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Processo n.º 31/2011. Recurso relativo ao direito de reunião e manifestação.
Recorrentes: A.
Recorrido: Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública.
Assunto: Direito de manifestação. Recurso. Plena jurisdição. Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública. Poderes discricionários. Distância mínima da Sede do Governo. Segurança pública. Bom ordenamento do trânsito de pessoas e veículos nas vias públicas.
Data da Sessão: 25 de Junho de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.
SUMÁRIO:
I – O recurso previsto no artigo 12.º da Lei n.º 2/93/M, de 17 de Maio, é um meio processual de plena jurisdição.
II – Viola o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 8.º da Lei n.º 2/93/M, o despacho do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública que impede manifestação a distância não inferior a 30 metros da Sede do Governo, com fundamento em razões de segurança pública, por proximidade desta Sede.
III – O acto de restrição ou proibição de reunião ou manifestação do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, previsto no artigo 8.º da Lei n.º 2/93/M, é proferido no uso de poderes discricionários.
IV - Com fundamento no bom ordenamento do trânsito de pessoas e de veículos nas vias públicas, o Comandante da Polícia de Segurança Pública pode alterar os trajectos programados de desfiles ou cortejos ou determinar que os mesmos se façam só por uma das faixas de rodagem.
  O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório e factos provados
1. A, promotor de manifestação a realizar entre os dias 21 de Junho e 7 de Julho de 2011, das 10 às 21 horas, a 30 metros da frente da Sede do Governo, interpôs recurso do despacho do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), de 17 de Junho de 2011, que decidiu ser inviável a manifestação no mencionado local.

2. O aviso do promotor da manifestação, dirigido ao presidente do conselho de administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), foi o seguinte:
“Destinatário: ao abrigo dos dispostos no art.º 5.º da Lei n.º 2/93/M, avisa-se, por escrito, o presidente do Conselho de Administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais da seguinte actividade de reunião:
Despertar o governo transparente para os fumos de corrupção
Tema: Amor à Pátria e a Macau, salvar o nosso lar, despertar o governo transparente para os fumos de corrupção.
Demanda: Apoiar a construção do sistema de metro ligeiro de Macau, opor-se à fixação do percurso de metro ligeiro nas ruas estreitas para garantir a segurança da vida e do património da população.
Objectivo: Fixar o percurso de metro ligeiro conforme o plano original, ou seja que construir o metro ligeiro ao longo das ruas largas e litorais, a fim de promover o desenvolvimento sustentável de Macau.
Tema da opinião pública: Pede-se ao governo popular para salvar os residentes patrióticos, lutar contra a corrupção, construir um governo transparente, combater às forças malvadas, e promover o desenvolvimento sustentável e harmonioso de Macau.
Data de reunião: Dos 21de Junho aos 7 de Julho de 2011
Hora de reunião: Das 10 horas de manhã até às 9 horas da noite
Trajecto: Início no Largo do Senado, passando por as Portas do Cerco, o Parque Dr. Carlos D`Assumpção, o Centro Cultural de Macau e o Jardim de Iao Hon, e concentrando-se à distância de 30 metros da frente do Gabinete do Chefe do Executivo sito na Rua Central”.

