tiverem também o seu domicílio permanente em Macau.
2. Os cidadãos chineses ou portugueses, nascidos em Macau, respectivamente referidos nas alíneas 1) e 3) do parágrafo segundo do artigo 24.º da Lei Básica, são considerados residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau, se os pais, ou só um deles, à data do seu nascimento, residiam legalmente em Macau, salvo aqueles que tenham preenchido um dos requisitos referidos no ponto n.º 1 do presente parecer.
3. Os filhos dos residentes permanentes, de nacionalidade chinesa e nascidos fora de Macau, referidos nas alíneas 1) e 2) do parágrafo segundo do artigo 24.º da Lei Básica, são aqueles cujos pais, ou só um deles, à data do seu nascimento, tenham adquirido a qualidade de residente permanente definida na Lei Básica, sujeitando-se ainda aqueles ao cumprimento das respectivas formalidades nos termos da lei quando pretenderem fixar residência na Região Administrativa Especial de Macau.
4. A contagem do tempo durante o qual os cidadãos chineses tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, referidos na alínea 2) do parágrafo segundo da Lei Básica, é a soma de qualquer período de tempo consecutivo.
A contagem do tempo durante o qual os portugueses e demais pessoas tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, conforme referidos nas alíneas 4) e 5) do parágrafo segundo do artigo 24.º da Lei Básica, deve satisfazer o requisito de residência permanente em Macau, pelo que a sua contagem é feita ininterruptamente durante sete anos consecutivos contados da data imediatamente anterior da apresentação do pedido para residente da Região Administrativa Especial de Macau.
Na contagem do prazo "consecutivo" de domicílio permanente em Macau, referido na Lei Básica, deve incluir os períodos em que se tenham deslocado ao exterior por motivos de estudo, de negócios e de visita de familiares.
5. Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 6) do parágrafo segundo do artigo 24.º da Lei Básica, em que à data do nascimento, os pais ou, só um deles satisfaziam o disposto na Lei Básica sobre residência permanente, podem ser admitidos como residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau, depois de completarem 18 anos de idade, desde que reúnam os requisitos definidos na alínea 5) do parágrafo segundo do artigo 24.º da Lei Básica.
6. Qualquer cidadão chinês que tenha adquirido o direito de residência em Macau, antes de emigrar para o exterior, pode manter esse direito e fixar a sua residência em Macau desde que reúna os requisitos exigidos na Lei Básica. Os cidadãos estrangeiros regressados a Macau podem ser admitidos como residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau desde que reúnam os requisitos constantes do parágrafo segundo do artigo 24.º da Lei Básica.
7. As disposições relativas à "residência permanente em Macau" e ao "domicílio permanente em Macau", são regulamentadas pela Região Administrativa Especial de Macau quanto à sua execução na Região Administrativa Especial de Macau”; (cfr., Aviso do Chefe do Executivo n° 5/1999, in B.O. n° 1/1999 de 20.12.1999, pág. 351, in “http://bo.io.gov.mo/bo/i/1999/01/aviso05.asp”).

Nesta conformidade, tendo em conta o teor do referido Parecer, e, em especial, o seu n° 1 e n° 2, – e como já dizia Jean Bodin, “não cabendo aos juízes julgar a lei, mas segundo a lei” – improcede o recurso.

Decisão

4. Nos termos que se deixam expostos, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente com 6 UCs de taxa de justiça.

Macau, aos 29 de Julho de 2010
José Maria Dias Azedo
陳廣勝(本人純粹以下列理由,認為賴嘉裕向中級法院提出的平常上訴之理由完全不成立:由於上訴人未能證明其於1989年在澳門出生時其母親或父親已是澳門居民,也未能證明其本人曾被有權限的官方實體批准在澳門居留,他即使已在本澳事實生活超過七年之久,也因並未符合《澳門特別行政區基本法》第24條第1或第2項的法定條件,而無權向身份證明局申領澳門居留權確認證明書。換言之,該局的拒發居留權確認證明書的行政決定並無上訴人所指的違法瑕疵,行政法院的一審裁定上訴人的司法上訴理由不成立的決定亦完全合法,中級法院應裁定本二審上訴的理由不成立)。
João A. G. Gil de Oliveira (vencido, conforme declaração de voto que junto)
Presente
Song Man Lei
Magistrado do M.ºP.º

Declaração de voto de vencido

Proc. 242/2010 - Adm.

1. Não obstante a brilhante inerpretação e levantamento muito pertinente, feito no acórdão, sobre o regime jurídico de residência no nosso ordenamento, que se afigura algo espartilhado e aparentando alguma incongruência, como já temos vindo a anotar, não acompanho a posição que fez vencimento, com todo o respeito por ela, por entender que a posição vertida no acórdão é estritamente positivista e não dá resposta satisfatória à situação humana e dramática que resultará da decisão tomada, como, aliás, o próprio acórdão reconhece.