3. O mencionado despacho do Comandante CPSP, de 17 de Junho de 2011, é do seguinte teor:
“II. Informação sobre a actividade:
Após a recepção do respectivo aviso prévio, o CPSP contactou com o promotor A para verificar os lugares da actividade (Portas do Cerco e o lugar à distância de 30 metros da frente do Gabinete do Chefe do Executivo sito na Rua Central), e o promotor confirmou que os lugares eram à frente da Padaria King`s na Praça das Portas do Cerco e à distância de 30 metros da frente da sede do Governo na Rua de S. Lourenço.
III. Análise:
1. Um dos lugares da reunião situa-se à distância de 30 metros da frente da sede do Governo na Rua de S. Lourenço, e nas proximidades deste lugar ficam zonas residenciais de alta densidade, o principal local de serviço da autoridade administrativa, duas escolas (Instituto Salesiano e Colégio de São José) e a Igreja de S. Lourenço. Os passeios no local (Rua de S. Lourenço, Travessa do Paiva e Travessa do Padre Narciso) são muito estreitos, dos quais o passeio da Rua de S. Lourenço ao lado da sede do Governo tem 1,7 metros de largura, o passeio oposto tem 1,8 metros de largura e a faixa de rodagem tem apenas 5 metros de largura, ademais, as ruas próximas são de único sentido, constituindo um nó rodoviário (da Rua da Praia do Manduco à Avenida da Praia Grande, e da Avenida de Almeida Ribeiro ao Templo de A-Ma). Durante as férias, quando realiza-se medida de corredor de circulação na Avenida de Almeida Ribeiro, o trânsito será mais intensivo, pelo que se for realizada manifestação no referido lugar, causará sem dúvida problema de segurança e perturbação aos utentes da via pública. Temos a seguinte explicação concreta:
a) O horário da manifestação coincide parcialmente com o horário escolar e o horário de trabalho, e ao mesmo tempo, o lugar da manifestação fica perto de construção incluída na lista do Património Mundial da UNESCO, onde se encontra grande quantidade de pessoas;
b) O lugar da manifestação fica perto da sede do Governo da RAEM, onde são estabelecidos os gabinetes do Chefe do Executivo e dos Secretários, o Conselho Executivo e vários serviços de apoio. Estes órgãos são o núcleo da administração da RAEM, por isso, além da garantia do seu funcionamento normal, a garantia da segurança dos oficiais públicos e dos hóspedes da sede do Governo e do Conselho Executivo constitui também uma das preocupações da ordem pública.
2. Um outro lugar da manifestação é o Largo do Senado que se situa na zona central de Macau, entre o Largo de S. Domingos (entre o Largo do Senado e as Ruínas de S. Paulo) e a Avenida de Almeida Ribeiro (avenida principal de Macau), ficando na sua volta muitas lojas (bancos, farmácias, lojas de jóia e ouro, lojas de relógio, lojas de vestuário, lojas de especialidade e restaurantes) e várias construções históricas incluídas na lista do Património Mundial da UNESCO (a Secretaria Notarial, o Edifício do IACM, o Edifício da Direcção dos Serviços de Correios e a Igreja de S. Domingos, etc.). E a zona reservada para transeuntes no Largo é um dos lugares que a maior parte dos visitantes tem que conhecer, pelo que há sempre grande quantidade de pessoas nesta zona, especialmente nas férias.
3. Os outros lugares de manifestação situam-se à frente da Padaria King`s na Praça das Portas do Cerco, no Parque Dr. Carlos D`Assumpção, no Centro Cultural de Macau e no Jardim de Iao Hon, e a ocupação de grande espaço dos locais públicos acima referidos obstará o trânsito público.
IV. Decisão:
1. Pelos exposto, é inviável a realização de manifestação em um dos lugares solicitados (à distância de 30 metros da frente da sede do Governo na freguesia de São Lourenço), porque:
a. O lugar da reunião é bastante aproximado da sede do Governo e causará influência grave ao interesse público e à segurança pública;
b. Causará também influência grave ao bom ordenamento do trânsito de pessoas de veículos nas vias públicas. Ao abrigo dos dispostos no art.º 8.º, n.º 2 e n.º 3, e art.º 11.º da Lei n.º 2/93/M de 17 de Maio, não se permite a realização da respectiva reunião.
2. Deve-se obedecer aos deveres gerais previstos no art.º 2.º do Regulamento Geral dos Espaços Públicos;
3. Nos termos do art.º 4.º da Lei n.º 2/93/M:
Não é permitida a realização de reuniões ou manifestações entre as 0,30 e as 7,30 horas;
4. Deve-se obedecer ao art.º 11.º n.º 1 al. c) da Lei n.º 2/93/M, é proibida a prática de actos contrários à lei que perturbem grave e efectivamente a segurança pública ou o livre exercício dos direitos das pessoas, e deve-se garantir o trânsito na via pública nos lugares de reunião para não afectar outros utentes da via, bem como não ocupar muito espaço ao mostrar objectos relacionados com a manifestação;
5. Deve-se manter a ordem de reuniões e manifestações e garantir a realização destas numa atmosfera pacífica e racional;
6. Deve-se não produzir ruído ou praticar actos que prejudicam a salubridade pública ou provocam perturbação a outras pessoas;
7. O promotor pode interpor recurso para o Tribunal de Última Instância ao abrigo do art.º 12.º da supracitada lei”.

4. Alega o recorrente o seguinte:
  “III. Nos termos do art.º 8.º n.º 3 da Lei n.º 2/93/M, o CPSO, “fundada em razões de segurança pública devidamente justificadas, pode exigir que as reuniões ou manifestações respeitem uma determinada distância mínima (não superior a 30 metros) das sedes do Governo e ……”. O lugar da reunião a ser realizada pela nossa Associação já respeita uma distância de 30 metros da sede do Governo. Pelo que o CPSP não tem fundamento de direito para rejeitar o nosso pedido de reunião com a razão de “o lugar da reunião é bastante aproximado da sede do Governo e causará influência grave ao interesse público e à segurança pública”.
  IV. De facto, para as expressões de “aproximado” e “distância suficiente”, pode-se ter entendimentos diferentes segundo perspectivas diferentes, uma distância de 3 mil metros pode ser considerada curta e uma distância de 3 metros também pode ser considerada longínqua. Por isso, não se pode definir de forma subjectiva se uma distância é curta ou longínqua. O legislador da Lei n.º 2/93/M já dispõe expressamente que esta distância suficiente é 30 metros. O CPSP não tem direito a ignorar as disposições legais existentes e entender subjectivamente que a distância de 30 metros é “aproximada”, pelo que a sua decisão é injustificada e absurda”.

5. A entidade recorrida respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência.

II – O Direito
As questões a apreciar
  Está em causa saber se o despacho recorrido violou a lei ao impedir manifestação a não menos de 30 metros da Sede do Governo, com fundamento na proximidade deste local, e com fundamento no bom ordenamento do trânsito de pessoas e veículos nas vias públicas.

1. Imposição de restrições às manifestações, pelo comandante do CPSP: Proximidade da sede do Governo e de outros edifícios públicos.
O despacho recorrido não permitiu a manifestação junto ao edifício da sede do Governo, com fundamento em duas ordens de razões:
- Em primeiro lugar, “O lugar da reunião é bastante aproximado da sede do Governo e causará influência grave ao interesse público e à segurança pública”;
- Em segundo lugar, “Causará também influência grave ao bom ordenamento do trânsito de pessoas de veículos nas vias públicas”.
O fundamento jurídico da recusa é o seguinte:
“Ao abrigo dos dispostos no art.º 8.º, n.º 2 e n.º 3, e art.º 11.º da Lei n.º 2/93/M de 17 de Maio, não se permite a realização da respectiva reunião”.
É o artigo 8.º da Lei n.º 2/93/M, que regula a imposição de restrições às manifestações, pelo comandante do CPSP, com fundamento em razões do bom ordenamento do trânsito de pessoas e veículos e de segurança pública.
Dispõe o seguinte:
“Artigo 8.º
(Imposição de restrições pelo comandante da PSP)
1. O presidente do conselho de administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais dará imediato conhecimento ao comandante da Polícia de Segurança Pública dos avisos recebidos nos termos do artigo 5.º
2. Se tal se revelar indispensável ao bom ordenamento do trânsito de pessoas de veículos nas vias públicas, o comandante da Polícia de Segurança Pública pode, até 24 horas antes do seu início e através da forma prevista no artigo 6.º, alterar os trajectos programados de desfiles ou cortejos ou determinar que os mesmos façam só por uma das faixas de rodagem.
3. No prazo e pela forma previstos no número anterior, a mesma entidade, fundada em razões de segurança pública devidamente justificadas, pode exigir que as reuniões ou manifestações respeitem uma determinada distância mínima das sedes do Governo e da Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau, dos edifícios afectos directamente ao funcionamento destes, da sede do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, das instalações dos tribunais e das autoridades policiais, dos estabelecimentos prisionais e das sedes de missões com estatuto diplomático ou de representações consulares, sem prejuízo do disposto no artigo 16.º
4. A distância referida no número anterior não pode ser superior a 30 metros”.