    
    2. Trata-se de uma pessoa com 21 anos, nascida em Macau, que aqui criou raízes, cresceu, estudou, cruzou com pessoas e instituições, sempre aqui tendo vivido, nunca daqui tendo saído. Homem feito, não conhece outra terra. Não lhe sendo reconhecido o direito a aqui residir será muito provavelmente expulso para um lugar que não conhece, só não entrando numa situação de apatridia porque cidadão chinês. Borda fora, a meio da viagem, de uma vida, viagem que não escolheu.

Mas como está bem de ver as decisões judiciais não se podem pautar por razões sentimentais, devendo os Tribunais obediência à lei.

3. Ora, no cumprimento de tal dever, ensaiando uma outra interpretação, penso que o direito reclamado consegue obter tutela do nosso ordenamento, desde logo porque o art. 24º da Lei Básica preceitua que

“... São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau:
1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau...”.

A norma é clara, claríssima, e qualquer interpretação restritiva afrontará tal Lei Fundamental.
A situação dos autos integra-se em tal previsão, directamente, sem quaisquer tergiversações.
Aliás, essa a interpretação mais conforme ao exercício da soberania por parte da China, na componente extensível aos seus nacionais, por via deste regime específico, a par de outros, sendo que para outros cidadãos, como os portugueses, também com um estatuto de privilégio em relação aos demais, é necessário ainda que aí tenham o seu domicílio permanente - n.º 3 do art. 24º da LB.

4. A este argumento acresce que o acto praticado, ao não reconhecer o direito reclamado pelo recorrente, viola o princípio da legalidade, entendida esta como toda a juricidade que decorre do ordenamento no seu todo, não apenas a Lei Básica, mas ainda as fontes de Direito Internacional, os princípios que enformam a actividade administrativa e a lei em geral. (cfr. José Eduardo Figueiredo Dias, Man. Form. Dto Adm. Macau, 2006, 136).
Não é só a violação do citado preceito da LB, mas ainda o disposto ao direito a um tratamento humano, extensível aos não residentes que se encontrem em Macau, o que decorre e perpassa por todo o Cap. III da LB, em particular do art. 43º, como decorre ainda do art. 3º e 6º do CPA, tendo os administrados direito a um tratamento justo e humano, aqui nos remetendo para o princípio de justiça que deve ser levado em conta pela Administração, na asserção de que se deve pautar por critérios de humanidade e de valores – cfr. Freitas do Amaral, Curso Dto Ad., II, 120 e 139.

5. Para já não falar - se se considerar, mutatis mutandis, o estatuto da residência um estatuto cívico jurídico dos cidadãos próximo do da nacionalidade -, na violação do princípio natural de que todo o indivíduo tem o direito a uma ligação jurídica e afectiva com um determinado país, lugar ou região (cfr. art.15º, n.º 1 da DUDH).


6. Em termos de interpretação formal estrita e restritiva do Direito ordinário relativo à residência, a pressupor-se que o direito à residência permanente pressupõe uma residência habitual em Macau - interpretação restritiva que a supra indicada norma para constitucional não consente, em nossa modesta opinião - não se deixará de referir que tal argumento está viciado nos seus próprios termos no caso presente; se o recorrente não é residente habitual em Macau é porque reside ou residiu noutro lugar. Onde? Em mais lado nenhum.
Por esta via não se deixa de observar que a situação presente também pode ser integrada na previsão da primeira parte do n.º 2 do artigo 24º da LB e art. 1º, n.º 1 da Lei 8/1999 - “... os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau...” -, situação que, a meu ver, não é afastada por nenhuma das circunstâncias previstas no art.º 4º da mesma Lei.

7. Se se entender que a pretensa residência do recorrente em Macau está ferida com o pecado original cometido, não pelo próprio, mas pela sua mãe, que aqui terá vindo há 21 anos dar à luz ilegalmente, não seria despiciendo indagar o facto relevante para a definição da situação jurídico-estatutária do recorrente, por si alegado, no sentido de que a sua mãe obteve título de residência em 2006 - vista até a distribuição da regra do ónus da prova no contencioso administrativo -, pois aí esse pecado original estaria exaurido da ordem jurídica de Macau, não se compreendendo que o não estivesse igualmente para o filho que nunca daqui saiu.

8. Em suma, com todo o respeito por posição contrária, por via da norma directa da Lei Básica, por via da interpretação da lei ordinária acima aduzida, tudo reforçado por razões de justiça que mais não são do que a resposta às razões humanas reclamadas, princípios que não deixam de ser acolhidos pelo nosso ordenamento jurídico, não sufragaria o acto praticado, acolhendo os fundamentos alegados pelo recorrente na vertente interpretativa acima delineada.

Macau, 29 de Julho de 2010
O Juiz Adjunto,
João A. G. Gil de Oliveira
Proc. 242/2010 Pág. 38

Proc. 242/2010 Pág. 37