O acto recorrido invocou como primeiro fundamento para a recusa da manifestação no local em causa, a relativa proximidade da sede do Governo, por razões de segurança pública.
Mas não podia fazê-lo, porque resulta claramente dos n.os 3 e 4 do artigo 8.º da Lei n.º 2/93/M, que o comandante do CPSP, com fundamento em razões de segurança pública, pode exigir que as reuniões e manifestações respeitem uma determinada distância mínima das sedes do Governo e de outros edifícios públicos, mas tal distância não pode ser superior a 30 metros.
Quer isto dizer, que a lei não permite que a as autoridades proíbam manifestações que se realizem a uma distância de, pelo menos, 30 metros da Sede do Governo, com fundamento na excessiva proximidade deste local e fundada em razões de segurança pública.
Ora, o promotor pretendia manifestar-se à distância de 30 metros da sede do Governo, pelo que a lei não concede poderes ao comandante do CPSP para impedir manifestações, com fundamento em razões de segurança pública, por excessiva proximidade da Sede do Governo.
O despacho recorrido violou, pois, o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 8.º da Lei n.º 2/93/M.
  
  2. Imposição de restrições às manifestações, pelo comandante do CPSP: Bom ordenamento do trânsito de pessoas e veículos nas vias públicas.
Porém, o acto recorrido fundamentou a proibição da manifestação no local em causa, com um segundo fundamento, por a mesma manifestação causar “também influência grave ao bom ordenamento do trânsito de pessoas de veículos nas vias públicas”.
E acrescentou:
“... e nas proximidades deste lugar ficam zonas residenciais de alta densidade, o principal local de serviço da autoridade administrativa, duas escolas (Instituto Salesiano e Colégio de São José) e a Igreja de S. Lourenço. Os passeios no local (Rua de S. Lourenço, Travessa do Paiva e Travessa do Padre Narciso) são muito estreitos, dos quais o passeio da Rua de S. Lourenço ao lado da sede do Governo tem 1,7 metros de largura, o passeio oposto tem 1,8 metros de largura e a faixa de rodagem tem apenas 5 metros de largura, ademais, as ruas próximas são de único sentido, constituindo um nó rodoviário (da Rua da Praia do Manduco à Avenida da Praia Grande, e da Avenida de Almeida Ribeiro ao Templo de A-Ma). Durante as férias, quando realiza-se medida de corredor de circulação na Avenida de Almeida Ribeiro, o trânsito será mais intensivo, pelo que se for realizada manifestação no referido lugar, causará sem dúvida problema de segurança e perturbação aos utentes da via pública. Temos a seguinte explicação concreta:
a) O horário da manifestação coincide parcialmente com o horário escolar e o horário de trabalho, e ao mesmo tempo, o lugar da manifestação fica perto de construção incluída na lista do Património Mundial da UNESCO, onde se encontra grande quantidade de pessoas”.
E o despacho invocou o disposto no n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 2/93/M.
O recorrente não impugnou este fundamento para a proibição da manifestação no local.
E, nesta parte, o acto não merece censura.
É que, com fundamento no bom ordenamento do trânsito de pessoas de veículos nas vias públicas, o comandante da Polícia de Segurança Pública pode alterar os trajectos programados de desfiles ou cortejos ou determinar que os mesmos se façam só por uma das faixas de rodagem.
  Ora, o local em causa é uma via estreita, apenas com uma faixa de rodagem e com sentido único de trânsito.
  Os passeios são estreitos. A zona é densamente habitada, com várias escolas muito frequentadas e onde se situa a Sede do Governo, com necessidade constante de trânsito de pessoas e veículos.
  A manifestação pretendida era entre os dias 21 de Junho e 7 de Julho de 2011, das 10 às 21 horas.
  A decisão de proibir manifestação, que levaria ao encerramento de uma via durante 17 dias e às horas do dia mais movimentadas, integra-se nos limites dos poderes discricionários da Administração. Nem, aliás, o recorrente alega o contrário.
Tem este Tribunal entendido que o presente recurso não é de mera anulação, antes tem a natureza de meio processual de plena jurisdição.
Logo, este fundamento é bastante, por si só, para suportar a decisão.
O recurso não merece, pois, provimento.

III – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 2 UC.

Macau, 25 de Junho de 2011.

   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin



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Processo n.º 31/2011

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Processo n.º 31/2011